RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000972-39.2019.4.03.6319
RELATOR: 10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: MARIA ELENITA FERREIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: ADRIANA GERMANI - SP259355-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000972-39.2019.4.03.6319 RELATOR: 10º Juiz Federal da 4ª TR SP RECORRENTE: MARIA ELENITA FERREIRA Advogado do(a) RECORRENTE: ADRIANA GERMANI - SP259355-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso inominado interposto em face da r. sentença que julgou improcedente pleito de concessão de aposentadoria por idade híbrida à parte autora, com fundamento precípuo da descaracterização do trabalho . Nas razões recursais, a parte autora requer a reforma para fins de acolhimento de sua pretensão. Vieram os autos a esta 10ª cadeira da 4ª Turma Regional. Em suma, o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000972-39.2019.4.03.6319 RELATOR: 10º Juiz Federal da 4ª TR SP RECORRENTE: MARIA ELENITA FERREIRA Advogado do(a) RECORRENTE: ADRIANA GERMANI - SP259355-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade. No mérito, discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício de aposentadoria por idade mista. A aposentadoria por idade, rural e urbana, é garantida pela Constituição Federal em seu artigo 201, §7º, inciso II, para os segurados do regime geral de previdência social (RGPS), nos termos da lei e desde que obedecidas as seguintes condições: "II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas ativ idade s em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural , o garimpeiro e o pescador artesanal; " Esta aposentadoria é regulada no artigo 48 da Lei n. 8.213/91, cujo teor, após as alterações introduzidas pela Lei n. 11.718/2008, é o seguinte (g. n.): “Art. 48 - A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032/95) § 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei 9.876, de 26.11.99) § 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benéfico pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) § 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) § 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)” REQUISITO ETÁRIO A parte autora, consoante se constata dos documentos colacionados aos autos, cumpriu o requisito etário, previsto no artigo 48, caput, da Lei nº 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO Já, em relação ao requisito da filiação, o artigo 3º, § 1º, da Lei nº 10.666/2003 dispensou a qualidade de segurado para a concessão da aposentadoria por idade, nos seguintes termos: “Art. 3o A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial. § 1o Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício. (...)” Ou seja, os requisitos exigidos pela legislação previdenciária não precisam ser preenchidos, simultaneamente, no caso de aposentadoria por idade, segundo interpretação do artigo 102, § 1º da Lei 8.213/91, in verbis: “Art. 102. (...). § 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos." ATIVIDADE RURAL No que concerne à prova do exercício da atividade rural, certo é que o legislador exigiu o início de prova material (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91), no que foi secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, quando da edição da Súmula n. 149. E o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar, na forma da súmula nº 34 da TNU. Com relação às contribuições previdenciárias dos rurícolas, é assente o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp 207.425, 5ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE COMO CARÊNCIA Também deve ser observada a Súmula 73 da TNU: “O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social”. RECURSO REPETITIVO – SEM REPERCUSSÃO GERAL Consoante se verifica da redação dos §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei n. 8.213/91, a Lei n. 11.718/2008 introduziu nova modalidade de aposentadoria por idade, a qual permite ao segurado somar períodos de trabalho rural e urbano para completar o tempo correspondente à carência exigida, desde que alcançado o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. É a denominada aposentadoria por idade híbrida. Sobre o tema, muitas interpretações surgiram nos tribunais. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pautada, sobretudo, na busca de equilíbrio entre as necessidades sociais - decorrentes do fenômeno do êxodo rural - e o Direito, assentou entendimento de que a concessão da aposentadoria híbrida independe da predominância das atividades, tampouco se mostra relevante averiguar o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento. Diferentemente do que vem sustentando o INSS nas ações judiciais, o tempo de atividade rural exercido anteriormente à Lei nº 8.213/91 deve ser computado como período de carência. Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em 14/9/2019, em julgamento de recurso submetido a regime repetitivo (RESP 1.788.404-PR): “Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.” Após, a admissão da vice-presidência do STJ em 26/05/2020 pela admissão do RE interposto no RESP 1788404/PR, pela Autarquia Previdenciária, como representativo da controvérsia, recentemente foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do tema 1104, que inexiste repercussão geral sobre a matéria. Neste sentido, segue ementa da decisão proferida em 01/09/2020 pelo ministro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF): Ementa: Recurso extraordinário. Previdenciário. Aposentadoria híbrida. Trabalho urbano e rural. Requisitos necessários para concessão do benefício. Reafirmação da orientação do STF sobre a natureza infraconstitucional da controvérsia. Ausência de repercussão geral. Tese de repercussão geral: É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à definição e ao preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão de aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, § 3º da Lei nº 8.213/91. Dessarte, declarada a inexistência de repercussão geral quanto a matéria remetida ao STF através do RE interposto no RESP 1788404/PR, deve ser aplicado o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema nº 1007. CASO CONCRETO Constou da r. sentença: “DO CASO CONCRETO No caso a parte autora pretende o reconhecimento do período rural acima indicado, tendo colacionado os seguintes documentos: a-) certidão de casamento da autora, em que consta que o marido era lavrador, datada de 20/04/1968 (fls. 13/14 do doc. 2). b-) ficha de avaliação individual, emitida pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania – Instituto de Terras – Departamento de Assentamento Fundiário. Consta que o “beneficiário reside no lote desde 1983”, sendo o beneficiário o marido da autora (fls. 39 do doc. 02). Pois bem. No caso em tela, não é possível reconhecer como tempo rural na qualidade de segurado especial o período pleiteado pela parte autora. Isso porque, conforme a própria autora declarou durante a audiência, no período em que esteve no assentamento não houve venda de produção rural. O que era plantado destinava-se, apenas, à subsistência do núcleo familiar, o que é insuficiente para configurar a condição de segurado especial, conforme fundamentação supra. Repito o que já fiz constar apenas para tornar mais clara a justificativa do provimento jurisdicional: "Questão interessante aventada por Marina Vasques Duarte consiste na possibilidade, ou não, de ser considerado 'segurado especial' aquele que apenas trabalha para subsistir (plantio de subsistência, por exemplo). A resposta é desenganadamente negativa, pois: '(...) Baltazar e Daniel referem ser essencial que haja produção agrícola para fins de comercialização, não adquirindo a qualidade de segurado especial aquele que planta apenas para subsistência, pois a comercialização do seu excedente (art. 25 da Lei de Custeio). Citam inclusive acórdão do TRF4º RG: ‘o plantio em pequena área, no âmbito residencial, para consumo próprio, não tem o condão de caracterizar-se como exercício da agricultura nos termos do art. 11, VII e § 1º, da Lei 8.213/91, nem dá à autora o direito à percepção dos benefícios previdenciários decorrentes da qualidade de segurado especial. Se assim fosse, qualquer pessoa, mesmo na área urbana, que tivesse uma horta de fundo de quintal, também seria segurada especial.' (AC 97.04.29554-5/RS, TRF4ºR., Relator Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, 6ºT., DJ 26.01.2000, p. 567) (...)' (DUARTE, Marina Vasques. Direito Previdenciário. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 72) (...)". Dessa forma, não é possível o reconhecimento e averbação do período rural de 01/01/1983 a 17/08/1985. Assim, concluo que não estão reunidos os requisitos legais para a concessão de aposentadoria por idade (híbrida) à parte autora.” Da análise dos autos, observo não ter sido colhido o depoimento pessoal da autora, mas constou do termo da audiência de instrução e julgamento: “a parte autora asseverou que durante o período em que esteve assentada não houve venda de produção rural, o que foi plantado deu-se apenas para o consumo da família.” Não obstante, das testemunhas ouvidas, verifica-se que, tratando-se de assentamento em seu início, as terras eram cultivadas comunitariamente (ambas testemunhas afirmaram este fato), de modo que eventual venda do cultivo excedente não caberia apenas a uma família, o que não significa, necessariamente, que não houve venda, ainda que a autora tenha assim declarado. Ademais, a declaração do ex-marido da autora no sentido de que residia naquelas terras desde o ano de 1983, somado ao fato de a separação ter se dado no ano de 1988, conforme averbação na certidão de casamento, demonstra que a autora de fato ali residiu no período apontado. Assim, somando-se o período de 01/01/1983 a 17/08/1985 (2 anos, 7 meses e 17 dias) ao reconhecido pelo INSS (13 anos e 6 dias), temos 15 anos, 7 meses, 23 dias de tempo considerado para fins de carência, o que equivale a 187 meses, suficientes à concessão do benefício de aposentadoria por idade. O termo inicial é a DER, nos termos da LBPS. Quanto aos critérios de correção monetária e juros de mora, incide o atual Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (Resolução nº 267/2013 – CJF, e alterações posteriores), tendo em vista que o mesmo está em harmonia com o entendimento fixado pelo c. STF no RE 870.947. Os valores eventualmente já recebidos a título de quaisquer benefícios previdenciários ou assistenciais não cumuláveis, administrativa ou judicialmente, deverão ser abatidos do crédito da autora relativo aos atrasados. Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para reconhecer o período rural de 01/01/1983 a 17/08/1985 e adicioná-lo ao tempo de contribuição reconhecido administrativamente no requerimento cadastrado NB 192.342.356-5 (DER: 27/08/2018) para fins de carência e, com isso, e condenar o réu a implantar e pagar o benefício de aposentadoria por idade híbrida à autora, arcando com os atrasados, na forma acima estabelecida. Honorários de advogado indevidos (art. 55 da Lei 9.099/95). É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONDIÇÃO DE SEGURADA ESPECIAL COMPROVADA. CARÊNCIA CUMPRIDA. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA DEVIDA. RECURSO PROVIDO.
- Consoante se verifica da redação dos §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei n. 8.213/91, a Lei n. 11.718/2008 introduziu nova modalidade de aposentadoria por idade, a qual permite ao segurado somar períodos de trabalho rural e urbano para completar o tempo correspondente à carência exigida, desde que alcançado o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. É a denominada aposentadoria por idade híbrida.
- Sobre o tema, muitas interpretações surgiram nos tribunais. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pautada, sobretudo, na busca de equilíbrio entre as necessidades sociais - decorrentes do fenômeno do êxodo rural - e o Direito, assentou entendimento de que a concessão da aposentadoria híbrida independe da predominância das atividades, tampouco se mostra relevante averiguar o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento.
- Diferentemente do que vem sustentando o INSS nas ações judiciais, o tempo de atividade rural exercido anteriormente à Lei nº 8.213/91 deve ser computado como período de carência. Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em 14/9/2019, em julgamento de recurso submetido a regime repetitivo (RESP 1.788.404-PR): Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.”
- Após, a admissão da vice-presidência do STJ em 26/05/2020 pela admissão do RE interposto no RESP 1788404/PR, pela Autarquia Previdenciária, como representativo da controvérsia, recentemente foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do tema 1104, que inexiste repercussão geral sobre a matéria. Neste sentido, segue ementa da decisão proferida em 01/09/2020 pelo ministro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF): Ementa: Recurso extraordinário. Previdenciário. Aposentadoria híbrida. Trabalho urbano e rural. Requisitos necessários para concessão do benefício. Reafirmação da orientação do STF sobre a natureza infraconstitucional da controvérsia. Ausência de repercussão geral. Tese de repercussão geral: É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à definição e ao preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão de aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, § 3º da Lei nº 8.213/91.
- Dessarte, declarada a inexistência de repercussão geral quanto a matéria remetida ao STF através do RE interposto no RESP 1788404/PR, deve ser aplicado o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema nº 1007.
- A autora logrou demonstrar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar. Benefício concedido, desde a DER.
- Recurso provido.