Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006216-79.2010.4.03.6119

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: AMERICAN AIRLINES INC

Advogado do(a) APELADO: RICARDO BERNARDI - SP119576-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006216-79.2010.4.03.6119

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: AMERICAN AIRLINES INC

Advogado do(a) APELADO: RICARDO BERNARDI - SP119576-A

OUTROS PARTICIPANTES:

[ialima]

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Remessa oficial e apelação interposta pela União contra sentença que, em sede de mandado de segurança, concedeu a ordem para determinar a liberação das mercadorias objeto do Auto de Infração n.º 0817600/00049/10 (Id 104179919, p. 09/18).

 

Aduz (Id 104179919, p. 32/54) que:

 

a) a apresentação da documentação referente à importação após o início da fiscalização não é suficiente para sanar a irregularidade. Ademais, o dano ao erário exigido para a aplicação da pena de perdimento não é simplesmente financeiro e não se pode afirmar irreversibilidade de eventual dano da impetrante, pois a mercadoria estava sendo adequadamente armazenada;

 

b) a legislação aduaneira impõe às empresas de transporte aéreo de mercadorias importadas o dever de transportar cargas com registro de manifesto, bem como o de informar sobre sua existência, previamente à chegada do veículo, às autoridades aduaneiras de destino, de modo que não há sentido na apresentação de nenhum conhecimento aéreo (AWB) a posteriori, consoante disposto nos artigos 37 a 39 do Decreto-Lei n.º 37/66 e 31, 32, 41, 42, 44, 45 e 48 do Decreto n.º 6.759/09, 4º, 6º, 9º e 25 da Instrução Normativa SRF n.º 102/1994;

 

c) é aplicável ao caso a pena de perdimento à mercadoria respectiva, tendo em vista a prática da infração descrita no artigo 105, inciso IV, do Decreto-Lei n.º 37/66, regulamentado pelo artigo 689, inciso IV, do Decreto n.º 6.759/09.

 

Em contrarrazões, a apelada requer a manutenção da sentença (Id 104179916, p. 04/43).

 

O parecer ministerial é no sentido de que sejam desprovidos o recurso e remessa oficial (Id 1104179916, p. 47/51).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0006216-79.2010.4.03.6119

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: AMERICAN AIRLINES INC

Advogado do(a) APELADO: RICARDO BERNARDI - SP119576-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

I - Dos fatos

 

Mandado de segurança impetrado por American Airlines Inc. contra ato praticado pelo Inspetor Chefe da Alfândega da Receita Federal do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, com vista à liberação das mercadorias objeto do Auto de Infração n.º º 0817600/00049/10+

 

Para melhor compreensão da questão, faço uma breve exposição dos fatos, tais como apresentados no feito:

 

a)  em 27.05.2010, a Equipe de Vigilância Aduaneira de Pista – EVIG, em operação no voo AAL951, lavrou Termo de Retenção n.º 018/2010 de mercadoria importada sem manifesto de carga informado no Sistema Integrado de Gerência do Manifesto, do Trânsito e do Armazenamento - MANTRA (Id 104182883, p. 105 e 109), com a concessão do prazo de 72 horas para manifestação;

 

b) a empresa apresentou, em 30.05.2010, os documentos relativos à informação de que mercadoria fora objeto de manifesto em 19.05.2010 (Id 95085894, p. 97), porém, em razão de balanceamento da aeronave, houve a descarga e o extravio dos bens localizados no voo 951/26.

 

II – Da pena de perdimento

 

De acordo com a autoridade aduaneira, é aplicável ao caso a pena de perdimento, nos termos dos artigos 105, inciso IV, do Decreto-Lei n.º 37/66 e 689, inciso IV, do Decreto n.º 6.759/09, vigente à época dos fatos, que assim dispunham:

 

Art. 105 - Aplica-se a pena de perda da mercadoria:

(...)

IV - existente a bordo do veículo, sem registro um manifesto, em documento de efeito equivalente ou em outras declarações;

 

Art. 689.  Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário:

 

IV - existente a bordo do veículo, sem registro em manifesto, em documento de efeito equivalente ou em outras declarações;

 

Não obstante a previsão legal contida na norma, a análise do caso demonstra que a aplicação da pena de perdimento configura sanção incompatível com os fins sociais da norma ou às exigências do bem comum, nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 4.657/42 (LINDB), pois, lavrado o Termo de Retenção n.º 02/2010, em 20.04.2010, a recorrida apresentou no prazo determinado de 72 horas todos os esclarecimentos e a documentação necessária para regularização junto à alfandega. (Id 104182883, p. 113/116).

 

A aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade tem como objetivo a solução do conflito existente entre direitos fundamentais. No caso da proteção à sociedade, tutelada pelo direito aduaneiro, a aplicação da pena de perdimento se mostra em desequilíbrio com o direito ao desenvolvimento da atividade econômica praticada pela empresa, na medida em que a sanção representa um excesso da ação estatal, que extrapola a tutela do bem jurídico, pois da análise dos autos verifica-se que não houve a intenção de introdução clandestina de bens, sonegação de impostos ou qualquer dano ao erário que a justifique. Nesse sentido é o entendimento desta Turma:

 

ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA. CARGA EMBARCADA EM VOO DIVERSO. AUSÊNCIA DE MANIFESTO DE CARGA. CORREÇÃO E COMPLEMENTAÇÃO DURANTE O PROCEDIMENTO DE RETENÇÃO. INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. LIBERAÇÃO DA MERCADORIA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS.

- No caso concreto, a impetrante, ora apelada, procedeu ao transporte de medicamento importado denominado “androcur-100”, utilizado no tratamento de pacientes com câncer de próstata, o que haveria de se concretizar, a princípio, por meio de embarque em 23/06/2008. Ocorre que a mercadoria aportou, por equívoco, no Aeroporto de Guarulhos antecipadamente, no voo de20/06/2008, circunstância que gerou a ausência da documentação pertinente e consequente retenção das mercadorias.

- Há prova nos autos de que, tão logo constatado o equívoco, a apelada providenciou a retificação da documentação, oferecendo à autoridade aduaneira manifesto de carga complementar, com o objetivo de sanar o equívoco e regularizar a situação.

- Há que se levar em conta a existência de boa-fé por parte da impetrante, a qual procedeu a correta retificação do equívoco, logo após a retenção da carga, bem como a inexistência de intenção de fraude ou prejuízo ao erário.

- Do comportamento da impetrante diante da retenção dos bens, extrai-se que não houve a intenção de introdução clandestina de bens, considerando-se, ainda, a entrega do manifesto em tempo razoável, conforme citado.

- A declaração da carga não deixou dúvida quanto ao conteúdo e a finalidade da internação das mercadorias.

- A jurisprudência desta Corte, em casos semelhantes, já se manifestou pela liberação da mercadoria e afastamento da pena de perdimento, tendo em vista a ausência de má-fé por parte do importador. Precedentes.

- Apelação e remessa oficial improvidas.

(ApelRemNec 0005538-35.2008.4.03.6119, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Mônica Nobre, j. 13.10.2020, destaquei).

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA. CARGA EMBARCADA ERRONEAMENTO EM VOO COM DESTINO PARA GUARULHOS. ADUANEIRO. AUSÊNCIA DE MANIFESTO DE CARGA. PENA DE PERDIMENTO. LIBERAÇÃO DA MERCADORIA.

1. A pena de perdimento foi afastada das mercadorias transportadas, com consequente liberação dos três volumes etiquetados sob AWB 001-073696361 para seu efetivo destino em Nova Iorque, nos Estados Unidas da América, tendo em vista que seu envio ao Brasil ocorreu em razão de equívoco cometido pela sua base operacional americana.

2. De acordo com as informações trazidas aos autos, as referidas mercadorias, de fato, encontravam-se desacompanhadas do manifesto de carga em razão de terem sido erroneamente embarcadas em voo com destino para Guarulhos/SP que tinham como destino os Estados Unidos da América, ou seja, restou comprovado nítido equívoco operacional.

3. Com efeito, denota-se que a aplicação da pena de perdimento, no presente caso, não se mostra proporcional, na medida em que as mercadorias não tinham como destino o Brasil, razão pela qual não há que se falar em exigência de manifesto de carga, bem como não haver nos autos qualquer evidência de má-fé por parte da impetrante, ou mesmo dano ao Erário.

4. Não se tratando de hipótese de ingresso de mercadoria no território nacional a pena perdimento não se mostra razoável, tanto que para esses casos, há previsão de requerimento de devolução dos bens ao seu efetivo local de destino, nos termos da Portaria do Ministério da Fazenda nº 306/95.

5. Não se pode dissociar do elemento subjetivo nem desconsiderar a boa-fé no que pertine à imposição de penalidade.

6. Apelo e remessa oficial desprovidas.

(ApelRemNec 0006835-04.2013.4.03.6119, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, j. 04.07.2018, destaquei).

 

Desse modo, verificada a ilegalidade da medida, é de rigor a manutenção da sentença.

 

Por fim, afastada a pena de perdimento, os demais artigos suscitados pela recorrente, quais sejam, 5º, incisos XLV, XLVI, LIV e LV, da CF, 27 do Decreto-Lei n° 1.455/76, 37, 38, 39 e 104 do Decreto-Lei n.º 37/66, 23, 24, 31, 32, 41, 42, 44, 45, 48 e 602 do Decreto n.º 6.759/09, 4º, 6º, 9º e 25 da Instrução Normativa SRF n.º 102/94 e 136 do CTN, não têm o condão de alterar esse entendimento pelos motivos já apontados.

 

III - Do dispositivo

 

Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial e à apelação.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

ADUANEIRO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS. AUSÊNCIA DO MANIFESTO DE CARGA.  REGULARIZAÇÃO. PENA DE PERDIMENTO. DESPROPORCIONALIDADE. REEXAME E RECURSO DESPROVIDOS.

- Não obstante a previsão legal contida na norma, a análise do caso demonstra que a aplicação da pena de perdimento e da multa configuram sanções incompatíveis com os fins sociais da norma ou às exigências do bem comum, nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 4.657/42 (LINDB), pois, lavrado o auto de infração, a recorrente apresentou no dia seguinte todos os esclarecimentos e a documentação necessária para regularização junto à alfandega.

- A aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade tem como objetivo a solução do conflito existente entre direitos fundamentais. No caso, a proteção à sociedade, tutelada pelo direito aduaneiro, a aplicação da pena de perdimento, se mostra em desequilíbrio com o direito ao desenvolvimento da atividade econômica praticada pela recorrente, na medida a sanção representa um excesso da ação estatal que extrapola a tutela do bem jurídico, pois da análise dos autos, verifica-se que não houve a intenção de introdução clandestina de bens, sonegação de impostos ou qualquer dano ao erário que a justifique. Precedentes desta Corte.

- Remessa oficial e apelação desprovida.

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausente, justificadamente, em razão de férias, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.