Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012178-88.2020.4.03.6105

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ROSAURA TORQUATO

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO FRONER MINATEL - SP210198-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012178-88.2020.4.03.6105

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ROSAURA TORQUATO

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO FRONER MINATEL - SP210198-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação à sentença que afastou retenção de imposto de renda sobre resgate de valores investidos em plano VGBL ("Vida Gerador de Benefícios Livre"), em razão de diagnóstico de neoplasia maligna (CID C50.9), que garante isenção, nos termos da Lei 7.713/1988. Fixou-se a verba honorária de 10% sobre o valor da condenação a ser apurado em liquidação.

Alegou o órgão fazendário, em síntese, que: (1) a isenção exige prévia aposentadoria pela previdência pública, pois a privada ostenta natureza complementar aos proventos de aposentadoria pagos pela oficial, não havendo comprovação  de tal condição jurídica; (2) o plano VGBL, diferentemente do PGBL, não configura previdência complementar, mas seguro de caráter pessoal; (3) enquadrado como seguro de pessoas, os rendimentos percebidos não são passíveis de isenção, já que a interpretação do conteúdo do artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 (que aborda apenas provento de aposentadoria e reforma) deve ser literal (artigo 111, do CTN); e (4) a sentença inobservou, na fixação da sucumbência, os parâmetros dos incisos do § 3º do artigo 85 do CPC.

Houve contrarrazões.

O Ministério Público Federal opinou pelo regular prosseguimento do feito.

É o relatório.


 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012178-88.2020.4.03.6105

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ROSAURA TORQUATO

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO FRONER MINATEL - SP210198-A

 

  

 

V O T O 


 

Senhores Desembargadores, não se discute o fato de que a autora é portadora de neoplasia maligna - CID C50.9, ante a constatação por laudo médico oficial lavrado na UBS São José, município de Paulínia (ID 156965151, f. 1), vez que a apelação apenas impugnou a aplicação da isenção do artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 ao resgate de valores vinculados a plano VGBL, por se tratar de benefício apenas securitário e não previdenciário, aduzindo que, se previdenciário fosse por hipótese, o resgate de valores exigiria a prova de que a autora é aposentada pelo RGPS, o que não se demonstrou, pelo que devida a tributação.

No plano probatório, a autora demonstrou que é, sim, aposentada pelo RGPS desde 11/03/1998 (ID 156965170, f. 1/2).

No plano da discussão sobre a natureza jurídica do VGBL para efeito de isenção fiscal, é firme a jurisprudência da Corte Superior em reconhecer que o plano - Vida Gerador de Benefícios Livres ostenta natureza de plano de previdenciária complementar sujeito, pois, ao regime tributário específico.

Em recente julgamento, na linha de precedentes já firmados, assim restou decidido:

 

 

REsp 1.583.638, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, DJe 10/08/2021: "RECURSOS DA FAZENDA NACIONAL E DO CONTRIBUINTE INTERPOSTOS NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 2. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO PARA
PROVENTOS DE APOSENTADORIA E RESGATES. PREVIDÊNCIA PRIVADA. MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º, XIV, DA LEI N. 7.713/88, C/C ART. 39, §6º, DO DECRETO N. 3.000/99. IRRELEVÂNCIA DE SE TRATAR DE PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA MODELO PGBL (PLANO GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE) OU VGBL (VIDA GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE). 1. O recurso especial da FAZENDA NACIONAL não merece conhecimento quanto à alegada violação ao art. 535, do CPC/1973, tendo em vista que fundado em argumentação genérica que não discrimina a relevância das teses, não as correlaciona aos artigos de lei invocados e também não explicita qual a sua relevância para o deslinde da causa em julgamento. Incidência da Súmula n. 284/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". 2. Conhecidos os recursos da FAZENDA NACIONAL e do CONTRIBUINTE por violação à lei e pelo dissídio em torno da interpretação da isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88 e do art. 39, §6º, do Decreto n. 3.000/99. 3. A extensão da aplicação do art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88 (isenção para proventos de aposentadoria ou reforma recebidos por portadores de moléstia grave) também para os recolhimentos ou resgates envolvendo entidades de previdência privada ocorreu com o advento do art. 39, §6º, do Decreto n. 3.000/99, que assim consignou: "§ 6º  As isenções de que tratam os incisos XXXI e XXXIII também se aplicam à complementação de aposentadoria, reforma ou pensão". Precedentes: REsp 1.204.516/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 04.11.2010; AgRg no REsp 1144661/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 25.04.2011. 4. O destino tributário dos benefícios recebidos de entidade de previdência privada não pode ser diverso do destino das importâncias correspondentes ao resgate das respectivas contribuições. Desse modo, se há isenção para os benefícios recebidos por portadores de moléstia grave, que nada mais são que o recebimento dos valores aplicados nos planos de previdência privada de forma parcelada no tempo, a norma também alberga a isenção para os resgates das mesmas importâncias, que nada mais são que o recebimento dos valores aplicados de uma só vez. Precedentes: AgInt no REsp. n. 1.481.695/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 23.08.2018; EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp. n. 948.403/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 07.06.2018; AgInt no REsp. n. 1.554.683/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 22.05.2018; AgInt no REsp. n. 1.662.097/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 28.11.2017. 5. Para a aplicação da jurisprudência é irrelevante tratar-se de plano de previdência privada modelo PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) ou VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), isto porque são apenas duas espécies do mesmo gênero (planos de caráter previdenciário) que se diferenciam em razão do fato de se pagar parte do IR antes (sobre o rendimento do contribuinte) ou depois (sobre o resgate do plano). 6. O fato de se pagar parte ou totalidade do IR antes ou depois e o fato de um plano ser tecnicamente chamado de "previdência" (PGBL) e o outro de "seguro" (VGBL) são irrelevantes para a aplicação da leitura que este Superior Tribunal de Justiça faz da isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88 c/c art. 39, §6º, do Decreto n. 3.000/99. Isto porque ambos os planos irão gerar efeitos previdenciários, quais sejam: uma renda mensal - que poderá ser vitalícia ou por período determinado - ou um pagamento único correspondentes à sobrevida do participante/beneficiário. 7. Recurso especial da FAZENDA NACIONAL parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido e recurso especial do CONTRIBUINTE provido."

 

Na mesma linha, a orientação firmada em julgados da Corte, ilustrativamente:

 

ApCiv 5006355-56.2017.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, julgado em 19/06/2020: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. LEI 7.713/1988, ARTIGO 6º, XIV. VALORES DE RESGATE DE PLANO VGBL. NATUREZA JURÍDICA DÚPLICE. CARACTERIZAÇÃO LEGAL COMO PROVENTO PREVIDENCIÁRIO COMPLEMENTAR. RECURSO DESPROVIDO. 1. É pacífico na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça que o investimento VGBL possui natureza securitária. De sua parte, a Lei 11.053/2004 expressamente, caracteriza como "plano de benefício de caráter previdenciário" os "planos de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência em relação aos rendimentos recebidos a qualquer título pelo beneficiário" (Art. 1º, § 1º, II), ao que corresponde, exatamente, a definição dos investimentos "Vida Gerador de Benefício Livre" (VGBL), nos termos da Resolução CNSP 348/2017 (artigo 2º, combinado com artigo 7º, I). 2. Não há que se cogitar de interpretação extensiva de benefício fiscal. Trata-se, em verdade, de mero silogismo lógico-normativo: se a lei admite isenção sobre proventos de aposentadoria, e há lei a caracterizar o VGBL como plano de previdência complementar (que, por sua vez, segundo entendimento igualmente pacífico da Corte Superior, estão albergados na previsão do artigo 6º, XIV da Lei 7.713/1988), conclui-se que os resgastes de VGBL enquadram-se na isenção fiscal. 3. Não há como se admitir, por outro lado, que a fenomenologia de fatos e negócios jurídicos seja modificada livremente pela legislação para aplicação exclusiva no que for do interesse do Fisco. A consistência interna do ordenamento tributário exige trato uniforme dos institutos e conceitos manejados para definição das regras de incidência nas normas de regulamentação e tributação. Por outro lado, nada há a impedir, por princípio, que, preservado tal parâmetro de consistência, possa determinado investimento possuir natureza jurídica dúplice (securitária e previdenciária). 4. Apelo fazendário e remessa oficial desprovidos."

 

Logo, é devida a isenção do artigo 6º, XVI, da Lei 7.713/1988 ao resgate de valores do plano VGBL, dado que a natureza securitária invocada não elide a sua caracterização, na forma da jurisprudência, como previdenciária complementar, a impedir, portanto, que se cogite de interpretação extensiva de benefício fiscal, em violação ao artigo 111, CTN. 

Quanto à verba honorária, não pode prevalecer o percentual fixo adotado (10%) sobre o valor da condenação, em primeiro lugar porque não houve condenação, mas apenas declaração de inexigibilidade fiscal por isenção, aplicando-se, portanto, o critério do proveito econômico aferido; e, em segundo lugar, por se tratar de valor a ser apurado em liquidação, o percentual a ser aplicado não pode considerar apenas a faixa inicial do inciso I do § 3º do artigo 85, CPC, mas ser ajustado ao que for possível alcançar como resultado prático do cálculo a ser oportunamente elaborado, adotando-se o arbitramento a partir do critério do percentual mínimo previsto em cada faixa aplicável, nos termos dos incisos do § 3º e do § 5º, ambos do artigo 85, CPC.

A sentença é, assim, reformada em parte, apenas para adequação dos honorários de sucumbência, rejeitando-se as demais alegações do apelo.

Ante ao exposto, dou parcial provimento à apelação.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. LEI 7.713/1988, ARTIGO 6º, XIV. VGBL. NATUREZA JURÍDICA. ISENÇÃO APLICÁVEL. VERBA HONORÁRIA. ARTIGO 85, §§ 3º E 5º, CPC. ADEQUAÇÃO.

1. Não se discute o fato de que a autora é portadora de neoplasia maligna - CID C50.9, ante a constatação por laudo médico oficial lavrado na UBS São José, em Paulínia, vez que a apelação apenas impugnou a aplicação da isenção do artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 ao resgate de valores vinculados a plano VGBL, por se tratar de benefício apenas securitário e não previdenciário, aduzindo que, se fosse previdenciário por hipótese, o resgate dos valores exigiria a prova de que a autora é aposentada pelo RGPS, o que não se demonstrou, pelo que devida a tributação.

2. Sucede que ambas as proposição são infundadas. No plano probatório, a autora demonstrou que é aposentada pelo RGPS desde 11/03/1998. No plano da discussão sobre a natureza jurídica do VGBL para efeito de isenção fiscal, é firme a jurisprudência da Corte Superior em reconhecer que o plano - Vida Gerador de Benefícios Livres ostenta natureza de plano de previdenciária complementar sujeito, pois, ao regime fiscal específico, sendo este, por igual, o entendimento firmado em precedentes da Turma. 

3. Logo, é devida a isenção do artigo 6º, XVI, da Lei 7.713/1988 ao resgate de valores do plano VGBL, dado que a natureza securitária invocada não elide a sua caracterização, na forma da jurisprudência, como previdenciária complementar, a impedir, portanto, que se cogite de interpretação extensiva do benefício fiscal, em violação ao artigo 111, CTN. 

4. Quanto à verba honorária, não pode prevalecer o percentual fixo adotado (10%) sobre o valor da condenação, em primeiro lugar porque não houve condenação, mas apenas declaração de inexigibilidade fiscal por isenção, aplicando-se, portanto, o critério do proveito econômico aferido; e, em segundo lugar, por se tratar de valor a ser apurado em liquidação, o percentual a ser aplicado não pode considerar apenas a faixa inicial do inciso I do § 3º do artigo 85, CPC, mas ser ajustado ao que for possível alcançar como resultado prático do cálculo a ser oportunamente elaborado, adotando-se o arbitramento a partir do critério do percentual mínimo previsto em cada faixa aplicável, nos termos dos incisos do § 3º e do § 5º, ambos do artigo 85, CPC.

5. Apelação parcialmente provida. 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.