Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5148510-83.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: L. R. S. R.
REPRESENTANTE: MARIVALDO PEREIRA RODRIGUES, AUDREA ROBERTA APARECIDA DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: ALLAN DONIZETE SANTOS - SP389474-N,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5148510-83.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: L. R. S. R.
REPRESENTANTE: MARIVALDO PEREIRA RODRIGUES, AUDREA ROBERTA APARECIDA DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: ALLAN DONIZETE SANTOS - SP389474-N,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Requer a concessão do AMPARO AO DEFICIENTE NB 7032388150 à parte autora, desde 09.11.2017” (ID 178880039 - Pág. 15, grifos meus).

Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.

O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício requerido a partir do requerimento administrativo (7/6/17). Determinou o pagamento das parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária e de juros de mora. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença. Concedeu a tutela antecipada.

Inconformado, apelou o INSS, alegando em síntese:

Preliminarmente:

- o recebimento do recurso no duplo efeito e

- a nulidade da sentença por ser ultra petita, tendo em vista que o termo inicial do benefício foi fixado em data anterior àquela pleiteada na exordial.

No mérito:

- a improcedência do pedido, sob o fundamento de que não ficou comprovado nos autos o impedimento do exercício de atividade laborativa de longo prazo, tendo em vista que “o perito afirmou e reafirmou que o Autor não possui "retardo mental" e "não apresenta doença incapacitante atual", aduzindo que a hipertensão, por si só, não determina incapacidade atual” (ID 178880234 - Pág. 5).

- Caso não seja esse o entendimento, pleiteia a devolução dos valores recebidos a título de tutela antecipada.

Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.

Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo desprovimento da apelação.

É o breve relatório.

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5148510-83.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: L. R. S. R.
REPRESENTANTE: MARIVALDO PEREIRA RODRIGUES, AUDREA ROBERTA APARECIDA DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: ALLAN DONIZETE SANTOS - SP389474-N,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Primeiramente, não há que se falar em sentença ultra petita, tendo em vista o evidente erro de digitação constante da inicial, na qual indica a data do requerimento administrativo do benefício de AMPARO AO DEFICIENTE NB 7032388150”, em 09.11.2017, sendo que, in casu, o documento ID 178880048 - Pág. 1 revela que o pedido de concessão do benefício foi formulado em 7/6/17.

No que tange à devolutibilidade do apelo do INSS, entendo não merecer reforma o R. decisum.

Isso porque, nos termos do art. 520, inc. VII, do CPC/73 (atual art. 1.012, §1º, V, do CPC/15), a apelação deverá ser recebida em ambos os efeitos, exceto quando confirmar a tutela provisória, hipótese em que, nesta parte, será recebida apenas no efeito devolutivo. Neste contexto, é importante frisar que nenhuma diferença existe - não obstante os esforços dos "intérpretes gramaticais" do texto legal - entre provimento que confirma a tutela e provimento que concede a tutela. Em tal sentido é cristalina a lição de Cândido Dinamarco, in verbis: "O inc. VII do art. 520 do Código de Processo Civil manda que tenha efeito somente devolutivo a sentença que "confirmar a tutela", donde razoavelmente se extrai que também será somente devolutiva a sentença que conceder a tutela, na medida do capítulo que a concede; os capítulos de mérito, ou alguns deles, poderão ficar sujeitos a apelação com efeito suspensivo, desde que esse efeito não prejudique a efetividade da própria antecipação" (in "Capítulos de Sentença", p. 116, Malheiros Editores, 2002, grifos meus).

Passo, então, ao exame do mérito.

Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:

 

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)

 

Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de 7/12/1993.

Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da Assistência Social supramencionada.

Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.

Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.

No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida independente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."

No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.

No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:

 

"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.

A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.

Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'.

O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.

 Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.

Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.

O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.

Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.

5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."

(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/13)

 

Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial."

Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:

 

"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).

4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável.

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar

7. Recurso Especial provido."

(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09, v.u., DJ 20/11/09)

 

Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.

Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.

Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.

Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in verbis:

 

"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.

I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.

II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.

III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e faz uso diário de medicamentos.

IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita.

V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.

VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o rol dos beneficiários descritos na legislação.

VII - Embargos infringentes não providos."

(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de 05/10/04, grifos meus)

 

Passo à análise do caso concreto.

In casu, a alegada incapacidade do autor - com 11 anos na data do ajuizamento da ação, em 8/2/19 - ficou plenamente caracterizada no presente feito. Não obstante a conclusão do laudo pericial de que não há “doença incapacitante atual” (ID 178880081 - Pág. 5 e ID 178880206 - Pág. 2), os documentos acostados aos autos demonstram que o demandante é portador de retardo mental leve com comprometimento do comportamento, transtorno opositor e desafiador (ID 178880174 - Pág. 7) e obesidade mórbida, encontrando-se incapacitado para o trabalho.

Como bem asseverou o Juízo a quo, “Ainda que o laudo pericial de fls. 79/86 não ateste a deficiência do autor, conforme conclusão de fl. 83, a vasta documentação médica juntada às fls. 130 (deficiência intelectual leve CID F70), 153 (retardo mental leve CID F70.1, com comprometimento do comportamento), 155 (retardo mental CID F791), 274 (retardo mental) e fls. 320/332 (retardo mental leve com comprometimento de comportamento CID F70.1) é apta a comprovar a situação de incapacidade do autor. Nesse sentido, apesar de o laudo pericial constar que o autor não tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, concluiu-se que o autor é portador de retardo mental leve, tendo dificuldades de aprendizado na escola e em sua rotina diária. Analisando todo o conjunto pericial e social, resta claro e comprovado que o autor e sua família vivem em condições bem simples e que se trata de pessoa menor impúbere, não tendo idade para trabalhar e, ante sua deficiência, a inserção no mercado de trabalho é uma possibilidade distante da realidade do autor” (ID 178880222 - Pág. 3).

A Ilustre Representante do parquet Federal, por sua vez, asseverou que No caso dos autos, restou demonstrado que o autor possui impedimentos de longo prazo que obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, configurando a hipótese do art. 20, §2º, da Lei nº 8.742/93. O laudo médico pericial acostado à ID Num. 178880081 - Pág. 1 e complementado à ID Num. 178880206 - Pág. 1 concluiu que o autor, com 11 anos de idade à época do laudo, possui quadro de deficiência intelectual e obesidade. No entanto, ao observar o conjunto probatório e especialmente a avaliação psicológica da APAE à ID Num. 178880149 - Pág. 1, restam comprovadas as dificuldades enfrentadas pelo autor em sua rotina diária. Isso porque, conforme atesta a supramencionada avaliação psicológica, o autor apresenta problemas de aprendizagem, compulsão alimentar e episódios de agressividade (ID Num. 178880149 - Pág. 2). Ademais, os resultados dos testes demonstram que ele possui um índice de maturidade social bem abaixo de sua idade cronológica, bem como outros resultados abaixo da média em escalas que avaliam habilidades sociais e inteligência não verbal (ID Num. 178880149 - Pág. 6 a Pág. 14). Conclui a referida avaliação que o autor “está no seu mundo pessoal de necessidades básicas e totalmente despreparado para adentrar o mundo comunitário” (ID Num. 178880149 - Pág. 10), o que corrobora com o transtorno opositor desafiador (HD F91.3). Nesta oportunidade, apesar de entenderem ser importante o desenvolvimento de suas habilidades intelectuais, optaram por sugerir a “Internação imediata de Leonardo para tratamento para a obesidade e todos os outros problemas clínicos apresentados (mesmo que de forma compulsória)” (ID Num. 178880149 - Pág. 13) Como se vê, é nítido que o autor é portador de deficiência de modo a fazer jus à concessão do benefício (ID 192854205 - Pág. 11, grifos meus).

Conforme documento de ID 178880048 - Pág. 1, a parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa portadora de deficiência em 7/6/17, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).

Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.

Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação.

É o meu voto.



E M E N T A

 

 

ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SENTENÇA ULTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.

I- Primeiramente, não há que se falar em sentença ultra petita, tendo em vista o evidente erro de digitação constante da inicial, na qual indica a data do requerimento administrativo do benefício de AMPARO AO DEFICIENTE NB 7032388150”, em 09.11.2017, sendo que, in casu, o documento ID 178880048 - Pág. 1 revela que o pedido de concessão do benefício foi formulado em 7/6/17.

II- No que tange à devolutibilidade do apelo do INSS, não merece reforma o R. decisum. Isso porque, nos termos do art. 520, inc. VII, do CPC/73 (atual art. 1.012, §1º, V, do CPC/15), a apelação deverá ser recebida em ambos os efeitos, exceto quando confirmar a tutela provisória, hipótese em que, nesta parte, será recebida apenas no efeito devolutivo.

III- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.

IV- In casu, a alegada incapacidade do autor - com 11 anos na data do ajuizamento da ação, em 8/2/19 - ficou plenamente caracterizada no presente feito. Não obstante a conclusão do laudo pericial de que não há “doença incapacitante atual” (ID 178880081 - Pág. 5 e ID 178880206 - Pág. 2), os documentos acostados aos autos demonstram que o demandante é portador de retardo mental leve com comprometimento do comportamento, transtorno opositor e desafiador (ID 178880174 - Pág. 7) e obesidade mórbida, encontrando-se incapacitado para o trabalho.  Como bem asseverou o Juízo a quo, “Ainda que o laudo pericial de fls. 79/86 não ateste a deficiência do autor, conforme conclusão de fl. 83, a vasta documentação médica juntada às fls. 130 (deficiência intelectual leve CID F70), 153 (retardo mental leve CID F70.1, com comprometimento do comportamento), 155 (retardo mental CID F791), 274 (retardo mental) e fls. 320/332 (retardo mental leve com comprometimento de comportamento CID F70.1) é apta a comprovar a situação de incapacidade do autor. Nesse sentido, apesar de o laudo pericial constar que o autor não tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, concluiu-se que o autor é portador de retardo mental leve, tendo dificuldades de aprendizado na escola e em sua rotina diária. Analisando todo o conjunto pericial e social, resta claro e comprovado que o autor e sua família vivem em condições bem simples e que se trata de pessoa menor impúbere, não tendo idade para trabalhar e, ante sua deficiência, a inserção no mercado de trabalho é uma possibilidade distante da realidade do autor” (ID 178880222 - Pág. 3). A Ilustre Representante do parquet Federal, por sua vez, asseverou que No caso dos autos, restou demonstrado que o autor possui impedimentos de longo prazo que obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, configurando a hipótese do art. 20, §2º, da Lei nº 8.742/93. O laudo médico pericial acostado à ID Num. 178880081 - Pág. 1 e complementado à ID Num. 178880206 - Pág. 1 concluiu que o autor, com 11 anos de idade à época do laudo, possui quadro de deficiência intelectual e obesidade. No entanto, ao observar o conjunto probatório e especialmente a avaliação psicológica da APAE à ID Num. 178880149 - Pág. 1, restam comprovadas as dificuldades enfrentadas pelo autor em sua rotina diária. Isso porque, conforme atesta a supramencionada avaliação psicológica, o autor apresenta problemas de aprendizagem, compulsão alimentar e episódios de agressividade (ID Num. 178880149 - Pág. 2). Ademais, os resultados dos testes demonstram que ele possui um índice de maturidade social bem abaixo de sua idade cronológica, bem como outros resultados abaixo da média em escalas que avaliam habilidades sociais e inteligência não verbal (ID Num. 178880149 - Pág. 6 a Pág. 14). Conclui a referida avaliação que o autor “está no seu mundo pessoal de necessidades básicas e totalmente despreparado para adentrar o mundo comunitário” (ID Num. 178880149 - Pág. 10), o que corrobora com o transtorno opositor desafiador (HD F91.3). Nesta oportunidade, apesar de entenderem ser importante o desenvolvimento de suas habilidades intelectuais, optaram por sugerir a “Internação imediata de Leonardo para tratamento para a obesidade e todos os outros problemas clínicos apresentados (mesmo que de forma compulsória)” (ID Num. 178880149 - Pág. 13) Como se vê, é nítido que o autor é portador de deficiência de modo a fazer jus à concessão do benefício (ID 192854205 - Pág. 11).

V- Conforme documento de ID 178880048 - Pág. 1, a parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa portadora de deficiência em 7/6/17, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).

VI- Matéria preliminar rejeitada. No mérito, apelação improvida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.