Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5028210-53.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: LUIS FABIO DOURADO

Advogados do(a) AGRAVANTE: IVAN HENRIQUE MORAES LIMA - SP236578-A, LEONARDO LIMA CORDEIRO - SP221676-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5028210-53.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: LUIS FABIO DOURADO

Advogado do(a) AGRAVANTE: LEONARDO LIMA CORDEIRO - SP221676-A; IVAN HENRIQUE MORAES LIMA - SP236578-A
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de agravo de instrumento à concessão de liminar, em medida cautelar fiscal, que determinou (i) o bloqueio de valores depositados em contas bancárias em nome dos requeridos; e a (ii) indisponibilidade de veículos de propriedade dos réus.

Alegou que: (1) a medida cautelar fiscal foi requerida pela União sob fundamento de que o valor dos débitos ultrapassa 30% do patrimônio conhecido, e prática de atos de ocultação de bens, objetivando blindagem patrimonial e frustração do crédito fazendário; (2) embora a liminar tenha sido concedida, os créditos que amparam a medida cautelar ainda não foram constituídos definitivamente; (3) contra todos os fundamentos contidos nas autuações fiscais nos processos administrativos 16095720.038/2019-49 e 16095720.039/2019-93 houve defesa administrativa ou recurso administrativo, ainda pendentes de análise pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), estando, pois, com exigibilidade suspensa, nos termos do artigo 151, III, CTN, impossibilitando o bloqueio cautelar de bens; (3) o artigo 2°, V, “a”, da Lei 8.397/1992 prevê a exigibilidade do crédito tributário para viabilizar a medida cautelar fiscal; (4) é possível concluir que para viabilizar o bloqueio de bens, nos termos do artigo 2°, VI, da Lei 8.397/1992, é necessário que os créditos sejam exigíveis e constituídos definitivamente, sob pena de ofensa ao devido processo legal (artigo 5°, LIV e LV, CF/1988); (5) tendo em vista que somente com o esgotamento das instâncias na via administrativa o crédito tributário torna-se constituído em definitivo (artigo 42, Decreto 70.235/1972), apenas a partir de tal momento é cabível a medida cautelar fiscal; (6) não há qualquer demonstração da prática de atos de dilapidação patrimonial, tendo a medida liminar afrontado o artigo 1°, parágrafo único, da Lei 8.397/1992; (7) além da inexistência de atos de dilapidação patrimonial, a concessão da medida liminar afronta a própria finalidade da cautelar, que é garantir a satisfação do crédito fiscal, pois os bens em nome dos requeridos já foram arrolados, na integralidade, no processo administrativo 16095.720.040/2019-18, não havendo, desde então, movimentação patrimonial; (8) há prova documental de inexistência de atos de dilapidação patrimonial, bastando cotejar o termo de arrolamento de bens e o balanço patrimonial atualizado de 2020; (9) estando a totalidade dos bens arrolados e vinculados aos créditos tributários, não há qualquer risco de inadimplemento a justificar a manutenção da medida liminar; (10) os fatos narrados na petição inicial, apontando supostos atos de dilapidação patrimonial, são os mesmos que motivaram a autuação, estando ainda em exame na via administrativa, não sendo possível adotá-los como verdadeiros, tal como o fez a decisão agravada; (11) a empresa principal, PASCHOAL DOURADO & FILHO encontra-se em plena atividade, com faturamento e empregados, não possui nenhuma cobrança judicial fiscal, sendo contribuinte regular, com certidão de regularidade fiscal válido; e (12) ao determinar o bloqueio da totalidade de valores em contas bancárias, a decisão agravada deixou de observar a impenhorabilidade do mínimo existencial, nos termos do artigo 833, IV, CPC, cabe reforma da decisão para imediata liberação dos valores, ou, quando menos, do montante relativo a quarenta salários mínimos.

A antecipação da tutela recursal foi indeferida. Contra tal decisão, a agravante opôs embargos de declaração, tendo a União apresentado resposta aos declaratórios.

Houve contraminuta, sustentando, em preliminar, inadequação da via eleita e supressão de instância.

É o relatório

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5028210-53.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: LUIS FABIO DOURADO

Advogado do(a) AGRAVANTE: LEONARDO LIMA CORDEIRO - SP221676-A; IVAN HENRIQUE MORAES LIMA - SP236578-A
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

 

 

V O T O

 

 

 

 Senhores Desembargadores, constou da decisão agravada:

 

“Trata-se de Ação Cautelar Fiscal com pedido de liminar ajuizada pela Fazenda Nacional em face de Paschoal Dourado & Filho Comércio de Metais Ltda, Dourado Participações Empreendimentos e Administradora Ltda, Luis Fábio Dourado e Adriana Pantaleão Rodrigues Dourado em que se requer a decretação de sigilo na tramitação do feito, concessão, inaudita altera parte, de medida liminar, nos termos do artigo 7º, da Lei nº 8.397/92, decretando-se a indisponibilidade de bens dos corresponsáveis, oficiando-se aos órgãos competentes.

Relata a Requerente que ao longo dos trabalhos de fiscalização realizados em face da empresa Paschoal Dourado & Filho Comércio de Metais Ltda., a Receita Federal do Brasil apurou diversas ilicitudes praticadas pelo sócio gestor Luis Fábio Dourado e sua esposa e sócia Adriana Pantaleão Rodrigues Dourado que culminaram no lançamento de créditos tributários em desfavor da empresa e – na condição de corresponsáveis pelos mesmos créditos – em desfavor de Luis, Adriana e da empresa Dourado Participações Empreendimentos e Administradora Ltda., da qual são administradores.

Aduz que a constituição do crédito, no valor de R$ 30.577.148,96, (trinta milhões, quinhentos e setenta e sete mil, cento e quarenta e oito reais e noventa e seis centavos), consta dos PAF´s 16095720.038/2019-49 e 16095720.039/2019-93, valor este que, de acordo coma RFB, excede 30% do patrimônio conhecido da contribuinte e de seus responsáveis.

Dentre as ilicitudes apuradas, relata que, por meio da análise da movimentação financeira do contribuinte relativa aos anos calendários de 2015 e 2016, foi constatada a existência de conta bancária na agência 0312 do Banco Bradesco de sua titularidade e de mais outras duas contas bancárias em nome de interpostas pessoas jurídicas.

Relata ainda, que o objetivo de controlar tais contas em nome das pessoas jurídicas METALPAPER Indústria, Comércio, Importação, Exportação de Papel de Metais Ltda e MS Select Comércio, Importação e Exportação de Acessórios Industriais Ltda foi o de manter recursos financeiros não contabilizados e não declarados ao Fisco Federal, caracterizando-se o chamado “CAIXA2”.

Aduz que, por meio da fiscalização realizada pela equipe fiscal, concluiu-se que os CNPJ´s pertencentes às empresas METALPAPER e MS Select não existem de fato; que as contas bancárias de titularidade de referidas empresas no Banco Bradesco são utilizadas pela contribuinte Paschoal Dourado; que a Paschoal Dourado movimentava recursos financeiros não declarados e abrigados nas contas bancárias da METALPAPER e MS Select; que por meio de procedimento fiscal realizado em desfavor de Geziane & Nicolau Reciclagem Ltda., o próprio contribuinte, quando questionado pela fiscalização sobre o recebimento de recursos financeiros oriundos de contas bancárias da METALPAPER, foi enfático ao afirmar que tais recebimentos eram resultados de vendas realizadas pela Paschoal Dourado; que foram realizadas diversas transferências pela METALPAPER para familiares de Luis Fábio e Adriana; que por meio de procedimento fiscal realizado em desfavor de CLUB MED Brasil S/A, o próprio contribuinte, quando questionado pela fiscalização acerca do recebimento de recursos financeiros oriundos de contas bancárias da MS Select, respondeu que intermediou a venda de pacote turístico para o Sr. Luis Fabio Dourado, sua esposa Adriana Dourado e as três filhas do casal (Id nº 35596552).

Sustenta que a empresa contribuinte utilizou-se dos recursos desviados para a aquisição de bens imóveis em nome do próprio sócio administrador Luis Fábio Dourado e sua esposa Adriana Pantaleão Rodrigues Dourado e de sua empresa patrimonial Dourado Participações Empreendimentos e Administradora Ltda., a qual possui sede no mesmo endereço da Paschoal Dourado (Id nº 3559552).

A fim de comprovar suas alegações a requerente juntou os seguintes documentos, dentre outros: termo de verificação fiscal (Id nº 35596552); representação para propositura de medida cautelar fiscal (Id nº 35596574); termo de início de procedimento fiscal (Id nº 3559659); termo de intimação fiscal09 (Id. 1fls. 91/149); termo de início de procedimento fiscal (Id nº 35597018); certidões de registro de imóveis (Id nº 35596847, 35597031 e 35597041).

É o relatório. Decido.

Cumpre, neste momento, a análise dos requisitos acerca da concessão ou não da medida inaudita altera parte requerida pela Fazenda.

A medida cautelar fiscal encontra-se regulada na Lei nº 8.397/92, que estatui, como requisitos para sua concessão, que tenha havido a constituição do crédito tributário (art. 1º) e que o devedor se enquadre em uma das situações descritas no art. 2º. Corroborando essas disposições, o art. 3º expressamente afirma que esses elementos são essenciais para a concessão da medida:

Art. 3º Para a concessão da medida cautelar fiscal é essencial:

I - prova literal da constituição do crédito fiscal;

II - prova documental de algum dos casos mencionados no artigo antecedente.

A exigência de constituição do crédito, porém, é afastada, nos casos dos incisos V, b e VII do art. 2º, de acordo coma dicção do parágrafo único do art. 1º.

Por sua vez, o art. 2º da Lei n. 8.397/92 prevê as hipóteses que possibilitam o requerimento de medida cautelar fiscal nos seguintes termos:

Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor: (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)

I - sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no prazo fixado;

II - tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da obrigação;

III - caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens; (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)

IV - contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio; (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)

V - notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal: (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)

a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade; (Incluída pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)

b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros; (Incluída pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)

VI - possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido; (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito) VII - aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei; (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)

VIII - tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário; (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)

IX - pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito. (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)

Nos termos do art. 300 do Novo Código de Processo Civil para o deferimento de uma medida de natureza cautelar ou antecipatória faz-se mister a presença da probabilidade do direito, bem como o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

A fumaça do bom direito, a verossimilhança das alegações, a alta probabilidade/plausibilidade do relato da Fazenda é indubitável, já que constante dos autos a chamada prova inequívoca.

A prova literal da constituição do crédito fiscal foi comprovada por meio do auto de infração de Id nº 35596564.

Conforme documentos anexados aos autos, notadamente o Termo de Verificação Fiscal, acostado em Id nº 35596552, verifico que a empresa Paschoal Dourado movimentava os recursos financeiros não declarados e abrigados nas contas bancárias das empresas METALPAPER e MS Select, seja pelo recebimento de pagamentos de terceiros ligados à empresa Requerida, caso, por exemplo, do Grupo ICA que comprava sucata da Paschoal Dourado mas realizava o pagamento dos valores decorrentes da venda nas contas das empresas METALPAPER e MS Select (Id n. 35596801); seja por meio do desconto de cheques emitidos pelas empresas METALPAPER e MS Select para pagamento de fornecedores ligados à Paschoal Dourado.

Quanto a esse segundo ponto, ressalte-se que, conforme apurado pelo procedimento fiscal de TDPF nº 08.1.11.00.2019.00119-9, em desfavor do Banco Bradesco, verificou-se que a autorização de pagamento dos cheques descontados no caixa eram, em sua maioria, feita por Vanessa Cristina de Carvalho Santos, gerente financeira da empresa requerida Paschoal Dourado (Id n. 35596815).

Constam, ainda, indícios de que pagamentos fictícios feitos pela Paschoal Dourado à empresa ICA Rio que, na verdade, eram pagos no caixa e os recursos financeiros desviados para a MS Select, atuando esta, assim, como “Caixa Dois” da empresa Paschoal Dourado (Id n. 35596838).

Com efeito, da análise das fichas cadastrais da JUCESP, acostadas no Id 35596840, verifico ainda, que no endereço à Rua Severo, 575 – Vila Maria – São Paulo, também se localiza a corresponsável Dourado Participações, a qual possui o mesmo quadro societário da empresa Paschoal Dourado.

Da mesma forma, noticia a requerente, coma acostada dos documentos pertinentes, operações de transferência de imóveis e de pagamentos de aluguéis entre as duas sociedades, indicando a simulação de ato jurídico como fim de ocultar patrimônio do contribuinte (Ids de ns. 35596847 e 35597018).

Considerando a existência de débito fiscal, é evidente que as transferências supramencionadas dificultam a satisfação do crédito público, de interesse da coletividade, condutas que se enquadram no art. 2º, IX, da Lei 8.397/1992. Ademais, também restou caracterizada a conduta tipificada no art. 2º, V, alínea b, da mesma Lei.

Por fim, também demonstrado que o crédito tributário em questão, no importe de R$30.577.148,96 (trinta milhões, quinhentos e setenta e sete mil, cento e quarenta e oito reais e noventa e seis centavos) importa em montante superior a 30%(trinta) por cento do patrimônio conhecido dos requeridos, conforme arrolamento de bens de Id n. 35597020.

Diante disso, tanto a probabilidade do direito (constituição do crédito), quanto o perigo de dano (demonstrado pelas hipóteses do art. 2º da Lei n. 8.397/1992 se encontram presentes.

Por sua vez, a medida deve ser deferida mesmo que em caráter inaudita altera parte. É de ressaltar que os requeridos praticaram condutas lesivas ao erário, no intuito de retirar do alcance do FISCO grande parte dos seus patrimônios, restando evidentes, em tese, atos direcionados à prática de fraude fiscal e à dificultação de satisfação do crédito fazendário, como já exposto.

Não ignoro que medidas constritivas em desfavor de partes que ainda não foram citadas não têm tido sempre guarida nas instâncias superiores, sob o correto entendimento de que os princípios do contraditório e da ampla defesa são regra, não exceção no sistema.

Contudo, em face dos atos praticados pelos correqueridos, entendo que se configura arriscado aguardar todos os mecanismos judiciários necessários até que todas as manifestações dos requeridos já estejam encartadas aos autos (podem, por exemplo, constituir advogados diversos, o que levaria à duplicação de seus prazos, nos termos do art. 229 do CPC).

A manutenção dessa situação, sem dúvida, gera grave risco de dano irreparável, pois a partir do momento em que os créditos tributários não estão sendo adimplidos, o prosseguimento da dilapidação patrimonial já iniciada poderá levar ao insucesso na perseguição do dinheiro público, que interessa a toda a coletividade.

Sendo assim, por toda a argumentação acima lançada, faz-se mister deferir os pedidos fazendários inaudita altera parte”.

 

Cabe registrar, de logo, que, a despeito do alcance da medida cautelar fiscal, o recurso foi interposto apenas por LUIS FÁBIO DOURADO, razão pela qual apenas em relação a tal pessoa deve ser apreciado o pedido de desconstituição da constrição decretada na origem. 

Por sua vez, cabe ressaltar que, diante do presente julgamento do agravo de instrumento, restam prejudicados os embargos de declaração opostos pelo agravante à decisão que indeferiu a antecipação da tutela recursal.

Assim, no tocante à questão de fundo, cabe salientar que o caso não cuida de execução de crédito tributário, mas de mera medida cautelar, diante de situação fática narrada no feito originário, a propósito da Lei 8.397/1992, que assim definiu as hipóteses de cabimento da ação cautelar fiscal:

 

“Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor:

I - sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no prazo fixado;

II - tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da obrigação;

III - caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens;

IV - contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio;

V - notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal:

a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade; b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros;

VI - possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido;

VII - aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei;

VIII - tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário;

IX - pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.”

 

O artigo 2º da Lei 8.397/1992 institui hipóteses de cautelar fiscal a partir de créditos tributários, exigindo, portanto, apenas a constituição, salvo na hipótese específica dos incisos V, "b" (quando o contribuinte: "V - notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal: b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros"), e VII (quando o contribuinte: "VII - aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei").

Nas demais hipóteses, prevalece a exigência de prévia constituição do crédito tributário, mas não de constituição definitiva. A constituição definitiva permite atos de execução do interesse fiscal, fundada na certeza da decisão fiscal e na busca da liquidez de um título executivo - por exemplo, a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento de execução fiscal -, ao passo que a medida cautelar fiscal não gera atos de execução, mas medidas de mera preservação de situação ou condição diante do risco derivado de conduta do contribuinte contrária ao interesse fiscal, que é relevante, diante da constituição do crédito tributário, ainda que não seja definitivo o lançamento fiscal.

As cautelares são cautelares, e não antecipação de tutela meritória, porque prescindem de prova inequívoca de direito verossimilhante. A certeza que se exige para a propositura de execução fiscal não é a mesma certeza que se deve exigir para medida cautelar. As providências têm caráter distinto em termos de eficácia e, portanto, sujeitam-se, logicamente, a requisitos distintos no campo da aferição do direito invocado. Dizer que a cautelar fiscal somente é possível depois da constituição definitiva significaria reduzir o alcance da tutela e presumir que não existe dano possível enquanto não configurada a coisa julgada administrativa, o que foge da realidade vivenciada no plano fático e considerada no plano normativo pelo legislador.

A cautelar fiscal independe de constituição definitiva, bastando, em regra, a mera constituição do crédito tributário - salvo na hipótese do parágrafo único do artigo 1º, em que sequer se exige prévia constituição -, tanto assim que o artigo 11 prevê que, concedida a cautelar diante de crédito tributário passível de recurso administrativo, em procedimento preparatório, a execução fiscal, a partir da constituição definitiva, deve ocorrer “no prazo de sessenta dias, contados da data em que a exigência se tornar irrecorrível na esfera administrativa”.

Portanto, o legislador ao referir-se à "constituição do crédito" não abrangeu nem consagrou a exigência de "constituição definitiva do crédito", tal como reconhecido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de que é exemplo o seguinte acórdão:

 

RESP 466.723, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJU 22/06/2006: "MEDIDA CAUTELAR FISCAL. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO. CONSTITUIÇÃO REGULAR DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CABIMENTO. 1. Da interpretação dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 11 e 12, da Lei 8.397/92, em sua redação original, conclui-se que, tanto à época da propositura da ação cautelar fiscal (fevereiro de 1995), quanto por ocasião do julgamento do processo no primeiro grau de jurisdição (maio de 1997), a citada lei não excepcionava, ainda, qualquer hipótese em que pudesse ser decretada, antes da constituição regular do crédito tributário, a indisponibilidade dos bens do devedor, ou de seus corresponsáveis. Tais hipóteses excepcionais somente vieram a existir com a edição da Lei 9.532, de 10 de dezembro de 1997, que deu nova redação aos arts. 1º e 2º da Lei 8.397/92. Todavia, no caso concreto, é fato incontroverso que os créditos tributários já haviam sido regularmente constituídos quando do requerimento da medida cautelar fiscal , sendo cabível, por isso, o decreto de indisponibilidade dos bens dos sócios-gerentes da empresa devedora, assim como dos bens que, após a lavratura dos autos de infração, foram transferidos por esses sócios a outra empresa. Ademais, em setembro de 1995, aproximadamente seis meses após a decretação liminar da indisponibilidade dos bens, mas bem antes de ter sido proferida a sentença que julgou parcialmente procedente a medida cautelar fiscal , foram inscritos em dívida ativa os créditos tributários constituídos através dos autos de infração e ajuizadas, também, as respectivas execuções fiscais, o que torna inócua a discussão de que a concessão da medida cautelar pressupõe a definitividade na constituição dos créditos fiscais. 2. Consoante doutrina o eminente Ministro José Delgado: 'Há entre os pressupostos enumerados um que é básico: a prova de constituição do crédito fiscal. O inciso I do art. 3º da Lei nº 8.397/92 não exige constituição definitiva do crédito fiscal; exige, apenas, que ele encontre-se constituído. Por crédito tributário constituído deve ser entendido aquele materializado pela via do lançamento. A respeito do momento em que o crédito tributário deve ser considerado para o devedor como constituído, há de ser lembrado que, por orientação jurisprudencial, este momento é fixado quando da lavratura do auto de infração comunicado ao contribuinte.' (Artigo Aspectos doutrinários e jurisprudenciais da medida cautelar fiscal , na obra coletiva medida cautelar fiscal. Coordenadores: Ives Gandra da Silva Martins, Rogério Gandra Martins e André Elali. São Paulo: MP Editora, 2006, p. 79) 3. De acordo com a disciplina dos arts. 2º e 4º, da Lei 8.397/92, o decreto de indisponibilidade não alcança os bens alienados antes da constituição dos créditos tributários, consubstanciados nos autos de infração. 4. Recursos especiais desprovidos".

 

Por outro lado, o artigo 2º, V, “a”, da Lei 8.397/1992, ao prever que a inadimplência do contribuinte não gera cautelar fiscal se suspensa a exigibilidade do crédito para cujo pagamento foi intimado, nada mais fez do que avaliar como insusceptível de proteção cautelar o interesse fiscal diante de falta de pagamento de crédito cuja exigibilidade esteja suspensa.

Isso não significa, porém, que o contribuinte, que contra si tenha o crédito tributário constituído, porém suspenso em sua exigibilidade, possa, por exemplo, ainda que tenha domicílio certo, ausentar-se ou tentar ausentar-se visando a elidir o adimplemento da obrigação; ou, ainda, possa acumular dívidas livremente, sem as garantir ou adimplir, que ultrapassem um limite de solvência, especificamente estipulado pelo legislador a partir do patrimônio conhecido.

Cabe ao legislador definir o que seja relevante e urgente, para fins de cautelar, através de cláusulas genéricas ou específicas. Ao intérprete cabe aplicar a lei como editada e, considerando-a inconstitucional, declará-la como tal observado o devido processo legal.

Sobre o cabimento da medida cautelar, conforme requisitos legais específicos, mesmo no caso de créditos tributários com exigibilidade suspensa, afora a hipótese anteriormente mencionada, já decidiu esta Turma:

 

AC 0007866-76.2005.4.03.6107, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, DJe de 27/02/2019: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. QUESTÃO PREJUDICIAL. JULGAMENTO ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. INFRAÇÃO A LEI. CONDENAÇÃO PENAL. LEGITIMIDADE DOS SÓCIOS. LEI 8.397/92, ARTIGO 2º, INCISO VI. DÉBITOS SUPERIORES A TRINTA POR CENTO DO PATRIMÔNIO CONHECIDO DO DEVEDOR. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DESNECESSIDADE. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. IRRELEVÂNCIA. RECURSO DE APELAÇÃO DA UNIÃO PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO DOS REQUERIDOS DESPROVIDO. [...] 5. Não é pressuposto da medida cautelar fiscal, proposta com fundamento no artigo 2º, inciso VI, da Lei 8.397/1992, que o crédito esteja constituído definitivamente. Precedente do e. TRF da 3ª Região. 6. Para as ações que tem como finalidade o acautelamento, não é necessário que o crédito encontre-se exigível, apenas que haja prova literal da dívida líquida e certa e prova documental de um dos casos mencionados no artigo 2º da Lei 8.397/1992, portanto, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário em qualquer uma das hipóteses constantes no artigo 151, do Código Tributário Nacional, não impede a concessão da cautela. [...]”.

 

Todavia, irrelevante a situação geral de suspensão da exigibilidade fiscal, se pratica o contribuinte fato enquadrado como típico para fins de cautelar fiscal, no caso relacionado, ao comprometimento de mais de 30% do patrimônio do contribuinte com dívidas (artigo 2°, VI, Lei 8.397/92) e utilização de pessoas jurídicas de "fachada" para blindagem patrimonial das requeridas, através da transferência de seus bens imóveis, prática de "caixa dois", e simulação negocial, impedindo ou dificultando a satisfação dos créditos pelo Fisco (artigo 2°, IX, Lei 8.397/92).

Desta forma, não se exige a inexistência de causa de suspensão da exigibilidade, prevista no artigo 2°, V, "a", basta a situação objetiva de comprometimento substancial dos bens do contribuinte na forma indicada pela legislação ou prática de atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.

Nesse quadro, a concessão da cautelar fiscal, com base no artigo 2º, VI e IX, da Lei 8.397/92, não se revela indevida, porquanto configurada a situação objetiva de débitos que, inscritos ou não em dívida ativa, exigíveis ou não, somam valores acima de trinta por cento do patrimônio social conhecido, assim como a prática de outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.

No caso, a medida cautelar fiscal objetiva assegurar crédito tributário (PAF's 16095720.038/2019-49 e 16095720.039/2019-93) no valor de R$ 30.577.148,96, por recolhimento a menor de IRPJ/CSL, e de multa no período de janeiro/2014 a dezembro/2016, excedentes a 30% do patrimônio conhecido dos devedores. Os lançamentos foram mantidos pela Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento – DRJ, sendo interpostos recursos administrativos.

Por sua vez, a pretensão cautelar foi ajuizada não apenas com fulcro no inciso VI (existência de dívida superior ao montante de 30% do patrimônio conhecido do devedor), como ainda no inciso IX, ambos do artigo 2° da Lei 8.397/1992 (prática, pelos sujeitos passivos, de atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito).

Quanto à dilapidação patrimonial como forma de dificultar ou impedir a satisfação do crédito tributário, constam dos autos indícios suficientes à concessão da medida liminar, conforme verificado nas fiscalizações realizadas pela RFB na empresa Paschoal Dourado & Filho Comércio de Metais Ltda, diante das condutas apuradas e imputadas ao sócio gestor Luis Fábio Dourado e esposa e sócia Adriana Pantaleão Rodrigues Dourado, consistentes na transferência de recursos, abertura de contas em nome de outras empresas de fachada, realizando movimentação de valores, em procedimento característico de "caixa 2", objetivando esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica em débito com a Fazenda Nacional, de forma a apropriar-se, em proveito próprio, dos respectivos valores.

A alegação de que possui bens todos arrolados em procedimento próprio não impede a cautelar fiscal, que cabe justamente para resguardar créditos superiores a 30% do patrimônio conhecido do devedor, quando este descumpre o dever de comunicação da transferência, alienação ou oneração dos bens arrolados, exatamente o que ocorre diante do quadro de dilapidação patrimonial, mediante práticas suficientemente narradas pela decisão agravada a partir do acervo documental constante dos autos. 

Não basta, portanto, alegar que a contabilidade oficial da empresa encontra-se inalterada, quando a imputação refere-se a movimentações financeiras paralelas, realizadas de forma oculta e fraudulenta, destinadas a desviar recursos e créditos de operações realizadas, de modo a esvaziar a própria capacidade financeira da devedora de arcar com o pagamento dos tributos cujo montante milionário supera 30% de todo o patrimônio conhecido do contribuinte. 

Embora alegue o agravante que os supostos atos de fraude e blindagem patrimonial, apontados como "atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito", não sejam atuais, mas remontem à época da autuação, não justificando a medida cautelar fiscal, é certo que não há na legislação qualquer imposição no sentido de que a prática de tais atos deva ser posterior à constituição do crédito tributário, sendo que a medida liminar deferida encontra-se alinhada com os objetivos do instituto, que é o de impedir o perecimento do interesse e pretensão executória da Fazenda Pública, afastando a prática de atos tendentes à frustração do crédito tributário.

É irrelevante a discussão acerca da existência de recurso administrativo pendente de julgamento no âmbito do CARF, a impedir a constituição definitiva do crédito tributário, já que se trata, na espécie, de imputação de conduta destinada a dilapidar o patrimônio do devedor, mediante transferência de recursos a terceiros, situação fático-jurídica que se amolda na previsão do artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.397/1992, que dispensa a própria constituição do crédito tributário e, assim, a definitividade do lançamento fiscal. 

Adicionalmente, a liminar teve lastro no artigo 2º, VI, da Lei 8.397/1992, que permite cautelar fiscal no caso de crédito tributário superior a 30% do patrimônio conhecido, sendo este critério objetivo de aferição, sobre o qual não remanesce dúvida ou controvérsia.

Registre-se que a constituição de crédito, ainda que não definitiva, em montante superior à proporção legalmente prevista do patrimônio conhecido do devedor já basta para que seja decretada a cautelar fiscal.

Assim já decidiu a Turma:

 

ApReeNec 0001663-88.2011.4.03.6107, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 28/04/2015: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. LEI Nº 8.397/92. CONSTITUIÇÃO REGULAR DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EXIGÊNCIA. DÉBITOS SUPERIORES A 30% DO PATRIMÔNIO CONHECIDO DO DEVEDOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. Caso em que o caso não se cuida de execução de crédito tributário, mas de mera medida cautelar, conforme a Lei 8.397/1992, que definiu as hipóteses de cabimento da ação cautelar fiscal. 2. O artigo 2º da Lei nº 8.397/1992 institui hipóteses de cautelar fiscal a partir de créditos tributários, exigindo, portanto, apenas a sua constituição, salvo na hipótese específica dos incisos V, "b", e VII. Nas demais hipóteses, prevalece a exigência de prévia constituição do crédito tributário, mas não de constituição definitiva, a qual permite atos de execução do interesse fiscal, fundada na certeza da decisão fiscal e na busca da liquidez de um título executivo, ao passo que a medida cautelar fiscal não gera atos de execução, mas medidas de mera preservação de situação ou condição diante do risco derivado de conduta do contribuinte contrária ao interesse fiscal. 3.  Caso em que há a contração de dívidas que comprometem a liquidez do seu patrimônio (inciso IV) e débitos que ultrapassam 30% do patrimônio do contribuinte (inciso VI), conforme a cópia do processo administrativo fiscal nº 15868.720009/2011-79, anexa à inicial. Nesse quadro, a concessão da cautelar fiscal com base nestes dispositivos não se revela indevida. 4. Cabível a medida cautelar fiscal, a concessão implica, de imediato, "indisponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação" (artigo 4°), que "será requerida ao Juiz competente para a execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública" (artigo 5°). 5. A correta quantificação do patrimônio do agravante não foi objeto de controvérsia até o presente momento, razão pela qual, por óbvio, não foi apreciada pelo Juízo a quo. Desde a inicial a PFN atribuiu ao patrimônio do contribuinte o valor de R$ 1.649.186,81, onerado por outros débitos que não o fiscal no importe de R$ 1.518.624,97, com base na representação para requerimento de medida cautelar fiscal. A representação é alicerçada na Declaração de Ajuste Anual do exercício de 2010 do agravante, em que já constava a "Fazenda Vista Alegre" e parte da "Fazenda Bela Vista" como propriedades, na Declaração de Bens e Direitos. 6. Muito embora a avaliação judicial que baseia o argumento deduzido pelo recorrente seja de 15/04/2013, não há fato novo a justificar que só se discutisse o valor total do patrimônio do contribuinte neste momento. Isto por que, de fato, nenhuma das manifestações anteriores do agravante nos autos tratou deste assunto específico, sequer tangencialmente, a despeito de sua relevância como argumento de defesa. 7. Pretende-se, aqui, na verdade, introduzir instrução processual fora do tempo próprio, em sede de agravo inominado ou, pior, aditar a contestação, quando já sentenciado o feito e proferida decisão em apelação, para impugnar o fundamento básico da medida cautelar fiscal, atinente à situação patrimonial do contribuinte, frente às dívidas existentes, que não foi objeto de discussão a tempo e modo. 8. Ainda que se admitisse o exame do mérito a respeito do suscitado, não subsiste razão ao agravante. Diferentemente do argumentado, o que foi feita é a avaliação de um lote inteiro, de 750 hectares, que em momento passado compôs a Fazenda Bela Vista, e não de parte da atual Fazenda Vista Alegre. A conclusão da diligência quanto a valor do hectare sequer é passível de extensão a priori aos demais lotes limítrofes de propriedade do agravante, pois não há nada nos autos a indicar que apresentem as mesmas características. Desta forma, o que se tem é uma propriedade avaliada em R$. 6.675.000,00, que, por evidente, não torna o débito tributário de R$ 4.140.457,33 - valor que, a propósito, está desatualizado, vez que referente ao momento do ajuizamento da cautelar, em abril/2011 - inferior a trinta por cento do patrimônio do contribuinte, ainda que em somatório com os demais bens do contribuinte. 8. Há que se notar que o acordo judicial celebrado com o Banco Rabobank, a par da desistência dos processos judiciais entre as partes, expressamente mantém as hipotecas gravadas sobre o terreno 10.912 do agravante (item 05 do acordo), que ali confessa uma dívida de R$ 3.977.954,84, da qual resta, se regularmente pagas as parcelas até o momento vencidas, como se alega, um saldo devedor de R$ 2.600.000,00, sem ter-se em conta os juros de 14% ao ano (item 03 do acordo). 9. Tal imóvel, por certo, não pode ser contabilizado pelo seu valor integral como patrimônio do contribuinte, na medida em que garante uma dívida substancial. Neste mesmo sentido, é de se notar que não foi carreada aos autos a matrícula atualizada do lote de matrícula 12.119, de modo que não há como saber quais gravames o oneram, presentemente. De outro lado, as seis hipotecas cedulares em favor do Banco Santander S.A. e a hipoteca convencional ao Banco Mercantil do Brasil S.A. (incorporado pelo Banco Bradesco S.A.) permaneciam gravando o lote de matrícula 10.913 até 12/03/2015, de modo que cópias dos acordos celebrados com tais instituições financeiras e extratos processuais não fazem prova idônea contrária ao que consta em registro público. Deste modo, não logrou o agravante demonstrar clara e precisamente a majoração de seu patrimônio imobiliário, e tampouco a desoneração dos seus bens para afastar a incidência do art. 2º, IV, da Lei 8.397/92, também autorizador da presente medida cautelar. 10. Agravo inominado desprovido."

 

Por fim, sobre o pedido subsidiário de desbloqueio, dentre valores depositados em contas bancárias, os de soma até 40 salários mínimos, por configurar mínimo existencial impenhorável, resta claro dos autos que tal questão não foi objeto de discussão na decisão agravada, como exigido pelo artigo 854, §3°, CPC, não prescindindo a análise recursal da prévia manifestação do Juízo de primeiro grau, sob pena de ofensa ao duplo grau de jurisdição e ao devido processo legal.

Neste sentido, já decidiu esta Turma:

 

AI 5012110-23.2020.4.03.0000, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, DJe de 01/10/2020: “PROCESSUAL CIVIL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. INDISPONIBILIDADE DE ATIVOS. NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EXCEÇÃO. ATOS DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. I. O recurso ficará limitado ao cabimento da medida cautelar fiscal. Ele não pode incluir os efeitos da ordem de indisponibilidade de ativos, que representam etapa posterior e que devem ser ponderados pelo Juízo de Origem, sob pena de supressão de instância e de violação do contraditório pleno das partes e da devolução restrita do agravo de instrumento. II. Se a indisponibilidade dos ativos, principalmente dos financeiros, pôs em risco a função social da empresa, a dignidade dos trabalhadores e a garantia de menor onerosidade, potencializada atualmente pelo estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), esse fato deve ser analisado pelo Juízo de Origem, que naturalmente não pôde considerá-lo no momento da decisão judicial, enquanto evento superveniente oriundo da evolução do ato constritivo e do contraditório do executado. III. O Código de Processo Civil prevê o procedimento, quando ocorre o bloqueio de ativos financeiros: o próprio Juízo da execução examinará as alegações de impenhorabilidade ou onerosidade excessiva feitas pelo devedor (artigo 854, § 3º e § 4º). IV. Trata-se de ritual totalmente aplicável à indisponibilidade prevista em ação cautelar fiscal, seja porque ela se converterá futuramente em penhora, seja porque o devedor poderá fazer alegações típicas de impenhorabilidade e de menor onerosidade da execução em resposta à medida cautelar fiscal (STJ, AgInt no AResp 1066929, DJ 23.03.2020). V. O fato de o artigo 7°, parágrafo único, da Lei n. 8.397 de 1992 prever o agravo de instrumento contra despacho que conceder liminarmente medida cautelar fiscal não modifica a conclusão. A devolução restrita do recurso permanece - objeto voltado apenas ao cabimento da indisponibilidade - e não há qualquer superação circunstancial do regime constante de lei geral, no sentido de que as implicações do ato constritivo constituem etapa autônoma, a ser ponderada pelo Juízo de primeiro grau em respeito à garantia de instância e ao contraditório das partes. VI. Aliás, em consulta aos autos da ação cautelar fiscal, verifica-se que o Juízo de Origem determinou a intimação da União para que se manifestasse sobre as alegações dos réus de impenhorabilidade e onerosidade excessiva. Naturalmente, declarou-se competente para apreciá-las. [...]”.

 

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento, e julgo prejudicados os embargos de declaração.

É como voto.

 



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. LEI 8.397/1992. DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. DÍVIDA QUE EXCEDE 30% DO PATRIMÔNIO CONHECIDO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DOS DÉBITOS. IMPENHORABILIDADE DE DEPÓSITOS ATÉ 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO.

1. Diante do julgamento do agravo de instrumento, restam prejudicados os embargos de declaração a decisão de rejeição da antecipação da tutela recursal.

2. O artigo 2º da Lei 8.397/1992 institui hipóteses de cautelar fiscal a partir de créditos tributários, exigindo, portanto, apenas a constituição, salvo na hipótese específica dos incisos V, "b" (quando o contribuinte: "V - notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal: b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros"), e VII (quando o contribuinte: "VII - aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei"). Nas demais hipóteses, prevalece a exigência de prévia constituição do crédito tributário, mas não de constituição definitiva. A constituição definitiva permite atos de execução do interesse fiscal, fundada na certeza da decisão fiscal e na busca da liquidez de um título executivo - por exemplo, a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento de execução fiscal -, ao passo que a medida cautelar fiscal não gera atos de execução, mas medidas de mera preservação de situação ou condição diante do risco derivado de conduta do contribuinte contrária ao interesse fiscal, que é relevante, diante da constituição do crédito tributário, ainda que não seja definitivo o lançamento fiscal.

3. Irrelevante a situação geral de suspensão da exigibilidade fiscal, se pratica o contribuinte fato enquadrado como típico para fins de cautelar fiscal, no caso relacionado, ao comprometimento de mais de 30% do patrimônio do contribuinte com dívidas (artigo 2°, VI, Lei 8.397/92) e utilização de pessoas jurídicas de "fachada" para blindagem patrimonial das requeridas, através da transferência de seus bens imóveis, prática de "caixa dois", e simulação negocial, impedindo ou dificultando a satisfação dos créditos pelo Fisco (artigo 2°, IX, Lei 8.397/92). Desta forma, não se exige a inexistência de causa de suspensão da exigibilidade, prevista no artigo 2°, V, "a", basta a situação objetiva de comprometimento substancial dos bens do contribuinte na forma indicada pela legislação ou prática de atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.

4. Nesse quadro, a concessão da cautelar fiscal, com base no artigo 2º, VI e IX, da Lei 8.397/92, não se revela indevida, porquanto configurada a situação objetiva de débitos que, inscritos ou não em dívida ativa, exigíveis ou não, somam valores acima de trinta por cento do patrimônio social conhecido, assim como a prática de outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.

5. A medida cautelar fiscal objetiva assegurar crédito tributário (PAF's 16095720.038/2019-49 e 16095720.039/2019-93) no valor de R$ 30.577.148,96, por recolhimento a menor de IRPJ/CSL, e multa de janeiro/2014 a dezembro/2016, excedentes a 30% do patrimônio conhecido dos devedores. Os lançamentos foram mantidos pela Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento – DRJ, sendo interpostos recursos administrativos. Por sua vez, a pretensão cautelar foi ajuizada não apenas com fulcro no inciso VI (existência de dívida superior ao montante de 30% do patrimônio conhecido do devedor), como ainda no inciso IX, ambos do artigo 2° da Lei 8.397/1992 (prática de atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito).

6. Relativamente à dilapidação patrimonial como forma de dificultar ou impedir a satisfação do crédito tributário, constam dos autos indícios suficientes à concessão da medida liminar, conforme verificado nas fiscalizações realizadas pela RFB na empresa Paschoal Dourado & Filho Comércio de Metais Ltda, diante das condutas apuradas e imputadas ao sócio gestor Luis Fábio Dourado e esposa e sócia Adriana Pantaleão Rodrigues Dourado, consistentes na transferência de recursos, abertura de contas em nome de outras empresas de fachada, realizando movimentação de valores, em procedimento característico de "caixa 2", objetivando esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica em débito com a Fazenda Nacional, de forma a apropriar-se, em proveito próprio, dos respectivos valores.

7. A alegação de que possui bens todos arrolados em procedimento próprio não impede a cautelar fiscal, que cabe justamente para resguardar créditos superiores a 30% do patrimônio conhecido do devedor, quando este descumpre o dever de comunicação da transferência, alienação ou oneração dos bens arrolados, exatamente o que ocorre diante do quadro de dilapidação patrimonial, mediante práticas suficientemente narradas pela decisão agravada a partir do acervo documental constante dos autos.

8. Não basta, portanto, alegar que a contabilidade oficial da empresa encontra-se inalterada, quando a imputação refere-se a movimentações financeiras paralelas, realizadas de forma oculta e fraudulenta, destinadas a desviar recursos e créditos de operações realizadas, de modo a esvaziar a própria capacidade financeira da devedora de arcar com o pagamento dos tributos cujo montante milionário supera 30% de todo o patrimônio conhecido do contribuinte.

9. Embora alegue o agravante que os supostos atos de fraude e blindagem patrimonial, apontados como "atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito", não sejam atuais, mas remontem à época da autuação, não justificando a medida cautelar fiscal, é certo que não há na legislação imposição no sentido de que a prática de tais atos deva ser posterior à constituição do crédito tributário, sendo que a medida liminar deferida encontra-se alinhada com os objetivos do instituto, que é o de impedir o perecimento do interesse e pretensão executória da Fazenda Pública, afastando a prática de atos tendentes à frustração do crédito tributário.

10. É irrelevante a discussão acerca da existência de recurso administrativo pendente de julgamento no âmbito do CARF, a impedir a constituição definitiva do crédito tributário, já que se trata, na espécie, de imputação de conduta destinada a dilapidar o patrimônio do devedor, mediante transferência de recursos a terceiros, situação fático-jurídica que se amolda na previsão do artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.397/1992, que dispensa a própria constituição do crédito tributário e, assim, a definitividade do lançamento fiscal.

11. Sobre o pedido subsidiário de desbloqueio, dentre valores depositados em contas bancárias, os de soma até 40 salários mínimos, por configurar mínimo existencial impenhorável, é certo que tal questão não foi objeto de exame na decisão agravada, como exigido pelo artigo 854, §3°, CPC, sendo, pois, necessária prévia análise em primeiro grau, sob pena de ofensa ao duplo grau de jurisdição e ao devido processo legal.

12. Agravo de instrumento desprovido e embargos de declaração prejudicados

 

 

 

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, e julgou prejudicados os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.