APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009317-05.2015.4.03.6102
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: LIVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009317-05.2015.4.03.6102 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: LIVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da sentença (Id 151577310 – p. 82/85), proferida pelo Juízo da 7ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP, que absolveu LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO da imputação pela prática do crime previsto no art. 171, §3º, do Código Penal, com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código Penal. Em sede de razões recursais, o Parquet requereu a reforma da r. sentença, a fim de que a recorrida seja condenada nos exatos termos da denúncia e que seja, ainda, fixada quantia para reparação dos danos causados (Id 151577310 – p. 92/99). Contrarrazões da defesa (ID 159951512 – p. 01/08). A Exma. Sra. Procuradora Regional da República, Elaine Cristina de Sá Proença, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação da acusação (Id 164132403). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009317-05.2015.4.03.6102 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: LIVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Do caso dos autos. LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO foi denunciada pela prática do crime previsto no art. 171, §3º, do Código Penal. Narra a denúncia (Id 151577310 – p. 03/05) o que se segue: "Segundo consta, a denunciada LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO, mãe de Kaue Gabriel Vieira de Toledo, que é filho de Alex Soares de Toledo, diante da prisão de Alex ocorrida em 25.05.2012 (fl. 05 do apenso I), efetuou, em 28.5.2012, o recolhimento da contribuição previdenciária de Alex (como autônomo) sobre o salário de contribuição de R$900,00, valor esse inferior ao verdadeiro salário dele (cf. fls. 16/17). Esse recolhimento a menor teve por finalidade enquadrar o salário de contribuição de Alex ao teto estabelecido pela portaria que regulamentava, na época, o auxílio-reclusão, viabilizando a concessão do benefício previdenciário. Alex, de fato, contribuía rotineiramente sobre o valor de dois salários-mínimos, o que não viabilizava a percepção do benefício. LÍVIA, então, fez o pedido de auxílio-reclusão ao INSS (APS Quito Junqueira, em Ribeirão Preto/SP); no entanto, esse pedido foi negado. Posteriormente, LÍVIA soube por meio de conhecidos que uma advogada de nome Cristina Silva de Brito poderia obter auxílio-reclusão em razão da prisão de Alex, mesmo diante do indeferimento anterior. LÍVIA, então, entregou a Cristina os documentos solicitados, mesmo sabendo que o instituidor, Alex, não tinha direito a esse benefício. Foram entregues cópia dos seus documentos pessoais, dos de Alex e dos de seu filho, o atestado de permanência carcerária, bem como as guias de recolhimento da contribuição previdenciária (fls. 07/14, do apenso I). De posse dos documentos, em 11.01.2013, Cristina apresentou o requerimento de benefício na APS Sertãozinho/SP (fl. 02 do apenso I), como procuradora da denunciada LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO, mãe de Kaue Gabriel Vieira de Toledo, filho de Alex, o instituidor preso (fls. 03/04 do apenso I). O benefício foi deferido em 23.01.2013 (fl. 47), retroativamente a 25.05.2012 (data da prisão). Sem a informação falsa sobre o valor do salário de contribuição, não haveria direito ao benefício. No período de fevereiro de 2013 a abril de 2013 foi pago à denunciada LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO, indevidamente, mediante crédito em conta bancária, o valor original de R$ 12.010,00 (cf. extrato de fl. 48 do apenso I, onde também há indicação do valor corrigido, até 01/2016, de R$ 14.826,90, valor esse correspondente ao prejuízo causado ao INSS no presente caso). Diante do exposto, denuncio LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO como incursa no artigo 171, §3º, do Código Penal. Requeiro o recebimento e regular processamento”. Após regular instrução processual, sobreveio sentença de Id 151577310 – p. 82/85, que julgou improcedente a pretensão punitiva e absolveu LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO da prática do crime descrito no art. 171, §3º do Código Penal, com base no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, conforme a seguir: “No caso presente, são indiscutíveis as provas de materialidade e de autoria. Na verdade, a discutibilidade está na prova do dolo. Na polícia, o dolo foi confessado pela acusada e corroborado pela testemunha ALINE: ALINE disse que orientou LÍVIA a um recolhimento menor para se adequar ao teto; LÍVIA confirmou ter sido orientada por ALINE a agir assim, visto que seu marido vinha recolhendo sobre valores que inviabilizavam a concessão do auxílio-reclusão. Contudo, em juízo ambas alteraram a versão. Na resposta à acusação, LÍVIA negou haver agido com dolo, dizendo-se leiga no assunto e tendo se cingido a contratar uma advogada especialista e a entregar-lhe toda a documentação solicitada (fls. 210/213). A tese da ausência de dolo foi repisada nas alegações finais da Defesa (fls. 251/258). Além disso, tanto ALINE quando LÍVIA disseram na audiência de instrução que, antes mesmo da prisão de ALEX, o casal já passava por dificuldades financeiras; logo, o recolhimento foi realizado a menor porque LÍVIA não tinha dinheiro suficiente. Ante essa contradição, o Ministério Público Federal entende demonstrado o elemento subjetivo do ilícito. Aliás, todo o raciocínio desenvolvido pelo MPF nas suas alegações finais se apoia nas declarações prestadas por ALINE e ÚVIA em âmbito policial. Todavia, afirmar que essa contradição induz culpabilidade implica afirmar - por vias transversas - que a prova policial prepondera sobre a prova judicializada. Ora, a prova incriminadora tão só é válida e eficaz se produzida sob contraditório e ampla defesa [CF/1988, art. 5º, LV], perante autoridade judicial competente [CF/1988, art. 5º, LIII] e mediante representação letrada do acusado por advogado ou defensor público [CF/1988, art. 133]. Afinal, ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal [CF/1988, art. 5º, LIV]. Logo, de ordinário, prova incriminadora que se haja produzido na fase inquisitorial - i.e., perante autoridade administrativa, sem contraditório nem ampla defesa, não raro sem representação letrada - é insuficiente à condenação penal. É preciso aqui, porém, uma ressalva: as provas inquisitoriais não repetível, cautelar e antecipada podem excepcionalmente embasar esse tipo de condenação. É bem verdade que o artigo 155 do Código de Processo Penal estabelece O ideal seria a exclusão física dos autos de investigação criminal com o objetivo de isolar o juiz de qualquer fonte enviesante (transladando-se aos autos do processo judicial, obviamente, tão apenas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas). Entretanto, o sistema procedimental penal positivo brasileiro não prevê essa medida precaucional, o que lamentavelmente impõe ao juiz uma autodisciplina cognitiva sobre-humana para que não se contamine psiquicamente pela prova inquisitorial incriminadora com a qual já tenha tido contato. Assim sendo, a prova inquisitorial repetível entra apenas no suporte fático da função ministerial de denunciar. Somente se presta à formação da opinio delicti pelo órgão acusador e, portanto, à demonstração da presença de justa causa para a propositura da ação penal. Tem mera eficácia probatória intra-ministerial, pois. Não integra suporte fático da função judicial de condenar. Não se presta à formação de juízo de culpabilidade pelo órgão julgador e, portanto, à comprovação de motivo determinante à prolação de sentença penal condenatória. Enfim, não irradia efeitos probatórios irrestritos extra-ministeriais. Logo, se a prova incriminadora repetível produzida na polícia não se confirmar por inteiro em juízo, o acusado deverá ser absolvido. É exatamente o caso dos autos. Diante do exposto, absolvo LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO da prática do crime previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal [CPP. art. 386, VII]”. Não havendo arguições preliminares, passa-se ao mérito recursal. Do mérito recursal. Consta da denúncia que LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO, mãe de Kaue Gabriel Vieira de Toledo, que é filho de Alex Soares de Toledo, diante da prisão de Alex ocorrida em 25.05.2012, efetuou, em 28.5.2012, o recolhimento da contribuição previdenciária de Alex (como autônomo) sobre o salário de contribuição de R$900,00, valor esse inferior ao verdadeiro salário dele, que era de dois salários mínimos, com o intuito de enquadrar o salário de contribuição de Alex ao teto estabelecido pela portaria que regulamentava, na época, o auxílio-reclusão, viabilizando a concessão do benefício previdenciário. A ré fez o pedido de auxílio-reclusão ao INSS (APS Quito Junqueira, em Ribeirão Preto/SP), mas o pedido foi negado. Posteriormente, LÍVIA contratou a advogada de nome Cristina Silva de Brito para obter auxílio-reclusão em razão da prisão de Alex, mesmo diante do indeferimento anterior. Após a entrega dos documentos solicitados pela causídica, incluindo as guias de recolhimento da contribuição previdenciária, foi apresentado, em 11.01.2013, novo requerimento de benefício na APS Sertãozinho/SP, sendo que o benefício foi deferido em 23.01.2013, retroativamente a 25.05.2012 (data da prisão). A acusação sustentou que sem a informação falsa sobre o valor do salário de contribuição, não haveria direito ao benefício. No período de fevereiro de 2013 a abril de 2013 foi pago à denunciada LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO, indevidamente, mediante crédito em conta bancária, o valor original de R$ 12.010,00 (doze mil e dez reais), que corresponde ao valor corrigido, até janeiro de 2016, de R$ 14.826,90 (catorze mil, oitocentos e vinte e seis reais e noventa centavos), sendo esse o prejuízo causado ao INSS no presente caso. Da materialidade. A materialidade está devidamente comprovadas pelos seguintes documentos: Requerimento de Benefícios (auxílio-reclusão) e Comprovante de Agendamento para Atendimento na Agência da Previdência Social (Id 151577306 – p. 03/04), Procuração outorgada à advogada e Termo de Responsabilidade (Id 151577306 – p. 05/07), Certidão de Recolhimento Prisional (Id 151577306 – p. 08), Certidão de Nascimento do menor beneficiário (Id 151577306 – p. 09), Cadastro Nacional de Informações Sociais constando o menor Kaue Gabriel Oliveira de Toledo como beneficiário (Id 151577306 – p. 12/13), Resumo de Benefício em Concessão (Auxílio Reclusão) (Id 151577306 – p. 14/18), Carta de Concessão (Id 151577306 – p. 19/20), Extrato Previdenciário – CNIS (Id 151577306 – p. 21), Despacho de Instauração do Processo de Apuração (Id 151577306 – p. 22/23), Extrato Previdenciário (Id 151577306 – p. 14/18), Resumo de Benefício em Concessão (Id 151577306 – p. 30), Extratos Previdenciários (Id 151577306 – p. 36/39), Informações do Benefício com a comprovação da sua cessação (Id 151577306 – p. 33/34), Consulta Técnica (Id 151577306 – p. 40/41), Relatório Gerencial de Instauração de Revisão de Autotutela Administrativa (Id 151577306 – p. 42/46), Cálculo e Atualização Monetária de Valores Recebidos Indevidamente – Relatório Simplificado (Id 151577306 – p. 52), Ofício de Defesa nº 423/2015 (Id 151577306 – p. 53/54), Relatório Conclusivo (Id 151577306 – p. 64/93), Resposta do INSS que informa que o limite estabelecido na Portaria Interministerial MPS/MF nº02, de 06.01.2012, para o auxílio-reclusão, era de R$ 915,00 (novecentos e quinze reais), sendo que tais documentos demonstram que a ré efetuou recolhimento da contribuição previdenciária de seu marido (como autônomo) sobre o salário de contribuição de R$ 900,00, valor esse inferior à real remuneração de Alex que, na verdade, era de 2 (dois) salários mínimos, no intuito de enquadrar o salário de contribuição do cônjuge ao teto estabelecido pela portaria que regulamentava o auxílio-reclusão na época, viabilizando, assim, a concessão do benefício previdenciário ao seu filho Kaue Gabriel Vieira de Toledo. Da autoria. A autoria também restou demonstrada, uma vez que os formulários foram preenchidos com informações prestadas pela acusada e, posteriormente, por sua advogada. No que tange ao elemento subjetivo, o crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal, pressupõe o dolo específico do agente, ou seja, a vontade livre e consciente de obter vantagem ilícita, para si ou para outrem, em prejuízo alheio, bem como induzir ou manter alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Sendo assim, para a configuração do delito mister a comprovação de que o agente obteve a vantagem ilícita em razão do engano provocado na vítima. Senão, vejamos. A testemunha Alessandra Cardoso Silva Ninin, Analista Previdenciário, ouvida na fase policial (Id 151577309 – p. 15/16), disse que trabalhava na Agência da Previdência Social em Sertãozinho/SP, entre maio de 2011 e junho de 2015, e que conheceu a advogada Cristina Silva de Brito, em razão do trabalho, pois ela compareceria habitualmente à agência APS em Sertãozinho/SP como procuradora de segurados. Alessandra confirmou ter sido a responsável pela análise e concessão do auxílio-reclusão, cujo instituidor era Alex Soares de Toledo. Narrou que seguiu os normativos da época para a concessão do benefício em questão, especialmente da Portaria nº 15 de 10.01.2013, que estabelecia o teto de R$ 971,78 (novecentos e setenta e um reais e setenta e oito centavos) como salário de contribuição. Declarou que o último salário de contribuição de Alex foi de R$900,00 (novecentos reais) e que estava dentro do limite estabelecido. Informou que, quando se faz a análise dos processos de auxilio-reclusão, é utilizado apenas o Sistema Prisma, que não detalha a data de recolhimento da última contribuição, mas somente a competência a qual se refere. Explicou, ainda que o Sistema Prisma emite um alerta somente quando o salário de contribuição está acima do permitido pela Portaria e que, no caso em questão, como o salário estava dentro do teto, não houve tal alerta. A testemunha disse, outrossim, que embora tenha visto que os salários de contribuição anteriores eram superiores ao teto, não tinha elementos para indeferir o requerimento, pois a Portaria é específica ao estabelecer que a análise deve se ater ao último salário de contribuição. Afirmou que apenas se checasse a tela do CNIS é que teria condições para saber que o recolhimento do último salário contribuição de Alex ocorreu após a data do fato gerador e que embora ela tivesse acesso ao sistema CNIS, não é praxe ser feita tal consulta. Por fim, a Analista de Previdência disse que a advogada Cristina jamais sugeriu ou ofereceu qualquer tipo de vantagem indevida para ela para que os seus processos fossem deferidos, nem fez tal tipo de oferta para outro funcionário da Previdência Social. Declarou que o benefício só foi concedido em razão do processo conter aparência de legalidade e por, na época, presumir-se a boa-fé. Por sua vez, a testemunha Cristina Silva de Brito, advogada, ouvida na fase policial (Id 151577309 – p. 96) disse que foi procurada por LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO após a prisão do marido desta, para dar entrada no auxílio-reclusão, sendo que a ré apresentou todos os documentos necessários. Narrou que não produziu documento para subsidiar o pedido e que apenas deu entrada no requerimento junto ao INSS, juntando os documentos que lhe foram entregues por LÍVIA. Afirmou, também, que não reduziu os salários de Alex Soares de Toledo para que ficassem dentro do teto permitido para o benefício e que não orientou a acusada, ou qualquer outra pessoa, a proceder a redução do salário de Alex. Sustentou, por fim, que presente caso, não teve qualquer participação na fraude. A testemunha Nadia Fernanda Soares de Toledo, cunhada da ré, em seu depoimento em Juízo (Id 151577314), narrou apenas que indicou a advogada Cristina para sua cunhada LÍVIA, após saber que o pedido da acusada de auxílio-reclusão havia sido indeferido. A testemunha Aline Paula dos Santos Vieira, também cunhada da ré, ouvida na fase policial (Id 151577309 – p. 111), narrou que trabalhou no escritório de nome “Refio Contabilidade”, entre 2011 e 2015, aproximadamente, e que cursa Contabilidade (Ensino Superior), com previsão de formatura em 2021. Esclareceu que ela preenchia as guias de recolhimento do INSS para Alex Soares de Toledo no ano de 2012, antes de sua prisão, e que não tinha conhecimento de que havia um teto no INSS para o recebimento do auxilio-reclusão. Disse, também, que só tomou ciência da existência desse limite em razão do indeferimento do benefício. A testemunha narrou que orientou LÍVIA a fazer um recolhimento de valor menor para poder se adequar ao teto para o recebimento do auxilio-reclusão e que, ainda assim, o requerimento de LÍVIA foi indeferido. Esclareceu que apenas um tempo depois a acusada tomou conhecimento de que uma advogada de nome CRISTINA obtinha o citado benefício para mulheres de presos, razão pela qual a ré decidiu procurar a causídica. Aline afirmou, outrossim, que não produziu quaisquer documentos por orientação de CRISTINA ou de LÍVIA e que a acusada apenas entregou à advogada os documentos que já possuía para ser efetuado o requerimento. Informou que em nenhum momento participou de qualquer tipo de fraude contra o INSS, que não substituiu guias de recolhimento para diminuir os valores do salário de Alex e que apenas recolheu uma guia com valor menor no mês da competência da prisão de Alex. Por fim, alegou que quando Alex saiu da prisão, fez os recolhimentos limitados ao teto para obtenção do auxilio-reclusão. Em Juízo, Aline Paula dos Santos Vieira (Ids 151577312 e 151577313) alterou a versão dos fatos e disse que não orientou LÍVIA a reduzir o valor da contribuição para fazer jus ao auxílio-reclusão, mas que a ré não pagou quantia correta porque não tinha o dinheiro suficiente para tanto. Dessa forma, a testemunha orientou a ré a pagar o valor que tivesse disponível, ainda que atrasado. Narrou que não sabia que, no caso de contribuinte autônomo, havia limite máximo de remuneração para ser deferido o pedido de auxílio-reclusão. Em seu interrogatório perante a autoridade policial, LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO (Id 151577309 – p. 01/02) informou que é casada com Alex Soares de Toledo há quatro anos e que o casal possui dois filhos menores de idade, um de 5 (cinco) anos e outro de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de idade. Narrou que Alex se encontra atualmente recolhido na Penitenciária de Ribeirão Preto/SP, desde 19.08.2014, e que antes de ser preso ele trabalhava como ajudante na serralheria do pai da ré. Esclareceu que Alex trabalhou com o sogro por cerca de um ano e meio e que o contrato de trabalho não era registrado na sua Carteira de Trabalho. Declarou que o salário de Alex era de aproximadamente R$1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por mês e que ele recolhia contribuição previdenciária na qualidade de autônomo. A ré disse, ainda, que depois de 2 (dois) meses do início do trabalho de Alex na serralheria, os recolhimentos previdenciários começaram a ser efetuados no valor de R$ 180,00 (cento e oitenta reais) e que contratou os serviços de uma contadora de nome Kelly para elaboração dos documentos necessários para a realização dos recolhimentos previdenciários. A ré disse se recordar de ter recolhido o valor de um pouco mais do que o salário mínimo vigente na época. A acusada informou, ainda, que assim que seu marido foi preso, no ano de 2012, entrou com pedido de auxílio-reclusão diretamente na agência da Previdência Social em Ribeirão Preto/SP, mas o pedido foi indeferido porque a contribuição recolhida por seu marido era calculada sobre o valor de 2 (dois) salários mínimos. Assim, soube, por meio de conhecidos, que uma advogada de nome Cristina Silva de Brito poderia conseguir o benefício e, por isso, contratou a causídica, vindo a entregar-lhe os carnês do INSS originais, cópias da sua cédula de identidade e de seu marido, certidão de nascimento e carteira de identidade de seu filho e o atestado de reclusão. A ré disse, por fim, que Cristina não prometeu conseguir o benefício de auxílio-reclusão, mas que cerca de nove meses após a prisão de Alex, a advogada lhe telefonou e disse que tinha sido deferido o requerimento do benefício. LÍVIA informou que foi com Cristina até o Banco Mercantil em Sertãozinho/SP e sacou o benefício de auxílio-reclusão, inclusive com os valores correspondentes aos 9 (nove) meses de atraso, sendo que a advogada recebeu a quantia equivalente a 4 (quatro) meses do benefício previdenciário em questão. Questionada pela autoridade policial a respeito do motivo pelo qual, em maio de 2012, o marido o seu marido recolheu o valor de R$ 180,00 (cento e oitenta reais), referente ao salário de contribuição de R$ 900,00 (novecentos reais), enquanto nos meses anteriores o valor recolhido foi de R$ 218,00 (duzentos e dezoito reais) a R$ 248,00 (duzentos e quarenta e oito reais), referentes ao salário de contribuição de R$ 1.090,00 (um mil e noventa reais) a R$ 1.244,00 (um mil, duzentos e quarenta e quatro reais), LÍVIA respondeu que foi por orientação de sua cunhada, pois Alex havia sido preso e soube que não conseguiria o benefício de auxílio-reclusão pelo fato dele recolher valor acima do teto legal. Disse que, apesar de diminuir o recolhimento para R$ 180,00 (cento e oitenta reais), não conseguiu o benefício no INSS, vindo a alcançar o auxílio-reclusão somente depois de contratar a advogada. Em Juízo (Id 151577315), a ré mudou a versão dos fatos e declarou que Alex continua preso e que ela recebe o auxílio-reclusão. Informou que Alex trabalhava em uma Serralheria de propriedade de seu pai e que Aline, que era contadora, fazia os cálculos previdenciários sobre o salário-base de Alex de 2 (dois) salários mínimos, o que correspondia a mais de R$ 200,00 (duzentos reais) mensais. A acusada sustentou, ainda, que quando Alex foi preso, ela passou a enfrentar muitos problemas financeiros, pois toda a responsabilidade em relação aos dois filhos do casal recaiu sobre ela, além de ter que fazer visitas ao marido no presídio. Assim, LÍVIA perguntou à contadora se poderia pagar um valor menor naquele mês de maio de 2.012 e que a resposta foi negativa. No entanto, a ré insistiu e que acabou recolhendo cerca de R$ 170,00 (cento e setenta reais) para fins previdenciários de Alex, depois da data de vencimento, ou seja, com cerca de 13 (treze) dias de atraso. Disse, ainda, que apresentou o requerimento para o auxílio-reclusão em Ribeirão Preto/SP, mas que não sabia se fazia jus ao benefício. Na primeira ocasião, o INSS indeferiu o pedido. Assim, a ré ficou desesperada e contratou a advogada Cristina para entrar com um recurso no INSS diante da negativa do benefício. A acusada esclareceu que foram fornecidos todos os documentos solicitados pela causídica e, após uns 8 (oito) meses, Cristina lhe telefonou e afirmou que havia sido deferido o requerimento de auxílio-reclusão. A ré disse, outrossim, que recebeu os valores atrasados, ou seja, aproximadamente R$ 9.000,00 (nove mil reais), mas que foi intimada a devolver tal quantia ao INSS. Afirmou que Alex foi solto e ficou cerca de 2 (dois) anos em liberdade, sendo preso novamente por outro crime. Atualmente, LÍVIA afirmou receber o auxílio-reclusão decorrente dessa segunda prisão de Alex. Indagada, em Juízo, sobre as suas declarações prestadas na fase policial, a acusada esclareceu que não havia dito que o recolhimento previdenciário foi calculado sobre o limite de R$ 900,00 (novecentos reais) para fazer jus ao auxílio-reclusão, mas sim porque não tinha dinheiro suficiente para pagar o valor integral. Sustentou que só soube que existia o limite salarial para o benefício quando o auxílio-reclusão foi negado e que nunca teve intenção de enganar o INSS. Da manutenção da sentença. Por conseguinte, não se verifica, nos autos, a presença de provas suficientes que demonstrem a apresentação de informações falsas pela ré com o intuito de induzir ou manter em erro a analista da previdência para recebimento de auxílio-reclusão. Não restou demonstrado o dolo da ré, ou seja, que ela tenha empregado ardil, artifício ou outro meio fraudulento para obtenção de benefício previdenciário. Como bem mencionou o Magistrado a quo, a acusação não se desincumbiu do ônus de provar o dolo da acusada, sendo que na fase policial a intenção de fraudar, para receber o auxílio-reclusão, foi confessada por LÍVIA e corroborada pela testemunha ALINE, mas ambas alteraram a versão em Juízo. No seu interrogatório judicial, a ré disse ser leiga em assuntos previdenciários, razão pela qual contratou uma advogada especialista na área e lhe entregou toda a documentação solicitada para que o pedido fosse apresentado ao INSS. A tese defensiva da acusada, de que antes da prisão de ALEX o casal já passava por dificuldades financeiras e que o recolhimento da contribuição foi realizado a menor porque LÍVIA não tinha dinheiro suficiente, não foi combatida pelo Ministério Público Federal. Verifica-se que, como fundamentou o juiz de primeiro grau, a prova policial não pode preponderar sobre a prova judicializada. A confissão da ré perante à autoridade policial e o depoimento testemunha Aline na fase inquisitiva não possuem valor probatório superior às provas judiciais, que foram produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Assim, a prova incriminadora produzida somente na fase inquisitorial e não corroborada em Juízo é insuficiente à condenação penal, sob pena de violação ao disposto no artigo 155 do Código de Processo Penal que prevê: “Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas". Dessa forma, não restou demonstrada a presença do dolo da acusada, consistente na intenção de fraudar, elementar subjetiva do crime de estelionato, devendo ser aplicado o princípio "in dubio pro reo" e absolvida a ré. Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal, para manter a absolvição de LÍVIA CRISTINA VIEIRA DE TOLEDO da prática do crime previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal. É como voto.
que "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas" (d. n.); porém, o dispositivo deve submeter-se a uma interpretação conforme a Constituição [verfassungskonformen Auslegung], razão por que se deve dele abstrair o termo "exclusivamente".
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 171, §3º, CÓDIGO PENAL. ESTELIONATO MAJORADO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADOS. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Para a condenação em processo penal é necessário prova cabal de todos os elementos do tipo, demonstrando a existência do crime e responsabilidade da denunciada. Caso as provas angariadas não tragam certeza quanto à existência do crime, de sua autoria ou do dolo, o agente deve ser absolvido, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo.
2. Embora haja evidência de que a acusada efetivamente recebeu o benefício auxílio-reclusão, conforme se observa dos documentos juntados, não se pode confirmar que induziu ou manteve em erro os responsáveis pelo pagamento do benefício, auferindo, assim vantagem ilícita em prejuízo da União.
3. Apelo da acusação desprovido.