RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000130-80.2020.4.03.6333
RELATOR: 25º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ANGELA MARIA DOS SANTOS
Advogados do(a) RECORRIDO: RAFAEL CARDOSO DE CAMARGO - SP407659-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000130-80.2020.4.03.6333 RELATOR: 25º Juiz Federal da 9ª TR SP RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RECORRIDO: ANGELA MARIA DOS SANTOS Advogados do(a) RECORRIDO: RAFAEL CARDOSO DE CAMARGO - SP407659-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O [# I – RELATÓRIO: Trata-se de recurso interposto pelo INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão de beneficio assistencial. Em suma, o INSS requer a improcedência do pedido diante da ausência dos requisitos autorizadores. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000130-80.2020.4.03.6333 RELATOR: 25º Juiz Federal da 9ª TR SP RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RECORRIDO: ANGELA MARIA DOS SANTOS Advogados do(a) RECORRIDO: RAFAEL CARDOSO DE CAMARGO - SP407659-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O II – VOTO: Não assiste razão ao INSS. Os artigos 46 e 82, § 5°, da Lei 9.099/95, facultam à Turma Recursal dos Juizados Especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença. Assim sendo, adoto os mesmos fundamentos da sentença recorrida, nos termos do que dispõe o artigo 46, da Lei n.º 9.099/1995, c/c o artigo 1º, da Lei n.º 10.259/2001. A questão acerca do preenchimento do requisito objetivo para concessão do beneficio assistencial foi recentemente apreciada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, nos julgamentos dos Recursos Extraordinários nºs. 567.985 e 580.963, proferidos dentro da sistemática da repercussão geral. Nos julgamentos em questão, restou assentada não só a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia do parágrafo 3° do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 (RE n. 567.985/MS), mas também a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003 (RE n. 580.963/PR). Nas decisões mencionadas, o STF esclareceu que ao longo dos últimos anos houve uma proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais (Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; Lei n. 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Informação; e a Lei n. 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola) e apontou a utilização do valor de meio salário mínimo como valor padrão da renda familiar per capita para análise do preenchimento do requisito da hipossuficiência econômica que deve ser analisado em conjunto com as peculiaridades do caso concreto. Reconheceu, ainda, ao analisar o Art. 34 parágrafo único da Lei n. 10.741/03, que não há justificativa plausível para a discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Acrescento que a Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência das turmas recursais da 3ª Região já firmou entendimento no sentido de que a renda per capita ser considerada é de ½ salário mínimo para fins de concessão de benefício assistencial. Confira-se o teor da Súmula 21 : “ Na concessão do benefício assistencial, devertá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos, em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo”. Ademais, recentemente, foi publicada a lei nº 14.176, de 22 de junho de 2021, que alterou o critério de renda familiar per capita para acesso ao benefício de prestação continuada, estipulou parâmetros adicionais de caracterização da situação de miserabilidade e de vulnerabilidade social, a qual assim dispõe: “Art. 1º A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 20. .................................................................................................................. ................................................................................................................................. § 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. I – (revogado); ................................................................................................................................ § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Vigência) (Vide Lei nº 14.176, de 2021) .....................................................................................................................” (NR) “Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo: (Vigência) (Vide Lei nº 14.176, de 2021) I – o grau da deficiência; II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. § 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. § 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo. § 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei. § 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.” “Art. 21. .................................................................................................................. ................................................................................................................................. § 5º O beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada concedido judicial ou administrativamente poderá ser convocado para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, sendo-lhe exigida a presença dos requisitos previstos nesta Lei e no regulamento.” (NR) “Art. 40-B. Enquanto não estiver regulamentado o instrumento de avaliação de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a concessão do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação do grau da deficiência e do impedimento de que trata o § 2º do art. 20 desta Lei, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas, respectivamente, pela Perícia Médica Federal e pelo serviço social do INSS, com a utilização de instrumentos desenvolvidos especificamente para esse fim.” “Art. 40-C. Os eventuais débitos do beneficiário decorrentes de recebimento irregular do benefício de prestação continuada ou do auxílio-inclusão poderão ser consignados no valor mensal desses benefícios, nos termos do regulamento.” (...) Art. 5º Ficam revogados os seguintes dispositivos da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993: I – inciso I do § 3º do art. 20; e II – art. 20-A. Art. 6º Esta Lei entra em vigor: I – em 1º de janeiro de 2022, quanto ao art. 1º, na parte que acrescenta o § 11-A no art. 20 e o art. 20-B na Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; II – em 1º de outubro de 2021, quanto ao art. 2º, que institui o auxílio-inclusão; e III – na data de sua publicação, quanto aos demais dispositivos. Parágrafo único. A ampliação do limite de renda mensal de 1/4 (um quarto) para até 1/2 (meio) salário-mínimo mensal, de que trata o § 11-A do art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, mediante a utilização de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do grupo familiar, na forma do art. 20-B da referida Lei, fica condicionada a decreto regulamentador do Poder Executivo, em cuja edição deverá ser comprovado o atendimento aos requisitos fiscais.”. De outro lado, a renda inferior a meio salário minimo não gera presunção absoluta de miserabilidade. Conforme restou decidido pela TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, no processo 5000493-92.2014.4.04.7002, em que foram partes Hilda Garcia Pimentel e o INSS, para apuração da miserabilidade “o critério objetivo de renda inferior a ¼ do salário mínimo não exclui a utilização de outros elementos de prova para aferição da condição socioeconômica do requerente e de sal família. Inexistência de presunção absoluta de miserabilidade, nos termos da mais recente jurisprudência desta TNU”. Restou assentado que , em se tratando de benefício assistencial, o critério a ser adotado para aferir o requisito econômico é o da efetiva necessidade do auxilio, devendo-se analisar as condições do caso concreto. Assim, a miserabilidade não pode ser presumida, muito menos de forma absoluta, sobretudo quando outros elementos de convicção apontam no sentido de sua ausência. Deste modo, renda per capita inferior a ¼ do salario mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode , portanto, se afastada por outros elementos de prova. Feitas estas considerações, passo ao exame do caso concreto. A parte autora, 43 anos de idade, ensino fundamental incompleto, auxiliar geral, padece de artrose pós traumática de quadris e obesidade, com incapacidade para atos e gestos de vida autônoma e independente, restando comprovado o impedimento de longo prazo. Consta do laudo pericial (arquivo 36): “8) As limitações funcionais constatadas pelo perito judicial resultam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possam obstruir a participação plena e efetiva do periciando na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas? a)Os impedimentos referem-se ao trabalho, à vida independente (ou seja, às atividades rotineiras, tais como fazer a própria higiene, alimentar-se sem ajuda de terceiros etc.), ao aprendizado, à locomoção, à interação social e/ou a quais outras atividades sociais? Resposta: Incapaz de participar em igualdade. b)As limitações constatadas são irreversíveis ou, caso reversíveis, produzem efeitos de longo prazo, isto é, pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos? Resposta:Sim.”. Portanto, a parte autora preenche o requisito subjetivo necessário à obtenção do benefício assistencial. O prognóstico mencionado pelo Perito judicial (f. 02, arquivo 36), segundo o qual “o trabalho, com orientação ergonômica, e no limite de sua capacidade física, pode fazer parte do tratamento”, não impede a concessão do benefício, o qual é temporário e pode ser revisto pelo INSS, especialmente considerando que no presente momento a parte autora apresenta incapacidade para vida autonoma e independente (conclusão exposta no laudo pericial), o que impossibilita sua inserção no mercado de trabalho para o exercício de atividade que lhe garanta sustento. O requisito objetivo está demonstrado uma vez que a situação descrita pela Assistente social demonstra que a parte Autora vive em situação de vulnerabilidade social, já que não possui renda propria. Ademais, as fotos da moradia confirmam a alta vulnerabilidade social (arquivo 33). Como bem observado na sentença “Com relação ao requisito da deficiência, extrai-se do laudo médico (arquivo 36), consta no laudo pericial que a requerente é portadora de Artrose pós traumática de quadris M16.0 e Obesidade E66.9, concluindo o expert pela sua incapacidade total e permanente, demandando cuidados especiais e constantes para as atividades básicas do cotidiano. (...) No que se refere ao requisito econômico, o laudo pericial teve a seguinte conclusão ( arq. 34), conforme trecho extraído do parecer do MPF: “Com relação à situação socioeconômica da requerente, o núcleo familiar é composto pela autora, cônjuge e filho. Segundo o relatório social, a renda familiar é composta pelo bolsa família (R$ 269,00), único valor fixo, outros valores apenas quando tem trabalho, pois o marido é servente. Como despesas, a família declarou: água utiliza do poço, medicamentos pelo SUS, alimentação (R$300,00), gás (R$75,00) usa mais o fogão a lenha, resultando em R$ 375,00. A moradia é simples e está inacabada, com apenas dois cômodos, em condição paupérrima, sem saneamento e asfalto. Os móveis são muito antigos, e não há chuveiro. De fato, em consulta ao CNIS da da autora, verifica-se que não possui vínculo ativo, nem recebe benefício previdenciário. O marido da autora também não possui renda oficial, sendo seu último vínculo em 12/2019. O filho, também não recebe benefício nem tem vínculo formal (arquivos 47/49). Assim, considerando a ausência de renda mensal auferida pela família da autora, a composição do núcleo familiar (autora, marido e filho), bem como os demais elementos de prova carreados aos autos, resta comprovada a situação de miserabilidade exigida para a concessão do benefício pleiteado.”. Deste modo, constatada a presença de todos os requisitos para obtenção do benefício pleiteado, é de rigor a sua manutenção. Ante o exposto, nego provimento ao recurso do INSS. Condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 55 da Lei federal nº 9.099/1995 (aplicado subsidiariamente), cujo montante deverá ser corrigido monetariamente desde a data do presente julgamento colegiado (artigo 1º, § 1º, da Lei federal nº 6.899/1981), de acordo com os índices da Justiça Federal (“Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal”, aprovado pela Resolução nº 134/2010, com as alterações da Resolução nº 267/2013, ambas do Conselho da Justiça Federal – CJF). É o voto.
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO PORTADOR DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. REQUISITOS COMPROVADOS. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. CONDIÇÕES DE MORADIA CONFIRMAM A ALTA VULNERABILIDADE SOCIAL.
- O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
- A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos.
- A parte autora, 43 anos de idade, ensino fundamental incompleto, auxiliar geral, padece de artrose pós traumática de quadris e obesidade, com incapacidade para atos e gestos de vida autônoma e independente, restando comprovado o impedimento de longo prazo.
- O prognóstico mencionado pelo Perito judicial (f. 02, arquivo 36), segundo o qual “o trabalho, com orientação ergonômica, e no limite de sua capacidade física, pode fazer parte do tratamento”, não impede a concessão do benefício, o qual é temporário e pode ser revisto pelo INSS, especialmente considerando que no presente momento a parte autora apresenta incapacidade para vida autonoma e independente (conclusão exposta no laudo pericial), o que impossibilita sua inserção no mercado de trabalho para o exercício de atividade que lhe garanta sustento.
- Depreende-se do estudo socioeconômico e do laudo pericial, que a parte autora padece de incapacidade total e permanente, como também não possui renda própria, é dependente de sua família, a qual comprova insuficiência de recursos.
- Reconhecida a alta vulnerabilidade social.
- Recurso do INSS que se nega provimento.