Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000707-37.2018.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: HAROLDO JORGE FRILLOCCHI

Advogados do(a) APELANTE: EDEMEIA GOMES DE MORAIS - SP217480-A, FERNANDA GODOY MIGLIOLLI - SP264186-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000707-37.2018.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: HAROLDO JORGE FRILLOCCHI

Advogados do(a) APELANTE: EDEMEIA GOMES DE MORAIS - SP217480-A, FERNANDA GODOY MIGLIOLLI - SP264186-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta por Haroldo Jorge Frillocchi contra a sentença (Id. n. 167994853), que o condenou pela prática dos crimes descritos no art. 168-A, § 1º, I, c. c. art. 71, ambos do Código Penal, e no art. 337-A, III, c. c. art. 71, ambos do Código Penal, todos c. c. art. 69 do Código Penal, à pena de 7 (sete) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 22 (vinte e dois) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na época do fato.

A defesa apela alegando o seguinte:

a) ocorrência da prescrição da pretensão punitiva entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia;

b) nulidade da sentença por ilegitimidade de parte;

c) ausência de autoria delitiva;

d) subsidiariamente, requer a redução das penas e a fixação do regime inicial aberto (Id. n. 167994857 e 167994858).

Com contrarrazões (Id. n. 167994868).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Paulo Taubemblatt, manifestou-se pelo desprovimento do recurso da defesa (Id. n. 178418961).

É o relatório.

Encaminhem-se os autos ao revisor, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000707-37.2018.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: HAROLDO JORGE FRILLOCCHI

Advogados do(a) APELANTE: EDEMEIA GOMES DE MORAIS - SP217480-A, FERNANDA GODOY MIGLIOLLI - SP264186-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

 

V O T O

 

Imputação. Haroldo Jorge Frillocchi foi denunciado pela prática dos crimes descritos no art. 168-A, § 1º, I, c. c. art. 71, ambos do Código Penal, e no art. 337-A, III, c. c. art. 71, ambos do Código Penal, todos c. c. art. 69 do Código Penal, pois, enquanto real administrador da Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda., deixou de repassar à Previdência Social, no prazo e forma legais, os valores descontados de seus empregados, a título de contribuições sociais, bem como suprimiu ou reduziu o pagamento de contribuição social previdenciária mediante omissão de informações.

Narra a denúncia que o denunciado omitiu, nas Guias de Recolhimento ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informação à Previdência Social – GFIPs, informações relativas às contribuições descontadas da remuneração dos segurados empregados, bem como deixou de declarar a existência de empregados nas GFIPs nas competências de janeiro de 2007 a dezembro de 2008 e de março de 2012, sendo lavrados os seguintes autos de infração: DEBCAD n. 37.332.092-2, período de fevereiro de 2007 a dezembro de 2008, no valor de R$ 51.897,48 (cinquenta e um mil, oitocentos e noventa e sete reais e quarenta e oito centavos); DEBCAD n. 37.332.091-4, período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, no valor de R$ 347.798,40 (trezentos e quarenta e sete mil, setecentos e noventa e oito reais e quarenta centavos); e DEBCAD n. 37.332.089-2, de março de 2012, no valor de R$ 22.639,68 (vinte e dois mil, seiscentos e trinta e nove reais e sessenta e oito centavos) - (Id. n. 167994783, pp. 05/08).

Sonegação. Conclusão do procedimento administrativo. Exigibilidade. Resta pacificado no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o delito tipificado no art. 1º da Lei n. 8.137/90 é de natureza material e apenas se configura com a efetiva lesão aos cofres públicos, de maneira que o procedimento administrativo-fiscal constitui condição de procedibilidade da ação penal e, enquanto perdurar o processo administrativo, por iniciativa do contribuinte, suspende-se o curso da prescrição da ação penal (STF, Pleno, HC n. 81.611-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, maioria, j. 10.12.03). O mesmo tratamento jurídico deve ser dado ao delito previsto no art. 337-A do Código Penal, pois disciplina a mesma realidade fática especificamente em relação às contribuições previdenciárias:

Habeas Corpus. 1. Pedido de trancamento da ação penal.

2. Crimes de: i) falsidade ideológica (CP, art. 299); ii) sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 337-A); (...) e viii) sonegação fiscal (Lei nº 8.137/1990, art. 1º, I e art. 2º, I).

3. Alegações da defesa: a) falta de justa causa para a persecução penal quanto ao crime de sonegação fiscal pela inexistência do procedimento administrativo prévio para a sua apuração e; b) inépcia da denúncia oferecida pelo Parquet Federal em desfavor do paciente.

4. Descrição das etapas do procedimento administrativo e dos desdobramentos do processo administrativo-fiscal. No caso concreto, não há elementos que indiquem a existência de crédito definitivamente constituído em face do paciente. Não há, nos autos, indício de procedimento que tenha se exaurido de modo definitivo perante a instância administrativo-fiscal. Com relação aos delitos de sonegação fiscal que ainda não tenham sido devidamente apreciados, de modo definitivo, na instância administrativo-fiscal, configura-se patente situação de constrangimento ilegal apta a ensejar o deferimento da ordem, nos termos dos precedentes firmados por esta Corte (ADI nº 1.571/DF, de minha relatoria, Pleno, maioria, DJ 30.04.2004; HC nº 84.423/RJ, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, por maioria, DJ 24.09.2004; HC nº 85.207/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 29.04.2005; HC nº 81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, maioria, DJ 13.05.2005; e HC nº 85.949/MS, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, ordem parcialmente deferida, unânime, DJ 06.11.2006).

(...)

6. Ordem parcialmente concedida para que a ação penal instaurada na origem seja trancada tão-somente com relação aos delitos de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/1990, art. 1º, inciso I e art. 2º, I) que ainda estejam em discussão no âmbito administrativo-fiscal, sem prejuízo, porém, de que a persecução penal persista com relação aos demais tipos imputados ao paciente na denúncia.

(STF, HC n. 89.965, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 06.02.07)

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAR EVENTUAL PRÁTICA DOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 337-A, 168-A E 203, TODOS DO CÓDIGO PENAL E ARTIGO 1º DA LEI 8.137/90. TRANCAMENTO. CRÉDITOS AINDA NÃO CONSTITUÍDOS DEFINITIVAMENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DO PRÉVIO ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA NÃO CARACTERIZADA. ORDEM CONCEDIDA.

I - Colhe-se dos autos que pende discussão administrativa em relação ao débito tributário constante do auto de infração em questão. O paciente apresentou impugnação, estando o procedimento administrativo em andamento.

II - Embora ainda exista alguma divergência, o entendimento majoritário, atualmente, é no sentido da imprescindibilidade do prévio esgotamento da via administrativa para o ajuizamento da ação penal por crime contra a ordem tributária, notadamente no que tange às condutas descritas no artigo 1º, da Lei 8.137/90, as quais se constituem em delitos materiais, que se consumam apenas com a ocorrência concreta do resultado previsto abstratamente na lei (redução ou elisão do tributo).

III - O crime tipificado no artigo 337-A, do Código Penal é de natureza material, cuja consumação ocorre no momento da efetiva supressão ou redução da contribuição previdenciária. Como se sabe, a contribuição previdenciária possui natureza jurídica de tributo, motivo pelo qual mostra-se perfeitamente cabível a adoção do mesmo tratamento dado ao crime previsto no artigo 1º da Lei nº 8.137/90.

(...)

(TRF da 3ª Região, HC n. 31.355, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 25.11.08)

Apropriação indébita previdenciária. Conclusão do procedimento administrativo. Exigibilidade. Resta pacificado nos Tribunais Superiores o entendimento de que o delito tipificado no art. 168-A do Código Penal é de natureza material, uma vez que para sua consumação exige-se a efetiva frustração à arrecadação da Seguridade Social, razão pela qual é exigível o encerramento do procedimento administrativo (STF, Inq n. 2.537 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 10.03.08; STJ, HC n. 209.712, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 16.05.13; STJ, HC n. 186.200, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 14.05.13; STJ, AgRg no REsp n. 1.172.001, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 05.02.13). Também é nesse sentido a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF da 3ª Região, Ação Penal n. 0000767-76.2005.4.03.6003, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, Órgão Especial, j. 10.07.13; TRF da 3ª Região, Primeira Seção, Emb. Infr. n. 0002806-34.2011.4.03.6133, Rel. para acórdão Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 04.07.13).

Prescrição retroativa. Lei n. 12.234/10. Art. 110 do Código Penal. Sonegação fiscal. Data da constituição definitiva do crédito tributário. Revejo meu entendimento para acolher a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da 4ª Seção deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no sentido de que, quanto ao delito de sonegação fiscal, deve ser considerada a data da constituição definitiva do crédito tributário para fins de aplicação da Lei n. 12.234/10, que alterou a redação do art. 110, §1º, do Código Penal, e revogou seu § 2º, vedando o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa no período anterior à data do recebimento da denúncia ou da queixa.

Apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A). Prescrição retroativa. Lei n. 12.234/10. Art. 110 do Código Penal. Data da constituição definitiva do crédito tributário. A partir da Lei n. 12.234/10, que deu nova redação ao § 1º do art. 110 do Código Penal, e revogou seu § 2º, é vedado o reconhecimento da prescrição retroativa no período anterior à data do recebimento da denúncia ou da queixa, regra que, por ser mais prejudicial ao agente, não se aplica retroativamente. No que se refere ao delito de apropriação indébita previdenciária, de natureza material, à semelhança do delito de sonegação fiscal, considera-se a data da constituição definitiva do crédito tributário para determinar a aplicabilidade da nova disposição:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 168-A DO CP. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 1º, II, DA LEI 8.137/1990. SONEGAÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE 24/STF. (…).

1. "O reconhecimento da prescrição entre a data do fato e o recebimento da denúncia, baseando-se na pena em concreto, somente é possível quanto a fatos ocorridos antes de 5/5/2010, pois a nova redação dada pela Lei n. 12.234 ao § 1º do art. 110 do CP veda expressamente o reconhecimento da prescrição que tem por marco inicial a data anterior à da denúncia ou queixa (EDcl nos Edcl nos EDcl no AgRg no RE no AgRg nos EAREsp 680.850/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, DJe 25/5/2018)".

2. Assim, nos termos da Súmula Vinculante n. 24/STF, considerando a data da constituição do crédito tributário, qual seja 29/10/2007 (e-STJ, fls. 281-284), que é o termo inicial da contagem do prazo prescricional (fatos ocorridos antes da alteração introduzida pela Lei n. 12.234/2010), e a data do recebimento da denúncia em 3/7/2014 (e-STJ, fl. 1.559) - causa interruptiva do prazo, nos termos do art. 117, I, do CP -, vê-se que não houve o transcurso do prazo de 8 (oito) anos, necessários à ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.

3. Acerca da alegação de que não se deve aplicar, na espécie, a Súmula Vinculante 24/STF, melhor sorte não assiste ao ora agravante. Conforme já decidiu esta Corte Superior, por ocasião do julgamento do AgInt nos EREsp 1.508.000/AL, sob a Relatoria do eminente Ministro JORGE MUSSI (CORTE ESPECIAL, julgado em 20/9/2017, publicado no DJe de 3/10/2017), não há direito subjetivo da parte à aplicação do entendimento jurisprudencial vigente quando da interposição do recurso, porque o julgador vincula-se aos precedentes existentes no momento em que presta sua jurisdição.

(…)

10. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no AREsp n. 1708693, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 23.02.21)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO AUSENTE. SIMILITUDE FÁTICA E DISSENSO INTERPRETATIVO NÃO DEMONSTRADOS. PENAL. ART. 1º, INCISOS I E II, DA LEI N. 8.137/1990. CONSUMAÇÃO DELITIVA. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DATA POSTERIOR À LEI N. 12.234/2010. PRESCRIÇÃO RETROATIVA PELA PENA CONCRETA. RECONHECIMENTO. VEDAÇÃO LEGAL. DOLO. VERIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA N. 7/STJ. CAUSA DE AUMENTO. ART. 12, INCISO I, DA LEI N. 8.137/1990. APLICAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. CONTINUIDADE DELITIVA. NÚMERO DE INFRAÇÕES. FRAÇÃO DE 2/3 (DOIS TERÇOS). ADEQUAÇÃO. PENAS. REDIMENSIONAMENTO. REGIME ABERTO E SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. CABIMENTO. AUSÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO.

1. A alegação de divergência jurisprudencial não veio acompanhada do necessário cotejo analítico entre o acórdão recorrido e aqueles apontados como paradigmas, limitando-se o recurso especial à simples transcrição de trechos dos julgados ao longo da petição recursal, sem a demonstração da similitude fática entre as situações confrontadas e o dissenso na interpretação da lei federal.

2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, os crimes tributários de natureza material somente se consumam na data da constituição definitiva do crédito tributário, o que ocorreu, no caso concreto, em l3/02/2012. Assim, incide a vedação ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, pela pena concreta, entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, introduzida pela Lei n. 12.234/2010.

(...).

(STJ, AgRg no AREsp  n. 1.563.941, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 22.09.20)

 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SANÇÃO RESTRITIVA DE DIREITOS. ARTIGO 147 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha decidido pela viabilidade da imediata execução da pena imposta ou confirmada pelos tribunais locais após esgotadas as respectivas jurisdições, o que sequer ocorreu no caso, esta Corte Superior de Justiça tem se posicionado no sentido de que tal possibilidade não se estende às penas restritivas de direitos, tendo em vista a norma contida no artigo 147 da Lei de Execução Penal.

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. APLICAÇÃO DO § 1º, DO ART. 110 DO CP.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o delito de sonegação de contribuição previdenciária, por ser material, consuma-se somente com a constituição definitiva do crédito tributário na instância administrativa, razão pela qual o termo inicial para contagem do prazo prescricional é a data da constituição definitiva do referido crédito no âmbito administrativo.

2. In casu, o crédito tributário foi definitivamente constituído em 3.10.2011, sendo plenamente aplicável, portanto, a vedação contida na parte final do § 1º, do art. 110 do CP.

3. Não verificado o transcurso de período superior a 4 anos, nos termos do art. 109, inciso V, necessário à configuração da prescrição da pretensão punitiva entre a data do recebimento da denúncia (7.8.2012) e a data da condenação (17.10.2014), não há que se falar em extinção da punibilidade.

(...).

(STJ, AgRg no ED no AREsp n. 1.265.734, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06.12.18)

 

PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. PRESCRIÇÃO. SÚMULA VINCULANTE Nº 24. TEMPO DO CRIME. MOMENTO DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES DESPROVIDOS.

I - Embargante condenado pela prática de crime material contra ordem tributária, previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, motivo pelo qual o prazo de prescrição da pretensão punitiva estatal se inicia quando da constituição definitiva do crédito tributário, nos termos do entendimento cristalizado pelo C. Supremo Tribunal Federal quando da edição de sua Súmula Vinculante nº 24 (STJ, 5ª Turma, RHC 24876/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe 19/03/2012).

II – O entendimento jurisprudencial consolidado sobre o tema e especialmente fixado na Súmula Vinculante nº 24 é o de que o “tributo” (elementar do tipo penal) apenas é lançado após a conclusão do processo administrativo fiscal, de maneira que, antes disso, não há conduta típica. Assim, o tempo do crime é aquele em que o crédito tributário resta definitivamente constituído na esfera administrativa.

III- Caso concreto em que a constituição definitiva do crédito tributário objeto do delito descrito na denúncia ocorreu já na vigência da Lei nº 12.234/2010, que alterou o art. 110, §1º, do Código Penal. Assim, a prescrição, antes do recebimento da denúncia, deve ser calculada com base na pena máxima abstratamente cominada ao delito que, no caso concreto, atrai um prazo prescricional de 12 (doze) anos.

IV – Prescrição não verificada.

V – Embargos infringentes desprovidos.

(TRF 3ª Região, ElfNu n. 0000389-85.2016.4.03.6181, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 15.04.21)

Do caso dos autos. A defesa aduz a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia.

Não lhe assiste razão.

Haroldo Jorge Frillocchi foi denunciado pela prática dos crimes descritos no art. 168-A, § 1º, I, c. c. art. 71, ambos do Código Penal, e no art. 337-A, III, c. c. art. 71, ambos do Código Penal, todos c. c. art. 69 do Código Penal, pois, enquanto real administrador da Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda., deixou de repassar à Previdência Social, no prazo e forma legais, os valores descontados de seus empregados, a título de contribuições sociais, bem como suprimiu ou reduziu o pagamento de contribuição social previdenciária mediante omissão de informações, nas competências de janeiro de 2007 a dezembro de 2008 e de março de 2012.

Conforme certificado no Processo Administrativo-Fiscal n. 15983.720031/2012-83, a data da constituição definitiva do crédito tributário da empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda. é 29.07.14, quando se esgotou o prazo legal sem apresentação de recurso voluntário em face da decisão proferida na impugnação administrativa (Id. n. 167994786, p. 35).

A data dos fatos é a data da constituição definitiva do crédito tributário, momento em que inicia a fluência do prazo prescricional, conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal.

O crédito tributário foi constituído depois da edição da Lei n. 12.234/10 que alterou a redação do art. 110, §1º, do Código Penal, e revogou seu § 2º, vedando o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa no período anterior à data do recebimento da denúncia ou da queixa.

Dessa forma, não se reconhece, no presente caso, a prescrição da pretensão punitiva retroativa entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia.

O Ministério Público Federal não recorreu da sentença, de modo que se tornaram definitivas as penas, que passam a regular a prescrição.

A pena fixada para cada crime, de 3 (três) anos de reclusão, sem o acréscimo da continuidade delitiva conforme Súmula n. 497 do Supremo Tribunal Federal, corresponde ao prazo de 8 (oito) anos para a prescrição punitiva estatal, nos termos do art. 109, IV, do Código Penal.

E entre a data do recebimento da denúncia, 06.03.18, e a data da sentença condenatória, 30.06.21, ou entre esta e a presente data, não transcorreram mais de 8 (oito) anos, concluindo-se que não está prescrita a pretensão punitiva estatal.

Preliminar que se rejeita.

Preliminar. Ilegitimidade de parte. A alegação de ilegitimidade de parte, trata, na verdade, da ausência de autoria delitiva, confundindo-se com o mérito da ação penal e com este será analisada.

Materialidade. Crime de apropriação indébita previdenciária. Está comprovada a materialidade delitiva dos crimes praticados nos anos de 2007 e de 2008, conforme decorre dos seguintes elementos de convicção:

a) Representação Fiscal para Fins Penais (Id. n. 167994787, pp. 02/12);

b) Processo Administrativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil n. 15983.720031/2012-83, no bojo do qual foi apurado o débito de contribuições devidas ao INSS descontadas dos segurados empregados que prestam serviços à empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda., não declaradas em GFIP, sendo lavrado o auto de infração DEBCAD n. 37.332.092-2, período de fevereiro de 2007 a dezembro de 2008, no valor de R$ 51.897,48 (cinquenta e um mil, oitocentos e noventa e sete reais e quarenta e oito centavos) - (Id. n. 167994787);

c) Guias de Recolhimento ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informação à Previdência Social – GFIPs dos anos de 2007 e 2008 (Id. n. 167994787, pp. 207/274);

d) Ofício n. 320/2016 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em Santos (SP) informando que os débitos objeto da denúncia da empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda. foram definitivamente constituídos, não havendo pagamento ou parcelamento vigente (Id. n. 167994131, p. 17).

Materialidade. Crime de sonegação de contribuição previdenciária. Está comprovada a materialidade delitiva dos crimes praticados nos anos de 2007 e de 2008, conforme decorre dos seguintes elementos de convicção:

a) Representação Fiscal para Fins Penais (Id. n. 167994787, pp. 02/12);

b) Processo Administrativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil n. 15983.720031/2012-83, no bojo do qual foi apurado o débito de contribuições da empresa (patronal), considerando como base de cálculo as remunerações pagas, devidas ou creditadas aos segurados empregados e contribuintes individuais que prestam serviço à empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda., sendo lavrados o DEBCAD n. 37.332.091-4 (obrigação principal), no valor de R$ 347.798,40 (trezentos e quarenta e sete mil, setecentos e noventa e oito reais e quarenta centavos) e o DEBCAD n. 37.332.089-2 (obrigação acessória), no valor de R$ 22.639,68 (vinte e dois mil, seiscentos e trinta e nove reais e sessenta e oito centavos) - (Id. n. 167994787);

c) Guias de Recolhimento ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informação à Previdência Social – GFIPs dos anos de 2007 e 2008 (Id. n. 167994787, pp. 207/274);

d) Ofício n. 320/2016 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em Santos (SP) informando que os débitos objeto da denúncia da empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda. foram definitivamente constituídos, não havendo pagamento ou parcelamento vigente (Id. n. 167994131, p. 17).

Conforme se depreende da Representação Fiscal para Fins Penais (Id. n. 167994787, pp. 02/12) e do acórdão de julgamento da impugnação administrativa interposta no Processo Administrativo-Fiscal n. 15983.720031/2012-83 (Id. n. 167994786, pp. 12/31), a fiscalização apurou crédito de contribuição previdenciária patronal do período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, consubstanciado no DEBCAD n. 37.332.091-4 (obrigação principal), no valor de R$ 347.798,40 (trezentos e quarenta e sete mil, setecentos e noventa e oito reais e quarenta centavos), sendo que o DEBCAD n. 37.332.089-2, no valor de R$ 22.639,68 (vinte e dois mil, seiscentos e trinta e nove reais e sessenta e oito centavos), refere-se ao lançamento da multa por descumprimento de obrigação acessória, por deixar de declarar à Receita Federal do Brasil todos os fatos geradores de contribuições previdenciárias em GFIP.

Assim, verifica-se que o DEBCAD n. 37.332.089-2 não se refere a crime autônomo de sonegação de contribuição previdenciária ocorrido no mês de março de 2012, como constou na denúncia, mas ao lançamento da multa por descumprimento de obrigação acessória da empresa nos anos-calendário de 2007 e de 2008, sendo que o auto de infração foi lavrado em março de 2012, ou seja, após a conclusão do processo administrativo-fiscal que se iniciou no ano de 2010, conforme Termo de Início de Procedimento Fiscal (Id. n. 167994787, pp. 13/14).

Dessa forma, ausente materialidade delitiva, absolvo o acusado Haroldo Jorge Frillocchi do crime do art. 337-A, III, do Código Penal, ocorrido em março de 2012, com fundamento no art. 386, I, do Código de Processo Penal.

Autoria. A autoria delitiva não está suficientemente demonstrada.

A alteração do contrato social da empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda., de 14.08.06 (Id. n. 167994787, pp. 180/181) demonstra que Erminda Hortência Soria, de nacionalidade argentina, e Naelson Pacheco Queiroz, de nacionalidade brasileira, são os únicos sócios, e, de comum acordo, nomearam Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó como Administradora-Delegada da empresa.

De acordo com a alteração do contrato social de 22.12.06, a administração da sociedade passou a ser exercida, individual e isoladamente, pela Administradora-Delegada Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó, a quem competirá uma remuneração a título de “pro-labore” (Id. n. 167994787, pp. 182/188). Verifica-se, ainda, que Éder Gledson Castanho figurou como testemunha na referida alteração contratual.

Perante a autoridade policial, Raquel Guchilo Redinha disse que é contadora e prestou serviços para a empresa Caviahue a partir de janeiro de 2010, bem como para as demais empresas do grupo, a Powerlice Telecomunicações Ltda. e a Powersat Serviços de Telecomunicações. Esclareceu que eram empresas localizadas no mesmo prédio, que prestavam o mesmo serviço, só que com 3 CNPJs diferentes, e que o dono dessas empresas era Haroldo Jorge Frillocchi, que dava as ordens e orientava a todos. Relatou que quem cuidava da parte financeira era uma parente de Haroldo, chamada Erminda. Declarou que Haroldo constava como sócio da Powerlice e o filho dele era sócio da Powersat (Id. n. 167994131, pp. 34/35).

Ouvida em Juízo como testemunha de acusação, Raquel disse que trabalhou na contabilidade da empresa Caviahue do final do ano de 2009 até o início do ano de 2011 por meio de uma empresa terceirizada, e de 2011 a meados de 2013 como empregada registrada. Relatou que, na JUCESP, constavam como sócios Erminda e Naelson. Informou que tinha contato com Erminda, pois ela trabalhava no setor financeiro da empresa, mas que não teve contato com Naelson. Afirmou que quem administrava, de fato, a empresa era o réu Jorge. Declarou que havia também outras empresas, a Powersat e a Powerlice. Narrou que o acusado administrava as três empresas e que, na realidade, era “uma coisa só”. Confirmou que o réu era quem “dava as ordens”, mas havia outras pessoas responsáveis por cada setor. Disse que saiu da empresa porque não recebia o salário em dia e que os demais funcionários também não recebiam. Havia em torno de cento e oitenta funcionários quando saiu da empresa. Informou que a sócia Erminda tinha parentesco com a ex-mulher do réu Haroldo e que ela ficava no setor financeiro. Afirmou que viu Naelson algumas vezes na empresa, pois ele era advogado e atuava em alguns processos da empresa. Esclareceu que Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó era a moça que fazia limpeza na casa do réu e que não teve contato com ela. Disse que ficou sabendo que ela fazia limpeza na casa do réu por terceiros. Sobre o teor de seu depoimento perante a autoridade policial, no sentido de que o réu se utilizava de “laranjas”, pois ele era argentino e não poderia ter empresa de telecomunicação, esclareceu que ficou sabendo disso através de comentários de outros funcionários. Informou que, durante o período em que trabalhou na empresa terceirizada de contabilidade, enviava as guias para pagamento para o e-mail do setor financeiro da Caviahue e para o réu Haroldo Jorge. Inicialmente, quem cuidava do setor financeiro era o Maurício e, depois, foi a Erminda, que diziam que era parente do réu, e a Liliana, que, se não se engana, seria irmã do réu. Confirmou que eram essas pessoas que faziam os pagamentos. Disse que os funcionários eram registrados na Powersat e na Caviahue, pois a Powerlice já não tinha mais funcionários. Declarou que fazia toda a contabilidade da empresa, realizando a escrituração contábil e emitindo guias de pagamento. Informou que a parte de FGTS e INSS era de responsabilidade da funcionária do RH da empresa. Afirmou que gerava as guias de pagamento de impostos referentes às notas fiscais que recebia. Já o FGTS e o INSS eram de responsabilidade do RH, que cuidava da folha de pagamento. Informou que Éder Gledson era o Diretor Jurídico da empresa e auxiliava no setor de RH e de contabilidade, e por um tempo auxiliou na parte comercial, de vendas. Relatou que ele tinha uma sala que ficava ao lado da sua e que ele auxiliava juridicamente o setor de contabilidade. Confirmou que foi acompanhada por Éder Gledson no seu depoimento na Polícia Federal e que, atualmente, ele é seu empregador na empresa Neu Freba, que é empresa no ramo de telecomunicações no Guarujá, na área de internet, ou seja, mesmo ramo da Caviahue. Fernando Yuji é sócio de Éder na Neu Freba. Declarou que não trabalhou na empresa Caviahue na época dos fatos, que ocorreram nos anos de 2007 e de 2008, mas soube por comentários que o réu também administrava a empresa nesse período (Id. n. 167994789).   

Na fase extrajudicial, Naelson Pacheco Queiroz disse que foi sócio da empresa Caviahue de 2005 a março de 2012, mas que nunca trabalhou de fato na empresa nem a administrou. Informou que seu relacionamento com o grupo de empresas era como advogado e que participou da sociedade porque precisavam de alguém para figurar como sócio. Declarou que faziam parte do grupo as empresas Powerlice Telecomunicações Ltda, Powersat Telecomunicações, Satelial TV a Cabo e outras. Afirmou que a outra sócia era uma argentina, chamada Erminda Hortência Soria, que trabalhava na parte financeira, mas sem poder decisório, e que uma pessoa chamada Vera constou do contrato social. Informou que Haroldo era o dono da empresa e quem ordenava tudo, tendo poder decisório (Id. n. 167994131, pp. 49/50).

Em Juízo, a testemunha de acusação Naelson confirmou que foi sócio da empresa Caviahue até março de 2012, mas que nunca trabalhou na empresa. Disse que o seu escritório de advocacia prestava serviço para a empresa Powerlice da qual o réu Haroldo Jorge era o sócio majoritário e que realizava serviços de TV a cabo no Guarujá (SP). Relatou que não tinha poder de mando nem tomava decisões pela empresa. Declarou que o seu escritório de advocacia atua na área de direito empresarial internacional e trabalha para clientes estrangeiros que constituem empresas no Brasil em diversos setores. Narrou que o escritório constitui a empresa no Brasil e um dos advogados do escritório figura como sócio no contrato social até que o estrangeiro se legalize no Brasil e substitua o sócio brasileiro. Afirmou que, quando passou a constar no contrato social, a outra sócia era uma argentina chamada Erminda e havia um administrador chamado Maurício. Eram eles que comandavam a empresa na época do seu ingresso na sociedade. Tinha relação direta com Maurício, que administrava todas as empresas, a Caviahue e a Powerlice e, depois, a Powersat também. Não soube dizer se Maurício era funcionário das empresas, pois não sabe se ele tinha vínculo empregatício. Não sabe dizer se Maurício tomava decisões por conta própria ou se cumpria ordens de terceiros. Declarou que as empresas também tinham um procurador nomeado, que se chamava Antônio Henrique Faifer, que tinha importância na empresa e tomava decisões. Disse seus pagamentos eram autorizados por Antônio, Maurício e Erminda. Sobre o seu depoimento perante a autoridade policial, em que afirmou que o verdadeiro dono da empresa seria Haroldo Jorge, disse que se referia à empresa Powerlice, que era a empresa que detinha a licença da ANATEL para exploração do serviço de TV por assinatura. Não soube dizer se Haroldo Jorge tinha vínculo com a empresa Caviahue. Afirmou que o réu tinha vínculo com a Powerlice. Conheceu o advogado Éder Castanho na primeira vez em que teve contato com todas as pessoas que mencionou relacionadas a essas empresas, como Antônio Henrique Faifer e o réu Haroldo Jorge. Naquela época, Éder era estagiário de Direito dentro da Powerlice e as outras empresas do grupo e depois continuou como advogado. Não sabe informar se todas as empresas funcionavam no mesmo endereço, mas afirmou que esteve na empresa no endereço da Rua Oswaldo Cruz. Depois foi alugado um prédio com vários andares em outro local, onde passou a funcionar a Powerlice e, se não se engana, a Caviahue também. Relatou que o dono do escritório de advocacia onde trabalha, Fábio Vicenzi, que lhe propôs ser sócio da Caviahue. Esclareceu que conhece Maurício Neves de Souza, que é o Maurício que mencionou como sendo o gerente da Caviahue. Sobre a afirmação perante a autoridade policial de que Haroldo Jorge era o dono da empresa Caviahue e tinha o poder decisório, disse que não pode confirmar essa declaração, pois só ouviu dizer isso, mas não sabe se é verdade. Declarou que ouviu essa afirmação do advogado Éder Castanho. Não recebia salário para ser sócio da empresa, mas passou a receber uma remuneração como advogado para atender as empresas do grupo, mediante contrato, recebendo os valores direto em sua conta bancária. Disse que a empresa Caviahue estava sediada na Avenida Santos Dumont, n. 957. Relatou que seu trabalho era assessorar o advogado Éder nos serviços jurídicos e não sabe se ele prestava outros serviços para as empresas do grupo além da atuação jurídica (Id. n. 167994791 a Id. n. 167994793).

Em suas declarações judiciais, Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó reiterou o teor do seu depoimento prestando perante a autoridade policial (Id. n. 167994131, pp. 37/40). Disse que trabalhou na casa do réu Haroldo Jorge no período de 2000 a 2016 como faxineira. Relatou que, quando o acusado viajava para a Argentina, ele pedia para realizar limpeza na empresa dele. Relatou que foi registrada na empresa Caviahue e, para isso, teve que tirar seus documentos pessoais em São Paulo. Confirmou que o réu era o responsável por essa empresa. Declarou que foi para São Paulo acompanhada de Éder e de “D. Kátia”. Eles disseram que precisavam de seus documentos para ser registrada em carteira. “D. Kátia” era tia da esposa de Haroldo Jorge e estava começando na administração da empresa. Informou que era registrada como empregada da empresa, mas que trabalhava na casa do réu Haroldo. Disse que a empresa Caviahue tinha vários administradores: o Dr. Éder que trabalhava na área jurídica, “D. Kátia”, Haroldo Jorge e mais um advogado que não se lembra o nome. Relatou que, na época, não havia Poupatempo no Guarujá e que a “D. Kátia” disse que precisava de seus documentos com urgência para poder ser registrada em carteira. Foi para São Paulo junto com Éder e foram ao Poupatempo na Avenida Paulista, onde tirou seu RG e seu CPF, depois foram até uma agência dos Correios onde assinou alguns papéis. Só descobriu depois que tinha sido incluída no contrato social da empresa. A “D. Kátia”, que é tia da “D. Natália”, disse que precisava comprar uma coisa em uma loja, mas que não poderia comprar porque não tinha identidade brasileira. Achou que “D. Kátia” compraria algo nas Casas Bahia. Declarou que, após um mês, um gerente de um banco lhe procurou questionando se estava comprando dois carros. Disse que o gerente falou com seu marido. Reclamou com Maurício que era o gerente da empresa, com Kátia e com o réu Haroldo. Afirmou que seu marido foi até a casa do réu e brigou com ele. “D. Kátia” lhe entregou outros documentos para assinar e disse que não tinha mais nada em seu nome. Confirmou que o réu Haroldo Jorge tinha ciência de tudo. Informou que na época não sabia ler. Quando foi depor na Delegacia, encontrou com Éder e lhe disse que falaria tudo que sabia, momento em que Éder lhe respondeu que estava ciente de sua responsabilidade. Descobriu depois que tinham feito empréstimo na Argentina em seu nome e comprado carros em seu nome. Disse que tinha alta confiança na “D. Kátia” e no réu Jorge e nunca imaginou que fariam isso. Relatou que Éder era o advogado e administrador da empresa. Ele fazia tudo na empresa. Narrou que o réu Jorge também trabalhava e administrava a empresa Caviahue. Esclareceu que a “D. Kátia” era Erminda Hortência. Confirmou que a empresa Caviahue ficava na Avenida Santos Dumont. Disse que a empresa chamava TV Itapema, depois foi criada a Caviahue, a Powersat e outras. Narrou que um motoboy da empresa trazia seu holerite e seu pagamento no apartamento de Jorge, que ficava no bairro das Astúrias no Guarujá, e era um apartamento por andar. Confirmou que o réu Haroldo administrava os funcionários que trabalhavam na rua, mandava pagar as contas, e a última palavra para contratar e demitir funcionários era dele (Id. n. 167994795).

Em suas declarações judiciais, a testemunha de defesa Wagner Martinelli Ramos disse que conheceu o réu Haroldo Jorge porque apresentava um programa de televisão e a produtora tinha um contrato de TV a cabo que o réu administrava. Tem conhecimento da empresa TV Itapema que ficava em um prédio e não sabe sobre a Caviahue. Relatou que Jorge ficava pouco no prédio porque ele tinha negócios na Argentina. Informou que quem “tocava” a empresa era o Alexandre e o advogado Dr. Éder. Informou que realizou reuniões com Haroldo Jorge e que Alexandre e Éder participavam das reuniões. Declarou que depois de um tempo ficou sabendo que a TV Itapema sairia do ar e que o Dr. Éder teria outra operadora de TV a cabo no Guarujá. Também ficou sabendo que, em determinados trechos da rede, os cabos e os aparelhos de transmissão de sinal estavam sendo furtados. Informou que a empresa do réu era uma das maiores empresas de construção de cabeamento para transmissão de TV a cabo do mundo. Narrou que tinha bom relacionamento político no Guarujá em razão de seu programa de televisão e que, por isso, se encontrou com o réu no prédio da TV Itapema para conversar sobre a expansão da rede de cabeamento. Nada sabe sobre pagamento de impostos e elaboração de guias do INSS dentro da empresa. Sabe que no dia a dia quem ficava na empresa era Alexandre e Éder e que o réu Haroldo Jorge era o dono da TV Itapema. Esclareceu que a produtora de TV para quem trabalhava tinha contrato com a Powersat. Tratou com o réu Haroldo Jorge sobre a expansão da rede de cabeamento enquanto dono da empresa Itapema TV a cabo, mas nunca viu o contrato social. Nada sabe que desabone a conduta do réu (Id. n. 167994796).

A testemunha de defesa Carlos Ely Guastini disse em Juízo que foi nomeado perito administrador pela 3ª Vara do Trabalho do Guarujá (SP) para administrar as empresas do grupo econômico denominado “TV Itapema”. Esclareceu que a empresa Caviahue faz parte do grupo econômico e há várias ações trabalhistas referentes à Caviahue. Relatou que na visita realizada após a sua nomeação, percebeu que a empresa não tinha direção nem controle, e na visita ao prédio onde ficava o centro operacional e os equipamentos não conseguiu identificar quem era o administrador da empresa. Solicitou à Vara do Trabalho uma busca e apreensão na empresa, o que foi deferido e, no cumprimento do mandado, foi surpreendido com um arresto de bens deferido pela Vara Cível da Justiça Estadual da Praia Grande (SP). Durante o cumprimento do arresto, ficou sabendo pelos oficiais de justiça que havia sido nomeado um administrador pela Vara Cível chamado Mário. Esclareceu que nesse momento conheceu o réu Haroldo Jorge que lhe informou que se tratava de um processo de execução referente a cabos que não foram pagos. Relatou sobre uma alteração contratual supostamente fraudulenta com uma das empresas do grupo e o desaparecimento dos documentos empresariais. Constatou que as pessoas citadas no envolvimento desses fatos abriram outras empresas no mesmo ramo de atuação do grupo TV Itapema em torno de dois ou três meses depois. Confirmou que fazem parte do grupo a Caviahue e a Powersat. Declarou que foi nomeado administrador das empresas do grupo no ano de 2017 e que não teve acesso aos documentos das empresas, que desapareceram, além de ter ocorrido o despejo da empresa do estabelecimento. Apurou em diligências que a administração das empresas era realizada por Alexandre Saraiva e Éder Castanho, e que o réu Haroldo viajava muito para a Argentina. Em conversas com o réu constatou que ele não tem conhecimento sobre as questões tributárias da empresa. Apurou que a contadora era Raquel Redinha, que realizava a escrituração fiscal. Disse que conversava com o réu Haroldo Jorge sobre a empresa Powersat (Id. n. 167994797).

Interrogado em Juízo, o réu reiterou o teor do seu depoimento prestando perante a autoridade policial (Id. n. 167994131, pp. 73/74 e Id. n. 167994782, pp. 01/03). Declarou que morou no Brasil de 1996 a 2017 e teve duas empresas, a Powerlice e a Powersat, sendo que seu filho era sócio da Powersat. Disse que não tinha participação na empresa Caviahue e que, no mesmo local, funcionavam várias empresas do ramo. Informou que sempre teve administrador nomeado nas suas empresas e era responsável pela área que lhe compete, que era a área técnica, pois é engenheiro de telecomunicações. Afirmou que a Caviahue se encarregava das instalações e sobre a qual não tinha ingerência técnica. Relatou que atuava na área técnica da empresa operadora de TV a cabo. Era responsável pela empresa Powerlice Comunicações. Disse que o responsável e administrador da empresa Caviahue era o advogado Éder Castanho. Narrou que a TV Itapema foi a primeira empresa de TV a cabo do Guarujá e que no ano de 2006 alguns “delinquentes” acabaram com a empresa. Afirmou que a empresa não existe mais e está “nas mãos” da Justiça do Trabalho. Investiu no Brasil e criou a empresa que por vinte anos foi sólida, gerou empregos e foi a maior operadora do Guarujá. Disse que foi constatada uma fraude na empresa Powersat, que constituiu com sua família e estava no nome de seu filho, e que tinha o maior contrato com a Prefeitura. Relatou que falsificaram a assinatura de sua ex-esposa, que assinava por seu filho, e realizaram uma alteração contratual na Junta Comercial dando poderes a uma sócia minoritária e deixaram mais de trinta mil assinantes sem TV a Cabo. Esclareceu que a Caviahue foi criada por uma empresária argentina como um investimento no Brasil. Declarou que a fraude realizada na Junta Comercial em relação à Powersat foi realizada pelo advogado Éder Castanho e por Alexandre Saraiva, que era um de seus Diretores. Narrou que a Powersat ficou na administração dessas pessoas de forma fraudulenta por quarenta dias até que conseguiu reverter a alteração contratual, mas o dano já tinha sido feito, pois a TV por assinatura ficou fora do ar nesse período. Tentou salvar a empresa, mas não conseguiu. A Caviahue foi criada por Erminda Soria e era administrada pelo Dr. Éder. Atualmente, o Dr. Éder é quem tem a maior empresa de TV a cabo do Guarujá (SP). Informou que saiu do Guarujá porque estava sendo ameaçado de morte. Esclareceu que o Dr. Éder auxiliou com a criação das empresas do grupo e depois foi nomeado administrador de todas elas. Ele se encarregava da administração e da contabilidade e era o coordenador geral do grupo. Éder contratou os contadores que trabalharam nas empresas. Afirmou que recebeu ameaças do narcotráfico do Guarujá (Id. n. 167994834 a Id. n. 167994837).

Em declarações prestadas por escrito, a sócia Erminda Hortência Soria informou que, desde a constituição da empresa no ano de 2005, a Caviahue foi administrada com a ajuda do advogado Éder Gledson Castanho, que, por ter conhecimento jurídico e financeiro, cuidava dos funcionários, dos pagamentos de impostos e salários dos funcionários, da área comercial e das alterações do contrato social, e que, no ano de 2010, foi embora do Brasil e outorgou a Éder plenos poderes para administrar e assinar qualquer documento, inclusive contas bancárias, mediante procuração pública (Id. n. 167994783, p. 189).

Referida procuração foi juntada aos autos, constando a outorga, para o advogado Éder Gledson Castanho, em 22.01.10, de plenos poderes para administrar a empresa Caviahue, inclusive movimentar as contas bancárias (Id. n. 167994783, pp. 92/93 e Id. n. 167994846, pp. 02/03).

A defesa alega a ausência de autoria delitiva.

Assiste-lhe razão.

De acordo com a acusação, a prova da autoria delitiva seria exclusivamente testemunhal, não havendo um único documento que relacione o acusado à empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda., muito menos à sua administração.

Ademais, a prova testemunhal não é robusta, havendo contradições entre os depoimentos das testemunhas, gerando dúvida razoável sobre o fato de o réu ser o real administrador da empresa Caviahue.

De fato, os elementos dos autos demonstram que havia um grupo empresarial no município do Guarujá (SP) que atuava no ramo de telecomunicações, especificamente de serviço de TV a cabo, e era formado pelas empresas Caviahue, Powersat e Powerlice, que funcionavam no mesmo prédio.

Em seu interrogatório judicial, o acusado confirmou que era responsável pela empresa Powersat, cujo sócio era seu filho, e que era sócio da Powerlice, e que, como engenheiro de telecomunicações, atuava na área técnica dessas duas empresas do grupo. Afirmou que a Caviahue se encarregava das instalações e sobre a qual não tinha ingerência técnica. Disse que o responsável e administrador da empresa Caviahue era o advogado Éder Gledson Castanho.

As declarações do réu são críveis e estão corroboradas por outros elementos dos autos.

Embora a testemunha de acusação Raquel Guchilo Redinha, contadora da empresa, tenha informado que o acusado era o administrador de fato da empresa Caviahue, verifica-se que a contadora iniciou a sua prestação de serviços no final do ano de 2009, ou seja, após a data dos fatos, referindo-se à administração da empresa no período anterior apenas pelo que ouviu falar de outros funcionários.

Ademais, a testemunha trabalha atualmente na empresa administrada pelo advogado Éder Gledson Castanho, que atua na mesma área de telecomunicações em que atuava a Caviahue.

O advogado Éder é citado pelo réu como o real administrador da Caviahue, além de ter efetivamente recebido procuração da sócia Erminda Hortência Soria, que lhe outorgou plenos poderes para administrar a empresa a partir de 22.01.10.

Ao ser ouvida perante a autoridade policial, Raquel Guchilo Redinha esteve acompanhada do advogado Éder Gledson Castanho que, durante a oitiva da testemunha, interveio informando que Vera Lúcia era a empregada doméstica de Haroldo Jorge e que há um inquérito em andamento na Delegacia que investiga a utilização de “laranjas” por parte de Haroldo (Id. n. 167994131, pp. 34/35).  

Ainda, depreende-se do Processo Administrativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil n. 15983.720031/2012-83, que a testemunha Raquel Guchilo Redinha foi a responsável por prestar todas as informações ao auditor fiscal durante a fiscalização realizada na Caviahue.

Conforme restou apurado pela fiscalização, o advogado Éder Gledson Castanho prestou serviços para a empresa Caviahue, sendo que parte do auto de infração lavrado se refere às contribuições sociais considerando como base de cálculo as remunerações pagas, devidas ou creditadas a Éder Gledson Castanho como contribuinte individual.

Segundo relatado na Representação Fiscal para Fins Penais (Id. n. 167994787, p. 6), os fiscais foram atendidos, durante a ação fiscal, pelo advogado Éder Gledson Castanho e, após questionamento quanto ao seu vínculo com a empresa, uma vez que não constava da folha de pagamento, da GFIP e do Livro de Registro de Empregados, não mais compareceu à seção de fiscalização, não apresentou nenhum esclarecimento, documento comprobatório ou teve qualquer outro tipo de contato com a fiscalização.

Prossegue a Representação Fiscal narrando que as contadoras Luciane Aparecida de Oliveira e Raquel Guchilo Redinha, ouvida como testemunha de acusação na presente ação penal, se reportavam a Éder como Diretor do Departamento Jurídico da Caviahue. Após a empresa ser intimada para apresentar a documentação respectiva, não foi apresentado contrato de prestação de serviços da empresa Castanho e Braga Advogados Associados, com a empresa Caviahue.

Descreve, ainda, que, posteriormente, a informação relativa ao advogado Éder foi alterada mediante declaração firmada pela contadora Raquel Guchilo Redinha, alegando que Éder Gledson Castanho, no período de 2007 a 2008, era e continua sendo funcionário da empresa Powerlice Telecomunicações Ltda e que os trabalhos prestados à empresa Caviahue ocorreram em decorrência da relação comercial existente entre as empresas, assumindo a empresa Powerlice todos os custos com despesas judiciais, sem, contudo, apresentar qualquer prova documental dessa relação comercial entre as empresas ou do vínculo trabalhista entre o advogado e a empresa Powerlice.

Em consultas aos sistemas informatizados da Receita Federal do Brasil, a fiscalização constatou que o advogado Éder Gledson Castanho não constava do cadastro da empresa Powerlice como sócio, nem da GFIP como segurado empregado ou contribuinte individual.

Note-se que durante a ação fiscal, a testemunha Raquel Guchilo Redinha declarou que Éder Gledson Castanho era Diretor do Departamento Jurídico da Caviahue e, depois, que era funcionário da empresa Powerlice Telecomunicações Ltda., mas, em Juízo, disse que os funcionários eram registrados na Powersat e na Caviahue, pois a Powerlice já não tinha mais funcionários.

Também foi apurado no processo administrativo-fiscal que Éder Gledson Castanho figurou como testemunha em alterações contratuais da empresa Caviahue em 2006 e em 2007, bem como constava, na contabilidade da Caviahue, lançamentos de despesas com representação e viagens em seu nome, com reserva de hotel e locação de veículo, além de pagamentos relativos a Sedex e serviço de motoboy.

Dessa forma, conclui-se que as declarações da testemunha de acusação Raquel Guchilo Redinha são contraditórias e carecem de credibilidade.

Já a testemunha de acusação Naelson Pacheco Queiroz, que foi sócio da Caviahue até março de 2012, não confirmou o seu depoimento prestado perante a autoridade policial, em que afirmou que o verdadeiro dono da empresa seria o réu Haroldo Jorge.

Em Juízo, afirmou que o acusado era o responsável pela empresa Powerlice e que, quando passou a constar no contrato social, a outra sócia era uma argentina chamada Erminda e havia um administrador chamado Maurício, e que eram eles que comandavam a empresa na época do seu ingresso na sociedade. Disse que seus pagamentos eram autorizados por Antônio, Maurício e Erminda. Não soube dizer se Haroldo Jorge tinha vínculo com a empresa Caviahue. Reiterou que o réu tinha vínculo com a Powerlice. Sobre Éder Castanho, relatou que o conheceu na primeira vez em que teve contato com todas as pessoas que mencionou relacionadas a essas empresas, como Antônio Henrique Faifer e o réu Haroldo Jorge. Naquela época, Éder era estagiário de Direito dentro da Powerlice e as outras empresas do grupo e depois continuou como advogado. Sobre a afirmação perante a autoridade policial de que Haroldo Jorge era o dono da empresa Caviahue e tinha o poder decisório, disse que não pode confirmar essa declaração, pois só ouviu dizer isso, mas não sabe se é verdade. Declarou que ouviu essa afirmação do advogado Éder Castanho.

A testemunha de defesa Wagner Martinelli Ramos, embora nada soubesse sobre os fatos descritos na denúncia ou sobre a empresa Caviahue, referindo-se a todo momento às empresas do grupo como “TV Itapema”, relatou em Juízo que o réu Haroldo Jorge ficava pouco no prédio porque ele tinha negócios na Argentina. Informou que quem “tocava” a empresa era o Alexandre e o advogado Dr. Éder.

A testemunha de defesa Carlos Ely Guastini, nomeado perito administrador pela 3ª Vara do Trabalho do Guarujá (SP) para administrar as empresas do grupo econômico denominado “TV Itapema”, relatou em Juízo que na visita realizada após a sua nomeação, percebeu que a empresa não tinha direção nem controle, e na visita ao prédio onde ficava o centro operacional e os equipamentos não conseguiu identificar quem era o administrador da empresa. Apurou em diligências que a administração das empresas era realizada por Alexandre Saraiva e Éder Castanho, e que o réu Haroldo viajava muito para a Argentina. Em conversas com o réu constatou que ele não tem conhecimento sobre as questões tributárias da empresa e que conversava com o acusado sobre a empresa Powersat.

Por fim, passo à análise das declarações prestadas por Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó nas fases extrajudicial e judicial.

Como já mencionado, Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó foi nomeada como Administradora-Delegada da empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda., em 14.08.06, pelos sócios Erminda Hortência Soria e Naelson Pacheco Queiroz.

De acordo com a alteração do contrato social de 22.12.06, a administração da sociedade passou a ser exercida, individual e isoladamente, pela Administradora-Delegada Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó, constando Éder Gledson Castanho como testemunha na referida alteração contratual.

Das declarações prestadas por Vera Lúcia, depreende-se que a testemunha foi nomeada administradora da empresa sem o seu conhecimento, sendo utilizada por terceiros como “laranja”, que se aproveitaram da situação de que Vera era pessoa humilde e não sabia ler, e a fizeram assinar as referidas alterações contratuais sob o pretexto de que se tratava de documentação relativa ao seu registro como empregada da empresa Caviahue.

Consta dos autos que Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó foi empregada do réu no período de 2000 a 2016, realizando serviço de faxina em sua residência, mas foi registrada como auxiliar de limpeza na empresa Caviahue, com admissão em 02.01.06, conforme cópia da sua CTPS (Id. n. 167994131, p. 42), recebendo salário da referida pessoa jurídica.

É bem verdade que tal fato causa, no mínimo, estranheza, não sendo verossímil que o réu não soubesse que sua empregada doméstica estivesse registrada como auxiliar de limpeza na empresa Caviahue e recebendo salário da pessoa jurídica.

Porém, disso não se infere, com a necessária certeza, que o réu era o real administrador da empresa Caviahue e o responsável pelo pagamento de tributos.

Apesar de Vera Lúcia ter afirmado em Juízo que o acusado era o administrador da Caviahue e que tinha ciência de tudo, informou que foi para São Paulo acompanhada da sócia Erminda, a quem se refere por “D. Kátia”, e do advogado Éder, pois eles disseram que precisavam de seus documentos para ser registrada em carteira. Relatou que, na época, não havia Poupatempo no Guarujá e que a “D. Kátia” disse que precisava de seus documentos com urgência para poder ser registrada em carteira. Foi para São Paulo junto com Éder e foram ao Poupatempo na Avenida Paulista, onde tirou seu RG e seu CPF, depois foram até uma agência dos Correios onde assinou alguns papéis. Só descobriu depois que tinha sido incluída no contrato social da empresa.

Disse, ainda, que a empresa Caviahue tinha vários administradores: o Dr. Éder que trabalhava na área jurídica, “D. Kátia”, Haroldo Jorge e mais um advogado que não se lembra o nome. Informou que a sócia Erminda utilizou seus documentos para comprar dois carros em seu nome. Quando foi depor na Delegacia, encontrou com Éder e lhe disse que falaria tudo que sabia, momento em que Éder lhe respondeu que estava ciente de sua responsabilidade. Relatou que Éder era o advogado e administrador da empresa e que ele fazia tudo na empresa.

Assim, embora seja o responsável por outras duas empresas do grupo empresarial, não há prova suficiente nos autos que demonstre que o réu tinha efetivo poder de gestão na empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda. nos anos de 2007 e de 2008.

As provas documental e testemunhal também indicam o envolvimento do advogado Éder Gledson Castanho nos negócios das empresas do grupo, como afirmado pelo réu em seu interrogatório, além de estar demonstrada sua participação direta na nomeação de Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó, pessoa humilde e que não sabia ler, como Administradora-Delegada da empresa Caviahue.

A sócia Erminda Hortência Soria também foi indicada como responsável pelo setor financeiro/administração da Caviahue pelas testemunhas Raquel Guchilo Redinha, Naelson Pacheco Queiroz e Vera Lúcia Silva do Carmo Feijó, além de igualmente estar demonstrada sua participação direta na nomeação dessa última como Administradora-Delegada da empresa Caviahue.

Portanto, embora haja indícios, não há prova suficiente da autoria delitiva do acusado.

Dessa forma, é de rigor a absolvição do réu pela prática dos crimes do art. 168-A, § 1º, I, e do art. 337-A, III, ambos do Código Penal, ocorridos no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal.

Ante o exposto, REJEITO a preliminar e DOU PROVIMENTO ao recurso da defesa para absolver o acusado do crime do art. 337-A, III, do Código Penal, ocorrido em março de 2012, com fundamento no art. 386, I, do Código de Processo Penal, e absolver o réu dos crimes do art. 168-A, § 1º, I, e do art. 337-A, III, ambos do Código Penal, praticados no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. Prescrição retroativa. Lei n. 12.234/10. Art. 110 do Código Penal. Data da CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PRELIMINAR REJEITADA. MATERIALIDADE QUANTO AO FATO OCORRIDO EM MARÇO DE 2012 NÃO COMPROVADA. AUTORIA DELITIVA NÃO DEMONSTRADA. ABSOLVIÇÃO. RECURSO DA DEFESA PROVIDO.

1. Resta pacificado no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o delito tipificado no art. 1º da Lei n. 8.137/90 é de natureza material e apenas se configura com a efetiva lesão aos cofres públicos, de maneira que o procedimento administrativo-fiscal constitui condição de procedibilidade da ação penal e, enquanto perdurar o processo administrativo, por iniciativa do contribuinte, suspende-se o curso da prescrição da ação penal (STF, Pleno, HC n. 81.611-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, maioria, j. 10.12.03). O mesmo tratamento jurídico deve ser dado ao delito previsto no art. 337-A do Código Penal, pois disciplina a mesma realidade fática especificamente em relação às contribuições previdenciárias (STF, HC n. 89.965, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 06.02.07; TRF da 3ª Região, HC n. 31.355, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 25.11.08).

2. Resta pacificado nos Tribunais Superiores o entendimento de que o delito tipificado no art. 168-A do Código Penal é de natureza material, uma vez que para sua consumação exige-se a efetiva frustração à arrecadação da Seguridade Social, razão pela qual é exigível o encerramento do procedimento administrativo (STF, Inq n. 2.537 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 10.03.08; STJ, HC n. 209.712, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 16.05.13; STJ, HC n. 186.200, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 14.05.13; STJ, AgRg no REsp n. 1.172.001, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 05.02.13). Também é nesse sentido a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF da 3ª Região, Ação Penal n. 0000767-76.2005.4.03.6003, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, Órgão Especial, j. 10.07.13; TRF da 3ª Região, Primeira Seção, Emb. Infr. n. 0002806-34.2011.4.03.6133, Rel. para acórdão Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 04.07.13).

3. Revejo meu entendimento para acolher a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da 4ª Seção deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no sentido de que, quanto ao delito de sonegação fiscal, deve ser considerada a data da constituição definitiva do crédito tributário para fins de aplicação da Lei n. 12.234/10, que alterou a redação do art. 110, §1º, do Código Penal, e revogou seu § 2º, vedando o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa no período anterior à data do recebimento da denúncia ou da queixa (STJ, AgRg no AREsp 1.563.941, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 22.09.20 e AgRg no ED no AREsp 1.265.734, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06.12.18; TRF 3ª Região, ElfNu n. 0000389-85.2016.4.03.6181, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 15.04.21).

4. A partir da Lei n. 12.234/10, que deu nova redação ao § 1º do art. 110 do Código Penal, e revogou seu § 2º, é vedado o reconhecimento da prescrição retroativa no período anterior à data do recebimento da denúncia ou da queixa, regra que, por ser mais prejudicial ao agente, não se aplica retroativamente. No que se refere ao delito de apropriação indébita previdenciária, de natureza material, à semelhança do delito de sonegação fiscal, considera-se a data da constituição definitiva do crédito tributário para determinar a aplicabilidade da nova disposição (STJ, AgRg no AREsp n. 1708693, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 23.02.21, AgRg no AREsp 1.563.941, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 22.09.20 e AgRg no ED no AREsp 1.265.734, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06.12.18 e TRF 3ª Região, ElfNu n. 0000389-85.2016.4.03.6181, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 15.04.21).

5. Materialidade quanto ao fato ocorrido em março de 2012 não comprovada.

6. Autoria delitiva em relação aos fatos ocorridos nos anos de 2007 e de 2008 não demonstrada.

7. De acordo com a acusação, a prova da autoria delitiva seria exclusivamente testemunhal, não havendo um único documento que relacione o acusado à empresa Caviahue, muito menos à sua administração. Ademais, a prova testemunhal não é robusta, havendo contradições entre os depoimentos das testemunhas, gerando dúvida razoável sobre o fato de o réu ser o real administrador da empresa.

8. Embora seja o responsável por outras duas empresas do grupo empresarial, não há prova suficiente nos autos que demonstre que o réu tinha efetivo poder de gestão na empresa Caviahue Serviços para TV a Cabo Ltda. nos anos de 2007 e de 2008.

9. Recurso da defesa provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu, REJEITAR a preliminar e DAR PROVIMENTO ao recurso da defesa para absolver o acusado do crime do art. 337-A, III, do Código Penal, ocorrido em março de 2012, com fundamento no art. 386, I, do Código de Processo Penal, e absolver o réu dos crimes do art. 168-A, § 1º, I, e do art. 337-A, III, ambos do Código Penal, praticados no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.