APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003356-83.2020.4.03.6114
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: JOSE MARIA MAGALHAES VIEIRA, GIRLANE SILVA DE ALMEIDA VIEIRA
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA APARECIDA ZANON FRANCISCO - SP198707-A
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA APARECIDA ZANON FRANCISCO - SP198707-A
APELADO: BERKLEY INTERNATIONAL DO BRASIL SEGUROS S.A., CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: KEILA CHRISTIAN ZANATTA MANANGAO RODRIGUES - SP327408-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003356-83.2020.4.03.6114 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: JOSE MARIA MAGALHAES VIEIRA, GIRLANE SILVA DE ALMEIDA VIEIRA Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA APARECIDA ZANON FRANCISCO - SP198707-A APELADO: BERKLEY INTERNATIONAL DO BRASIL SEGUROS S.A., CAIXA ECONOMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: KEILA CHRISTIAN ZANATTA MANANGAO RODRIGUES - SP327408-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito no que toca à CEF, nos termos do art. 485, VI, do CPC. Pagarão os Autores honorários advocatícios à CEF arbitrados em 10% do valor da causa atualizado, sujeitando-se a execução ao disposto no art. 98, § 3º, do CPC. A ação foi proposta por JOSÉ MARIA MAGALHÃES VIEIRA e GIRLANE SILVA DE ALMEIDA VIEIRA em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e de BERKLEY INTERNACIONAL DO BRASIL SEGUROS S/A, objetivando, em síntese, sejam os réus condenados a restituir valores e indenizar por lucro cessantes e por danos morais. Relataram que em 22/07/2012 associaram-se à Associação Pro Moradia Liberdade visando à aquisição de casa própria e, nesse linha, em 03/10/2013 firmaram “Instrumento Particular de Contrato de Promessa de Compra e Venda de Unidade Autônoma Condominial” com a empresa YPS Construções e Incorporações Ltda.” e, na sequência, em 11/10/2013, “CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE TERRENO MÚTUO PARA CONSTRUÇÃO DE UNIDADE HABITACIONAL COM FIANÇA, ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA E OUTRAS OBRIGAÇÕES – PROGRAMA NACIONAL DE HABITAÇÃO URBANA – PNHU – IMÓVEL NA PLANTA ASSOCIATIVO – PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - PMCMV - COM UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS DA CONTA VINCULADA DO FGTS DO(S) DEVEDOR(ES)/FIDUCIANTE(S)” com a empresa Gold Incorporadora e Empreendimentos Imobiliários Ltda, Associação Pro Moradia Liberdade (entidade organizadora), YPS Construções e Incoporações Ltda (construtora) e com a CEF para aquisição do apartamento nº 134, Bloco A, do Condomínio Portal da Vitória, pelo valor de R$ 136.800,00. Acrescentaram que o contrato previa o prazo de 24 meses prorrogáveis por mais 180 dias para entrega da unidade, o qual, entretanto, restou superado, sendo certo que no ano de 2014 a Construtora YPS paralisou a obra, sendo retomada apenas em 2016 pela Construtora Avicon e finalmente entregue no dia 13/05/2018, ou seja, com mais de 2 anos de atraso, prosseguindo com o pagamento do seguro da obra à corré Berkley até novembro de 2016. Relataram danos materiais decorrentes do atraso, caracterizados pelo já referido pagamento de seguro em período de obra paralisada, além de alugueis para sua moradia e lucros cessantes pela impossibilidade de locar a unidade, bem como danos morais ligados à angústia e frustração correlatos. Pediram que fossem os réus condenados solidariamente a indenizar nos moldes expostos. Citados os Réus contestaram os pedidos, levantando preliminar de ilegitimidade passiva, quanto ao mérito arrolando argumentos buscando demonstrar a improcedência. Foi proferida a sentença ora impugnada. Em razões de apelação, a parte Autora sustenta, em síntese, a legitimidade passiva da CEF, assim como sua responsabilidade solidária com a construtora. Defende a aplicação do CDC. Considerando o inequívoco atraso na conclusão da obra, requer a anulação da sentença e a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Com contrarrazões, subiram os autos. É o relatório.
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003356-83.2020.4.03.6114 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: JOSE MARIA MAGALHAES VIEIRA, GIRLANE SILVA DE ALMEIDA VIEIRA Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIA APARECIDA ZANON FRANCISCO - SP198707-A APELADO: BERKLEY INTERNATIONAL DO BRASIL SEGUROS S.A., CAIXA ECONOMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: KEILA CHRISTIAN ZANATTA MANANGAO RODRIGUES - SP327408-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Com o ajuizamento da ação, pretende a parte Autora a rescisão dos contratos firmados com as corrés com a consequente restauração do status quo ante, além da condenação à indenização por danos materiais e danos morais, sob o fundamento de atraso na conclusão e entrega da obra para além do estabelecido em contrato. O pleito exposto na inicial sugere a incidência do art. 395, parágrafo único do CC, segundo o qual se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la e exigir a satisfação das perdas e danos, bem como o teor do art. 475 do CC, que prevê que a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. Vislumbra-se, ainda, a incidência do teor do art. 389 do CC ao prever que, não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. E também o art. 624 do CC, ao determinar que, suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos. Neste sentido já decidiu esta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO DA COBRANÇA DAS PARCELAS DO FINANCIAMENTO. No âmbito da legislação consumerista, o art. 3° do CDC trata como fornecedor a pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade de construção. A CEF, enquanto pessoa jurídica pública nacional que presta serviços de natureza bancária, financeira e de crédito mediante remuneração no mercado de consumo, enquadra-se no conceito de fornecedora do art. 3º, caput e § 2º do CDC. A jurisprudência dos egrégios Supremo Tribunal Federal (ADI 2591) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 297) é pacífica na conclusão de que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos de mútuo bancário. Na hipótese de uma relação de consumo triangular em que o adquirente e mutuário compra o imóvel do vendedor ou construtor, mas sua obrigação principal tem como credora uma instituição financeira, ao se constatar a configuração de conduta lesiva da construtora que justifique a resolução do contrato, não há dúvidas de que os atos em questão podem repercutir no patrimônio da instituição financeira independentemente de culpa. Com efeito, nestas condições, a instituição financeira não poderá exigir o cumprimento da obrigação do contrato de mútuo nos termos estritamente avençados, o que não impede que a instituição financeira possa exercer o correspondente regresso ou pleito de reparação civil junto ao construtor ou vendedor. A ausência de culpa, todavia, não serve de óbice à pretensão do consumidor. No caso dos autos, em 03/10/2013 a parte Autora firmou com a YPS Construções e Incorporações Ltda "Instrumento Particular de Contrato de Promessa de Compra e Venda de Unidade Autônoma Condominial, Com Cláusula Suspensiva, Cláusula Resolutiva Expressa e Outras Avenças" (ID 183076664, ID 183076671), com a previsão de entrega do imóvel em 24 meses após a assinatura do Contrato de Financiamento com a Caixa Econômica Federal - CEF, prorrogável por 180 dias. Em 11/10/2013, as partes firmaram "Contrato de Compra e Venda de Terreno e Mútuo Para Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em Garantia e Outras Obrigações - Programa Nacional de Habitação Urbana - PNHU - Imóvel na Planta Associativo - Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV - com Utilização dos Recursos da Conta Vinculada do FGTS do(s) Devedor(es)/Fiduciante(s)" (ID 183076672), e o item C 6.1 estabeleceu o prazo de construção 25 meses, enquanto a Cláusula Décima Sexta do contrato previu a possibilidade para sua prorrogável até o limite de 24 meses quando restasse comprovado caso fortuito ou força maior, mediante análise técnica e autorização da Caixa. O contrato contém, ainda, a previsão de substituição da construtora, entre outras hipóteses, quando ocorrer infração pela construtora de qualquer disposição do contrato e quando não concluída a obra dentro do prazo contratual (Cláusula Vigésima Oitava). Qualquer que seja o prazo considerado, as obras não foram concluídas tempestivamente, já que só vieram a ser concluídas em 04/04/2018 (ID 183077851). Não houve a comprovação de caso fortuito ou força maior a justificar qualquer prorrogação, e muito embora a CEF tenha mobilizado a cláusula de substituição da construtora para terminar os serviços contratados, não o fez a tempo de cumprir com o prazo contratado. É patente o inadimplemento das fornecedoras. A construtora não logrou concluir a obra no prazo avençado. Quanto à CEF, resta inequívoca a sua obrigação contratual de fiscalizar a obra para fins de liberar os recursos necessários a construção. Considerando a natureza do empreendimento, a relação de consumo triangular configurada, bem como a evidente disparidade entre a capacidade técnica e econômica entre a CEF e parte Autora para exigir da construtora o cumprimento da obrigação, a responsabilidade da CEF resta configurada. Não suficiente, era sua obrigação atestar eventual necessidade de prorrogar o prazo por força maior ou caso fortuito, além de mobilizar o seguro contratado em tempo hábil para não gerar danos ao adquirentes. Não há que se falar, portanto, que a responsabilidade solidária não se presume na hipótese em comento. Ressalte-se, ainda, que o contrato é vinculado ao Programa Minha Casa, Minha Vida, sendo possível discutir se a atuação da CEF não poderia, inclusive, ser caracterizada como promotora de políticas públicas na área da habitação, o que só faria aumentar sua responsabilidade. Neste sentido, cito jurisprudência desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. INEXECUÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. DEVER DE FISCALIZAÇÃO DAS OBRAS. CITAÇÃO EDITALÍCIA. RÉU NÃO ENCONTRADO. POSSIBILIDADE. RESCISÃO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO DE VALORES. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. INCLUSÃO INDEVIDA EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. ARBITRAMENTO. CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E NÃO ENRIQUECIMENTO INDEVIDO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO DA COBRANÇA DAS PARCELAS DO FINANCIAMENTO. No âmbito do dos contratos de compra e venda de imóvel, o STJ editou a Súmula 543 que prevê o dever de imediata e integral restituição das parcelas pagas pelo comprador em caso de resolução do contrato por culpa exclusiva do vendedor ou construtor. Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial pelo rito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas enfatizou, entre outras teses, que na hipótese de atraso na conclusão da obra em financiamentos para construção de imóvel no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, o dano material é presumido. RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ART. 1.036 DO CPC/2015 C/C O ART. 256-H DO RISTJ. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM. RECURSOS DESPROVIDOS. No tocante aos danos morais, considerando a natureza do bem discutido nos autos e sua centralidade na vida dos adquirentes, é certo que o atraso na conclusão da obra gera impactos não apenas em seu patrimônio, mas também gera danos morais que não representam mero dissabor cotidiano. Considerando a frustração de seus planos pessoais e, em especial, a demora da CEF em oferecer resposta satisfatória para a conduta da construtora, o dano moral é presumido e foi fixado em montante que não representa valor irrisório ou exorbitante, R$ 10.000,00 (dez mil reais). Neste sentido, cito julgado do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. 1. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/STF. 2. INDENIZAÇÃO. R$ 12.000,00. Deixo de condenar a seguradora corré, uma vez que não há relação direta com a parte Autora. Os valores pagos a título de seguro de obra, no entanto, poderão ser incluídos na indenização por danos materiais decorrente da resolução do contrato, desde que devidamente comprovados. Ante o exposto, considerando a legitimidade passiva ad causam da CEF, anulo a sentença apelada e, nos termos do art. 1.013, § 3º, I do CPC, julgo procedente o pedido inicial para reconhecer a resolução dos contratos discutidos nos autos com a consequente restauração do status quo ante, incluindo danos materiais devidos à parte Autora na forma de aluguel mensal desde a data em obra deveria ser concluída, incluindo o prazo de tolerância, até a data de publicação da decisão que reconhece a resolução dos contratos, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, além de danos morais, na forma da fundamentação acima. Juros de mora e correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Custas ex lege. Honorários advocatícios em 10% do valor da condenação em favor do patrono da parte Autora. Condeno a parte Autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da seguradora no montante de 10% do valor da causa, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita. É o voto.
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
I - Pretende o autor a rescisão de contrato de compra e venda de futura unidade autônoma, bem como de contrato de financiamento firmado com a CEF para pagamento do preço avençado, em virtude de atraso das obras e entrega do imóvel.
II - A CEF não integrou ou anuiu o contrato de compra e venda firmado entre o autor e a construtora. No entanto, a hipótese trata de financiamento da construção no âmbito do programa "minha casa, minha vida", figurando a instituição como agente executor de políticas federais destinadas ao atendimento de moradia para pessoas de baixa renda.
III - Consta expressamente do contrato de financiamento a obrigação e o interesse da CEF em fiscalizar o andamento da obra (item b, da cláusula 3ª), na medida em que o repasse dos valores se daria mensalmente de acordo com a evolução das obras, resguardando o mutuário, ao menos em tese, do pagamento dos valores à construtora sem que se desse prosseguimento à obra.
IV - Considerando o atraso na entrega do imóvel por mais de dois (2) anos, não se pode sujeitar o autor, que não mais tem interesse no imóvel, a ônus moratórios decorrentes de situação a que não deu causa, não se afigurando viável a continuidade da cobrança das prestações de financiamento quando o imóvel objeto da compra que originou o mútuo não foi entregue.
V - Agravo de instrumento desprovido.
(TRF3, AI 0026602-81.2015.4.03.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/06/2016)
1. Pretende a parte autora a rescisão de contrato e a condenação das rés ao ressarcimento de valores, bem como ao pagamento de indenização por dano moral.
2. Quanto à responsabilidade da CEF sobre os vícios de construção, duas são as situações que se apresentam. - Na primeira delas, a CEF atua tão somente como agente financeiro financiando a aquisição do imóvel para o mutuário e concorrendo neste nicho de mercado com as demais instituições financeiras. Na segunda delas, a CEF opera como verdadeiro agente gestor de recursos e executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, a exemplo do que ocorre no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida.
3. A legitimidade da CEF só é admitida quando também tenha atuado na elaboração do projeto, na execução ou na fiscalização das obras do empreendimento
4. Demonstrado nos autos que coube à CEF acompanhar a evolução das obras dos imóveis discutidos nos autos, inclusive para fins de liberação de valores às construtoras, correta a sentença ao reconhecer sua legitimidade passiva para o feito, devendo ser mantida neste ponto.
5. A citação por edital, prevista no artigo 256 e seguintes do NCPC (correspondentes aos artigos 231 e seguintes do CPC/73), por se tratar de uma medida extraordinária, deve ser precedida de providências exaurientes voltadas à localização do demandado. Sobretudo em razão das medidas colocadas à disposição dos demandantes, inclusive mediante o concurso do aparelho judiciário, tais como consultas a base de dados oficiais mediante dos sistemas eletrônicos disponíveis, não se pode admitir que a citação seja feita de forma precipitada pelo mecanismo editalício.
6. Demonstrada nos autos a não localização da parte correquerida, reputa-se válida a sua citação editalícia, nos termos do artigo 231, inciso II, do então vigente Código de Processo Civil de 1973.
7. Incontroverso nos autos o inadimplemento contratual pelas requeridas - a CEF por não fiscalizar devidamente o andamento das obras, e as demais corrés pela inexecução da obra -, correta a sentença ao acolher o pedido de rescisão contratual, sendo de rigor, também, a restituição dos valores despendidos pelos requerentes para a concretização do negócio jurídico, como forma de retorno ao status quo ante. Desta forma, nada há que se reparar na condenação da CEF e da F. Pereira à restituição de valores em favor da parte autora.
8. Os requerentes não deduziram pedido de restituição de valores em face da coapelante Cooperativa Procasa, sendo de rigor, portanto, a reforma da sentença para afastar a condenação desta parte à devolução de quantias aos autores.
9. Afastada também a condenação da Cooperativa Procasa ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora, ante a sucumbência recíproca, nos termos do artigo 21 do Código de Processo Civil de 1973, vigente ao tempo da publicação da sentença.
10. No que se refere ao arbitramento do valor a título de indenização por danos morais, é firme a orientação jurisprudencial no sentido de que, nesses casos, deve ser determinada segundo o critério da razoabilidade e do não enriquecimento despropositado. Precedente do C. Superior Tribunal de Justiça.
11. Considerando as circunstâncias específicas do caso concreto, em especial a extensão do dano moral imposto à parte autora, injustamente apontada como má pagadora aos órgãos de proteção ao crédito em razão de um contrato de financiamento imobiliário, cuja execução foi inadimplida, em verdade, pelas requeridas, como visto até aqui, bem como o grau de culpa da instituição financeira coapelante, que além de se manter inerte em relação à inexecução das obras em questão, conhecia estas circunstâncias e, ainda assim, promoveu a negativação do nome dos requerentes, tem-se que a indenização arbitrada em sentença, de R$ 10.000,00 (dez mil reais), é razoável e suficiente à compensação do dano extrapatrimonial no caso concreto, sem importar em enriquecimento indevido das partes, devendo ser mantida.
12. Apelação da Cooperativa Procasa parcialmente provida.
13. Apelação da CEF não provida.
(TRF3, ApCiv 0032696-64.2004.4.03.6100, Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 05/06/2020)
I - Pretende o autor a rescisão de contrato de compra e venda de futura unidade autônoma, bem como de contrato de financiamento firmado com a CEF para pagamento do preço avençado, em virtude de atraso das obras e entrega do imóvel.
II - A CEF não integrou ou anuiu o contrato de compra e venda firmado entre o autor e a construtora. No entanto, a hipótese trata de financiamento da construção no âmbito do programa "minha casa, minha vida", figurando a instituição como agente executor de políticas federais destinadas ao atendimento de moradia para pessoas de baixa renda.
III - Consta expressamente do contrato de financiamento a obrigação e o interesse da CEF em fiscalizar o andamento da obra (item b, da cláusula 3ª), na medida em que o repasse dos valores se daria mensalmente de acordo com a evolução das obras, resguardando o mutuário, ao menos em tese, do pagamento dos valores à construtora sem que se desse prosseguimento à obra.
IV - Considerando o atraso na entrega do imóvel por mais de dois (2) anos, não se pode sujeitar o autor, que não mais tem interesse no imóvel, a ônus moratórios decorrentes de situação a que não deu causa, não se afigurando viável a continuidade da cobrança das prestações de financiamento quando o imóvel objeto da compra que originou o mútuo não foi entregue.
V - Agravo de instrumento desprovido.
(TRF3, AI 0026602-81.2015.4.03.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/06/2016)
(Súmula 543 do STJ)
1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes:
1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.
1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.
1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.
1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.
2. Recursos especiais desprovidos.
(STJ, REsp 1729593/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/09/2019, DJe 27/09/2019)
REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
SÚMULA N. 7/STJ. VALOR FIXADO DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. 3. AGRAVO IMPROVIDO.
1. "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles." (Súmula n. 283/STF).
2. Na hipótese, as recorrentes, em suas razões de recurso especial, alegaram a inexistência dos danos pelo evidente caso fortuito externo, sem impugnar o fundamento do Tribunal local que considerou o dano in re ipsa. Ademais, não apontaram nas razões do recurso especial em que consistiria o caso fortuito a ensejar o atraso na obra.
3. O valor da indenização por danos morais, no caso em exame, arbitrado em R$ 12.000,00 (doze mil reais), considerada a peculiaridade do caso em questão, qual seja, atraso injustificado na entrega da obra - pelo período de agosto de 2011 a janeiro de 2012 -, não se mostra desarrazoado ante os patamares estabelecidos por esta Corte Superior, estando em perfeita consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Não é cabível, portanto, a intervenção do STJ no tocante ao valor fixado nas instâncias ordinárias.
4. Agravo regimental improvido.
(STJ, AgRg no AREsp 726.777/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2015, DJe 08/10/2015)
E M E N T A
CIVIL. APELAÇÃO. FINANCIAMENTO PARA CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. COMPRA E VENDA. MÚTUO. EMPREITADA. ATRASO NA OBRA. INADIMPLEMENTO. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. RESTAURAÇÃO DO STATUS QUO ANTE. DANOS MATERIAIS PRESUMIDOS. DANOS MORAIS. SENTENÇA ANULADA. AÇÃO PROCEDENTE.
I - Com o ajuizamento da ação, pretende a parte Autora a rescisão dos contratos firmados com as corrés com a consequente restauração do status quo ante, além da condenação à indenização por danos materiais e danos morais, sob o fundamento de atraso na conclusão e entrega da obra para além do estabelecido em contrato.
II - O pleito exposto na inicial sugere a incidência do art. 395, parágrafo único do CC, segundo o qual se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la e exigir a satisfação das perdas e danos, bem como o teor do art. 475 do CC, que prevê que a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
III - Vislumbra-se, ainda, a incidência do teor do art. 389 do CC ao prever que, não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. E também o art. 624 do CC, ao determinar que, suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos.
IV - No âmbito da legislação consumerista, o art. 3° do CDC trata como fornecedor a pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade de construção. A CEF, enquanto pessoa jurídica pública nacional que presta serviços de natureza bancária, financeira e de crédito mediante remuneração no mercado de consumo, enquadra-se no conceito de fornecedora do art. 3º, caput e § 2º do CDC. A jurisprudência dos egrégios Supremo Tribunal Federal (ADI 2591) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 297) é pacífica na conclusão de que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos de mútuo bancário.
V - Na hipótese de uma relação de consumo triangular em que o adquirente e mutuário compra o imóvel do vendedor ou construtor, mas sua obrigação principal tem como credora uma instituição financeira, ao se constatar a configuração de conduta lesiva da construtora que justifique a resolução do contrato, não há dúvidas de que os atos em questão podem repercutir no patrimônio da instituição financeira independentemente de culpa.
VI - Com efeito, nestas condições, a instituição financeira não poderá exigir o cumprimento da obrigação do contrato de mútuo nos termos estritamente avençados, o que não impede que a instituição financeira possa exercer o correspondente regresso ou pleito de reparação civil junto ao construtor ou vendedor. A ausência de culpa, todavia, não serve de óbice à pretensão do consumidor.
VII - Caso em que a parte Autora firmou com a construtora "Instrumento Particular de Promessa de Venda e Compra de Unidade(s) Autônoma(s) em Construção no "Condomínio Residencial Orval" e Outras Avenças", com a previsão de conclusão entre Dezembro de 2013 e Julho de 2014, prorrogável por 180 dias, ressalvado caso fortuito, força maior ou fato do príncipe, nos termos da Cláusula 11.2 e 11.3.
VIII - Caso em que a parte Autora firmou com a YPS Construções e Incorporações Ltda, 03/10/2013, "Instrumento Particular de Contrato de Promessa de Compra e Venda de Unidade Autônoma Condominial, Com Cláusula Suspensiva, Cláusula Resolutiva Expressa e Outras Avenças", com a previsão de entrega do imóvel em 24 meses após a assinatura do Contrato de Financiamento com a Caixa Econômica Federal - CEF, prorrogável por 180 dias. Em 11/10/2013, as partes firmaram "Contrato de Compra e Venda de Terreno e Mútuo Para Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em Garantia e Outras Obrigações - Programa Nacional de Habitação Urbana - PNHU - Imóvel na Planta Associativo - Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV - com Utilização dos Recursos da Conta Vinculada do FGTS do(s) Devedor(es)/Fiduciante(s)", e o item C 6.1 estabeleceu o prazo de construção 25 meses, enquanto a Cláusula Décima Sexta do contrato previu a possibilidade para sua prorrogável até o limite de 24 meses quando restasse comprovado caso fortuito ou força maior, mediante análise técnica e autorização da Caixa. O contrato contém, ainda, a previsão de substituição da construtora, entre outras hipóteses, quando ocorrer infração pela construtora de qualquer disposição do contrato e quando não concluída a obra dentro do prazo contratual (Cláusula Vigésima Oitava).
IX - Qualquer que seja o prazo considerado, as obras não foram concluídas tempestivamente, já que só vieram a ser concluídas em 04/04/2018. Não houve a comprovação de caso fortuito ou força maior a justificar qualquer prorrogação, e muito embora a CEF tenha mobilizado a cláusula de substituição da construtora para terminar os serviços contratados, não o fez a tempo de cumprir com o prazo contratado.
X - É patente o inadimplemento das fornecedoras. A construtora não logrou concluir a obra no prazo avençado. Quanto à CEF, resta inequívoca a sua obrigação contratual de fiscalizar a obra para fins de liberar os recursos necessários a construção. Considerando a natureza do empreendimento, a relação de consumo triangular configurada, bem como a evidente disparidade entre a capacidade técnica e econômica entre a CEF e parte Autora para exigir da construtora o cumprimento da obrigação, a responsabilidade da CEF resta configurada. Não suficiente, era sua obrigação atestar eventual necessidade de prorrogar o prazo por força maior ou caso fortuito, além de mobilizar o seguro contratado em tempo hábil para não gerar danos ao adquirentes. Não há que se falar, portanto, que a responsabilidade solidária não se presume na hipótese em comento. Ressalte-se, ainda, que o contrato é vinculado ao Programa Minha Casa, Minha Vida, sendo possível discutir se a atuação da CEF não poderia, inclusive, ser caracterizada como promotora de políticas públicas na área da habitação, o que só faria aumentar sua responsabilidade.
XI - No âmbito do dos contratos de compra e venda de imóvel, o STJ editou a Súmula 543 que prevê o dever de imediata e integral restituição das parcelas pagas pelo comprador em caso de resolução do contrato por culpa exclusiva do vendedor ou construtor.
XII - O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial pelo rito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas enfatizou, entre outras teses, que na hipótese de atraso na conclusão da obra em financiamentos para construção de imóvel no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, o dano material é presumido.
XIII - No tocante aos danos morais, considerando a natureza do bem discutido nos autos e sua centralidade na vida dos adquirentes, é certo que o atraso na conclusão da obra gera impactos não apenas em seu patrimônio, mas também gera danos morais que não representam mero dissabor cotidiano. Considerando a frustração de seus planos pessoais e, em especial, a demora da CEF em oferecer resposta satisfatória para a conduta da construtora, o dano moral é presumido e foi fixado em montante que não representa valor irrisório ou exorbitante, R$ 10.000,00 (dez mil reais).
XIV - Afastada a condenação da seguradora corré, uma vez que não há relação direta com a parte Autora. Os valores pagos a título de seguro de obra, no entanto, poderão ser incluídos na indenização por danos materiais decorrente da resolução do contrato, desde que devidamente comprovados.
XV - Considerando a legitimidade passiva ad causam da CEF, anula-se a sentença. Nos termos do art. 1.013, § 3º, I do CPC, julga-se procedente o pedido inicial para reconhecer a resolução dos contratos discutidos nos autos com a consequente restauração do status quo ante, incluindo danos materiais devidos à parte Autora na forma de aluguel mensal desde a data em obra deveria ser concluída, incluindo o prazo de tolerância, até a data de publicação da decisão que reconhece a resolução dos contratos, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, além de danos morais. Juros de mora e correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Custas ex lege. Honorários advocatícios em 10% do valor da condenação em favor do patrono da parte Autora. Condenada a parte Autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da seguradora no montante de 10% do valor da causa, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita.