AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5016213-39.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
Advogados do(a) AGRAVANTE: FABIANO GAMA RICCI - SP216530-A, JOSE ANTONIO ANDRADE - SP87317-A
AGRAVADO: HOSPITAL DAS CLINICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RPUSP
Advogado do(a) AGRAVADO: LUCIANO ALVES ROSSATO - SP228257
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5016213-39.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL Advogados do(a) AGRAVANTE: FABIANO GAMA RICCI - SP216530-A, JOSE ANTONIO ANDRADE - SP87317-A AGRAVADO: HOSPITAL DAS CLINICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RPUSP Advogado do(a) AGRAVADO: LUCIANO ALVES ROSSATO - SP228257 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação ordinária ajuizada em face da Caixa Econômica Federal, deferiu o pedido de tutela de urgência para reconhecer que os débitos discutidos não constituam óbice à expedição de Certificado de regularidade do FGTS. A decisão agravada foi vazada nos seguintes termos: “Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo em face da Caixa Econômica Federal, objetivando, em sede de tutela provisória, determinação para que a ré forneça os boletos necessários para o pagamento do FGTS ou, subsidiariamente, a autorização para depósito judicial nos autos. Alega o autor, em resumo, que em razão da situação de calamidade pública ocasionada pelo Covid-19, foi editada a Medida Provisória nº 927/2020, que suspendeu a exigibilidade do recolhimento do FGTS devido pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, e autorizou o pagamento das referidas competências de forma parcelada, em até seis meses, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020 (artigos 19 e 20). Alega, contudo, que o setor responsável pelo recolhimento de tais valores, ao acessar o portal da CEF (www.conectividadesocial.caixa.gov.br), seguindo as orientações constantes das cartilhas divulgadas pela ré em 22.06.2020, 30.06.202 e 03.07.2020, não teve êxito na obtenção dos boletos de pagamento do débito de FGTS de forma parcelada. Aduz que, apesar das diversas tentativas, a página não carregava por completo ou permanecia em branco, ou, ainda, os valores não correspondiam ao montante correto a ser pago. A análise do pedido de tutela provisória foi postergada para após a vinda da contestação. Na mesma ocasião, foi autorizado o depósito judicial das parcelas do FGTS a serem recolhidas (id 36090130). Citada, a CEF apresentou contestação, sustentando a improcedência do pedido (id 37592071). Réplica no id 38703166. Na fase de especificação de provas, nada foi requerido pelas partes. Depósitos judiciais efetuados pela parte autora nos ids 37247143, 38369494, 40298587, 41972205 e 43064158. A parte autora reiterou o pedido de tutela provisória de urgência (id 55407892). Vieram os autos conclusos para decisão. É o breve relatório. Decido. O deferimento da tutela de urgência pressupõe a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 300). O perigo de dano e o risco ao resultado útil do processo são requisitos alternativos, porém, devem se apresentar cumulativamente à probabilidade do direito. No caso discutido nos autos, verifico a probabilidade do direito alegado. Com efeito, observo pela mensagem institucional emitida pela CEF em 05.07.2020, acerca do recolhimento da primeira parcela do parcelamento instituído pela Medida Provisória nº 927/2020, que a própria ré reconhece a instabilidade do sistema disponibilizado no site (www.conectividadesocial.caixa.gov.br), tanto que sugere meios alternativos para o empregador emitir as guias de recolhimento (id 38703357). Ademais, a parte autora efetuou o depósito judicial das seis parcelas relativas ao pagamento parcelado de FGTS das competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020 (ids 37247143, 38369494, 40298587, 41972205 e 43064158), na forma da Medida Provisória nº 927/2020 (artigos 19 e 20, § 1º), o que demonstra a intenção de adimplemento de suas obrigações. O perigo de dano também se faz presente, considerando que a CEF se recusa a emitir a certidão de regularidade do FGTS, em vista do apontamento de débitos referentes às competências de março, abril e maio de 2020 em seu sistema (id 55411363). E, conforme ressaltado pelo autor, a aludida certidão de regularidade fiscal é fundamental para importação de diversos itens utilizados para o tratamento de câncer (id 55411378). Ante o exposto, presentes os requisitos legais, defiro o pedido de tutela de urgência para determinar à CEF que os débitos de FGTS relativos à competência de março, abril e maio de 2020 apontados em seu sistema (id 55411363), cujo montante encontra-se depositado nos autos, não configure óbice à emissão da Certidão de regularidade junto ao FGTS. Intime-se a CEF a se manifestar sobre o depósito judicial das 06 (seis) parcelas do FGTS (ids 37247143, 38369494, 40298587, 41972205 e 43064158), no prazo de 10 (dez) dias. Após, tornem os autos conclusos para sentença. Intimem-se. Cumpra-se”. Alega a agravante, em síntese, que não estão presentes os requisitos autorizadores da concessão da antecipação da tutela. Afirma, ainda, que os problemas relatados pela autora quando da formulação do pedido de parcelamento decorrem de sua imperícia na elaboração das declarações fiscais pertinentes. Regularmente intimada, a parte agravada apresentou contraminuta (id 168103318), pugnando pela manutenção da decisão recorrida. É o breve relatório. Passo a decidir.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5016213-39.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL Advogados do(a) AGRAVANTE: FABIANO GAMA RICCI - SP216530-A, JOSE ANTONIO ANDRADE - SP87317-A AGRAVADO: HOSPITAL DAS CLINICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RPUSP Advogado do(a) AGRAVADO: LUCIANO ALVES ROSSATO - SP228257 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): O art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal assegura a todos a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, independentemente do pagamento de taxas. É dever do ente estatal competente expedir tais certidões com exatidão de forma e de conteúdo, nos termos da legislação própria. Cuidando da existência de dívidas de pessoas físicas, de pessoas jurídicas e de entes despersonalizados junto ao Fisco (tributárias ou não), a elaboração dessas certidões está inicialmente regrada pelo Código Tributário Nacional (art. 205 a art. 208, inclusive impondo responsabilidade ao agente público em caso de eventuais irregularidades), complementado por regramentos de cada ente estatal responsável. A rigor, essas certidões podem mostrar três situações: 1) se inexistirem obrigações pendentes, a certidão será negativa de débito (CND em sentido estrito) 2) havendo obrigações pendentes, a certidão expedida será positiva pois nela devem constar as inadimplências acusadas pelos registros públicos no momento da expedição da certidão (CPD); 3) caso os débitos fiscais indicados na certidão estejam com a exigibilidade suspensa, a certidão expedida será positiva com efeitos de negativa (CND em sentido amplo, ou CPEND). O prazo de utilização válida de uma certidão varia de acordo com áreas específicas, havendo casos de 60 dias e até de 180 dias, quando então o titular da certidão poderá exibi-la para todos os fins pertinentes. Como a certidão registra a situação exata do requerente no momento em que é expedida mas projeta-se por meses, é possível que a pessoa mantenha regularidade fiscal por todo o prazo de utilização válida da CND ou da CPEND, mas também podem ocorrer inadimplências durante esse lapso temporal. Em razão da mecânica de elaboração das certidões pelo poder público, se os sistemas de dados fazendários forem alimentados já no dia seguinte àquele no qual a certidão foi expedida para então passar a acusar dívidas do contribuinte sem exigibilidade suspensa, a bem da verdade aquela CND ou CPEND emitida no dia anterior não retratará a efetiva situação do sujeito, e mesmo assim poderá ser utilizada durante todo seu período de validade, como se inexistissem obrigações pendentes. Os direitos de crédito do erário devem ser cobrados pelas autoridades administrativas competentes, razão pela qual a exigibilidade é decorrência da legislação que as institui em vista de suas correspondentes razões fiscais e extrafiscais. Também cabe à legislação própria estabelecer hipóteses de suspensão da exigibilidade de créditos fiscais, tal como preceituam o art. 141 e o art. 151 do CTN (cuja lógica jurídica é aplicável tanto a exigências tributárias quanto não tributárias). Inexistindo causa de suspensão da exigibilidade do crédito fiscal, o devedor restará exposto à cobrança por meios diretos (ação de execução fiscal nos termos da Lei nº 6.830/1980) e indiretos (negativa de expedição de CNDs, inscrição no CADIN e protesto de CDA, dentre outros). Por isso, não havendo provimentos judiciais que antecipam a tutela de mérito (p. ex., liminares em mandados de segurança ou tutelas em ações ordinárias), no processamento de feitos judiciais emergem modalidades de garantia da dívida litigiosa, tratadas no Código Tributário Nacional e na Lei nº 6.830/1980. Ainda que o FGTS não tenha natureza tributária quando se trata da exigência nos moldes da Lei nº 8.036/1990, por analogia e por primados do direito público, o contribuinte possui direito à expedição de certidão negativa de débito na inexistência de crédito constituído relativamente ao cadastro fiscal do contribuinte, ou certidão positiva com efeitos de negativa quando sua exigibilidade estiver suspensa, consoante mandamento estampado no art. 151 do CTN, ou que tenha sido concretizada penhora suficiente em execução fiscal, na esteira do art. 206 do mesmo diploma legal. O art. 151 do Código Tributário Nacional traz lista taxativa de hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, todas hábeis para evitar a cobrança direta e a cobrança indireta da imposição fiscal. Como garantia propriamente dita, o art. 151, II, do Código Tributário Nacional prevê expressamente apenas o depósito (integral, e em dinheiro) do montante litigioso. Já o art. 9º da Lei nº 6.830/1980 (na redação dada pela Lei º 13.043/2014) estabelece que podem ser ofertadas como cauções em ações de execução fiscal as seguintes garantias: I - depósito em dinheiro (à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária); II - fiança bancária (nas condições pré-estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional) ou seguro garantia; III - bens penhoráveis próprios, observada a ordem do art. 11 dessa lei; ou IV - bens penhoráveis oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública. Conforme previsto no art. 9º, § 3º da Lei nº 6.830/1980, a garantia da execução, por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora, devendo ser juntados aos autos as provas de suas realizações ou da penhora dos bens do executado ou de terceiros. A despeito de meu entendimento pessoal, para fins de suspensão da exigibilidade do crédito fiscal (impeditivo da cobrança direta e da cobrança indireta), admito que não têm sido admitidas a caução em forma de fiança bancária, o seguro ou a penhora de bens em ações mandamentais, ações declaratórias ou ações anulatórias, porque tais garantias não são equiparáveis a depósito em dinheiro. O E.STJ definiu a interpretação restritiva do art. 151, II, do Código Tributário Nacional, na Súmula 112 (“O deposito somente suspende a exigibilidade do credito tributário se for integral e em dinheiro”) e no REsp 1156668/DF (2009/0175394-1), Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, m.v., j. 24/11/2010, DJe 10/12/2010, no qual foi firmada a seguinte Tese no Tema 378: “A fiança bancária não é equiparável ao depósito integral do débito exequendo para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a taxatividade do art. 151 do CTN e o teor do Enunciado Sumular n. 112 desta Corte.” Porém, com fundamento na isonomia e o direito positivo regente do tema, nesse mesmo RESp 1156668/DF, o E.STJ acolheu a fiança idônea como garantia suficiente, em ações de conhecimento, para fins de expedição de CPEND (ou seja, impedindo a cobrança indireta da exigência tributária). E no REsp 1123669/RS (2009/0027989-6), Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, v.u., j. 09/12/2009, DJe 01/02/2010, o E.STJ firmou a seguinte Tese no Tema 237: “É possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa.” Em síntese, dos entendimentos do E.STJ expostos nesses julgados, resta que a suspensão da exigibilidade do crédito fiscal, em se tratando de meios diretos de cobrança (ação de execução fiscal), somente se faz pelas modalidades expressa e taxativamente previstas na lista do art. 151 do CTN (vale dizer, fiança-bancária e seguro-garantia não são equiparáveis a depósito em dinheiro). Contudo, para fins de cobranças indiretas, também servem como caução e garantia (especialmente para expedição de CPEND, evitando inscrição no CADIN e protesto de CDA) as hipóteses contidas no art. 9º da Lei nº 6.830/1980, dentre elas fiança bancária, seguro garantia e penhora de bens. No caso dos autos, conforme consta da petição inicial da parte autora, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo optou pelo parcelamento dos valores devidos a título de FGTS referentes às competências de março; abril e maio de 2020, nos termos da MP nº 927/2020. Entretanto, a autarquia não conseguiu gerar os boletos de pagamento dos valores de forma parcelada. No mesmo sentido, em consulta aos autos subjacentes, constata-se que a empresa pública emitiu comunicado institucional em que afirma trabalhar para melhorar o sistema de geração das guias para pagamento dos valores parcelados, de forma a se depreender a existência de instabilidade no sistema. Em demonstração de sua intenção de quitar suas obrigações, a autarquia realizou o depósito judicial das 6 parcelas concernentes ao parcelamento dos débitos de FGTS relativos às competências de março; abril e maio de 2020, consoante guias acostadas aos autos subjacentes. Em arremate, é preciso salientar que a requerente necessita da Certidão de Regularidade do FGTS para o desempenho de suas atividades na área da saúde, notadamente a importação de insumos utilizados no tratamento do câncer (id 168103327), o que legitima o deferimento da tutela de urgência ante o risco do perecimento do direito, inclusive de terceiros beneficiários dos serviços prestados pela autora. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É o voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. CERTIFICADO DE REGULARIDADE DO FGTS. INEXISTÊNCIA DE OBSTÁCULO. EMISSÃO. POSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
- Ainda que o FGTS não tenha natureza tributária quando se trata da exigência nos moldes da Lei nº 8.036/1990, por analogia e por primados do direito público, o contribuinte possui direito à expedição de certidão negativa de débito na inexistência de crédito constituído relativamente ao cadastro fiscal do contribuinte, ou certidão positiva com efeitos de negativa quando sua exigibilidade estiver suspensa, consoante mandamento estampado no art. 151 do CTN, ou que tenha sido concretizada penhora suficiente em execução fiscal, na esteira do art. 206 do mesmo diploma legal. Devem ser igualmente observadas a Súmula 112 e os Temas 237 e 378, todos do E.STJ.
- No caso dos autos, conforme consta da petição inicial da parte autora, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo optou pelo parcelamento dos valores devidos a título de FGTS referentes às competências de março; abril e maio de 2020, nos termos da MP nº 927/2020. Entretanto, a autarquia não conseguiu gerar os boletos de pagamento dos valores de forma parcelada. No mesmo sentido, em consulta aos autos subjacentes, constata-se que a empresa pública emitiu comunicado institucional em que afirma trabalhar para melhorar o sistema de geração das guias para pagamento dos valores parcelados, de forma a se depreender a existência de instabilidade no sistema.
- Em demonstração de sua intenção de quitar suas obrigações, a autarquia realizou o depósito judicial das 6 parcelas concernentes ao parcelamento dos débitos de FGTS relativos às competências de março; abril e maio de 2020, consoante guias acostadas aos autos subjacentes.
- A requerente necessita da Certidão de Regularidade do FGTS para o desempenho de suas atividades na área da saúde, notadamente a importação de insumos utilizados no tratamento do câncer, o que legitima o deferimento da tutela de urgência ante o risco do perecimento do direito, inclusive de terceiros beneficiários dos serviços prestados pela autora.
- Agravo de instrumento desprovido.