APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003176-03.2020.4.03.6103
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: MARIA DA GRACA TOMASSOLI, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL, MARIA DA GRACA TOMASSOLI
Advogado do(a) APELADO: PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003176-03.2020.4.03.6103 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: MARIA DA GRACA TOMASSOLI, UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) APELANTE: PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A Advogado do(a) APELADO: PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A R E L A T Ó R I O Trata-se de dupla apelação à sentença que, em ação ordinária, condenou a União à indenização por dano moral no valor de R$ 80.000,00, corrigido segundo Manual de Cálculos da Justiça Federal, fixados honorários advocatícios em 10% do valor da condenação. Apelou a autora, alegando que o valor foi inferior a de outras condenações em casos semelhantes, pleiteando seja majorada para R$ 200.000,00. Também apelou a União, alegando que: (1) houve prescrição quinquenal, pois a ação foi ajuizada em 2020 por danos morais sofridos após separação da autora de seus pais, logo após seu nascimento, em 1951; (2) o pleito é de reparação civil, sujeito à prescrição; (3) não há nexo de causalidade entre o dano moral pela separação e a política de isolamento adotada para pacientes à época, em conformidade com critérios globais aplicados para tal situação; (4) a circunstância de a autora ter sido separada de seus pais objetivava preservar a saúde da criança, segundo a literatura médica da época da internação; (5) não há fundamento para condenar o Estado atualmente por ter política de saúde que, então, era referência mundial, pois ausente ato ilegal; e (6) quando menos, deve ser reduzido o valor da indenização para evitar enriquecimento indevido. Houve contrarrazões apenas da autora, repudiando a prescrição, vez que a separação compulsória é considerada violação de direito fundamental imprescritível. O Ministério Público Federal não se manifestou quanto ao mérito. É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003176-03.2020.4.03.6103 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: MARIA DA GRACA TOMASSOLI, UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) APELANTE: PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A Advogado do(a) APELADO: PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A V O T O Senhores Desembargadores, o deslinde da presente causa passa pela análise da prejudicial de mérito, suscitada desde a origem, quanto à prescrição aplicável para a discussão da indenização pleiteada. É sabido que a imprescritibilidade é solução que, em tese, não se conforma com o princípio da estabilidade e da segurança jurídica, sendo adotada, portanto, apenas de forma excepcional para situações específicas, que não podem servir de modelo para aplicação ampla, considerada a diversidade de relações jurídicas sujeitas ao crivo judicial, em se tratando de ações de indenizações propostas contra o Estado por danos materiais ou morais. A sentença reconheceu imprescritível o direito em discussão, invocando violação à dignidade da pessoa humana, a partir de jurisprudência da Corte Superior firmada em sede de indenização por perseguição política ocorrida durante o regime militar. Todavia, a Corte Superior firmou entendimento no sentido de que a regra geral é a de prescritibilidade, nos termos do tema repetitivo 553, tornada tese com o seguinte teor: "Aplica-se o prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002." Especificamente quanto à indenização pleiteada ao Estado por dano moral diante de política de isolamento social no tratamento de portadores de hanseníase, tem decidido a Corte Superior que se trata de caso sujeito à regra geral da prescrição quinquenal, afastando, portanto, a aplicação da tese da imprescritibilidade, reconhecida excepcionalmente em prol das ações de indenização por dano moral decorrente de atos de perseguição política no regime militar, diante da limitação, então existente, ao exercício do direito de ação, versando sobre tal objeto em particular. A propósito: AgInt no AREsp 1.549.327, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 04/09/2020: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DANO MORAL. FILHO DE PORTADOR DE HANSENÍASE. INTERNAÇÃO E SEGREGAÇÃO COMPULSÓRIA. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM TESE DISCUTIDA EM SEDE DE REPETITIVO. TEMA 553. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão acerca da prescrição das pretensões deduzidas em face da Fazenda Pública, em julgamento proferido pela Primeira Seção, no REs 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/1973, no sentido de que, nas ações de indenização contra a Fazenda Pública, o prazo prescricional é de cinco anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932, em detrimento do prazo prescricional previsto no Código Civil (Tema 553). 2. A tese do recurso relacionada à imprescritibilidade de ações de indenização decorrentes de suposta violação de direitos fundamentais não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que se trata de precedente vinculado a atos decorrentes de perseguições políticas ocorridas durante a ditadura militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões. Precedente: AREsp 1662747/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 07/08/2020. 3. A menção ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos nas razões do agravo interno é genérica, sem identificar qual teria sido o dispositivo da referida convenção internacional que teria sido violado pelo Tribunal a quo. 4. Agravo interno não provido”. Nesta Turma, assim restou igualmente decidido: ApCiv 5003657-56.2018.4.03.6128, Rel. Des. Fed. NERY JUNIOR, DJEN 15/04/2021: “DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. FILHO DE PORTADORES DE HANSENÍASE. DANOS MORAIS. ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. TERMO A QUO: MAIORIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. APELO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 01. A controvérsia trazida à baila diz respeito à configuração da prescrição da pretensão de reparação civil do recorrente pelos danos morais acarretados pela separação abrupta do recorrente de seus genitores, portadores de hanseníase ao tempo dos fatos, e se restou ou não configurada a responsabilidade civil da União. 02. Inicialmente, cumpre mencionar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32, deve ser aplicado à ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal, previsto no art. 206, §3º, V do CC/02. 03. Como regra geral, o art. 1º do Decreto nº 10.910/32 prescreve como termo inicial de contagem, a data do ato ou fato da qual se originarem. Nessa linha, o mesmo raciocínio é estabelecido pelo legislador civilista, consoante estabelecido na primeira parte do art. 189 do CC/2002. 04. Na espécie, a prescrição começa a ocorrer a partir da data dos fatos, ou seja, no momento da separação entre o recorrente e seus genitores. Porém, por ser menor à época da ruptura dos laços familiares, impõe-se considerar o alcance da maioridade civil para a contagem do lastro prescricional, à luz do art. 198, I do CC/2002. 05. Dessa forma, considerando a data de nascimento do recorrente em 16/06/1957 (ID 136421497), a maioria do requerente se completou em 17/06/1975; porém, a presente ação somente foi protocolada em 28/09/2018, após o transcurso do prazo quinquenal. 06. Sendo assim, o Estado não deve intervir para assegurar o direito daquele que, por si mesmo, não pleiteou, ao seu tempo e modo, a tutela jurisdicional pretendida, afigurando-se escorreita a r. sentença que reconheceu a prescrição. 07. Apelo improvido. Sentença mantida”. A prescrição é, assim, quinquenal, contada a partir da data da lesão geradora do direito vindicado, que consistiu na separação compulsória da autora de sua família, ocorrida quando ainda menor de idade. Neste caso, a prescrição deve ser contada a partir da maioridade civil, considerada a data de nascimento em 27/05/1951 (ID 157640668), a demonstrar que decorreu o quinquênio prescricional muito anos antes da data em que ajuizada a presente ação, em 2020, razão pela qual prescrita a pretensão deduzida, a ensejar julgamento de mérito, nos termos do artigo 487, II, CPC. Ante a inversão da sucumbência, arbitra-se verba honorária nos percentuais mínimos previstos nos incisos do § 3º do artigo 85, CPC, calculada sobre o valor atualizado da causa, acrescida de condenação pelo decaimento recursal, que se fixa em 10% do percentual mínimo fixado em cada faixa de valor do arbitramento originário, sem prejuízo, porém, da suspensão da respectiva exigibilidade, nos termos do artigo 98, § 3º, CPC. Ante o exposto, dou provimento à apelação fazendária, nos termos supracitados, restando prejudicado o recurso da autora. É como voto.
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E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. POLÍTICA DE SEGREGAÇÃO PARA TRATAMENTO DE SAÚDE A PORTADORES DE HANSENÍASE. VEDAÇÃO À TESE DE IMPRESCRITIBILIDADE. APLICAÇÃO DO TEMA 553/STJ. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO-LEI 20.910/1932. TERMO A QUO: MAIORIDADE CIVIL. SUCUMBÊNCIA INVERTIDA.
1. O deslinde da causa passa pela análise da prejudicial de mérito, suscitada desde a origem, quanto à prescrição aplicável para a discussão da indenização pleiteada. É sabido que a imprescritibilidade é solução que, em tese, não se conforma com o princípio da estabilidade e da segurança jurídica, sendo adotada, portanto, apenas de forma excepcional para situações específicas, que não podem servir de modelo para aplicação ampla, considerada a diversidade de relações jurídicas sujeitas ao crivo judicial, em se tratando de ações propostas contra o Estado por danos materiais ou morais.
2. A sentença reconheceu imprescritível o direito em discussão, invocando violação à dignidade da pessoa humana, a partir de jurisprudência da Corte Superior firmada em sede de indenização por perseguição política ocorrida durante o regime militar.
3. Todavia, a Corte Superior firmou entendimento no sentido de que a regra geral é a de prescritibilidade, nos termos do tema repetitivo 553, tornada tese com o seguinte teor: "Aplica-se o prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002.".
4. Especificamente quanto à indenização pleiteada ao Estado por dano moral diante de política de isolamento social no tratamento de portadores de hanseníase, tem decidido a Corte Superior que se trata de caso sujeito à regra geral da prescrição quinquenal, afastando, portanto, a aplicação da tese da imprescritibilidade, reconhecida excepcionalmente em prol das ações de indenização por dano moral decorrente de atos de perseguição política no regime militar, diante da limitação, então existente, ao exercício do direito de ação, versando sobre tal objeto em particular.
5. A prescrição é, assim, quinquenal, contada a partir da data da lesão geradora do direito vindicado, que consistiu na separação compulsória da autora de sua família, ocorrida quando ainda era menor de idade. Neste caso, a prescrição deve ser contada a partir da maioridade civil, a demonstrar que decorreu o quinquênio prescricional muito anos antes da data em que ajuizada a presente ação, razão pela qual prescrita a pretensão deduzida, a ensejar julgamento de mérito, nos termos do artigo 487, II, CPC.
6. Ante a inversão da sucumbência, arbitra-se verba honorária nos percentuais mínimos previstos nos incisos do § 3º do artigo 85, CPC, calculada sobre o valor atualizado da causa, acrescida de condenação pelo decaimento recursal, que se fixa em 10% do percentual mínimo fixado em cada faixa de valor do arbitramento originário, sem prejuízo, porém, da suspensão da respectiva exigibilidade, nos termos do artigo 98, § 3º, CPC.
7. Apelação fazendária provida, e apelação da autora julgada prejudicada.