APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007490-92.2020.4.03.6102
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: GERALDO CARLOS ALVES
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007490-92.2020.4.03.6102 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: GERALDO CARLOS ALVES APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Apelação Criminal interposta por GERALDO CARLOS ALVES, contra a r. sentença proferida pelo Exmo. Juiz Federal Peter de Paula Pires (5ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP), que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação penal para: a) reiterar a r. sentença proferida pelo Juízo Estadual na parte em que ABSOLVEU o réu da acusação de apropriação indébita do valor levantado na ação do processo com controle n. 698-2012 (Comarca de Sertãozinho); b) CONDENAR o réu como incurso nos arts. 168, caput, e 304 (combinado com 298), todos do Código Penal, às penas de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e de 13 (treze) dias-multas, para a apropriação indébita, e 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multas, para o uso do documento falso, respectivamente, na forma do art. 69 do mesmo diploma legal, em regime inicial de cumprimento ABERTO, tendo sido arbitrado o valor de cada dia-multa em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo em vigor na data de cada fato. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos consistentes em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos a ser revertida para instituição de amparo a idosos carentes especificada na execução, e prestação de serviços à comunidade, que se estenderá pelo período correspondente à pena substituída; c) CONDENAR o réu a restituir à vítima da apropriação indébita o total do valor que cabia a ela, corrigido monetariamente e acrescido de juros de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação nesta ação penal; d) CONDENAR o réu ao pagamento de 2/3 (dois terços) das custas processuais. O Ministério Público do Estado de São Paulo ofereceu denúncia em face de GERALDO CARLOS ALVES, nascido em 20.12.1946, narrando que (fls. 157/159): Consta do incluso inquérito policial que GERALDO CARLOS ALVES, advogado, inscrito na OAB/SP sob o nº 282.111, melhor qualificado às fls. 117/118, atuou como advogado de CRISTINA MARIA DA SILVA, qualificada às fls. 19, em duas ações da esfera cível, sendo certo que apropriou-se indevidamente, em razão de sua função, de valor proveniente destas ações e fez uso de documento falso com intuito de justificar tal apropriação. Na primeira ação, em 14/09/2012, nesta cidade e comarca de Sertãozinho, em local incerto, o acusado apropriou-se de R$ 1.000,00 – mil reais – da seguinte forma: É dos autos que, no processo de 597.01.2012.003662, controle 698/2012, Juizado Especial, em face de BV financiamento, no qual o indiciado atuava como advogado da vítima, celebrou-se acordo entre as partes, totalizando R$3028.62 (três mil e vinte oito reais e sessenta e dois centavos) a serem devolvidos para sua cliente, ora vítima. Contudo, o valor acordado foi depositado na conta corrente do acusado que, ao invés de repassar o valor devido para a vítima, o fez a menor, repassando, apenas, R$ 1.000,00 (mil reais), entregando, tal quantia, para o irmão da mesma; a diferença que a esta cabia, de mais (R$ 1.000,00) mil reais, ele apropriou indevidamente. Neste feito, o acusado obteve “recibo” de quitação assinado por terceiro, estranho à lide – irmão da ofendida (fls.37/41). Seguindo, já na ação judicial 0003661- 25.2012.8.26.0597, controle 697/2012, em face de Banco Itaucard S/A, a vítima obteve ganho de causa, com saldo a ser-lhe pago no valor de R$ 3.084,90 (três mil, oitenta e quatro reais, e noventa centavos) para 31 de maio de 2016. Todavia, agindo de igual modo, em 31/05/2016, ao invés de repassar-lhe o valor, em razão do seu oficio, inverteu o ânimo da posse, obteve alvará de levantamento, e apropriou-se do numerário, nesta cidade e comarca, nas dependências da agencia bancária do Fórum local, em 31/05/2016, conforme folhas 28/29. Documentos alusivos a esta ação – fls.03/09. A vítima ofertou representação junto à Ordem dos Advogados (fls.25) sobre tais fatos. Deste modo, para sustentar versão contraria à da vítima, o advogado apresentou documento (fls. 30 e 105), para demonstrar sua ilibada conduta perante Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, recibo, supostamente assinado por Cristina, de quitação do valor pago. Assim, em 17/04/2017, nesta cidade e comarca de Sertãozinho, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil local, o acusado, na qualidade de advogado, fez uso deste documento particular. Confeccionada pericia grafotécnica, vez que a vítima assentou tratar-se de falsidade o quanto nele, recibo, revelado, o laudo pericial que se seguiu, às fls. 99/104, concluiu que a rubrica e assinatura periciada não exarou do punho de Cristina, muito embora esclareça também não ser proveniente do indiciado. O valor de R$3.084.49 resgatado pelo advogado fica demonstrado por documento acostado às fls. 29. Assim, o acusado apropriou-se de valores que tinha a posse, em razão do oficio, em 14 de setembro de 2012; uma segunda vez, em 31 de maio de 2016 e, por fim, fez uso de documento particular falso em 17 de abril de 2017, para justificar e esconder sua conduta anterior ilícita. Ante o exposto, o Ministério Público denuncia a Vossa Excelência GERALDO CARLOS ALVES como incurso nos artigos 168, caput, com incidência da causa de aumento de pena do § 3º, por duas vezes, e 304 c.c. 298, na forma do artigo 69, caput, tudo do Código Penal, e requeiro o recebimento da presente denúncia e andamento da instrução processual, citando e interrogando o denunciado, ouvindo-se a vítima e as testemunhas abaixo arrolada, prosseguindo-se até final decisão condenatória. (...) A denúncia foi recebida no Juízo Estadual em 18.02.2019 (fls. 161/162). A sentença proferida em audiência de 18.11.2019 (fls. 300/306) foi anulada por decisão colegiada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP, em virtude de incompetência “ratione materiae”, tendo sido determinada a remessa dos autos à Justiça Federal de primeira instância competente (fls. 344/351). Em despacho de 13.11.2020, o MM. Juízo Federal ratificou todos os atos praticados na Justiça Estadual e determinou a ciência das partes quanto à redistribuição do feito à Justiça Federal (ID 178860799). A sentença proferida na instância a quo foi publicada em 07.04.2021 (ID 178860843). Aos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal (ID 178860853) foi dado provimento para retificar o erro material contido no dispositivo da sentença e, assim, declarar que as penas aplicáveis quanto à condenação por apropriação indébita são de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e de 13 (treze) dias-multa (ID 178860854). O réu interpôs recurso de Apelação (ID 178860864), alegando, preliminarmente, a nulidade dos atos processuais praticados pelo Juízo Estadual, incompetente, por ofensa ao princípio constitucional do juiz natural, devendo os autos retornarem à fase de instrução para que todos os atos processuais sejam novamente realizados pelo juízo competente. No mérito, requer sua absolvição, porquanto não demonstradas a autoria e materialidade delitivas, assim como o dolo. Subsidiariamente, aduz a redução do valor da prestação pecuniária, bem como o reconhecimento dos benefícios da justiça gratuita com a consequente suspensão da exigibilidade das custas processuais. Em contrarrazões, a acusação manifesta-se pelo provimento do apelo somente no que diz respeito ao pleito de reforma do valor da prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade (ID 178860867). Nesta instância, a Procuradoria Regional da República ofertou parecer no qual opina pela declaração da nulidade do processo, de ofício – e de forma urgente, a fim de evitar risco prescricional –, tendo em vista a ausência de ratificação da denúncia pelo órgão ministerial atuante em primeira instância, com a devolução dos autos ao Juízo Federal a quo para a retomada da marcha processual a partir do ponto em que encaminhado o feito à Justiça Federal, bem como pelo não conhecimento do apelo do réu (ID 190187076). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007490-92.2020.4.03.6102 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: GERALDO CARLOS ALVES APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: O Ministério Público do Estado de São Paulo ofereceu denúncia em face de GERALDO CARLOS ALVES, como incurso nos artigos 168, caput, e 304 c.c. 298, na forma do artigo 69, caput, todos do Código Penal (fls. 157/159). A sentença proferida no Juízo Estadual foi anulada por decisão colegiada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP, em virtude de incompetência “ratione materiae”, tendo sido determinada a remessa dos autos à Justiça Federal de primeira instância competente (fls. 344/351). Redistribuído o feito à Justiça Federal, o MM. Juízo Federal ratificou todos os atos praticados na Justiça Estadual (ID 178860799): Ciência ao Ministério Público Federal e à Defensoria Pública da União da redistribuição dos autos a esta 5ª Vara Federal, e para que requeiram o que for de seu interesse para prosseguimento do feito, no prazo de 10 (dez) dias. Ratifico todos os atos praticados. Em cumprimento ao despacho, o Parquet Federal manifestou-se nos seguintes termos: Em atenção ao despacho ID 41690486, que determinou a abertura de vista ao MPF para que requeresse o que de direito (em razão de ter havido o declínio de competência da justiça estadual para a federal e de o juízo federal ter ratificado todos os atos praticados pelo estadual), este órgão ministerial passa a se manifestar nos seguintes termos. Pois bem. A Defensoria Pública da União (DPU), que está promovendo a defesa do acusado GERALDO CARLOS ALVES, apresentou manifestação com o seguinte teor: 'Em 18/11/2019 foi proferida sentença condenatória pela Comarca de Sertãozinho/SP, condenando o acusado a uma pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, regime inicial aberto, e ao pagamento de 23 (vinte e três) dias-multa, no piso, substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, por incurso nos artigos 168, § 1º, III, e 304 c.c. 298, na forma do art. 69, caput, todos do Código Penal. Ocorre que o sentenciado, inconformado, interpôs apelação, sendo que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a existência da nulidade da sentença por incompetência do Juízo, com consequente determinação de remessa dos autos para a Justiça Federal. Nesse sentido, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LIII, prevê como garantia o direito de ser processado perante juiz competente. Além disso, o princípio do juiz natural reflete perante todo o ordenamento jurídico. Assim, o art. 567 do Código de Processo Penal deve ser interpretado em consonância com o princípio retro. Vale colacionar entendimento já proferido pelo E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: (...) (TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 2666 - 0015356-83.1989.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SYLVIA STEINER, julgado em 05/11/1996, DJ DATA:11/12/1996 PÁGINA: 95907 – grifo nosso) Resta evidente que a competência absoluta (ratione materiae) não se coaduna com a ideia de aproveitamento de atos processuais proferidos por Juízo incompetente. Pelo exposto, requer-se o reconhecimento da nulidade de todos os atos processuais praticados pelo Juízo incompetente, a fim de se garantir o efetivo cumprimento do princípio constitucional do juiz natural. Com o acolhimento do pleito de nulidade, mister se faz que o processo retorne à fase de instrução para que todos os atos processuais sejam novamente realizados pelo juízo competente. (...)' Em que pesem os argumentos apresentados pela defesa do acusado, o art. 563 do CPP prevê que ‘nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação e para a defesa’. (...) No presente caso, a defesa apontou, de modo genérico, haver nulidade, sinalizando que o reconhecimento de incompetência absoluta automaticamente geraria a nulidade de todos os atos praticados. Todavia, como se viu, essa não é a posição do Código de Processo, do STF, do STJ e de respeitável doutrina. Com a devida vênia, cabe mencionar que o julgado indicado na manifestação da defesa é bastante antigo: ano de 1996. Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, como medida de cautela, requer seja a defesa intimada a apontar prejuízo concreto que justifique a eventual repetição dos atos processuais praticados. Caso não ocorra tal apontamento ou o prazo decorra ‘in albis’, pugna-se pela ratificação dos atos praticados, nos moldes proficuamente determinados no despacho ID 41690486. (grifei) Assiste razão à Procuradoria Regional da República quanto à necessidade do órgão acusatório federal ter ratificado a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual, conforme consta no parecer apresentado: Esta Procuradoria Regional da República na 3ª Região observa a necessidade de examinar-se, de ofício, tema preliminar relativo à regularidade procedimental do processo, cuja apreciação pode resultar na identificação de vício que levará o apelo defensivo a não ser conhecido. Os presentes autos vieram da Justiça Estadual após o reconhecimento da competência federal pela 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (ID 178860798, págs. 12/19), quando foi, então, distribuído para o Juízo da 5ª Vara Federal de Ribeirão Preto – SP. Ali, o magistrado federal a quo, em sua primeira manifestação, diretamente ratificou todos os atos praticados na Justiça Estadual para, após, dar ciência ao MPF e à DPU sobre a redistribuição dos autos, oportunidade em que deveriam requerer o que fosse do seu interesse para o prosseguimento do feito. (...) A DPU, então, requereu o ‘reconhecimento da nulidade de todos os atos processuais praticados pelo Juízo incompetente, a fim de se garantir o efetivo cumprimento do princípio constitucional do juiz natural’ (ID 178860802, pág. 03), tendo-se o MPF ocupado de discutir a possibilidade ou não de ratificação dos atos instrutórios pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Ribeirão Preto – SP (IDs 178860803 e 178860821). Daí se verifica que o órgão ministerial atuante em primeira instância não se manifestou em tempo algum pela ratificação da denúncia ofertada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, o que era indispensável para o início da ação penal perante o Juízo Federal competente e a ratificação, por sua vez, do recebimento da denúncia e dos atos instrutórios da presente ação penal. Nesse sentido se põe a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como evidencia o seguinte precedente (destaques diferem do original): RECURSOS ESPECIAIS. PROCESSUAL PENAL. OFENSA. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. VIA INADEQUADA. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. HC N. 111.152/RJ. DECISÃO. DESRESPEITO INEXISTENTE. CONEXÃO. VERIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECLARAÇÃO DE ILICITUDE. INEXISTÊNCIA. COISA JULGADA. VIOLAÇÃO. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A via especial, por se destinar à uniformização da interpretação do direito federal infraconstitucional, não se presta à análise da alegação de ofensa a dispositivos da Constituição da República. 2. O acórdão recorrido não possui as omissões e contradições apontadas, pois apreciou a controvérsia em sua inteireza, apenas adotando conclusão em sentido oposto ao defendido pelos recorrentes, inexistindo, portanto, ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal. 3. A ordem concedida por esta Corte Superior no HC n. 111.152/RJ teve por escopo preservar a competência da Justiça Federal para se manifestar sobre a existência ou não de interesse federal na ação penal, uma vez que toda ela estava se desenvolvendo na Justiça estadual, não obstante a peça acusatória imputasse a prática de delitos a policiais rodoviários federais, no exercício da função. Tal decisão, entretanto, não impedia que os entes federais responsáveis pela persecução penal avaliassem e concluíssem pela existência ou não do interesse federal nos fatos apurados, uma vez que ainda não se haviam manifestado sobre a questão. 4. Antes que houvesse a manifestação do Juízo Federal sobre a presença do interesse federal no processamento da ação penal, era necessária a ratificação da peça acusatória pelo órgão acusatório com atribuição para atuar na Justiça Federal, no caso, o Ministério Público Federal. Não se trata se submeter a eficácia da decisão do HC n. 111.152/RJ a uma condição, mas apenas de etapa que era imprescindível para o cumprimento da ordem nele concedida, mesmo porque, sem a ratificação da peça acusatória pelo Parquet federal, não haveria ato processual apto a dar início à ação penal perante o Juízo Federal, impossibilitando, inclusive, a manifestação deste acerca da presença do interesse federal. 5. Situação concreta em que o Parquet federal não ratificou a denúncia, pois chegou à compreensão dos fatos diversa daquela a que chegara o órgão acusatório estadual, entendendo não haver associação de vontades ou a formação de quadrilha entre os policiais rodoviários federais e os policiais civis, mas, que, na verdade, formavam eles grupos criminosos distintos que disputavam entre si a prática dos ilícitos. Por essa razão, ofereceu outra denúncia apenas em relação aos policiais rodoviários federais e, quanto aos policiais civis, manifestou-se pela devolução dos autos ao Juízo estadual, pela ausência de interesse federal. O Juízo de primeiro grau acatou a manifestação ministerial e, em recurso em sentido estrito defensivo, o Tribunal Regional Federal manteve a decisão. 6. Para afastar a conclusão a que chegaram o Juízo de primeiro grau e o Tribunal a quo, qual seja, a de que não havia a conexão e, particularmente, a formação de quadrilha entre os policiais civis e os policiais rodoviários federais, haveria necessidade de reexame de matéria fático-probatória, vedado pela Súmula 7/STJ. 7. Insubsistência do fundamento fático que determinou a remessa dos autos à Justiça Federal, no HC n. 111.152/RJ, tendo em vista que os policiais rodoviários federais não estão mais incluídos no polo passivo da ação penal que se iniciou perante o Juízo estadual. 8. É descabido falar em decisão lastreada em provas ilícitas, em ofensa à coisa julgada, em reformatio in pejus ou em nulidade por fundamentação per relationem. No HC n. 111.152/RJ, em nenhum momento se debateu a validade dos atos investigatórios, em particular, das interceptações telefônicas deferidas pelo Juízo estadual, mas apenas a competência deste para a prática dos atos posteriores ao oferecimento da denúncia, inclusive a decretação da prisão preventiva. 9. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa extensão, improvidos. (REsp 1324224/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 26/10/2015) Assim, constata-se a irregularidade no processamento da presente ação penal perante o Juízo da 5ª Vara Federal de Ribeirão Preto – SP, sendo de rigor a declaração de nulidade do processo, com a devolução dos autos ao Juízo Federal a quo para a retomada da marcha processual a partir do ponto em que encaminhados à Justiça Federal. Embora o Ministério Público seja instituição una e indivisível, nos termos do art. 127, § 1º, da Constituição Federal, e cada um de seus membros o represente como um todo, há de ser observado o princípio do promotor natural, cabendo o oferecimento da denúncia por quem investido na respectiva atribuição previamente definida em lei. É certo que reconhecida a incompetência do juízo para processar o feito, o promotor natural poderá ratificar a denúncia anteriormente apresentada, aditá-la ou ainda oferecer nova peça. Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que tanto a denúncia quanto o seu recebimento emanados de autoridades incompetentes são ratificáveis no juízo competente, bem como os atos instrutórios. É o que preconizam os artigos arts. 108, § 1º (Se, ouvido o Ministério Público, for aceita a declinatória, o feito será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o processo prosseguirá), 567 (A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente) e 568 (A nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser a todo tempo sanada, mediante ratificação dos atos processuais) do Código de Processo Penal. No entanto, apesar de inexistir óbice à ratificação da denúncia, esta deve ocorrer de forma expressa. Assim, no caso dos autos, para prosseguimento do feito na esfera federal, era imprescindível a ratificação da peça acusatória pelo Ministério Público Federal, órgão acusatório com atribuição para atuar na Justiça Federal. Além do precedente citado no parecer da Procuradoria Regional da República, transcrevo trecho do voto proferido pela Relatora Ministra Eliana Calmon na APn 689/BA, STJ, Corte Especial, julgada em 17.12.2012, DJe 15.03.2013, no mesmo sentido: A partir do momento em que houve modificação de competência para o processo e julgamento do feito, pela presença do Conselheiro no polo ativo, o qual goza de foro especial, a denúncia oferecida pelo parquet estadual somente poderia ser examinada por esta Corte, se ratificada fosse pelo MPF (por meio do Procurador-Geral e/ou dos Subprocuradores-Gerais da República), órgão que, nos termos dos arts. 47,§ 1°, 66 da LC nº 35/79 e dos arts. 61 e 62 do RISTJ (abaixo transcritos), tem legitimidade para atuar perante o STJ (...). O posicionamento jurisprudencial do STJ está em sintonia com a doutrina, como leciona Eugenio Pacelli de Oliveira ao tratar do princípio do promotor natural, orientação aplicável mutatis mutandis à hipótese em exame: Para simplificar a abordagem, tenha-se em mente a seguinte questão: tendo um Juiz de Direito declinado de sua competência para o Juiz Federal, poderia este receber a peça acusatória subscrita por Promotor de Justiça sem remeter os autos ao Procurador da república que oficia perante o juízo federal? A nosso aviso, a resposta negativa se impõe, por manifesta violação do princípio do promotor natural, tendo em vista que esse é o órgão cuja legitimação para a causa decorre de atribuições previstas na própria Constituição, tal como ocorre com a competência do juiz natural. Enquanto no âmbito do Judiciário o princípio do juiz natural informa-se pela distribuição de jurisdição, segundo a matéria e segundo a função exercida pelo réu, em relação ao Ministério Público, a fixação do promotor natural tem em vista a distribuição constitucional das atribuições, também segundo a matéria e a função. (Curso de processo penal. 16. ed. P. 464). Com essas considerações, rejeito a denúncia, por ilegitimidade ativa do Ministério Público do Estado da Bahia, nos termos do art. 395, II, do Código de Processo Penal. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por acolher o parecer da Procuradoria Regional da República e, DE OFÍCIO, declarar a nulidade do processo, com a devolução dos autos ao Juízo Federal a quo para a retomada do feito a partir da sua redistribuição à Justiça Federal, e NÃO CONHECER o recurso da defesa, uma vez que prejudicado. É o voto.
E M E N T A
PENAL E PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA E USO DE DOCUMENTO FALSO. DENÚNCIA OFERECIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. RATIFICAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NECESSIDADE. NULIDADE DO PROCESSO DECLARADA DE OFÍCIO. APELAÇÃO DA DEFESA NÃO CONHECIDA.
1. Embora o Ministério Público seja instituição una e indivisível, nos termos do art. 127, § 1º, da Constituição Federal, e cada um de seus membros o represente como um todo, há de ser observado o princípio do promotor natural, cabendo o oferecimento da denúncia por quem investido na respectiva atribuição previamente definida em lei.
2. Reconhecida a incompetência do juízo para processar o feito, o promotor natural poderá ratificar a denúncia anteriormente apresentada, aditá-la ou ainda oferecer nova peça.
3. Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que tanto a denúncia quanto o seu recebimento emanados de autoridades incompetentes são ratificáveis no juízo competente, bem como os atos instrutórios.
4. Apesar de inexistir óbice à ratificação da denúncia, esta deve ocorrer de forma expressa. Assim, para prosseguimento do feito na esfera federal, era imprescindível a ratificação da peça acusatória pelo Ministério Público Federal, órgão acusatório com atribuição para atuar na Justiça Federal.
5. Parecer da PRR acolhido. Nulidade do processo declarada de ofício. Apelação da defesa não conhecida.