APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000348-32.2014.4.03.6103
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: JOSE ALVERTANO DOS SANTOS FILHO
Advogado do(a) APELANTE: MARIA RUBINEIA DE CAMPOS SANTOS - SP256745-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000348-32.2014.4.03.6103 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: JOSE ALVERTANO DOS SANTOS FILHO Advogado do(a) APELANTE: MARIA RUBINEIA DE CAMPOS SANTOS - SP256745-A APELADO: UNIÃO FEDERAL R E L A T Ó R I O Trata-se de embargos de declaração opostos por JOSÉ ALVERTANO DOS SANTOS FILHO contra acórdão proferido em apelação, assim ementado (ID 106441984, f. 66-81): PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. GRATIFICAÇÃO DE QUALIFICAÇÃO. NÍVEIS II E III. LEIS 11.907/09. E 12.778/12. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. LEI 9.394/96 E DECRETO 7.922/2013. INSUFICIÊNCIA. NECESSIDADE DE DEFINIÇÃO DOS CRITÉRIOS E DIRETRIZES PELO PODER REGULAMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. A matéria discutida nos autos não merece maiores dissensões, na medida em que a Superior Corte tem adotado o entendimento no sentido de haver necessidade de regulamentação para a percepção da verba denominada Gratificação de Qualificação, consoante previsão expressa pela Lei 11.907/2009. E se encontra sedimentada a noção no Superior Tribunal de Justiça que Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e o Decreto 7.922/2013 não trazem a disciplina para a imediata implantação e recebimento da verba em análise. 2. Diante da jurisprudência pacificada do STJ, se infere que os termos da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) são insuficientes ao exame do preenchimento dos requisitos para a percepção da gratificação de qualificação, porquanto a regulamentação não se limitaria a conceituar cursos de formação acadêmica e de qualificação profissional, é necessário ainda que se estabeleçam quais os parâmetros para definir a compatibilidade do curso com os conhecimentos exigidos no exercício da função de cada servidor, o que deve ser feito pela referida Comissão Especial, não pelo Judiciário. Esta também é a diretriz da Primeira Turma desta 3ª Corte Regional. Precedentes. 3. Não há como se determinar, sem a regulamentação exigida no 6°, do art. 56, da Lei no 11.907/2009, se os cursos concluídos abrangem o nível de qualificação exigido no § 1 do art. 56 do mencionado diploma legal. Não cabe ao Poder Judiciário, em verdadeira substituição ao poder regulamentar, criar condições de concessão da GQ II ou III à autora, sob pena de afronta ao Princípio da Separação dos Poderes. Cabe à Administração, dentro da discricionariedade que possui definir as diretrizes para a aplicação do diploma legal de forma que o acórdão embargado merece ser mantido. 6. Apelação não provida. O apelante alega omissão no julgado quanto ao pedido de restabelecimento da justiça gratuita revogada na sentença (f. 82-89). Contraminuta da União (f. 95-102). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000348-32.2014.4.03.6103 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: JOSE ALVERTANO DOS SANTOS FILHO Advogado do(a) APELANTE: MARIA RUBINEIA DE CAMPOS SANTOS - SP256745-A APELADO: UNIÃO FEDERAL V O T O Inicialmente, consigno que os embargos de declaração foram opostos na vigência do Código de Processo Civil de 2015, que dispõe, em seu art. 1022, sobre as hipóteses de cabimento dos aclaratórios: a existência, na decisão judicial, de obscuridade, contradição, omissão ou erro material a serem sanados pelo Juízo. E, na espécie, verifico presente a omissão apontada. De fato, não se apreciou a matéria relativa ao restabelecimento do benefício da justiça gratuita no acórdão embargado. Da leitura dos autos, verifica-se, na sentença (ID 106442011, f. 241-25), que o juízo a quo revogou a justiça gratuita anteriormente concedida ao autor sob os seguintes fundamentos: Inicialmente, REVOGO a decisão que concedeu ao autor os benefícios da assistência judiciária gratuita. Em que pese a declaração subscrita pela própria parte autora ("declaração de pobreza"), o princípio da lealdade processual e o poder instrutório do órgão jurisdicional permitem que o magistrado afaste a presunção de pobreza, desde que haja indício de que o peticionário aufira renda incompatível com a concessão do benefício ora analisado, como é o caso dos autos. É de se presumir que aquele que ocupa cargo público possui melhores condições financeiras do que a média da população nacional e, portanto, possa, pelo menos em tese, custear as despesas processuais. Também é fato que tal presunção é passível de ser desconstituída na medida em que o peticionário demonstre, por meio de documento idôneo, que sua renda não se situa em patamar elevado. Em outras palavras: a Constituição Federal permitiu o amplo acesso ao Poder Judiciário, mas tal primado não permite afirmar que tal acesso é irrestrito. Assim, aqueles que possuem capacidade econômica (contributiva) devem arcar, eventualmente, pelas despesas processuais, sob pena de esfacelamento do sistema e insuficiência de recursos para aqueles que, indubitavelmente, são hipossuficientes. Cumpre ao Poder Judiciário, diante dessa situação, exercer papel de fiscalização. O fato de a lei permitir que a simples afirmação da parte autora autorize a concessão da gratuidade de justiça não implica dizer que o magistrado deve fechar os olhos à realidade que o circunda. Nesse sentido a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça: "DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO LEGAL QUE FAVORECE AO REQUERENTE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, nos termos dos arts. 2°, parágrafo único, e 4°, § 1°, da Lei 1.060/50, a assistência judiciária gratuita pode ser pleiteada a qualquer tempo, bastando, para obtenção do benefício, sua simples afirmação do requerente de que não está em condições de arcar com as custas do processo e com os honorários advocatícios. 2. Por não se tratar de direito absoluto, porquanto a declaração de pobreza implica simples presunção juris tantum, pode o magistrado, se tiver fundadas razões para crer que o requerente não se encontra no estado de miserabilidade declarado, exigir-lhe que faça prova de sua situação. 3. Hipótese em que a Corte estadual, ao firmar o entendimento de que os recorrentes não teriam comprovado seu estado de miserabilidade, inverteu a presunção legal, o que não é admissível. 4. Recurso especial conhecido e provido" (Superior Tribunal de Justiça. REsp 965756/SP. Relator: Ministro ARNALDO ESTE VES LIMA. Órgão Julgador: 5a Turma. Data do Julgamento: 25/10/2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 17.12.2007 p. 336.) Com efeito, seria desarrazoado (para não dizer ilegal e imoral) que o juiz, diante da simples afirmação da parte autora de que não possui condições financeiras para arcar com as despesas processuais, tivesse o dever absoluto e intangível de concedê-la, sem ao menos ingressar minimamente em seu mérito. Conforme entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, a mera declaração do interessado acerca da hipossuficiência é bastante à concessão da gratuidade da justiça, sendo certo que referido documento reveste-se de presunção relativa de veracidade, suscetível de ser elidida pelo julgador que entenda haver fundadas razões para crer que o requerente não se encontra no estado de miserabilidade declarado. (Precedentes: RMS 27.338/RS, ReI. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/03/2009, DJe 19/03/2009; RMS 27.582/RS, ReI. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 09/03/2009; RMS 26.588/MS, ReI. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 02109/2008, DJe 15/09/2008; AgRg no AgRg no Ag 978.821/DF, ReI. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 15/10/2008)" (ROMS 200900116260, LUIZ FUX, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/08/2010). No caso concreto, o(s) comprovante(s) de rendimento anexado(s) aos autos demonstra(m) que o autor é servidor público federal e que recebeu, em outubro de 2013, vencimentos no importe de R$8.151,94" (fls.168). Tal(is) documento(s) já é(são) capaz(es) de ilidir a presunção de pobreza declarada, não havendo nos autos qualquer comprovação de gastos excessivos e/ou exorbitantes (p.ex.: dependentes, medicamentos, saúde, moradia) que afastasse a presunção de capacidade econômica para realização de depósito de custas judiciais no importe de 0,5% ou 1% do valor atribuído à causa e para suportar eventual condenação em despesas processuais e honorários sucumbenciais. (...) Desta feita, resta patente a capacidade econômica da parte autora, razão pela qual deve ser revogada a concessão dos benefícios da gratuidade processual, devendo ser recolhidas, no prazo de 15 (quinze) dias, as custas judiciais, ficando o recebimento de eventual recurso interposto contra esta sentença condicionado ao prévio recolhimento de tal verba, sob pena de deserção. Pois bem. Ao dispor sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, a Constituição Federal previu em seu art. 5º o seguinte: Art. 5º (...) LXXIV – O Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; (...) Da análise do dispositivo constitucional acima transcrito, temos que a Carta Maior estendeu, de forma ampla, a fruição da gratuidade judiciária por todos aqueles que comprovarem insuficiência de recursos. Por outro lado, o Código de Processo Civil de 2015 estabelece, em seu art. 98, caput, o seguinte: Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. Com isto, objetivou o legislador ordinário justamente facilitar o acesso à justiça àqueles que, necessitando acionar o Poder Judiciário para a defesa de seus interesses, não o fazem em razão do prejuízo de sua manutenção e de sua família. Por sua vez, o art. 99, §2º, do mesmo diploma legal estabeleceu normas para a concessão da assistência judiciária aos necessitados, in verbis: Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. (...) § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. (...) Ao enfrentar o tema, o C. STJ tem entendido que a presunção de pobreza é relativa, sendo possível o indeferimento do pedido de assistência judiciária caso se verifique a existência de elementos que invalidem a hipossuficiência declarada. Neste sentido transcrevo recente julgado: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO RELATIVA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. 1. A presunção de pobreza, para fins de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, ostenta caráter relativo, podendo o magistrado indeferir o pedido de assistência se encontrar elementos que infirmem a hipossuficiência do requerente. Reapreciação de matéria no âmbito do recurso especial encontra óbice na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Como destinatário final da prova, cabe ao magistrado, respeitando os limites adotados pelo Código de Processo Civil, a interpretação da produção probatória, necessária à formação do seu convencimento. (...). 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, 4ª Turma, AgRg no AREsp n. 820.085/PE, Rel. Min. Maria Isabel Galotti, DJe 19/02/2016) [grifei] Isso assentado, na espécie, verifico que assiste razão ao juízo a quo quanto à revogação do benefício previamente concedido ao autor. Isso porque, como bem apontado na sentença, o demonstrativo de pagamento às f. 169-170 do ID 106442011 indica que, de julho a outubro de 2013, o apelante percebeu renda mensal bruta entre R$ 8.151,94 e R$ 8.391,69, e líquida entre R$ 4.159,78 a R$ 4.770,34, remuneração que demonstra sua capacidade financeira de arcar com as verbas de sucumbência. Corrobora tal entendimento o recolhimento das custas com o apelo (f. 19-20 do ID 106441984), visto que, embora tal providência tenha sido imposta na sentença para admissão do recurso (f. 246 do ID 106442011), caso de fato fosse economicamente hipossuficiente, o autor poderia se valer do recurso de agravo do art. 522 do CPC/19773, vigente quando da prolação da sentença e do juízo de admissibilidade em primeiro grau. Ademais, o apelante não comprovou, por outros elementos, o comprometimento da renda com outros encargos financeiros (despesas ordinárias ou extraordinárias), o que poderia corroborar a sua alegação no sentido de que não tem possibilidades de suportar as custas processuais. Portanto, é de se manter a decisão que revogou o benefício da gratuidade da justiça. Ante o exposto, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO aos embargos declaratórios a fim de sanar a omissão apontada, mantendo a sentença quanto à revogação do benefício da justiça gratuita, nos termos da fundamentação. É como voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO VERIFICADA. PEDIDO DE RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. REVOGAÇÃO NA SENTENÇA. VIABILIDADE NA ESPÉCIE. PRESUNÇÃO DE POBREZA AFASTADA POR ELEMENTOS NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO. EMBARGOS PROVIDOS. 1. Os embargos de declaração destinam-se a sanar omissão, obscuridade, contradição ou erro material de que esteja eivado o julgado, nos termos do art. 1.022 do CPC. 2. Presente a omissão na espécie, visto que o acórdão embargado não apreciou a matéria relativa ao restabelecimento do benefício da justiça gratuita. 3. O art. 5º, LXXIX, da CF/88 estendeu, de forma ampla, a fruição da gratuidade judiciária por todos aqueles que comprovarem a insuficiência de recursos. Por outro lado, o CPC/15 estabeleceu, em seu art. 99, §2º, que o juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade, devendo, antes de fazê-lo, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. 4. Compulsando os autos, constato que assiste razão ao juízo a quo quanto à revogação do benefício previamente concedido ao autor, ante os comprovantes de renda nos autos e o recolhimento das custas após a determinação sentencial, a demonstrar a capacidade financeira do recorrente de arcar com os ônus da sucumbência. 5. De outro lado, o apelante não comprovou, por outros meios, o comprometimento da renda percebida com outros encargos financeiros (despesas ordinárias ou extraordinárias), o que poderia corroborar a sua alegação no sentido de que não tem possibilidades de suportar as custas. 6. Embargos declaratórios providos para sanar a omissão apontada e manter a sentença quanto à revogação do benefício da justiça gratuita.