RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0005909-95.2019.4.03.6318
RELATOR: 20º Juiz Federal da 7ª TR SP
RECORRENTE: ANGELA APARECIDA DE MELO SOUSA
Advogado do(a) RECORRENTE: TASSIANE KELLY SILVA - SP426292
RECORRIDO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS, AG. CORREIOS 234657 - AGF SANTOS DUMONT
Advogado do(a) RECORRIDO: MÁRCIO SALGADO DE LIMA - SP215467-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0005909-95.2019.4.03.6318 RELATOR: 20º Juiz Federal da 7ª TR SP RECORRENTE: ANGELA APARECIDA DE MELO SOUSA Advogado do(a) RECORRENTE: TASSIANE KELLY SILVA - SP426292 RECORRIDO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS, AG. CORREIOS 234657 - AGF SANTOS DUMONT Advogado do(a) RECORRIDO: MÁRCIO SALGADO DE LIMA - SP215467-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação contra Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT e da Agência Dos Correios – AGF Santos Dumont, objetivando indenização por dano moral e material, em virtude de valor depositado via carta postal nos correios, não localizado pela ECT. A sentença recorrida decidiu a controvérsia, de acordo com os excertos que seguem: “Trata-se de ação ajuizada por ANGELA APARECIDA DE MELO SOUSA em face da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT e da AGÊNCIA DOS CORREIOS – AGF SANTOS DUMONT, sob o rito sumaríssimo, com pedido de antecipação de tutela, objetivando a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 1.022,75, e à compensação por dano moral, no valor de R$10.000,00. Aduz a parte autora que foi vítima de uma associação (ABAMSP) que vinha descontando indevidamente valores de seu benefício previdenciário, tendo buscado ajuda junto ao PROCON. Relata que, durante a audiência de tentativa de conciliação, o responsável pelo PROCON comunicou que a referida associação já havia realizado dois depósitos via carta postal nos Correios, no dia 14.08.2019: um no valor de R$ 1.022,75 e outro no valor de R$ 44,48. Discorre a parte autora que ao comparecer na agência dos Correios foi informada que somente o valor de R$ 44,48 estava disponível, não tendo obtido informações acerca de quem teria efetivado o saque do outro montante. Com a inicial vieram documentos. O pedido de tutela antecipada foi indeferido. Citado, o réu ofereceu contestação. Preliminarmente sustenta a ilegitimidade ativa da requerente. Alega que os vales postais foram contratados por ABAMSP – Associação Beneficente de Auxílio Mútuo ao Servidor Público. No mérito propriamente dito, pugna, em síntese, pela improcedência do pedido. Embora devidamente citada, a Agência AGF Santos Dumont não contestou a ação. As partes não tiveram interesse na designação de audiência de tentativa de conciliação. Vieram os autos conclusos para prolação de sentença. (...) No caso concreto, a autora é consumidora e a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS qualifica-se como fornecedor, à luz dos arts. 3º e 22 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se trata de pessoa jurídica, formalmente de natureza privada, que desenvolve precipuamente atividade de prestação de serviço postal e correio aéreo nacional. Ressalta-se que, para o fim de aplicação da lei consumerista, o reconhecimento de uma pessoa física ou jurídica ou de um ente despersonificado como fornecedor de serviços atende aos critérios puramente objetivos, sendo irrelevantes a sua natureza jurídica, a espécie dos serviços prestados e a finalidade lucrativa, bastando o desempenho de atos coordenados para uma finalidade específica postos no mercado de consumo. Inobstante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, valendo-me da teoria do diálogo das fontes, necessário complementá-lo com os dispositivos do Código Civil (arts. 730 a 756) que disciplinam o contrato de transporte de coisas. Pelo contrato de transporte de coisas, o expedidor ou remetente entrega bens corpóreos ou mercadorias ao transportador, para que este os leve ao destinatário, com pontualidade e segurança. Na forma do art. 749 do Código Civil, o transportador tem o dever de conduzir a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto. Trata-se da denominada cláusula de incolumidade que fundamenta a responsabilidade objetiva do transportador, sendo que a sua responsabilidade, por dano material, é limitada ao valor constante do conhecimento de frete ou carga. Ressalta-se, no entanto, que a cláusula de não indenizar é inoperante no contrato de transporte de coisas, haja vista o princípio da reparação integral do dano ao consumidor (Súmula 161 do STF). Ainda, consoante o art. 629 do Código Civil, o depositário é obrigado a guardar e conservar a coisa móvel e corpórea a ele confiada, devendo empregar os deveres objetivos de cuidado, não tendo validade a cláusula de não indenizar. Outrossim, na forma do art. 642 do citado diploma legal, o depositário responde objetivamente, independentemente de culpa, perante o depositante. Pois bem. Para comprovar os fatos alegados na inicial, a parte autora apresentou os comprovantes de postagens (evento 2 – pág. 9/10). Colhe-se dos autos que o Vale Postal no valor de R$ 1.000,00 foi “postado” pela Associação remetente em 14/08/2019. O extravio do montante é fato incontroverso, uma vez que a própria Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos o reconheceu em sede de contestação. Caracteriza a falha na prestação do serviço, resta analisar o valor da indenização a título de reparação por dano material. O art. 6º, IV, da Lei nº 8.078/90 positiva o princípio da reparação integral do dano causado ao consumidor, cabendo ao fornecedor do serviço indenizá-lo integralmente pelos prejuízos sofridos. Passo ao exame dos documentos produzidos neste processado. À luz do art. 408 do CPC, somente se considera documento particular, para fim probatório, o instrumento que é feito e assinado, ou somente assinado, por quem esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo subscrito por duas testemunhas (art. 221 CC). As declarações constantes em instrumento particular, despidas de assinatura dos intervenientes do negócio jurídico, não configuram meio de prova documental. Por outro lado, as declarações dispositivas (não enunciativas), que se trata de disposições principais dos elementos essenciais do ato negocial, geram a presunção de veracidade de seu conteúdo. Inteligência do art. 219, caput, do Código Civil. O extrato acosta aos autos faz prova do valor depositado a título de Vale Postal, não tendo o réu impugnado a sua a autenticidade (autoria material ou intelectual) e a integridade (quanto à formação do documento e quanto à inalterabilidade de seu conteúdo) dos documentos produzidos pela parte autora, razão por que, na forma dos arts. 411, inciso III, 427, 428, inciso I, e 436, todos do Código de Processo Civil, têm força probatória para comprovar os fatos neles retratados. Assim, a parte autora faz jus à restituição da quantia de R$1.000,00 (mil reais), já que R$ 22,75 refere-se a preço pago pelo serviço dos Correios. O valor será monetariamente corrigido desde o ato ilícito, na forma da Súmula 43 do STJ, incidindo juros de mora desde o evento danoso 14/08/2019 – data do depósito dos valores). No que tange ao pedido de compensação por dano moral, passo a apreciá-lo. Para a caracterização da responsabilidade objetiva do agente público ensejadora da indenização por dano moral é essencial a ocorrência de dano, a ação do agente e o liame causal. Com efeito, o dano juridicamente reparável nem sempre pressupõe um dano patrimonial ou econômico, podendo ocorrer única e exclusivamente um dano moral, cabendo ao magistrado verificar se a conduta estatal violou a intimidade, a vida privada, a honra (objetiva e subjetiva) ou a imagem do lesado. Registra-se que é pacífico o entendimento de que as pessoas jurídicas podem sofrer danos em sua esfera extrapatrimonial, os quais devem ser reparados. Inteligência da Súmula 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. A prova do dano moral, por se tratar de aspecto imaterial que atinge o complexo anímico ou o psiquismo da pessoa, deve se lastrear em pressupostos diversos do dano material, cabendo, inclusive, ao magistrado valer-se das máximas da experiência. Não existe, portanto, prova de dano moral, já que é absurdo até pensar ser possível ingressar no universo psíquico de alguém para saber se ficou abalado ou não com determinado fato. O que pode e deve ser objeto de prova é o fato do qual se deduz a ocorrência do dano segundo as regras comuns de experiência. Entrementes, para caracterizar o dano na esfera extrapatrimonial deve emergir dos autos que a falha do serviço, em particular, ultrapassou as raias do mero aborrecimento cotidiano passível de ocorrer para qualquer um que se utilize dos serviços de postagem, causando lhe prejuízos de fato aos direitos inerentes da personalidade. Isso porque o mero aborrecimento ou dissabor comezinho da vida cotidiana não leva ao direito à indenização por danos morais. No caso em testilha, resta caracterizada a falha na prestação do serviço pelo extravio de valores ao destinatário final. O E. STJ consolidou o entendimento de que a contratação de serviços postais oferecidos pelos correios, quando permitido o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem, evidencia a existência de contrato de consumo, respondendo objetivamente a fornecedora por danos morais decorrentes da falha do serviço, se não comprovada a efetiva entrega, configurando dano moral in re ipsa (EREsp 1.097.266/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe de 24/2/2015). De efeito, constatada a falha na prestação do serviço postal, é devida a reparação por dano moral” (STJ-4ª.T, AgRg no AREsp 655441 / MA, Rel. Min. RAUL ARAÚJO Dje 03/08/2015. O desgaste sofrido pela parte autora e a negativa de reparação integral do dano material na via administrativa, configuram o dano extrapatrimonial. Relativamente ao valor da indenização, afora os critérios mencionados para o presente caso concreto, devem ser observados, ainda, os seguintes aspectos: condição social do ofensor e do ofendido; viabilidade econômica do ofensor (neste aspecto, há que se considerar que a indenização não pode ser tão elevada, mas nem tão baixa, que não sirva de efetivo desestímulo à repetição de condutas semelhantes, dado o caráter pedagógico, preventivo e punitivo da medida) e do ofendido (a soma auferida deve minimizar os sentimentos negativos advindos da ofensa sofrida, sem, contudo, gerar o sentimento de que valeu a pena a lesão, sob pena de, então, se verificar o enriquecimento sem causa); grau de culpa; gravidade do dano; e reincidência. Ante os parâmetros acima estabelecidos e as circunstâncias específicas do caso concreto, fixo a indenização, a título de dano moral, em R$1.000,00 (um mil reais), que se mostra, a meu ver, um patamar razoável – mormente quando comparado ao valor da predeterminação das perdas e danos pela cláusula penal moratória -, eis que não se trata de condenação irrisória, tampouco exorbitante. Sobre o montante indenizatório incidirão os consectários legais. Os juros de mora, em se tratando de responsabilidade extracontratual por ato ilícito, são cabíveis desde o evento danoso (14/08/2019 – data da postagem), nos termos do art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ. E, a correção monetária incidirá desde a data da sentença (data do arbitramento), na forma da Súmula 362 do STJ. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO O FEITO, sem resolução do mérito no que tange à agência franqueada para demanda (AGF – Santos Dumont) e, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial e extingo o processo com resolução de mérito, para condenar a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: a) à reparação por danos materiais causados à parte autora, no valor de R$1.000,00 (mil reais). O valor apurado será monetariamente corrigido desde o ato ilícito, na forma da Súmula 43 do STJ, incidindo juros de mora desde o evento danoso (24/05/2016), em conformidade com os índices fixados pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal (Resolução CJF nº 658/2020). b) ao pagamento de indenização a parte autora, a título de danos morais, fixada no valor de R$1.000,00 (um mil reais). O valor deve ser monetariamente corrigido desde a data da publicação desta sentença, incidindo juros moratórios desde o evento danoso (24/05/2016), observando-se os índices fixados pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal (Resolução CJF nº 658/2020). Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios. Sentença eletronicamente registrada. Publique-se. Intimem-se.” Recorre a autora, pugnando pela reforma da r. sentença recorrida, requerendo, em síntese, majoração no valor da indenização por dano moral. Com contrarrazões. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0005909-95.2019.4.03.6318 RELATOR: 20º Juiz Federal da 7ª TR SP RECORRENTE: ANGELA APARECIDA DE MELO SOUSA Advogado do(a) RECORRENTE: TASSIANE KELLY SILVA - SP426292 RECORRIDO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS, AG. CORREIOS 234657 - AGF SANTOS DUMONT Advogado do(a) RECORRIDO: MÁRCIO SALGADO DE LIMA - SP215467-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O artigo 46 combinadamente com o § 5º do artigo 82, ambos da Lei nº 9.099/95, facultam à Turma Recursal dos Juizados especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença. Ademais a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a adoção dos fundamentos contidos na sentença pela Turma Recursal não contraria o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, vejamos, por exemplo, o seguinte julgado: EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O artigo 46 da Lei nº 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX , da Constituição do Brasil. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AI 726.283-7-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe nº 227, Publicação 28/11/2008). O parágrafo 5º do artigo 82 da Lei nº 9.099/95, dispõe “se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.” O dispositivo legal prevê, expressamente, a possibilidade de o órgão revisor adotar como razão de decidir os fundamentos do ato impugnado, o que não implica violação do artigo 93, IX, da Constituição Federal. A indenização a título de dano moral, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), foi fixada de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e em consonância com as circunstâncias do caso concreto, não merecendo qualquer reparo. Assim, considerando que a r. sentença recorrida bem decidiu a questão, deve ser mantida nos termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95. Saliento que as questões objeto de recurso foram devidamente analisadas, acrescentando que o juiz não está adstrito a analisar cada um dos pontos ventilados pelas partes, nem mesmo para fins de prequestionamento. Nesse sentido, o seguinte julgado: “RECURSO ESPECIAL Nº628.579 -SP (204/013517- RELATOR : MINSTRO CASTRO MEIRA RECORENTE : EDWARD TADEUSZ LAUNBERG ADVOGADO : FERNANDO LOESR EOUTROS RECORIDO : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO PROCURADOR : CARMEN VALÉRIANUNZIATO BARBAN EOUTROS EMENTA PROCESUAL CIVL. EMBARGOS DE DECLARÇÃO. NULIDADE. ARTS. 128, 165, 458 E53 DO CP. 1. Ao Juiz cabe apreciar lide acordo com o seu livre convencimento, não estando obrigado a analisar todos os pontos suscitados pelas partes. 2. Não há cerceamento de defesa ou omissão quanto ao exame de pontos levantados pelas partes, pois ao Juiz cabe apreciar lide acordo com o seu livre convencimento, não estando obrigado analisar todos os pontos suscitados. 3. Recurso especial improvido.” Posto isso, nego provimento ao recurso. Condeno o recorrente vencido ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa, que somente poderão ser exigidos em caso de cessação do estado de necessitado, nos termos do artigo 98, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. É como voto.
E M E N T A
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO. CARACTERIZADA A FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PELO EXTRAVIO DE VALORES AO DESTINATÁRIO FINAL. SENTENÇA PARCIAL PROCEDENTE. DANOS MORAIS. R$ 1.000,00. RECURSO DA PARTE AUTORA. INDENIZAÇÃO DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE E EM CONSONÂNCIA COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.