APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010000-84.2020.4.03.6100
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: LAURA PETIT DA SILVA, REGINA MARIA MERLINO DIAS DE ALMEIDA, ANGELA MARIA MENDES DE ALMEIDA, MARIA AMELIA DE ALMEIDA TELES, CRIMEIA ALICE SCHMIDT DE ALMEIDA, SUZANA KENIGER LISBOA
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERREIRA - SP346619-A
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APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010000-84.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: LAURA PETIT DA SILVA, REGINA MARIA MERLINO DIAS DE ALMEIDA, ANGELA MARIA MENDES DE ALMEIDA, MARIA AMELIA DE ALMEIDA TELES, CRIMEIA ALICE SCHMIDT DE ALMEIDA, SUZANA KENIGER LISBOA Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERREIRA - SP346619-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Apelação interposta por LAURA PETIT DA SILVA e outros, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposta contra sentença que extinguiu o processo sem exame do mérito por inadequação da via eleita, em sede de ação ajuizada com o objetivo de obter provimento judicial para que seja determinada à União Federal a veiculação “no mesmo horário e sem restrições de destinatários, com o mesmo destaque do agravo (artigo 2º, § 2º, da Lei nº 13.188/15) e em todas as redes sociais em que houve a publicação ofensiva (conta oficial da SECOM no Twitter, Instagram e Facebook, além de outros meios possivelmente não identificados pelas vítimas (art. 3º, § 1º, da Lei nº 13.188/15), a seguinte resposta, proporcional, em suas dimensões, ao agravo (art. 2º da Lei nº 13.188/15), devendo a resposta ser mantida, de forma permanente, nas redes sociais da SECOM (art. 4º, I, da Lei nº 13.188/15)”: O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os Direitos Humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A SECOM retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória.” 2.Imagem: Imagem sem texto ou figuras, inteira na cor preta, em iguais proporções à veiculada". Sustenta-se, em síntese, que (id 147883278): a) as autoras são todas reconhecidas vítimas ou parentes de vítimas da ditadura militar e pretendem obter direito de resposta à publicação ofensiva veiculada pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM), no dia 05/5.2020, em suas contas oficiais do Twitter, Instagram e Facebook, que retrataram reunião ocorrida em 04/05/2020, entre o Presidente da República e Sebastião Rodrigues de Moura, o “Major Curió”, na qual este último foi qualificado como herói nacional; b) houve ampla repercussão da aludida publicação na imprensa, em veículos tais como “O Globo”, “Estadão” e “Correio Brasiliense”; c) notificaram extrajudicialmente, em 11/05/2020, a SECOM para requerer direito de resposta, porém lhes foi negado em 28/05/2020; d) a publicação é ultrajante: qualifica como “herói nacional” pessoa oficialmente reconhecida pela Comissão Nacional da Verdade como um dos 377 agentes do Estado brasileiro que praticaram crimes contra os direitos humanos no contexto da ditadura civil-militar e retrata de forma difamatória suas vítimas, razão pela qual não subsiste o fundamento da sentença sobre “incertezas” ou “dúvidas que ainda permeiam a verdade dos fatos”; e) os fatos históricos são incontroversos. As atrocidades da ditadura são reconhecidas no âmbito internacional pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e, internamente, pelas conclusões da Comissão Nacional da Verdade e pela Lei de Anistia. Assim, o que a SECOM fez com sua publicação foi mentir, desinformar, distorcer os fatos, inverter os papéis de seus atores e ofender; f) os guerrilheiros do Araguaia - associados na publicação da SECOM a “milhões de mortes” e a “um dos maiores flagelos da humanidade” - eram militantes do PCdoB que se deslocaram de vários Estados do país e se instalaram nas proximidades do Rio Araguaia a fim de organizar um movimento de resistência armada ao regime militar brasileiro a partir da mobilização da população rural local. Foram submetidos a detenções arbitrárias, torturas e desaparecimentos forçados praticadas pelo Estado brasileiro por força da repressão política e militar na região do Araguaia, que foi responsável por quase metade do número total de desaparecidos políticos no Brasil; g) as atrocidades cometidas pelo governo brasileiro nessa época ensejaram a condenação internacional do país nos casos Vladmir Herzog e outros v. Brasil e Gomes Lund e outros v. Brasil. Neste último, a Corte Interamericana de Direitos Humanos analisou o específico contexto da Guerrilha do Araguaia e considerou o Brasil responsável pelo massacre e por deixar de investigar e julgar os responsáveis pelas mortes ao promulgar a Lei de Anistia (Lei 6683/79), de modo a configurar violação aos arts. 4º (direito à vida), 5º (direito à integridade pessoal), 7º (direito à liberdade pessoal), 8º (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e de expressão) e 25 (proteção judicial) da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, além de ponderar que é dever do Brasil tomar medidas para que eventos como esse não mais ocorram. Por fim, para atender ao direito à memória e à verdade, determinou que o Brasil reconhecesse publicamente a responsabilidade pelas violações de direitos humanos (perseguições políticas, assassinatos, torturas, desaparecimentos forçados etc.) realizadas por agentes oficiais do Estado no período; h) “em vez de cumprir a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, publicando “toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia”, bem como as informações relativas “a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar”, a SECOM faz exatamente o oposto: mente ao exaltar como herói uma pessoa que é reconhecida pela prática de sequestro, tortura, homicídio e ocultação de cadáver durante a ditadura cívico-militar”; i) o fato de não ter havido “qualquer indicação nominal ou pessoal, direta ou indireta” das vítimas da ofensa não é impeditivo da veiculação da resposta pretendida. O § 1º do art. 2º da Lei 13.188/2015 requer tão somente que a parte ofendida seja passível de identificação, como é o caso, conforme amplamente demonstrado na inicial; j) por fim, à vista da notória ofensividade do conteúdo e da identificação das vítimas, cujas honra, imagem e reputação foram abaladas pela publicação da SECOM, não há incompatibilidade entre o rito célere da Lei 13.188/2015 e o pedido, porquanto é desnecessária qualquer dilação probatória no presente caso. Todos os documentos que informam e evidenciam a ilicitude da nota em questão foram acostados aos autos. Ademais, a ré jamais negou a veiculação da publicação como foi feita, de maneira que os fatos são incontroversos; k) requer, nos termos do art. 1.013, § 3º, I, do Código de Processo Civil, o provimento do pleito, determinando-se, ao final, a veiculação da resposta pretendida. Nas contrarrazões (id 147883783), a União sustenta: a) preliminarmente, a.1) conexão e/ou continência entre a presente ação de direito de resposta e a Ação Popular nº 1026995- 52.2020.4.01.3400, ajuizada perante a 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, cujo objeto abrange o tema desta, qual seja, retirada de postagens feitas pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República – e mesma causa de pedir – violação aos princípios da moralidade e impessoalidade administrativas, bem como a ocorrência de desvio de finalidade. Subsidiariamente, ainda que não se reconheça propriamente a conexão, há o risco de decisões conflitantes, de modo que se recomenda a reunião, nos termos do artigo 55, § 3º, do CPC; a.2) falta de interesse de agir dos autores, pois a ação de direito de resposta encontra suporte no artigo 5.º da Lei 13.188/2015, o que inexiste neste processo. Não houve ato praticado pela União que tenha causado lesão de interesse, dado que a publicação foi da SECOM, de modo que da situação jurídica descrita na inicial não decorre a adequada providência pleiteada, nos termos do artigo 17 do CPC; a.3) inadequação da via eleita, porquanto a cognição exauriente relativamente ao preenchimento dos requisitos exigidos para o referido pedido exige ampla dilação probatória e não é possível por meio do rito especial da Lei 13.188/2015. Registre-se, ainda, o entendimento da não aplicação da referida norma à fazenda pública, considerado que "perfis de órgãos públicos em redes sociais não se enquadram no conceito de veículos de comunicação social em sentido estrito". Ademais, ainda que o autor discorde das afirmativas e posicionamentos contidos nas publicações veiculadas pela SECOM, é certo que sua suspensão pode ensejar afronta aos direitos fundamentais da liberdade de expressão e da livre manifestação do pensamento, previstos no art. 5º, incisos IV e IX, da Constituição Federal, de modo que não há sequer probabilidade de lesão a direito, ex vi do artigo 220 da Constituição Federal. Pode-se ainda invocar o princípio da separação de poderes e a inviabilidade de o Judiciário analisar o mérito administrativo, como uma espécie de censor; a.4) o ordenamento jurídico traz limitações específicas às antecipações de efeito da tutela em desfavor da fazenda pública (Leis nº. 8.437/92, 9.494/97 e 12.016/09). O STF, inclusive, já declarou constitucional o artigo 1º da Lei 8.437/92 na ADIN nº 4. O deferimento da tutela provisória de urgência – retirada das postagens mencionadas na inicial, bem como a imposição de abstenção de outras publicações que impliquem promoção pessoal do Presidente da República – representará a concessão do próprio provimento final requerido, tornando inócua qualquer manifestação judicial posterior. b) a Lei nº. 13.844/2019, que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, e o Decreto 9.980/19, que a regulamentou, prescrevem como atribuição da Secretaria de Governo da Presidência da República a formulação e a implementação da política de comunicação e de divulgação social do governo federal, inclusive para convocar as redes obrigatórias de rádio e televisão para o atendimento aos pedidos de pronunciamento em cadeia nacional, após autorização do Ministro de Estado; c) o Decreto nº. 6.555/2008 determina que as ações de comunicação do Poder Executivo federal terão como objetivos principais, entre outros, (i) dar amplo conhecimento à sociedade das políticas e programas do Poder Executivo Federal; (ii) divulgar os direitos do cidadão e serviços colocados à sua disposição; (iii) estimular a participação da sociedade no debate e na formulação de políticas públicas, além de (iv) disseminar informações sobre assuntos de interesse público dos diferentes segmentos sociais; d) o que se buscou com as postagens questionadas foi alcançar os objetivos estampados na legislação supracitada, além de assegurar o direito à informação dos cidadãos, consoante o art. 5º, inciso XIV, combinado com a disposição do art. 37, 1º, da CF/88, que impõem um poder-dever à administração pública de dar publicidade e de informar sobre seus atos; e) nas postagens do perfil “@SecomVc” são utilizadas linguagem e mensagens condizentes com os canais digitais, conforme determina o art. 2º do Decreto nº. 6.555/2008; f) a área técnica responsável pelo gerenciamento das postagens informou as fontes da ora questionada e ressaltou que: “Especificamente com relação aos posts mencionados pela requerente em sua Petição, reforçamos que se baseiam em informações oficiais, sendo eles apenas registros das falas das autoridades públicas ou divulgação atos e fatos do Governo, conforme é possível verificar nos exemplos a seguir: Divulgação de fala do Presidente em pronunciamento no Planalto em 24 de abril de 2020 (https://www.youtube.com/watch?v=r50zxWD7M0) b) Repercussão de dados apresentados pelo Presidente em pronunciamento em cadeia no dia 8 de abril de 2020 (https://www.youtube.com/watch?v=2h1mU1dp1o8). Conforme Lei nº. 13.982/2020 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 022/2020/lei/l13982.htm). c) Repercussão de Acordo mencionado pelo próprio Presidente em suas redes (https://twitter.com/secomvc/status/1248357455400259586 e https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020- 04/bolsonaroagradece-india-por-insumos-para-produzirhidroxicloroquina).Divulgação de fala do Presidente em pronunciamento no Planalto em 24 de abril de 2020 (https://www.youtube.com/watch?v=r50zxWD7M0), baseada na Lei 9.266, de 15 de março de 1996 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9266.htm). ” g) nesse contexto, não procede o argumento de que as postagens tenham o condão de violar o caráter educativo, informativo ou de orientação social, pois estão em sintonia com o disposto na Constituição Federal e, consequentemente, em consonância com os princípios da publicidade, razoabilidade e proporcionalidade, bem como com o direito à informação dos cidadãos, sem a configuração de promoção pessoal das autoridades; h) para fins jurídicos, publicidade estatal significa dar amplo conhecimento a população dos atos do Estado, demonstrando os motivos e as finalidades de tais condutas. Por outro lado, a noção de propaganda estatal está ligada ao desenvolvimento de técnicas de comunicação e abordagem com o intuito de convencer o público-alvo da importância de determinado tema - a exemplo das Campanhas Anuais de Vacinação promovidas pelo Poder Público”. Inexiste, portanto, desvio de finalidade, pois ausente o intuito ou a configuração de promoção pessoal de agentes públicos.; i) o entendimento do Ministro Dias Toffoli, expresso na recente decisão proferida em 04.05.2020, nos autos da Suspensão de Liminar 1.326/RN, é aplicável ao caso em análise: Reitero, ainda uma vez, meu entendimento, agora aplicado ao caso concreto ora em análise, de que não cabe ao Poder Judiciário decidir o que pode ou não constar em uma ordem do dia, ou mesmo qual a qualificação histórica sobre determinado período do passado, substituindo-se aos historiadores nesse mister e, no presente caso, aos legítimos gestores do Ministério da Defesa, para redigir, segundo a compreensão que esposam, os termos de uma simples ordem do dia, incidindo em verdadeira censura acerca de um texto editado por Ministro de Estado e Chefes Militares. Apenas eventuais ilegalidades ou flagrantes violações à ordem constitucional vigente devem merecer sanção judicial, para a necessária correção de rumos. Mas não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir o critério de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da Administração Pública, parecendo não ser admitido impedir a edição de uma ordem do dia, por suposta ilegalidade de seu conteúdo, a qual inclusive é muito semelhante à mesma efeméride publicada no dia 31 de março de 2019. As decisões judiciais ora atacadas, destarte, representam grave risco de violação à ordem público-administrativa do Estado brasileiro, por implicar em verdadeiro ato de censura à livre expressão do Ministro de Estado da Defesa e dos Chefes das Forças Militares, no exercício de ato discricionário e de rotina, inerente às elevadas funções que exercem no Poder Executivo e sobre o qual não parece adequada a valoração efetuada por membros do Poder Judiciário. Impõe-se, destarte, a imediata suspensão dos efeitos dessas decisões.” j) de acordo com o art. 3º, inciso V, do Decreto nº. 6.555/2008, o gênero publicidade se subdivide nas seguintes espécies: (a) publicidade de utilidade pública; (b) publicidade institucional; (c) publicidade mercadológica; e (d) publicidade legal. O conceito dessas espécies mencionadas são definidos pela Instrução Normativa SECOM nº. 2, de 20 de abril de 2018, que disciplina a publicidade dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal. Assim, há que se destacar uma diferença conceitual substancial entre essas categorias de publicidade e a mera publicação em redes sociais por algum órgão público, caracterizadas pela maior informalidade e pelo uso de linguagem rápida, direta e acessível aos destinatários, sem perder de vista a finalidade informativa do seu conteúdo; k) embora se admita a fixação da multa diária contra a fazenda pública, consoante recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça, deve atender aos princípios da proporcionalidade, da utilidade prática e correspondência aos meios e fins perseguidos. Sua natureza é punitiva e, no caso, não se revela necessária, útil ou apta a constranger a União. Pede, ao final, o desprovimento do apelo. Por meio da decisão id 148403004, deferi o efeito suspensivo requerido, à exceção da fixação de multa, contra a qual a União interpôs agravo interno (id 150493976), no qual pediu sua suspensão e remessa ao desembargador plantonista. O Desembargador Federal Carlos Muta, em plantão judicial, indeferiu o pleito da União (id 150537973). Por meio da petição id 150928113, a União informou que Exmo. Sr. Ministro Presidente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos autos da Suspensão de Liminar e de Sentença n. 2872-SP, suspendeu os efeitos da decisão concessiva da tutela na proferida na presente apelação, até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação. Determinei ciência às partes da informação e documentos acostados pela ré (id 152099474) e transcorreu in albis o prazo para manifestação. À vista da suspensão da antecipação da tutela recursal pelo STJ, por meio da decisão id 165641226 foi declarado prejudicado o agravo interno interposto pela União Federal. Intimadas as partes, a União Federal expressamente (id 194586308) manifestou desinteresse de recorrer da decisão anteriormente mencionada. É o relatório.
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERREIRA - SP346619-A
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PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010000-84.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: LAURA PETIT DA SILVA, REGINA MARIA MERLINO DIAS DE ALMEIDA, ANGELA MARIA MENDES DE ALMEIDA, MARIA AMELIA DE ALMEIDA TELES, CRIMEIA ALICE SCHMIDT DE ALMEIDA, SUZANA KENIGER LISBOA Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERREIRA - SP346619-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Ação de direito de resposta ajuizada por LAURA PETIT DA SILVA e outros contra a União Federal em razão de a SECOM, em 05.05.2020, ter veiculado, em suas contas oficiais das redes sociais Twitter, Instagram e Facebook, nota sobre reunião ocorrida em 04.05.2020 entre o Exmo. Sr. Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e Sebastião Rodrigues Moura, "Major Curió", com a imagem e o seguinte texto: Relatam que houve ampla repercussão da aludida publicação na imprensa, em veículos tais como “O Globo”, “Estadão” e “Correio Brasiliense” e que notificaram extrajudicialmente, em 11/05/2020, a SECOM para requerer direito de resposta, porém lhes foi negado em 28/05/2020. Argumentam, em síntese, que a publicação é ultrajante, pois qualifica como “herói nacional” pessoa oficialmente reconhecida pela Comissão Nacional da Verdade como um dos 377 agentes do Estado brasileiro que praticaram crimes contra os direitos humanos no contexto da ditadura civil-militar e retrata de forma difamatória suas vítimas e que os fatos históricos são incontroversos. As atrocidades da ditadura são reconhecidas no âmbito internacional pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e, internamente, pelas conclusões da Comissão Nacional da Verdade e pela Lei de Anistia. Assim, o que a SECOM fez com sua publicação foi mentir, desinformar, distorcer os fatos, inverter os papéis de seus atores e ofender. Pedem, em decorrência, provimento judicial para que seja determinada a veiculação “no mesmo horário e sem restrições de destinatários, com o mesmo destaque do agravo (artigo 2º, § 2º, da Lei nº 13.188/15) e em todas as redes sociais em que houve a publicação ofensiva (conta oficial da SECOM no Twitter, Instagram e Facebook, além de outros meios possivelmente não identificados pelas vítimas (art. 3º, § 1º, da Lei nº 13.188/15), a seguinte resposta, proporcional, em suas dimensões, ao agravo (art. 2º da Lei nº 13.188/15), devendo a resposta ser mantida, de forma permanente, nas redes sociais da SECOM (art. 4º, I, da Lei nº 13.188/15) O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os Direitos Humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A SECOM retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória.” 2.Imagem: Imagem sem texto ou figuras, inteira na cor preta, em iguais proporções à veiculada". I – Das preliminares arguidas pela União Federal em contrarrazões Relativamente à alegação de conexão e/ou continência entre a presente ação de direito de resposta e a Ação Popular nº 1026995- 52.2020.4.01.3400, ajuizada perante a 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, foi expressamente rechaçada na sentença. Portanto, a questão deveria ter sido impugnada por meio do competente recurso, o que não foi feito, de modo que está preclusa. Repise-se, todavia, que não se configura conexão ou continência entre este pedido e a aludida ação popular. Nesta última a autoria é diversa, assim como causa petendi e pedido: promoção pessoal do Presidente da República e requerimento de retirada de postagens e restituição de valores. A mesma situação ocorre com a ação popular nº 1027385-22.2020.4.013400: diferentes autores e causa petendi e pedido semelhantes ao da outra ação popular (arts. 55, 58 e 59, CPC). Conflito entre decisões não pode haver entre direito de resposta pura e simples e a condenação ao ressarcimento de valores por ação pessoal de agente público. Invoca, ainda, falta de interesse de agir dos autores, pois a publicação foi feita pela SECOM, de modo que não houve ato praticado pela União que tenha causado lesão de interesse. O argumento beira a má-fé. A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República não tem personalidade jurídica e é órgão da União, de modo que, obviamente, responde por ela. Ademais, fez referência, por lapso, à ação popular, inclusive, cita jurisprudência sobre essa modalidade de ação, para enquadrar como reparação o que é um simples direito de resposta. A publicação da SECOM, nos termos em que posta, traz versão da Guerrilha do Araguaia e aponta um agente público como um herói, o que enseja, no mínimo, a resposta das vítimas ou parentes, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo próprio Estado brasileiro. Tanto individualmente os autores podem ser enquadrados como ofendidos, como a abrangência do fato histórico justifica o reconhecimento do direito à memória e à verdade, assumido pelo Brasil legalmente como perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A inadequação da via eleita foi acolhida pelo juízo de primeiro grau e é o objeto do apelo, de modo que será a seguir apreciada. Diga-se, de qualquer forma, que o rito da Lei de Direito de Resposta é expedito e visa satisfazer o ofendido quanto a publicação ou divulgação de nota ou notícia que atente contra os bens que arrola (art. 2º, § 1º). O direito subjetivo nasce da nota ou notícia, sem necessidade de dilação probatória. Por fim, quanto à impossibilidade de concessão de antecipação de tutela contra o ente público, não há interesse em discutir o tema nesta sede, especialmente à vista da suspensão determinada pelo STJ até o trânsito em julgado. II. Da apelação O feito foi extinto sem resolução do mérito pela inadequação da via processual eleita, nos seguintes termos (Id. 147883275): "Decido. Afasto a alegação de conexão ou continência do presente feito com a ação popular 1026995-52.2020.4.01.3400, em trâmite perante o MM. Juízo Federal da 8ª Vara do Distrito Federal. Apesar de tratarem sobre os mesmos fatos, as ações possuem causas de pedir e pedidos distintos, o que é suficiente para afastar eventual continência ou conexão entre as ações. Por outro lado, merece acolhimento a alegação de inadequação da via processual. O objeto sob tutela da lei 13.188/2015 é o direito de resposta ou retificação a ofensa publicada em veículo de comunicação. O § 1º do art. 2º da lei 13.188/2015 elencou, de forma exaustiva, as hipóteses que autorizam a utilização do direito de resposta, limitando às ofensas proferidas “contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação.” Portanto, o pressuposto lógico e objetivo para manejo do instrumento processual que visa, exclusivamente, o direito de resposta, é a publicação de informação, declaração ou material de conteúdo, inquestionavelmente ofensivo. Na presente ação, a parte autora se insurge contra matéria veiculada por meio de conta social da SECOM, com o seguinte conteúdo: “A Guerrilha do Araguaia tentou tomar o Brasil via luta armada. A dedicação deste e de outros heróis ajudou a livrar o país de um dos maiores flagelos da História da Humanidade: o totalitarismo socialista, responsável pela morte de aprox. 100 MILHÕES de pessoas em todo o mundo.”, ilustrada em seguida com fotografia do Sr. Presidente da República cumprimentando o militar reformado Sebastião Rodrigues de Moura (supostamente denominado como “Major Curió”), com os dizeres: “Presidente Bolsonaro recebe Tenente-Coronel que combateu a guerrilha comunista no Araguaia”. Assim, os autores, na condição de familiares das alegadas “vítimas” do Major Curió, invocam o direito de resposta por suposta ofensa provocada pelo material publicado pela SECOM. Em razão da especialidade e celeridade do rito previsto na lei 13.188/2015, a utilização do instrumento processual previsto na lei em questão, exige indubitável certeza quanto a natureza ofensiva do material divulgado, pois, na hipótese de subsistir dúvidas a respeito do caráter ou da capacidade ofensiva do material publicado, inadequado será o procedimento especial de direito de resposta. No presente caso, a publicação indicada pela parte autora não ostenta os elementos mínimos necessários a caracterizá-la como ofensiva a honra, intimidade ou reputação das supostas vítimas de Major Curió, no evento conhecido como “guerrilha do Araguaia”, limitando-se a SECOM em indicar o evento como mera referência histórica, e sem qualquer indicação nominal ou pessoal, direta ou indireta, daqueles que dele participaram. A superficialidade do conteúdo do material divulgado pela SECOM, não permite que se extraia, de uma simples leitura, tratar-se, efetivamente, de material ofensivo a permitir a utilização do instrumento especial do direito de resposta. A complexidade dos fatos em análise, que mesmo após décadas ainda carecem de esclarecimentos convincentes, é óbice objetivo a aplicação do rito célere, mas de cognição sumária e superficial, da lei 13.188/2015. As dúvidas que ainda permeiam a verdade dos fatos e eventos ocorridos durante o período do regime militar, descaracterizam a certeza de que fato ofensivo, de fato, foi veiculado pela SECOM, certeza essa, cuja comprovação é necessária para a adequada utilização do instrumento processual previsto na lei 13.188/2015. O instrumento processual eleito pela parte autora, portanto, é inadequado. Ante o exposto, caracterizada a inadequação da via processual eleita, JULGO O PROCESSO EXTINTO, sem o exame do mérito. Sem honorários. Custas na forma da lei. P.I" À evidência, a sentença recorrida, sob o pretexto de extinguir o processo sem resolução do mérito por inadequação da via eleita, na verdade examina o mérito, porque afasta o caráter ofensivo da nota sem se deter nos argumentos principais da petição inicial, sobretudo a sentença da Corte Internacional. Em decisão enxuta indica a Guerrilha do Araguaia como mera referência histórica, esquecendo-se da densidade do evento para a história recente do Brasil. Rotula de complexos os fatos e que carecem de esclarecimentos convincentes, quando o Estado brasileiro assumiu a responsabilidade por eles na Lei nº 9.140/95 e perante a CIDH, sendo inadmissível a alegação de dúvidas, como se verá. O texto divulgado pela SECOM, conforme apresentação anterior, exibe o Tenente-Coronel Sebastião Rodrigues de Moura, a quem atribui a qualidade de herói na Guerrilha do Araguaia, que a combateu e ajudou a "livrar o país de um dos maiores flagelos da História da Humanidade". A nota, entretanto, fruto de comunicação de órgão público federal e por agentes públicos, conforme antecipei ao deferir a antecipação da tutela recursal, contrasta com reconhecimentos, posições e atos normativos emanados do Estado brasileiro. A começar pela Lei nº 9.140/95, em que se reconhece sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos durante o período do regime militar, em decorrência de ações de agentes públicos. Relevante também o livro-relatório "Direito à Memória e à Verdade", publicação da Secretaria Especial Direitos Humanos da Presidência da República, de 2007, no qual o Estado brasileiro, logo na apresentação, esclarece: Jogar luz no período de sombras e abrir todas as informações sobre violações de Direitos Humanos ocorridas no último ciclo ditatorial são imperativos urgentes de uma nação que reivindica, com legitimidade, novo status no cenário internacional e nos mecanismos dirigentes da ONU. Ao registrar para os anais da história e divulgar o trabalho realizado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos ao longo de 11 anos, esta publicação representa novo passo numa caminhada de quatro décadas. Nessa jornada, uniram-se para um esforço conjunto brasileiros que se opunham na arena política imediata. Sob a gestão de Nelson Jobim no Ministério da Justiça, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade frente à questão dos opositores que foram mortos pelo aparelho repressivo do regime militar. Papel decisivo nessa conquista tiveram os familiares dos mortos e desaparecidos, com sua perseverança e tenacidade, e o futuro ministro José Gregori, então chefe de Gabinete do Ministério da Justiça. No relatório, o "Major Curió", Sebastião Rodrigues de Moura, é citado nominalmente no capítulo dedicado à Guerrilha do Araguaia, com a descrição de agentes do Estado que atuaram na repressão, à revelia de garantias e direitos humanos, na morte, tortura e desaparecimento de pessoas que lá formaram um núcleo de resistência. Mais contundente é a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 24.11.2010, caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs Brasil. Registre-se que o Brasil ratificou, em 1992, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e reconheceu a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998. Vale destacar trechos da decisão: 84. Na audiência pública, o Brasil salientou que “este é um momento histórico, em que o Estado brasileiro reafirma sua responsabilidade pelas violações de direitos humanos ocorridas durante o trágico episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia. Este também é um momento mais que oportuno para honrar os mortos e vítimas”. A Corte compõe o contexto histórico, verbis: 85. Em abril de 1964, um golpe militar depôs o governo constitucional do Presidente João Goulart. A consolidação do regime militar baseou-se na Doutrina da Segurança Nacional e na promulgação de sucessivas normas de segurança nacional e normas de exceção, como os atos institucionais, “que funcionaram como pretenso marco legal para dar cobertura jurídica à escalada repressiva”. Esse período foi caracterizado “pela instalação de um aparelho de repressão que assumiu características de verdadeiro poder paralelo ao Estado”, e chegou ao seu “mais alto grau” com a promulgação do Ato Institucional nº 5 em dezembro de 1968. Entre outras manifestações repressivas nesse período, encontra-se o fechamento do Congresso Nacional, a censura completa da imprensa, a suspensão dos direitos individuais e políticos, da liberdade de expressão, da liberdade de reunião e da garantia do habeas corpus. Também se estendeu o alcance da justiça militar, e uma Lei de Segurança Nacional introduziu, entre outras medidas, as penas perpétua e de morte. 86. Entre 1969 e 1974, produziu-se “uma ofensiva fulminante sobre os grupos armados de oposição”. O mandato do Presidente Médici (1969-1974) representou “a fase de repressão mais extremada em todo o ciclo de 21 anos do regime militar” no Brasil. Posteriormente, durante “os três primeiros anos [do governo do Presidente] Geisel [1974-1979], o desaparecimento de presos políticos, que antes era apenas uma parcela das mortes ocorridas, torna-se a regra predominante para que não ficasse estampada a contradição entre discurso de abertura e a repetição sistemática das velhas notas oficiais simulando atropelamentos, tentativas de fuga e falsos suicídios”. Como consequência, a partir de 1974, “oficialmente não houve mortes nas prisões[, t]odos os presos políticos mortos ‘desapareceram’ [e] o regime passou a não mais assumir o assassinato de opositores”. 87. Segundo a Comissão Especial, cerca de 50 mil pessoas teriam sido detidas somente nos primeiros meses da ditadura; cerca de 20 mil presos foram submetidos a torturas; há 354 mortos e desaparecidos políticos; 130 pessoas foram expulsas do país; 4.862 pessoas tiveram seus mandatos e direitos políticos suspensos, e centenas de camponeses foram assassinados. A Comissão Especial destacou que o “Brasil é o único país [da região] que não trilhou procedimentos [penais] para examinar as violações de [d]ireitos [h]umanos ocorridas em seu período ditatorial, mesmo tendo oficializado, com a lei nº 9.140/95, o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas mortes e desaparecimentos denunciados”. Isso tudo devido a que, em 1979, o Estado editou uma Lei de Anistia (pars. 134 e 135 infra). 88. Denominou-se Guerrilha do Araguaia ao movimento de resistência ao regime militar integrado por alguns membros do novo Partido Comunista do Brasil. Esse movimento propôs-se a lutar contra o regime, “mediante a construção de um exército popular de libertação”. No início de 1972, às vésperas da primeira expedição do Exército à região do Araguaia, a Guerrilha contava com cerca de 70 pessoas, em sua maioria jovens. 89. Entre abril de 1972 e janeiro de 1975, um contingente de entre três mil e dez mil integrantes do Exército, da Marinha, da Força Aérea e das Polícias Federal e Militar empreendeu repetidas campanhas de informação e repressão contra os membros da Guerrilha do Araguaia. Nas primeiras campanhas, os guerrilheiros detidos não foram privados da vida, nem desapareceram. Os integrantes do Exército receberam ordem de deter os prisioneiros e de “sepultar os mortos inimigos na selva, depois de sua identificação”; para isso, eram “fotografados e identificados por oficiais de informação e depois enterrados em lugares diferentes na selva”. No entanto, após uma “ampla e profunda operação de inteligência, planejada como preparativo da terceira e última investida de contra-insurgência”, houve uma mudança de estratégia das forças armadas. Em 1973, a “Presidência da República, encabeçada pelo general Médici, assumiu diretamente o controle sobre as operações repressivas [e] a ordem oficial passou a ser de eliminação” dos capturados. 90. No final de 1974, não havia mais guerrilheiros no Araguaia, e há informação de que seus corpos foram desenterrados e queimados ou atirados nos rios da região. Por outro lado, “[o] governo militar impôs silêncio absoluto sobre os acontecimentos do Araguaia [e p]roibiu a imprensa de divulgar notícias sobre o tema, enquanto o Exército negava a existência do movimento”. Ressalte-se que o histórico é tomado do próprio Estado brasileiro no relatório "Direito à Memória e à Verdade", publicação oficial. Sobre a Lei nº 9.140/95, a Corte relata: 91. Em 4 de dezembro de 1995, foi promulgada a Lei nº 9.140/95, mediante a qual o Estado reconheceu sua responsabilidade pelo “assassinato de opositores políticos”, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Essa lei “reconheceu automaticamente 136 casos de desaparecidos, constantes num ‘Dossiê’ organizado por familiares e militantes de [d]ireitos [h]umanos ao longo de 25 anos de buscas”. Destes, 60 são supostas vítimas desaparecidas do presente caso que junto com Maria Lúcia Petit da Silva, pessoa privada de sua vida nas operações militares contra a Guerrilha, constam no Anexo I da Lei. 92. Outrossim, a lei criou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que tem como uma de suas atribuições “realizar o reconhecimento das pessoas desaparecidas não incluídas no Anexo I da [referida] lei”. Desse modo, as solicitações de reconhecimento de pessoas desaparecidas, não incluídas no Anexo I da lei, deviam ser interpostas pelos familiares junto à mencionada Comissão Especial, juntamente com informações e documentos que permitissem comprovar o desaparecimento do seu familiar. 93. A Lei nº 9.140/95 também determinou a possibilidade da concessão de uma reparação pecuniária aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos, concedida no âmbito da Comissão Especial. Até a data de emissão desta Sentença, o Estado informou que pagou indenizações aos familiares de 58 desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, indicados como supostas vítimas no presente caso, num total de R$ 6.531.345,00 (seis milhões, quinhentos e trinta e um mil, trezentos e quarenta e cinco reais), equivalente a US$ 3.772.000,00 (três milhões, setecentos e setenta e dois mil dólares dos Estados Unidos da América). A CIDH também cita a exposição de motivos da Lei nº 9.140/95, para a qual não resta dúvida de que o Estado brasileiro assumiu a responsabilidade pelas graves violações de direitos humanos, verbis: 114. (...) O reconhecimento pelo Estado dos desaparecidos e das pessoas que tenham falecido por causas não naturais [...] traduz o restabelecimento dos direitos fundamentais de tais pessoas e uma forma de reparação que [...] alcance a justiça que o Estado brasileiro deve a quem seus agentes tenham causado danos. [...] a lista [de desaparecidos] arrola 136 pessoas que foram detidas por agentes [...] pertencentes aos vários braços do que se chamou sistema de segurança do regime de exceção que o Brasil viveu e, a partir daí, delas nunca mais se teve qualquer notícia. Caracterizou-se, assim, um ilícito de gravidade máxima praticado por agentes públicos ou a serviço do poder público: deviam guardar quem tinham sob sua responsabilidade e não o fizeram. Arremata a Corte, verbis: 118. Com base no exposto, o Tribunal conclui que não há controvérsia quanto aos fatos do desaparecimento forçado dos integrantes da Guerrilha do Araguaia, nem da responsabilidade estatal a esse respeito (...) 121. A modo de conclusão, com base nas informações do Estado e nas considerações anteriores, o Tribunal encontra provado que, entre os anos 1972 e 1974, na região conhecida como Araguaia, agentes estatais foram responsáveis pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas identificadas como supostas vítimas do presente caso. Transcorridos mais de 38 anos, contados do início dos desaparecimentos forçados, somente foram identificados os restos mortais de duas delas. O Estado continua sem definir o paradeiro das 60 vítimas desaparecidas restantes, na medida em que, até a presente data, não ofereceu uma resposta determinante sobre seus destinos. A esse respeito, o Tribunal reitera que o desaparecimento forçado tem caráter permanente e persiste enquanto não se conheça o paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, de modo que se determine com certeza sua identidade. 125. Em consideração ao exposto anteriormente, a Corte Interamericana conclui que o Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos, respectivamente, nos artigos 3, 4, 5 e 7, em relação ao artigo 1.1, da Convenção Americana, em prejuízo das seguintes pessoas: (...) Nas suas conclusões, a Corte declara: 325 (...) 4. O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma. Dessa forma, fica evidente que a nota da SECOM está em flagrante descompasso com a posição oficial do Estado brasileiro, que assumiu responsabilidade pelas mortes, torturas, desaparecimentos praticados por agentes estatais ou em nome dele, sobretudo no caso "Guerrilha do Araguaia". Afasta-se, assim, a possibilidade de versões alternativas. Enseja, outrossim, o direito de resposta dos autores, na condição de vítimas ou parentes de vítimas. A respeito, cabe citar excerto da tão mencionada sentença que, internacionalmente, o Brasil está obrigado a cumprir, verbis: 239. No presente caso, a violação do direito à integridade pessoal dos mencionados familiares das vítimas verificou-se em virtude do impacto provocado neles e no seio familiar, em função do desaparecimento forçado de seus entes queridos, da falta de esclarecimento das circunstâncias de sua morte, do desconhecimento de seu paradeiro final e da impossibilidade de dar a seus restos o devido sepultamento. A esse respeito, o perito Endo indicou que “uma das situações que condensa grande parte do sofrimento de décadas é a ausência de sepultamento, o desaparecimento dos corpos […] e a indisposição dos governos sucessivos na busca dos restos mortais dos de seus familiares”, o que “perpetua a lembrança do desaparecido [e] dificulta o desligamento psíquico entre ele e os familiares que ainda vivem”, impedindo o encerramento de um ciclo. No marco legal, encontra-se a Lei nº 13.188/15, cujo texto autoriza o direito de resposta, o qual se mostra existente na espécie. Transcrevem-se disposições específicas: Art. 1º Esta Lei disciplina o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social. Art. 2º Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo. § 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social, independentemente do meio ou da plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação. A par de a Corte Internacional ter qualificado de vítimas os familiares, é preciso acentuar que se trata de direito à memória e à verdade reconhecida pelo Estado brasileiro, o que enseja a legitimidade e o interesse processuais não só das vítimas, mas de todos brasileiros, já que são fatos históricos que dizem respeito a todos, para a preservação da memória e verdade estabelecida em leis, atos normativos, atos simbólicos, reparações, em que os agentes públicos ou em nome deles são qualificados como algozes, violadores dos direito humanos e não heróis da pátria, como a nota expõe. A Comissão Nacional da Verdade, que produziu relatório (14/10/2014) sobre as atrocidades cometidas durante a ditadura, narra pormenorizadamente o caso da guerrilha do Araguaia com citação expressa do "Major Curió", Sebastião Rodrigues de Moura. Referido documento atesta a assunção pelo Estado brasileiro da responsabilidade pelas graves violações de direitos humanos no episódio e o reconhecimento do dever de indenizar as vítimas ou seus sucessores. A resposta proposta pelas autoras atende aos artigos 2º e 3º da Lei nº 13.188/15. É proporcional ao agravo, no que toca à forma, conteúdo e características. Deverá ser divulgada e publicada em 10 dias (art. 7º). Como não se pode presumir descumprimento de ordem, somente após o prazo estipulado poderá este tribunal fixar multa, na forma do artigo 7º, § 3º. Por fim, quanto aos argumentos da União nas contrarrazões, referentemente à SECOM ser um veículo de comunicação social, o artigo 2º, § 1º , da Lei nº 13.188/15 é amplo o bastante, sem exclusões, verbis: Art. 2º Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo. § 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social, independentemente do meio ou da plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação. Insista-se que se trata de direito de resposta e não de retirada de postagem. Nada tem a ver com as ações populares ou ação civil pública que invoca. A publicação já foi feita e, logo, inaceitável falar-se em direito de informar. O que se questiona é o caráter ofensivo e a possibilidade de resposta (arts. 220 e 195, I, CF). Inaplicáveis a este processo as Lei nº 8437/92, 9494/97 e 12.016/09. A Lei 13.188/15 lhes é posterior e especialíssima em relação a elas e prevê no artigo 7º a medida antecipatória, assim como em sede do tribunal (artigo 10). Sob esse aspecto, prevalece também sobre o novo CPC, que é anterior e genérico. A postagem foi feita. Assim, nenhum óbice ao direito de informar. O que se questiona é a ofensividade do texto e imagem, o que foi analisado anteriormente. Mais uma vez, a União se utiliza de argumentos e jurisprudência que deve ter apresentado em ações populares (art. 5º, XIV, e 37, § 1º, da CF). A diferenciação criada para as publicações em redes sociais, seja porque têm o condão de ofender, seja porque o art. 2º, § 1º, da Lei nº 13.188/15 não exclui qualquer veículo de comunicação, é descabida. Por fim, o direito de resposta está explicitamente previsto como direito fundamental no art. 5º, inciso V, da Constituição Federal e a Lei nº 13.188/15 nada mais fez que lhe dar efetividade. Ante o exposto, dou provimento à apelação, a fim de determinar a veiculação, no prazo de dez dias, no mesmo horário e sem restrições de destinatários, com o mesmo destaque do agravo (artigo 2º, § 2º, da Lei nº 13.188/15) e em todas as redes sociais em que houve a publicação ofensiva (conta oficial da SECOM no Twitter, Instagram e Facebook, além de outros meios possivelmente não identificados pelas vítimas - art. 3º, § 1º, da Lei nº 13.188/15), a seguinte resposta, que deverá ser mantida, de forma permanente, nas redes sociais da SECOM (art. 4º, I, da Lei nº 13.188/15): "O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os Direitos Humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A SECOM retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória.” 2.Imagem: Imagem sem texto ou figuras, inteira na cor preta, em iguais proporções à veiculada". É como voto.
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERREIRA - SP346619-A
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PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010000-84.2020.4.03.6100
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: LAURA PETIT DA SILVA, REGINA MARIA MERLINO DIAS DE ALMEIDA, ANGELA MARIA MENDES DE ALMEIDA, MARIA AMELIA DE ALMEIDA TELES, CRIMEIA ALICE SCHMIDT DE ALMEIDA, SUZANA KENIGER LISBOA
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERREIRA - SP346619-A
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APELADO: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
DECLARAÇÃO DE VOTO
Os autores, na condição de familiares das alegadas “vítimas” do Major Curió, invocam o direito de resposta por suposta ofensa provocada pelo material publicado pela SECOM.
O eminente Relator deu provimento à apelação, a fim de determinar a veiculação, no prazo de dez dias, no mesmo horário e sem restrições de destinatários, com o mesmo destaque do agravo (artigo 2º, § 2º, da Lei nº 13.188/15) e em todas as redes sociais em que houve a publicação ofensiva (conta oficial da SECOM no Twitter, Instagram e Facebook, além de outros meios possivelmente não identificados pelas vítimas - art. 3º, § 1º, da Lei nº 13.188/15), a seguinte resposta, que deverá ser mantida, de forma permanente, nas redes sociais da SECOM (art. 4º, I, da Lei nº 13.188/15):
"O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os Direitos Humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A SECOM retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória.”
2.Imagem:
Imagem sem texto ou figuras, inteira na cor preta, em iguais proporções à veiculada".
Com a devida vênia, ouso divergir.
Não cabe ao Poder Judiciário decidir sobre a qualificação histórica de determinado período do passado, como se historiador fosse, substituindo-se aos legítimos gestores da SECOM, obrigando-os a publicar texto contrário à compreensão que esposam.
Apenas eventuais ilegalidades ou flagrantes violações à ordem constitucional vigente devem merecer sanção judicial, para a necessária correção de rumos.
Mas não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir o critério de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da Administração Pública.
Eventual lesão ao direito à memória e à verdade reconhecida pelo Estado Brasileiro em desfavor dos apelantes, ainda que em substituição processual, deve ser resolvida exclusivamente no plano da reparação civil.
Ademais, nada impede os apelantes de se utilizarem das mesmas redes sociais para rebater aquilo que não consideram verídico e ou mesmo ofensivo, ainda mais diante do fato de não ter havido “qualquer indicação nominal ou pessoal, direta ou indireta” das vítimas da alegada ofensa.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal
E M E N T A
AÇÃO DE DIREITO DE RESPOSTA. SECOM. VEICULAÇÃO EM REDES SOCIAIS DE NOTA SOBRE REUNIÃO ENTRE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA E O “MAJOR CURIÓ”, QUE FOI QUALIFICADO COMO HERÓI NACIONAL.
1.- Ação de direito de resposta ajuizada contra a União Federal em razão de a SECOM, em 05.05.2020, ter veiculado, em suas contas oficiais das redes sociais Twitter, Instagram e Facebook, nota sobre reunião ocorrida em 04.05.2020 entre o Exmo. Sr. Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e Sebastião Rodrigues Moura, "Major Curió”. Argumenta-se que a publicação é ultrajante, pois qualifica como “herói nacional” pessoa oficialmente reconhecida pela Comissão Nacional da Verdade como um dos 377 agentes do Estado brasileiro que praticaram crimes contra os direitos humanos no contexto da ditadura civil-militar e retrata de forma difamatória suas vítimas e que os fatos históricos são incontroversos. Assim, o que a SECOM fez com sua publicação foi mentir, desinformar, distorcer os fatos, inverter os papéis de seus atores e ofender.
2. - Rejeitadas as preliminares arguidas nas contrarrazões.
2.1. - A alegada conexão e/ou continência entre a presente ação de direito de resposta e a Ação Popular nº 1026995- 52.2020.4.01.3400, ajuizada perante a 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, foi expressamente rechaçada na sentença. Portanto, a questão deveria ter sido impugnada por meio do competente recurso, o que não foi feito, de modo que está preclusa. Repise-se, todavia, que não se configura conexão ou continência entre este pedido e a aludida ação popular. Nesta última a autoria é diversa, assim como causa petendi e pedido: promoção pessoal do Presidente da República e requerimento de retirada de postagens e restituição de valores. A mesma situação ocorre com a ação popular nº 1027385-22.2020.4.013400: diferentes autores e causa petendi e pedido semelhantes ao da outra ação popular (arts. 55, 58 e 59, CPC). Conflito entre decisões não pode haver entre direito de resposta pura e simples e a condenação ao ressarcimento de valores por ação pessoal de agente público.
2.2. - Quanto à falta de interesse de agir dos autores, o argumento beira a má-fé. A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República não tem personalidade jurídica e é órgão da União, de modo que, obviamente, responde por ela. Ademais, fez referência, por lapso, à ação popular, inclusive, cita jurisprudência sobre essa modalidade de ação, para enquadrar como reparação o que é um simples direito de resposta. A publicação da SECOM, nos termos em que posta, traz versão da Guerrilha do Araguaia e aponta um agente público como um herói, o que enseja, no mínimo, a resposta das vítimas ou parentes, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo próprio Estado brasileiro. Tanto individualmente os autores podem ser enquadrados como ofendidos, como a abrangência do fato histórico justifica o reconhecimento do direito à memória e à verdade, assumido pelo Brasil legalmente como perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
2.3. - A inadequação da via eleita foi acolhida pelo juízo de primeiro grau e é o objeto do apelo, de modo que será apreciada. Diga-se, de qualquer forma, que o rito da Lei de Direito de Resposta é expedito e visa satisfazer o ofendido quanto a publicação ou divulgação de nota ou notícia que atente contra os bens que arrola (art. 2º, § 1º). O direito subjetivo nasce da nota ou notícia, sem necessidade de dilação probatória.
2.4. - Por fim, quanto à impossibilidade de concessão de antecipação de tutela contra o ente público, não há interesse em discutir o tema nesta sede, especialmente à vista da suspensão determinada pelo STJ até o trânsito em julgado.
3. - O texto divulgado pela SECOM exibe o Tenente-Coronel Sebastião Rodrigues de Moura, a quem atribui a qualidade de herói na Guerrilha do Araguaia, que a combateu e ajudou a "livrar o país de um dos maiores flagelos da História da Humanidade". A nota, entretanto, contrasta com reconhecimentos, posições e atos normativos emanados do Estado brasileiro, a começar pela Lei nº 9.140/95, em que se reconhece sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos durante o período do regime militar, em decorrência de ações de agentes públicos. Relevante também o livro-relatório "Direito à Memória e à Verdade", publicação da Secretaria Especial Direitos Humanos da Presidência da República, de 2007, no qual o "Major Curió" é citado nominalmente no capítulo dedicado à Guerrilha do Araguaia, com a descrição de agentes do Estado que atuaram na repressão, à revelia de garantias e direitos humanos, na morte, tortura e desaparecimento de pessoas que lá formaram um núcleo de resistência. Mais contundente é a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 24.11.2010, a qual o Brasil está obrigado a cumprir, caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs Brasil, que concluiu que, verbis, “O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma.”
4. - Fica evidente que a nota da SECOM está em flagrante descompasso com a posição oficial do Estado brasileiro, que assumiu responsabilidade pelas mortes, torturas, desaparecimentos praticados por agentes estatais ou em nome dele, sobretudo no caso "Guerrilha do Araguaia". Afasta-se, assim, a possibilidade de versões alternativas. Enseja, outrossim, o direito de resposta dos autores, na condição de vítimas ou parentes de vítimas.
5. No marco legal, encontra-se a Lei nº 13.188/15, cujo texto autoriza o direito de resposta, o qual se mostra existente na espécie.
6. A par de a Corte Internacional ter qualificado de vítimas os familiares, é preciso acentuar que se trata de direito à memória e à verdade reconhecida pelo Estado brasileiro, o que enseja a legitimidade e o interesse processuais não só das vítimas, mas de todos brasileiros, já que são fatos históricos que dizem respeito a todos, para a preservação da memória e verdade estabelecida em leis, atos normativos, atos simbólicos, reparações, em que os agentes públicos ou em nome deles são qualificados como algozes, violadores dos direito humanos e não heróis da pátria, como a nota expõe.
7. A resposta proposta pelas autoras atende aos artigos 2º e 3º da Lei nº 13.188/15. É proporcional ao agravo, no que toca à forma, conteúdo e características. Deverá ser divulgada e publicada em 10 dias (art. 7º). Como não se pode presumir descumprimento de ordem, somente após o prazo estipulado poderá este tribunal fixar multa, na forma do artigo 7º, § 3º.
8. Apelo provido, a fim de determinar a veiculação, no prazo de dez dias, no mesmo horário e sem restrições de destinatários, com o mesmo destaque do agravo (artigo 2º, § 2º, da Lei nº 13.188/15) e em todas as redes sociais em que houve a publicação ofensiva (conta oficial da SECOM no Twitter, Instagram e Facebook, além de outros meios possivelmente não identificados pelas vítimas - art. 3º, § 1º, da Lei nº 13.188/15), a seguinte resposta, que deverá ser mantida, de forma permanente, nas redes sociais da SECOM (art. 4º, I, da Lei nº 13.188/15), do texto anteriormente:
"O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os Direitos Humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A SECOM retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória.”
2.Imagem:
Imagem sem texto ou figuras, inteira na cor preta, em iguais proporções à veiculada"