Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5008866-57.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

IMPETRANTE: COMPANHIA AUXILIAR DE ARMAZENS GERAIS

Advogados do(a) IMPETRANTE: ARTHUR SODRÉ PRADO - SP270849-A, DANIELLA MEGGIOLARO PAES DE AZEVEDO - SP172750-A, GUILHERME SERAPICOS RODRIGUES ALVES - SP358730-A, CONRADO GIDRÃO DE ALMEIDA PRADO - SP303058-A, CAMILA NICOLETTI DEL ARCO - SP378423-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS/SP - 6ª VARA FEDERAL
INTERESSADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5008866-57.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

IMPETRANTE: COMPANHIA AUXILIAR DE ARMAZENS GERAIS

Advogados do(a) IMPETRANTE: ARTHUR SODRÉ PRADO - SP270849-A, DANIELLA MEGGIOLARO PAES DE AZEVEDO - SP172750-A, GUILHERME SERAPICOS RODRIGUES ALVES - SP358730-A, CONRADO GIDRÃO DE ALMEIDA PRADO - SP303058-A, CAMILA NICOLETTI DEL ARCO - SP378423-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS/SP - 6ª VARA FEDERAL
INTERESSADO: UNIÃO FEDERAL

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de mandado de segurança impetrado por COMPANHIA AUXILIAR DE ARMAZÉNS GERAIS contra ato do Juízo Federal da 6ª Vara Federal de Santos/SP que, sem apreciar os argumentos apresentados pela Defesa em sede de resposta à acusação, teria ratificado o recebimento de denúncia considerada inepta e abusiva e dado prosseguimento à ação penal n. 0005454-64.2017.403.6104 em desfavor da impetrante.

Aduz a impetrante que foi denunciada pela prática dos crimes previstos no art. 33, caput, e no art. 54, caput e § 2º, II e V, todos da Lei nº 9.605/98, tendo em vista incêndio ocorrido nas instalações da impetrante, cujas causas são desconhecidas, sendo que no combate às chamas o volume de água jorrado, ao se misturar com o açúcar depositado nos armazéns, formou uma grande quantidade de efluentes líquidos que ultrapassou a barreira de contenção das instalações do Porto de Santos, vindo a causar significativa mortandade de peixes na região.

Alega que o pedido na denúncia é de condenação por crime omissivo praticado com dolo eventual por uma pessoa jurídica e esse tipo de pleito é juridicamente impossível e não encontra suporte na legislação, doutrina ou jurisprudência.

Aduz, ainda, que a inicial acusatória teria deixado de indicar qualquer omissão, ação, ou decisão da empresa, realizada ou adotada por pessoa física que à época dos fatos a representasse legal ou contratualmente, ou proveniente de colegiado formado por seus administradores ou diretores, conforme determinado na  Lei 9.605/98, em seu artigo 3º.

Tendo em vista que a ação penal em trâmite contra a impetrante carece de justa causa e se baseia em denúncia inepta, requer a concessão da segurança a fim de que seja trancado o processo nº 0005454-64.2017.403.6104. Caso assim não entenda este juízo, requer, alternativamente, seja declarada a nulidade do feito, por falta de fundamentação da decisão combatida, vez que não apreciou as teses ventiladas na fase do art. 396-A do CPP, em desacordo com o art. 93, IX, da Constituição.

Foram juntados documentos.

Considerando que não houve pedido liminar, foram requisitadas informações à autoridade impetrada, prestadas nos autos.

O Procurador Regional da República, Dr. Alvaro Luiz de Mattos Stipp, manifestou-se pela denegação da ordem.

Em Sessão de Julgamento, a Quinta Turma deste Tribunal decidiu, por maioria, denegar a segurança, nos termos do voto do Des. Fed. André Nekatschalow, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, no qual fui vencido ao conceder a segurança para declarar a inépcia da denúncia e trancar o processo-crime instaurado contra a impetrante, sem prejuízo de que fosse oferecida outra exordial, válida, restando prejudicado o pedido alternativo (certidão de julgamento id 4477486).

Interposto Recurso Ordinário contra o acórdão que denegou a segurança, o Superior Tribunal de Justiça conheceu em parte do recurso para, nessa extensão, cassar o acórdão proferido que denegou a segurança e determinou a esta Corte Regional o exame das teses sustentadas na impetração originária e não enfrentadas no acórdão recorrido, em observância aos arts. 315, § 2º, III, IV e V, do CPP e 93, IX, da Constituição Federal (RMS nº 61754-SP (2019/0260540-1) - id 163738821).

O pedido de tutela cautelar incidental formulado pela impetrante (id 164928613) para determinar a suspensão da audiência para proposição de acordo de não persecução penal, designada para o dia 27/07/2021, até que esta Corte Regional aprecie as teses iniciais suscitadas nesta impetração, foi indeferido.

Novas informações prestadas pelo juízo a quo (id 179025519) dão conta que foi redesignada audiência para apresentação do Acordo de Não Persecução Penal para 19/10/2021, tendo em vista manifestação do Ministério Público Federal que, em 13/08/2021, afirmou que o dano ambiental causado pela ré ainda não fora reparado, sendo essa uma condição essencial, legalmente imposta para a propositura do ANPP.

O Procurador Regional da República, Dr. Vinícius Fernando Alves Fermino, manifestou-se pela ratificação do parecer id 2972430, com acréscimo da manifestação id 182931966 pela denegação da ordem.

Em petição intercorrente id 192850923 a impetrante juntou manifestação sobre o parecer ofertado pelo Ministério Público Federal.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


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Advogados do(a) IMPETRANTE: ARTHUR SODRÉ PRADO - SP270849-A, DANIELLA MEGGIOLARO PAES DE AZEVEDO - SP172750-A, GUILHERME SERAPICOS RODRIGUES ALVES - SP358730-A, CONRADO GIDRÃO DE ALMEIDA PRADO - SP303058-A, CAMILA NICOLETTI DEL ARCO - SP378423-A

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V O T O

 

 

 

O artigo 1º da Lei 12.016/09, de 07/08/2009, que revogou a Lei 1.533/51, prevê a concessão de mandado de segurança “para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça” .

Na espécie, a pessoa jurídica de direito privado COMPANHIA AUXILIAR DE ARMAZÉNS GERAIS foi denunciada pela prática dos crimes previstos no art. 33, caput, e no art. 54, caput e § 2º, II e V, todos da Lei nº 9.605/98, tendo em vista incêndio ocorrido nas instalações da empresa impetrante. No combate às chamas o volume de água jorrado, ao se misturar com o açúcar depositado nos armazéns, formou uma grande quantidade de efluentes líquidos que ultrapassou a barreira de contenção das instalações do Porto de Santos, vindo a causar significativa mortandade de peixes na região.

A denúncia foi recebida pelo Juízo Federal da 6ª Vara Federal de Santos/SP.

Inconformada, a impetrante impetrou o presente mandado de segurança para trancamento da ação penal nº 0005454-64.2017.403.6104 sob a alegação de carência de justa causa e inépcia da denúncia, vez que o pedido constante da peça acusatória é de condenação por crime omissivo praticado com dolo eventual por uma pessoa jurídica e esse tipo de pleito é juridicamente impossível e não encontra suporte na legislação, doutrina ou jurisprudência.

Alega a impetrante que para apurar as causas e eventuais responsáveis pelo ocorrido foi instaurado inquérito pela Polícia Civil do Porto de Santos (procedimento nº 3014201-55.2013.826.0562) e após análise exaustiva o Ministério Público do Estado de São Paulo promoveu o arquivamento do feito, vez que teriam sido adotados todos os procedimentos necessários à segurança local, não podendo se afirmar que a empresa tenha, dolosamente, assumido o risco de causar o incêndio.

Em paralelo, a Polícia Federal instaurou inquérito para apurar a suposta prática dos delitos previstos nos arts. 33, caput e 54, caput, ambos da Lei 9.605/98, tendo em vista que a água utilizada pelo Corpo de Bombeiros, ao entrar em contato com o açúcar armazenado, formou uma calda grossa de açúcar que escoou para as águas do estuário e causou a mortandade de peixes.

Aduz que o objeto das investigações da Polícia Federal nunca foi apurar as causas do incêndio, não só em respeito à vedação do bis in idem, como pela fácil constatação de que não existe nexo causal entre o início do fogo e os danos ambientais, sendo que a mortandade dos peixes decorreu do combate ao fogo pelos Bombeiros, que, sacrificando peixes, conteve as chama e salvou vidas.

Relata que o Ministério Público Federal, em 29/05/2017 afirmou tratar-se de crime previsto no art. 54, § 1º (forma culposa), da Lei 9.605/98, vez que os danos ambientais apurados foram decorrência lógica do necessário combate ao incêndio, conforme laudo pericial das causas do incêndio, elaborado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Santos, a fim de apurar se houve dolo ou culpa da pessoa jurídica quanto ao incêndio.

Assevera que o laudo é inconclusivo, pois em nenhum momento os peritos indicaram a empresa como responsável pelo incêndio, dolosa ou culposamente, muito menos pelos danos ambientais ocorridos decorrentes do combate ao incêndio, corroborando, inclusive, com algumas considerações apontadas no exame pericial realizado anteriormente pelo Núcleo Técnico-Científico da Delegacia de Polícia Federal em Santos, não havendo negligência por parte da empresa.

Acrescenta que a acusação afirma ter havido omissão de providências necessárias para conter o fogo, mas em nenhum momento indica qual a decisão de representante legal ou órgão da empresa que chancelou ou determinou essa omissão penalmente relevante, afirmando, apenas que a manutenção preventiva dos aparelhos não foi realizada de forma satisfatória, além de não ter realizado adequado combate imediato ao incêndio na origem do mesmo.

Ressalta que o art. 3º da Lei 9.605/98 exige a identificação de setores e agentes internos da empresa determinantes na produção do ato ilícito, bem como se verifique se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva.

Destaca que a denúncia omite, principalmente, o fato que a impetrante possuía Projeto de Prevenção e Combate a Incêndio aprovado pelo Corpo de Bombeiros um mês antes do acidente, em setembro de 2013, com auto de vistoria confirmando que a empresa atende as “medidas de segurança contra incêndio previsto no regulamento de segurança contra incêndio”.

Diz que a empresa possuía um sistema de segurança contra incêndios moderno, o contava com os certificados ISO 9000, 14000 e 18000, equipe de brigadistas treinados de plantão, sensores de calor em todos os equipamentos de sua operação, além de sistema de manutenção periódica, plano de atendimento da CODESP e Plano de Emergência Individual.

Salienta que após a apresentação de resposta à acusação, a autoridade impetrada determinou o prosseguimento do feito, em decisão genérica, aqui apontada como ato coator, vez que não apreciou os argumentos defensivos, ignorando os arts. 395 e 397, do Código de Processo Penal.

Em Sessão de Julgamento, a Quinta Turma deste Tribunal decidiu, por maioria, denegar a segurança, nos termos do voto do Des. Fed. André Nekatschalow, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, no qual fui vencido ao conceder a segurança para declarar a inépcia da denúncia e trancar o processo-crime instaurado contra a impetrante, sem prejuízo de que fosse oferecida outra exordial, válida, restando prejudicado o pedido alternativo (certidão de julgamento id 4477486).

Interposto Recurso Ordinário contra o acórdão que denegou a segurança, o Superior Tribunal de Justiça conheceu em parte do recurso para, nessa extensão, cassar o acórdão proferido que denegou a segurança e determinou a esta Corte Regional o exame das teses sustentadas na impetração originária e não enfrentadas no acórdão recorrido, em observância aos arts. 315, § 2º, III, IV e V, do CPP e 93, IX, da Constituição Federal (RMS nº 61754-SP (2019/0260540-1) - id 163738821).

Passo ao julgamento do feito.

Não se tratando o presente caso de lesão ou ameaça de lesão ao direito de ir e vir, protegido por habeas corpus, conheço do mandamus, devendo, no mérito, ser concedida a segurança.

Não obstante ainda haja certa resistência doutrinária em aceitar a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, os Tribunais passaram a admiti-la sem maiores problemas.

O trancamento da ação penal na via eleita somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.

No caso, verifica-se a inépcia da denúncia.

Com efeito, o art. 225, § 3º, da Constituição Federal prevê expressamente a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica por condutas lesivas ao meio ambiente. Ademais, a Lei nº 9.605/98 veio a consagrar tal possibilidade com a discriminação das penas a serem impostas às pessoas jurídicas. Assim, se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento e pratica atos no meio social, poderá a vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.

Conquanto a 1ª Turma do C. STF, por maioria, tenha afastado a teoria da dupla imputação no julgamento do RE nº 548.181/PR, em que admitiu a possibilidade de a pessoa jurídica figurar de forma isolada no polo passivo de ações penais, adoto entendimento diverso.

Registro que a meu ver, o artigo 3º da Lei n° 9.605/98, ao disciplinar o dispositivo constitucional prevê a hipótese de coautoria necessária, ou seja, não dissocia a responsabilidade da pessoa jurídica da decisão de seu representante legal, contratual ou colegiado, no interesse da sociedade, in verbis:

Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Observa-se que, mesmo que se traga à responsabilização penal e à aplicação de penas a pessoa jurídica, os atos da pessoa física não ficam dissociados do tipo penal e da relação de causalidade entre a conduta e o resultado.

Nesses termos, a responsabilização criminal da pessoa jurídica só será possível mediante o preenchimento de requisitos estabelecidos no art. 3º d Lei 9.605/98, ou seja, com descrição pormenorizada dos atos praticados pelos representantes legais ou órgãos colegiados, sob pena de faltar pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente.

O delito, nesse caso, é sempre de co-autoria necessária da pessoa física e jurídica. Vale dizer que, só se pode admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja também a imputação do delito à pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa) e, de alguma forma determinou a prática do ato causador do dano ambiental ao atuar em nome ou em benefício da pessoa jurídica.

Consoante leciona José Paulo Baltazar Junior "a lei brasileira adotou o sistema da dupla imputação ou da coautoria necessária, traduzida na obrigatória responsabilização das pessoas físicas ao lado das pessoas jurídicas, na medida de sua culpabilidade, com fundamento no parágrafo único do artigo 3° da LCA. Com efeito, exige-se que a denúncia seja simultânea para a pessoa jurídica e a pessoa física, ao argumento de que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age como elemento subjetivo próprio (STJ, REsp. 564960/SC, Dipp, 5ª T., 13.06.05)."

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME AMBIENTAL. ART. 54, § 2º, V, DA LEI 9.605/98. DUPLA IMPUTAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. DENÚNCIA INEPTA. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. Nos crimes ambientais, é necessária a dupla imputação, pois não se admite a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio.

2. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se dá provimento.

(STJ - Processo ROMS 201200492427 - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 37293 - Relator(a) LAURITA VAZ - QUINTA TURMA - DJE DATA: 09/05/2013);

No caso dos autos, a denúncia não preenche todos os requisitos exigidos pela norma especializada do art. 3º da Lei de Crimes Ambientais, já que oferecida apenas em desfavor da pessoa jurídica COMPANHIA AUXILIAR DE ARMAZÉNS GERAIS.

Assim, ao verificar que a denúncia não imputou a prática delitiva de qualquer crime à pessoa física relacionada à pessoa jurídica, mesmo que por atos comissivos por omissão, tendo apenas denunciado esta última, tenho como inepta a inicial acusatória ante a ausência da descrição pormenorizadas dos atos praticados pelos representantes legais, contratuais ou órgãos colegiados no interesse da sociedade, o que enseja o seu trancamento.

Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA para considerar inepta a denúncia e, por conseguinte, trancar o processo-crime nº 0005454-64.2017.403.6104 instaurado contra a impetrante, sem prejuízo de que seja oferecida nova exordial, desde que preenchidas as exigências legais, restando prejudicada as demais teses sustentadas na impetração.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 


MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5008866-57.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

IMPETRANTE: COMPANHIA AUXILIAR DE ARMAZENS GERAIS

Advogados do(a) IMPETRANTE: ARTHUR SODRÉ PRADO - SP270849-A, DANIELLA MEGGIOLARO PAES DE AZEVEDO - SP172750-A, GUILHERME SERAPICOS RODRIGUES ALVES - SP358730-A, CONRADO GIDRÃO DE ALMEIDA PRADO - SP303058-A, CAMILA NICOLETTI DEL ARCO - SP378423-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS/SP - 6ª VARA FEDERAL
INTERESSADO: UNIÃO FEDERAL

 

 

VOTO-VISTA

 

Desembargador Federal André Nekatschalow. Inicialmente, cumpre registrar o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Desembargador Federal Relator Mauricio Kato, salientando que o meu pedido de vista se assentou na necessidade de uma análise mais detida dos autos para formação de minha convicção.

Trata-se de mandado de segurança impetrado pela Companhia Auxiliar de Armazéns Gerais contra ato do Juízo da 6ª Vara Federal de Santos (SP), a fim de que seja trancada a Ação Penal n. 0005454-64.2017.4.03.6104 ou declarada a nulidade do feito, por falta de fundamentação da decisão impugnada.

Narra a impetração, em síntese, que a autoridade impetrada ratificou o recebimento de denúncia inepta e abusiva oferecida em desfavor da impetrante, deixando de apreciar os argumentos apresentados pela defesa em sede de resposta à acusação (Id n. 2532792). Aduz o seguinte:

a) a Companhia Auxiliar de Armazéns Gerais foi denunciada pela prática de crimes previstos no art. 33, caput, e no art. 54, caput e § 2º, II e V, todos da Lei n. 9.605/98, e o pedido ministerial é de condenação por crime omissivo praticado com dolo eventual por uma empresa, pleito juridicamente impossível e sem suporte na legislação, doutrina ou jurisprudência;

b) a acusação se funda em premissas completamente irracionais, no sentido de que a empresa teria se omitido na tomada de medida preventiva de incêndio, que os bombeiros combateriam as chamas com auxílio de barcos rebocadores que casualmente estariam ancorados, lançando água do mar nas chamas, que a companhia teria previsto que o volume de água lançado pelos bombeiros provocaria a formação de um rescaldo com o açúcar armazenado nos depósitos e que era possível prever, desde a não adoção de desconhecidas medidas de proteção a incêndios, que o rescaldo formado pela ação dos bombeiros acabaria escoando para o canal portuário para, por fim, desaguar no oceano e, consequentemente, poluir as águas e matar espécimes da fauna marinha;

c) no âmbito civil, o Ministério Público pleiteia indenização milionária a despeito de já existir decisão judicial reputando não haver nexo causal entre a conduta ou atividade da ré e os danos ocorridos;

d) a denúncia contraria tudo o que as autoridades já disseram a respeito dos fatos apurados, incluindo-se o Tribunal de Justiça de São Paulo, o Instituto Nacional de Criminalística, o Instituto de Criminalística de São Paulo, o Ministério Público de São Paulo e o próprio Ministério Público Federal;

e) ficou registrado em laudos periciais que ocorreu um incêndio de grandes proporções nas instalações da impetrante, cujas causas são desconhecidas, e, durante o combate às chamas, os bombeiros determinaram aos barcos atracados no Porto que lançassem uma significativa quantidade de água do mar no terminal, no intuito de conter o incêndio, e a água, ao se misturar ao açúcar depositado nos armazéns, formou uma grande quantidade de efluentes líquidos, ultrapassando a barreira de contenção das instalações do Porto de Santos, sendo a provável causa da mortandade de espécimes da fauna marinha;

f) foi instaurado inquérito policial pela Polícia Civil do Porto de Santos para apurar os fatos, mas a perícia foi inconclusiva quanto à causa primária do incêndio, e o Ministério Público do Estado de São Paulo promoveu o arquivamento do feito;

g) a Polícia Federal resolveu apurar a suposta prática dos delitos previstos nos arts. 33, caput, e 54, caput, da Lei n. 9.605/98, em relação à mortandade de peixes provavelmente decorrente do escoamento da água utilizada no combate ao incêndio, e o Ministério Público Federal denunciou a impetrante pelos crimes previstos no art. 33, caput, e no art. 54, caput e § 2º, II e V, todos da Lei n. 9.605/98, ambos na modalidade dolosa;

h) a acusação conjectura ter havido “omissão” de providências necessárias para conter o fogo, mas em nenhum momento indica qual a decisão de representante legal ou órgão da empresa que chancelou ou determinou essa omissão penalmente relevante;

i) a inicial acusatória não especificou as circunstâncias do crime, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, e contrariou o contexto fático ao sugerir que medidas adotadas pela empresa seriam insuficientes ou ineficientes, omitindo as diversas medidas efetivamente adotadas pela empresa;

j) a inicial foi recebida e, mesmo após apresentação de resposta à acusação, o Juízo a quo determinou o prosseguimento do feito, em despacho genérico que não apreciou os argumentos defensivos, o qual é apontado como ato coator;

k) a denúncia não especifica quais seriam as pessoas envolvidas na decisão de não tomar medidas de prevenção contra o incêndio nem quais seriam essas medidas;

l) não há na denúncia menção a quais seriam as medidas de prevenção e combate a incêndio implantadas pela impetrante nem qual seria o parâmetro correto a seguir;

m) ao lado de considerações genéricas, a acusação sequer sugere o que exatamente a impetrante deixou de fazer para impedir o dano ambiental;

n) segundo o Ministério Público Federal, a impetrante “agiu com dolo eventual, assumindo o risco de produzir um incêndio” e, desse modo, “assumiu os riscos de causar poluição”, sendo uma insensatez dizer que uma ficção jurídica assume risco, máxime quando não mencionada qualquer circunstância que indique essa assunção de risco;

o) o Juízo a quo determinou o prosseguimento da ação penal porque questões de mérito demandariam instrução probatória, mas a atribuição de dolo eventual a uma pessoa jurídica configura erro técnico prescindível de produção de provas para restar caracterizado;

p) caberia ao Juízo a quo rejeitar a denúncia, ou, ao menos, absolver sumariamente a empresa, já que, nos termos do art. 397, III, do Código de Processo Penal, essa é a resposta devida quando o fato narrado evidentemente não constitui crime;

q) o dano ambiental ocorreu em razão do combate ao fogo, realizado pelo Corpo de Bombeiros, e o resultado atribuído à impetrante (morte de peixes) foi causado pelo heroico ato de terceiros (bombeiros de Santos), que, adotando um particular meio de combate ao incêndio, com o uso de água do mar lançada a partir de rebocadores, provocou o lançamento de rescaldo no mar;

r) analisando tecnicamente os fatos, os danos ambientais deveriam ser entendidos como hipótese de conduta comissiva, praticada por parte do Corpo de Bombeiros, não criminosa em razão das excludentes de ilicitude de legítima defesa e de estrito cumprimento de dever legal;

s) em relação à causalidade e à teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, tem-se que a denúncia não indica nenhum indício de previsibilidade ex ante de um incêndio de enormes proporções, causador de prejuízo de milhões de reais, e, ainda que a CETESB, no âmbito de sua competência, possa atribuir responsabilidade à empresa por atos de terceiros, no plano criminal seria imprescindível para a acusação estabelecer nexo causal entre conduta omissiva e o resultado, o que não foi feito em momento algum;

t) “[n]ão existe nexo causal entre conduta da impetrante e os resultados de poluição e mortandade de peixes e nem se pode formular ação penal com base na absurda tese da existência de dolo eventual omissivo da pessoa jurídica. Tudo isso foi chancelado pelo ato coator, razão pela qual, por mais esse motivo, aguarda-se o trancamento da ação penal, dada a impossibilidade jurídica do pedido” (Id n. 2532792, p. 22);

u) ao determinar o prosseguimento da ação penal, a autoridade coatora afastou o argumento da defesa sob alegação de que haveria nos autos prova da materialidade e indícios suficientes da autoria da ré nos crimes a ela imputados, justificando sua afirmação com base em documentos dos autos, mas referidos documentos não sugerem que os fatos se deram por dolo ou culpa da impetrante;

v) a denúncia carece de justa causa, pois baseia-se em meras suposições do órgão acusador, as quais contrariam os documentos que a instruem;

w) a decisão impugnada não se pronunciou quanto às teses arguidas pela defesa, carecendo de fundamentação e sendo, portanto, nula, de modo que o processo dela decorrente precisa ser trancado;

x) requer a concessão da segurança, a fim de que seja trancada a Ação Penal n. 0005454-64.2017.4.03.6104, seja pela falta de justa causa, pela inépcia da inicial ou pela ausência de condições da ação;

y) caso assim não se entenda, requer ao menos seja constatada a nulidade do feito, por falta de fundamentação na decisão impugnada, pois não apreciou as teses arguidas na fase do art. 396-A do Código de Processo Penal, em desacordo com o art. 93, IX, da Constituição da República e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Id n. 2532792).

A autoridade impetrada prestou informações (Id n. 2808342).

Manifestou-se o Procurador Regional da República, Dr. Alvaro Luiz de Mattos Stipp, pela denegação da ordem (Id n. 2972430).

O Eminente Relator, Desembargador Federal Mauricio Kato, concedeu a segurança para declarar a inépcia da denúncia e determinar o trancamento da ação penal, sob o fundamento de que a lei brasileira adota a teoria da dupla imputação na responsabilização penal das pessoas jurídicas, conforme segue:

Conquanto o C. STF tenha afastado a teoria da dupla imputação no julgamento do RE nº 548/181, em que admitiu a possibilidade de a pessoa jurídica figurar de forma isolada no polo passivo de ações penais, adoto entendimento diverso.

Com efeito, a meu ver, o artigo 3º da Lei n° 9.605/98, ao disciplinar o dispositivo constitucional prevê a hipótese de coautoria necessária, ou seja, não dissocia a responsabilidade da pessoa jurídica da decisão de seu representante legal, contratual ou colegiado, no interesse da sociedade, in verbis:

Art.3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Por essa razão, só se pode admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, desde que haja também a imputação da pessoa física que determinou a prática do ato causador do delito e que atua em nome ou em benefício da pessoa jurídica. (Id n. 3075737)

 

Pedi vista dos autos e apresentei voto divergente para denegar a segurança, no que fui acompanhado pelo Eminente Desembargador Federal Paulo Fontes. O voto condutor foi proferido nos seguintes termos:

 

Crimes ambientais. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Dupla imputação. Inexigibilidade. O princípio societas delinquere non potest tem sido relativizado pelo direito penal moderno e diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros preveem a responsabilidade criminal dos entes coletivos.

Nesse passo, a Constituição da República de 1988 estabeleceu no § 3º do art. 225 a responsabilidade penal da pessoa jurídica pela prática de condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente:

 Art. 225 (...)

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

 O art. 3º da Lei n. 9.605/98 regulamentou o dispositivo constitucional e estabeleceu como requisitos para responsabilização criminal da pessoa jurídica que a infração seja cometida em seu benefício ou interesse e por decisão do seu representante ou de órgão colegiado, sem excluir a responsabilidade das pessoas físicas pelo mesmo fato, in verbis:

 Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.

 Há controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, uma vez que exigiria a superação da teoria penal clássica fundada na culpabilidade do agente, dada a falta de consciência e vontade do ente moral, dentre outras questões, como inviabilidade de aplicação do princípio da personalidade das penas, de imposição da pena privativa de liberdade e a impossibilidade de arrependimento ou de compreensão do caráter aflitivo ou corretivo da sanção penal pela pessoa jurídica.

A despeito das divergências sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça decidiram recentemente que, para a responsabilização penal da pessoa jurídica, não é necessária a simultânea persecução penal da pessoa física que atua no âmbito da empresa. Assim, revejo meu entendimento, a fim de acompanhar a jurisprudência dos Tribunais Superiores:

 EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido.

(STF, RE n. 548.181, Rel. Min. Rosa Weber, j. 06.08.13)

 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. PESSOA JURÍDICA QUE FIGURA ISOLADAMENTE COMO RÉ NA DENÚNCIA POR CRIME AMBIENTAL. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. 2. Este Superior Tribunal, na linha do entendimento externado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a entender que, nos crimes societários, não é indispensável a aplicação da teoria da dupla imputação ou imputação simultânea, podendo subsistir a ação penal proposta contra a pessoa jurídica, mesmo se afastando a pessoa física do polo passivo da ação.

Precedentes.

3. O trancamento de ação penal, somente deve ser acolhido se restar, de forma indubitável, comprovada a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade, de ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito e ainda da atipicidade da conduta.

3. Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no RMS n. 48.851, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 20.02.18)

 PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME AMBIENTAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE VERIFICADA. 2. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INICIAL QUE NARRA APENAS A QUALIDADE DE SÓCIO. MERA ATRIBUIÇÃO DE UMA QUALIDADE. DENÚNCIA GENÉRICA. AUSÊNCIA DE LIAME. 3. MANUTENÇÃO DA AÇÃO PENAL CONTRA A SOCIEDADE EMPRESÁRIA. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. 4. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO EM PARTE.

1. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.

2. Não se pode confundir a denúncia genérica com a denúncia geral, pois o direito pátrio não admite denúncia genérica, sendo possível, entretanto, nos casos de crimes societários e de autoria coletiva, a denúncia geral, ou seja, aquela que, apesar de não detalhar minudentemente as ações imputadas aos denunciados, demonstra, ainda que de maneira sutil, a ligação entre sua conduta e o fato delitivo.

Da leitura da inicial, verifica-se que os recorrentes Cristiano e Maria da Graça foram denunciados apenas em virtude de serem sócios administradores da primeira recorrente, Caiçaras Empreendimentos Imobiliários Ltda. A acusação limitou-se a vinculá-los ao crime porque eram sócios administradores da primeira recorrente, o que torna a denúncia genérica e inadmissível.

3. Mantêm-se, entretanto, a persecução penal contra CAIÇARAS EMPREEDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., haja vista a desnecessidade de dupla imputação, conforme assentado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, porquanto "o art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa". Além do mais, o habeas corpus não se destina às pessoas jurídicas. Sua incidência constitucional diz respeito ao direito de locomoção, ainda que de modo reflexo ou indireto (AgRg no HC 393.284/PI, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 15/05/2017).

4. Recurso em habeas corpus provido em parte, para reconhecer a inépcia da denúncia apenas com relação aos recorrentes CRISTIANO e MARIA DA GRAÇA, sem prejuízo de oferecimento de nova inicial acusatória, desde que observados os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.

(STJ, RHC n. 88.264, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 08.02.18)

PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO. DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DA CONDUTA DOS GESTORES DA EMPRESA. PRESCINDIBILIDADE. ART. 54 DA LEI N. 9.605/1998. CRIME FORMAL. POTENCIALIDADE EVIDENCIADA. LAUDO QUE ATESTA VÍCIOS NA ESTRUTURA UTILIZADA PELA EMPRESA. RESPONSABILIDADE QUE NÃO SE AFASTA EM RAZÃO DE CULPA OU DOLO DE TERCEIROS.

1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 548.181/PR, de relatoria da em. Ministra Rosa Weber, decidiu que o art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa.

2. Abandonada a teoria da dupla imputação necessária, eventual ausência de descrição pormenorizada da conduta dos gestores da empresa não resulta no esvaziamento do elemento volitivo do tipo penal (culpa ou dolo) em relação à pessoa jurídica.

3. De acordo com o entendimento deste Tribunal, a Lei de Crimes Ambientais deve ser interpretada à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, indicando o acerto da análise que a doutrina e a jurisprudência têm conferido à parte inicial do art. 54, da Lei n. 9.605/1998, de que a mera possibilidade de causar dano à saúde humana é suficiente para configurar o crime de poluição, dada a sua natureza formal ou, ainda, de perigo abstrato.

4. Concretização do dano que evidencia a potencialidade preexistente.

5. Responsabilidade que não se afasta em razão de culpa ou dolo de terceiros, considerando-se a existência de laudo técnico que atesta diversos vícios referentes à segurança da estrutura utilizada pela empresa para o transporte de minério destinado à sua atividade econômica.

6. Agravo regimental desprovido.

(STJ, AgRg no RMS n. 48.085, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 05.11.15)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIME AMBIENTAL: DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO CONCOMITANTE À PESSOA FÍSICA E À PESSOA JURÍDICA.

1. Conforme orientação da 1ª Turma do STF, "O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação." (RE 548181, Relatora Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 6/8/2013, acórdão eletrônico DJe-213, divulg. 29/10/2014, public. 30/10/2014).

2. Tem-se, assim, que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes desta Corte.

3. A personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução.

4. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(STJ, RMS n. 39.173, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 06.08.15)

Direito líquido e certo. Constatação de plano. Necessidade. O mandado de segurança pressupõe que o direito invocado seja líquido e certo. A segurança somente será concedida quando comprovado de plano o direito líquido e certo, não se admitindo dilação probatória. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ, EDcl no RMS n. 24137-RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. 06.08.09).

Denúncia. Inépcia. Para não ser considerada inepta, a denúncia deve descrever de forma clara e suficiente a conduta delituosa, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do delito, a materialidade delitiva e os indícios de autoria, viabilizando ao acusado o exercício da ampla defesa, propiciando-lhe o conhecimento da acusação que sobre ele recai, bem como, qual a medida de sua participação na prática criminosa, atendendo ao disposto no art. 41, do Código de Processo Penal (STF, HC n. 90.479, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.08.07; STF, HC n. 89.433, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 26.09.06 e STJ, 5a Turma - HC n. 55.770, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17.11.05).

Denúncia. Juízo de admissibilidade. O juízo realizado no recebimento da denúncia é de cognição sumária e requer a verificação da existência de suporte probatório mínimo da materialidade do crime e de indícios suficientes da autoria. A denúncia deve atender aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e não incidir em nenhuma das hipóteses do art. 395 do Código de Processo Penal. Atenderá aos requisitos legais a denúncia que contiver a exposição do fato criminoso com todas as circunstâncias necessárias à configuração do delito, os indícios de autoria, a classificação jurídica do delito e, se necessário, o rol de testemunhas, possibilitando ao acusado compreender a acusação que sobre ele recai e sua atuação na prática delitiva para assegurar o exercício do contraditório e da ampla defesa. A rejeição da denúncia ocorrerá apenas quando, de plano, não se verificarem os requisitos formais a evidenciar sua inépcia, faltar pressuposto processual para seu exercício ou não houver justa causa, incidindo, em casos duvidosos, o princípio in dubio pro societate, a determinar a instauração da ação penal para esclarecimento dos fatos durante a instrução processual penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF, Inq n. 2589, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.09.14; Inq n. 3537, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09.09.14 e HC n. 100908, Rel. Min. Carlos Britto, j. 24.11.09).

Trancamento. Ação penal. Exame aprofundado de provas. Inadmissibilidade. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade (STJ, 5ª Turma, HC n. 89.119-PE, Rel. Jane Silva, unânime, j. 25.10.07, DJ 25.10.07, DJ 12.11.07, p. 271; HC n. 56.104-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, unânime, 13.12.07, DJ 11.02.08, p. 1; TRF da 3ª Região, HC n. 2003.03.019644-6, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, unânime, j. 24.11.03, DJU 16.12.03, p. 647). O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o trancamento da ação penal por falta de justa causa reveste-se do caráter da excepcionalidade (STF, HC n. 94.752-RS, Rel. Min. Eros Grau, j. 26.08.08).

Do caso dos autos. A decisão impugnada restou assim fundamentada:

Fundamento e decido.

2. Verifico, prima facie, que a denúncia foi devidamente especificada em relação à conduta imputada à acusada, com descrição suficiente dos fatos e suas circunstâncias em relação à imputação, possibilitando o exercício da ampla defesa.

3. Da mesma forma, há nos autos prova da materialidade dos delitos e indícios suficientes da autoria da ré nos crimes a ela imputados - cfr. se depreende do Ofício CETESB n.1686/2014 e documentos anexos (fls.30-167), da Certidão de Sinistro de fls.174, dos Laudos Periciais n.241/2015 (fls.179-195) e n.520.371/2013 (313-328), e dos Termos de Declarações de fls.260-261, 269-271, 272-273, e 299-300, bem como do Relatório de Avaliação de Toxidade de fls.339-349 e demais documentos juntados aos autos. Exsurge, assim, a justa causa para a presente ação penal.

4. Quanto às demais alegações defensivas, por se tratarem de questões de mérito, terão sua apreciação postergada para o momento da sentença, posto que mais apropriado e em consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, uma vez que a matéria suscitada demanda instrução probatória. Nessa linha:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO-CABIMENTO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DESTA CORTE, EM CONSONÂNCIA COM O DO PRETÓRIO EXCELSO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. NULIDADE DA DECISÃO QUE REJEITA AS TESES DEFENSIVAS APRESENTADAS NA FORMA DO ART. 396-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MOTIVAÇÃO SUCINTA. VÍCIO INEXISTENTE. PRECEDENTES. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. JUÍZO EXAURIENTE DAS TESES DEFENSIVAS. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO WRIT. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. 1. (...). 2. (...). 3. Este Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que, não sendo a hipótese de absolvição sumária do acusado, a manifestação do magistrado processante não precisa ser exaustiva, sob pena de antecipação prematura de um juízo meritório que deve ser naturalmente realizado ao término da instrução criminal, em estrita observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes. 4. Na espécie, o Juízo de primeira instância, após analisar a resposta à acusação oferecida pelo Paciente, examinou, ainda que de modo conciso, as arguições apresentadas, concluindo por determinar o prosseguimento da ação penal. Nesse contexto, não se verifica a nulidade apontada. 5. Conforme entendimento deste Tribunal Superior, eventual ausência de fundamentação da decisão que recebe a denúncia fica superada pela superveniência de sentença condenatória. Essa orientação aplica-se, mutatis mutandis, quanto à análise das teses defensivas apresentadas na fase do art. 396-A do Código de Processo Penal. 6. Isso porque na sentença condenatória emite-se um juízo definitivo a respeito de eventuais causas de absolvição sumária do acusado, suscitadas pela defesa, nos termos do art. 397 do Código de Processo Penal. 7. Ordem de habeas corpus não conhecida." (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTÇA - QUINTA TURMA - HABEAS CORPUS - Processo 201102374152, data da decisão: 27/08/2013, Fonte DJE DATA:04/09/2013, Relator(a) LAURITA VAZ).

5. Assim, tendo em vista que não estão presentes as hipóteses de absolvição sumária, previstas no art. 397 do CPP, determino o regular prosseguimento do feito. (ID n. 2532795)

Inicialmente, anoto que o oferecimento da denúncia apenas em desfavor da pessoa jurídica ora impetrante não constitui óbice à persecução penal, consoante a jurisprudência dos Tribunais Superiores.

No mais, não se verifica no caso o direito líquido e certo da impetrante ao trancamento da ação penal.

A denúncia atende aos requisitos do art. 41 do Código Penal e não incide em nenhuma das hipóteses do art. 395 do Código de Processo Penal, porque qualifica a acusada e descreve os fatos criminosos e suas respectivas circunstâncias, viabilizando o exercício da ampla defesa e do contraditório, de modo que a decisão que determinou o regular prosseguimento do feito não padece da nulidade alegada.

Nada obstante, afigura-se descabido o trancamento da ação penal, o qual se trata, ademais, de medida excepcional, que não se justifica no presente caso. (Id n. 4598440)

 

A impetrante interpôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados (Id n. 24304332).

Foi interposto recurso ordinário contra a denegação da segurança, o qual foi admitido (Id n. 81226805).

O Superior Tribunal de Justiça, em decisão monocrática da lavra do Ministro João Otávio de Noronha, conheceu em parte do recurso ordinário para, nessa extensão, cassar o acórdão proferido neste Mandado de Segurança n. 5008866-57.2018.4.03.0000 e determinar ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região que examine as teses sustentadas na impetração originária e não enfrentadas no acórdão recorrido, em observância aos arts. 315, § 2º, III, IV e V, do Código de Processo Penal e 93, IX, da Constituição da República (Id n. 163738821). Consta da decisão o quanto segue:

O recurso merece parcial conhecimento e, nessa extensão, provimento.

Na inicial do mandado de segurança, a recorrente alegou a inépcia da denúncia por ausência de descrição das condutas dos administradores da empresa em seu benefício, as quais teriam dado causa ao resultado, em contrariedade ao art. 3º da Lei n. 9.605/1998.

Defendeu também que a denúncia aponta a prática de crime omissivo sem indicar "de onde decorreria o dever de garantia, ou a conduta que deveria ter sido praticada por parte dos administradores".

Acrescenta que seria juridicamente impossível a imputação de dolo eventual à pessoa jurídica.

Menciona ainda a falta de indicação do nexo causal entre a conduta dos representantes da impetrante e o resultado danoso, não havendo justa causa para ação penal (fls. 5-34).

Ao denegar a segurança, afirmou o desembargador federal redator para o acórdão (fls. 882- 886):

(...)

Apesar de o Tribunal de origem, no acórdão recorrido, ter afirmado que a denúncia atende aos requisitos do art. 41 do CPP e descreve os fatos criminosos e circunstâncias (fls. 877-894), observa-se não ter analisado, de forma pontual e concreta, as teses da defesa, em especial quanto ao descumprimento do art. 3º da Lei n. 9.605/1998, à ausência de indicação na denúncia de qual deveria ter sido a conduta esperada dos administradores, considerando a imputação de crime omissivo, e à impossibilidade de imputação de dolo eventual à pessoa jurídica.

Registre-se que as ilegalidades apontadas pela recorrente não podem ser apreciadas diretamente pelo STJ, sob pena de indevida supressão de instância, lembrando que, nos termos da jurisprudência desta Corte, não se aplica o disposto no art. 1.013, § 3º, I, do CPC ao recurso ordinário em mandado de segurança (AgInt nos EDcl no RMS n. 32.601/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 6/3/2017; AgRg no RMS n. 19.261/MA, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 4/9/2014; e AgRg no RMS n. 44.925/PA, relator Ministro Humberto Martins, DJe de 14/4/2014).

Com efeito, como enfatizado nas razões recursais, o mandado de segurança não tinha por objeto a aplicação da teoria da dupla imputação nem mesmo o questionamento acerca do entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal no RE n. 548.191/PR. No entanto, esse foi o viés adotado no voto condutor do julgamento.

Aliás, embora a defesa tenha oposto embargos de declaração na tentativa provocar o enfrentamento das matérias pela instância originária, os declaratórios foram rejeitados por não se prestarem "a rediscutir a matéria julgada", mas não houve o exame dos pontos omissos no acórdão embargado (fl. 909).

Neste contexto, sendo manifesta a ausência de enfrentamento das teses sustentadas no mandado de segurança originário, está configurada ofensa ao art. 315, § 2º, III, IV e V, do CPP, devendo ser reconhecida a negativa de prestação jurisdicional com a consequente cassação do acórdão recorrido e determinação de novo julgamento da impetração.

Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:

(...)

Ante o exposto, conheço em parte do recurso ordinário para, nessa extensão, cassar o acórdão proferido no Mandado de Segurança n. 5008866-57.2018.4.03.0000 e determinar ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região que examine as teses sustentadas na impetração originária e não enfrentadas no acórdão recorrido, em observância aos arts. 315, § 2º, III, IV e V, do CPP e 93, IX, da Constituição Federal. (Id n. 163738821)

 

Com o retorno dos autos a este Tribunal, a impetrante requereu tutela provisória de urgência a fim de atribuir efeito suspensivo ao writ, suspendendo a audiência designada pelo Juízo da 6ª Vara Federal de Santos (SP), pedido que foi indeferido pelo Eminente Relator (Id n. 165325416).

A autoridade impetrada prestou informações (Id n. 179025517).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Vinícius Fernando Alves Fermino, ratificou o parecer anteriormente ofertado pelo Ministério Público Federal e manifestou-se pela denegação da ordem (Id n. 182931966).

A impetrante apresentou petição requerendo o desentranhamento do segundo parecer do Ministério Público Federal e a intimação da inclusão do feito em pauta de julgamento (Id n. 192850923).

Em sessão de julgamento realizada em 29.11.21, o Eminente Relator concedeu a segurança para declarar a inépcia da denúncia e determinar o trancamento da ação penal, reiterando os fundamentos de seu voto anterior no sentido de que a lei brasileira adota a teoria da dupla imputação na responsabilização penal das pessoas jurídicas, exigindo-se que a denúncia impute também a prática delitiva a pessoa física relacionada à pessoa jurídica denunciada.

Acompanho o Relator pela conclusão.

A denúncia imputa à impetrante a responsabilidade penal pelo dano ambiental advindo de combate a incêndio mediante o emprego de uso de água do canal de Santos, que, misturada ao açúcar que a empresa mantinha em seu depósito, veio a causar a mortandade de peixes. A responsabilidade penal foi descrita não como mera culpa, mas como dolo eventual por conduta comissiva por omissão, pois a empresa havia antes assumido o risco de produzir esse resultado em virtude de sua atividade, em especial na manutenção dos equipamentos de guarda e de combate a incêndio.

Sem embargo da plausibilidade dos fundamentos jurídico-penais que subjazem à descrição dos fatos, a realidade é que, no que se refere ao elemento normativo, seja jurídico, seja técnico, a denúncia reporta-se a laudo pericial. Sem descrever efetivamente a conduta violadora às normas pressupostas à conduta devida, essa referência torna a denúncia, por inteiro, dependente da apreciação técnica feita na investigação.

O que sucede é que a prova técnica não respalda a afirmação de responsabilidade penal.

A denúncia narra que “investigação realizada apurou que o incêndio teve origem em falhas operacionais das esteiras transportadoras do Terminal, conforme Laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Civil (...) e termos de declarações” e que, além das falhas operacionais no sistema de esteiras, “o incêndio no terminal de açúcar a granel não foi controlado no início, em razão de falhas operacionais no combate realizado pela empresa, e, assim, se alastrou, assumindo grandes proporções, com as chamas atingindo também os armazéns VI, XI e XVI do citado terminal, fatos que demandaram um intenso trabalho do Corpo de Bombeiros para controlar o incêndio e extinguir as chamas”.

Sustenta a acusação que “o açúcar oferece risco por ser altamente inflamável, porém as medidas adotadas pela empresa foram deficientes tanto para a prevenção, quanto para o combate, em especial no início do incêndio, fatos que, se tivessem ocorrido a contento, não causariam os danos ambientais”.

Quanto ao elemento subjetivo, consta que “a denunciada assumiu os riscos de causar poluição e os impactos ambientais de grandes proporções, fatos cuja consumação resta comprovada nos autos, considerando que ela, mesmo tendo conhecimento de que o açúcar é um produto altamente inflamável, operava as correias transportadoras com falhas operacionais e não realizou o imediato e adequado combate ao incêndio na origem do mesmo, permitindo que as chamas se alastrassem” (Id n. 2532797).

Todavia, analisando o referido Laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Civil e os termos de depoimento mencionados, bem como outros documentos cujas cópias acompanham a impetração, verifica-se que a identificação de falhas nas esteiras transportadoras não permite concluir que a causa do incêndio foi efetivamente alguma dessas falhas nem que houve insuficiência na prevenção ou no combate ao incêndio que possa ser atribuída à empresa.

O incêndio teve início em 18.10.13. Na Certidão de Sinistro lavrada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo consta que não foi possível detectar a causa provável do incêndio, bem como foi consignado que o local dos fatos possuía o Projeto de Prevenção e Combate e Incêndio de n. 0611/201/12, aprovado pelo Corpo de Bombeiros, com Auto de Vistoria de n. 0119265 expedido em 03.09.13, com prazo de validade até 29.08.16 (Id n. 2532799, p. 57).

No Laudo de Perícia Criminal Federal (Meio Ambiente), elaborado em 22.06.15 a partir de vistoria realizada em 12.11.13 (quando não se verificaram peixes mortos nas proximidades) e do noticiário e estudo de caso, consta a observação de que a determinação da causa do incêndio não foi escopo do laudo, em que pese algumas considerações a respeito da possibilidade de partículas de açúcar em suspensão serem vetor de propagação de incêndio. Quanto à licença ambiental da Companhia Auxiliar de Armazéns Gerais (Copersucar), consta do laudo consulta ao site do Porto de Santos no qual há menção ao Certificado de Dispensa de Licença, sem prazo de validade, emitido pela CETESB, bem como Certificações 9001:2008, 14001:2004 e 18001:2007 emitidas em 10.12.12 e válidas até 09.12.15. Destacam-se as respostas aos quesitos formulados pela Autoridade Policial:

2- É possível observar no local significativa mortandade de animais ou o perecimento de espécimes de fauna aquática, notadamente peixes, moluscos e crustáceos? Quais as espécies mais atingidas?

Ao 2- Conforme notícias veiculadas e Laudo elaborado pela CETESB, o acidente causou a poluição das águas dos estuários e impactos ambientais, como a mortandade de peixes, de crustáceos e de répteis, conforme conclusão das análises de laboratório, que atestou que a calda formada pela queima do açúcar e as baixas concentrações de oxigênio na água foram as responsáveis pela morte dos organismos aquáticos.

3- A mortandade de espécies da fauna aquática está associada ou decorreu de poluição de tal relevância causada no combate ao incêndio ocorrido no Terminal da empresa Copersucar? Em que contexto ocorreu? Quem a causou?

4- Decorreu de disposição inadequada ou lançamento de resíduos ou efluentes de qualquer natureza? Qual a fonte de contaminação?

5- É possível estabelecer a causa da mortandade?

Aos 3 a 5- Conforme análises de laboratório apresentadas no Laudo elaborado pela CETESB, a calda formada pela queima do açúcar, carreada pelas águas de combate ao incêndio para o canal do estuário, e as baixas concentrações de oxigênio na água foram as responsáveis pela morte dos organismos aquáticos.

6- Houve negligência da empresa mencionada? Tal negligência foi a causa mediata ou imediata dos atos? Poderia ser evitado o acidente?

Ao 6- Pela análise do local e dos documentos ora examinados, não é possível responder sobre negligência (falta de cuidado, omissão ou esquecimento de algo que deveria ser feito de maneira a evitar o fato que produz lesão ou dano).

7- É possível observar a adoção de medidas necessárias para minimizar os danos e restringir os efeitos da poluição causada?

Ao 7- Analisando documentação sobre o caso, verificou-se que a empresa Copersucar utilizou equipe para limpeza das ruas e pátios para coleta e destinação de resíduos, também foram utilizadas barreiras de contenção preventiva para minimizar o escoamento de águas, além de limpeza das galerias atingidas com resíduos sólidos e líquidos.

8- Os efeitos da poluição causada no local é de tal amplitude que permite afirmar a continuidade da mortandade da fauna local por considerável período de tempo?

Ao 8- Não. Analisando os dados, verificou-se que as medidas tomadas minimizaram os efeitos nocivos ao meio ambiente na questão de mortandade da fauna aquática, a qual perdurou poucos dias. O local foi monitorado pela CETESB, a qual possui os dados sobre esta questão. (Id n. 2532799, pp. 76-77, destacamos)

 

No Laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Civil, assinado digitalmente em 31.07.17, afirma-se que a equipe pericial compareceu ao local dos fatos em 18.09.13 (sic). A respeito dos exames realizados e conclusões do perito, consta o seguinte:

Após o evento procedeu-se ao exame de remanescente de equipamentos e recursos que se situavam na área determinada como sítio inicial do incêndio, ou seja, no interior do armazém 20/21 no entorno da região em que se encontrava elevador de carga e esteiras transportadoras por esse alimentadas.

Três motores foram examinados, não se constatando nesses, externa e internamente, elementos de ordem material indicativos da ocorrência de fenômeno termoelétrico ou outro evento que pudesse dar causa ao incêndio. Apresentavam apenas danos resultantes de contato com as chamas.

Do interior do armazém 20/21, quando de remoção do produto nele armazenado – o açúcar a granel –, foram arrecadados os rolos das correias transportadoras que haviam precipitado, bem como aqueles que permaneceram na estrutura das esteiras. Ao exame superficial desses remanescentes pode-se apenas constatar danos por ação de chamas e deformações decorrentes de pressão exercida por rodagens de veículo(s) quando da remoção do produto sob o qual se achavam ocultos. Não apresentavam danos ou vestígios relacionáveis com ação de arcos voltaicos.

Não foram encontrados elementos relacionáveis com fenômeno termoelétrico em remanescentes de instalações elétricas, constatando-se que, no interior da edificação, os elementos de iluminação artificial eram constituídos por luminárias blindadas.

Segundo informes prestados ao Perito Criminal relator, no interior da edificação sensores de temperatura achavam-se instalados junto aos mancais dos motores e sensores de desalinhamento distribuídos ao longo das esteiras transportadoras. Eventuais atuações dos sensores achavam-se registradas nos relatórios eletrônicos de falhas.

Ao exame de documentação encaminhada através da autoridade policial requisitante, ou seja, ordens de manutenção da seção de elétrica e mecânica, relatórios (e-mails) dos supervisores de turno, plantas dos armazéns com indicação dos equipamentos nesses instalados e relatório eletrônico de falhas, pode-se destacar do relatório eletrônico de falhas e nos equipamentos relacionáveis com sítio inicial do incêndio:

- em 18.10.13, às 04:57:21, no armazém XI, falha de desalinhamento da esteira transportadora TCG-21;

- em 18.10.13, às 05:12:14, no armazém XI, bloqueio da esteira transportadora TCG-21;

- em 18.10.13, às 05:55:44, falha geral da esteira transportadora TCG-05;

- em 18.10.13, às 05:55:44, falha “SOFT STARTER” (?) da esteira transportadora TCG-05;

- em 18.10.13, às 05:56:32, falha por desalinhamento da esteira transportadora TCG-05;

- em 18.10.13, às 06:03:10, falha por desalinhamento da esteira transportadora TCG-06;

- em 18.10.13, às 06:03:43, falha “SOFT STARTER” (?) da esteira transportadora TCG-06;

- em 18.10.13, às 06:03:51, falha geral da esteira transportadora TCG-06;

- em 18.10.13, às 06:03:59, falha por desalinhamento da esteira transportadora TCG-06;

- a partir de 6h5min33seg passaram a ocorrer falhas diversas em diversos equipamentos existentes nos armazéns do terminal de carga.

CONSIDERAÇÕES

Do evento constata-se necessidade de detalhada análise dos riscos relacionáveis com a ocorrência de incêndio, implementando-se dispositivos e medidas para contenção, confinamento e extinção de forma a minimizar a potencialização de expansão quando da ocorrência de semelhante evento.

Há premente necessidade de se estabelecer dispositivos para tratamento das águas que fluem através do sistema de drenagem local, haja vista intensos danos produzidos ao meio ambiente marinho, no estuário, em consequência do volume imensurável de água contaminada com açúcar lançada através do conjunto de galerias de drenagem local.

Não se pode desconsiderar, ainda, a necessidade de implementação de meios alternativos que proporcionem condições ao acesso e deslocamento de veículos em situações emergenciais no interior da área abrangida pelo bairro Outeirinhos.

Verificou-se ainda, quando do evento, que as vias transitáveis se apresentavam em péssimas condições de conservação, a presença de considerável quantidade de indivíduos estranhos ao combate ao incêndio, indivíduos atuando no combate ao incêndio que não faziam o necessário uso de equipamentos de proteção individual, além de equipamentos de combate a incêndio em condições inadequadas às necessidades (insuficiência de pressão para projeção de água em linhas de incêndio e mangueiras furadas). (Id n. 2532799, pp. 213-215, grifos nossos)

 

A denúncia reporta-se ainda às declarações de Marcelo de Andrade Almeida e de Manoel de Jesus Nascimento prestadas em sede policial em 14.04.16.

Marcelo de Andrade Almeida declarou à Autoridade Policial o seguinte:

QUE trabalhou na Companhia Auxiliar de Armazéns Gerais perto de 14 anos, tendo se desligado no mês de janeiro último; QUE ao tempo em ocorreu o incêndio investigado nestes autos exercia a atividade de gerente executivo de portos, função dedicada precipuamente à parte operacional da empresa no Porto de Santos e outros portos; QUE indagado sobre quem, efetivamente, comandava a empresa em Santos, respondeu que “aqui era uma filial e eu comandava a área de operações”; QUE na condição de gerente executivo de portos se reportava, isto é, estava subordinado à diretoria de logística cujo diretor principal à época dos fatos era o Sr. ALEXANDRE SETTEN, pessoa que também não mais se encontra trabalhando na empresa; QUE indagado se ocorreu alguma apuração interna à respeito das causas do incêndio, respondeu que “houve sim, eu não participei diretamente dessa apuração que foi conduzida por São Paulo, mas pelo que sei não se chegou a nada conclusivo, o que se pode apurar é que começou em uma correia causada por uma faísca, possivelmente por um atrito mecânico e o fogo se propagou muito rapidamente porque o açúcar demonstrou nesse incêndio tal capacidade”, QUE o incêndio teve início no armazém 20/21 que na verdade se trata de um único armazém, tendo permanecido a numeração histórica; QUE indagado se tinham conhecimento de tal capacidade de propagação do açúcar, respondeu que “essa foi a primeira vez, nunca havia ocorrido nada parecido antes, foi considerado o maior incêndio do Porto de Santos até aquela época, depois teve o da Ultracargo que durou mais tempo para apagar”; QUE desconhece como a apuração realizada internamente pela empresa foi formalizada, ou seja, se há um relatório especifico da própria empresa, podendo, informar que foi contratada uma empresa terceirizada para essa apuração, comprometendo-se o Sr. Advogado que o assiste a diligenciar perante a empresa para que venha aos, autos o respectivo documento; QUE indagado sobre qual a pessoa que tinha a responsabilidade de adotar todas as providências para que o fato não se consumasse ou tivesse menor proporção, respondeu que “eu era o número um na execução, a empresa é departamentalizada, na área de operações eu era o responsável, mas seguia um planejamento da empresa”, QUE indagado se a empresa estava segurada, respondeu que “sim, sempre esteve segurada, é uma obrigação contratual para o arrendamento com a CODESP; mas pelo que eu sei o seguro não cobriu nem metade do prejuízo direto e os prejuízos indiretos foram ainda maiores, a empresa ficou um ano e meio sem poder operar completamente no terminal, foi obrigada a contratar outras empresas para cumprir os contratos, o prejuízo foi muito grande”; QUE a empresa sempre investiu muito na segurança e manutenção, aqui em Santos tem um engenheiro de segurança e indagado quem exercia tal função à época dos fatos, respondeu que não se lembra no momento, esclarecendo que coordenador da área da segurança, da área ambiental e área da saúde ocupacional à época era o Sr. TIAGO COUTINHO, também desligado da empresa; QUE indagado sobre o fato de que as pessoas a que se referiu nestas declarações estarem “desligadas”, demitidas, inclusive o próprio declarante, e questionado se teve alguma relação com o incêndio, respondeu que “não, eu ainda fiquei trabalhando por quase três anos depois do incêndio; na verdade a empresa teve uma reestruturação grande, em nenhum momento se relacionou com o incêndio, é mesmo decorrência de reestruturação que já estava em curso e também da crise, ocorreram muitas demissões, principalmente aqui em Santos, mas também ocorreram em São Paulo”, QUE questionado a respeito da vistoria realizada pelo Corpo de Bombeiros, esclarece que “a empresa sempre adotou todos os procedimentos, inclusive tem o certificado de qualidade ISO 9000, tem também o ISO 14000 que é o de segurança do trabalho e o 18000 de saúde ocupacional, a empresa tinha todos os certificados”; QUE indagado a respeito das providências da empresa, ou seja, a atuação no dia dos fatos para o combate ao incêndio, respondeu que “a empresa combateu 10 ou 15 minutos, os bombeiros chegaram em 20 minutos após o início do incêndio, chegaram rápido, adotaram um procedimento de combate muito agressivo, mas tiraram a gente, ninguém podia ficar perto, eles expulsaram todos, eu cheguei a falar para um deles que era o gerente e queria verificar uma área que era importante e que ainda não estava sob fogo, mas naquele clima ele me falou que o combate estava na mão deles, eu tive que ficar fora da área de isolamento, percebi que a maior preocupação dos bombeiros era salvar vidas e evitar a propagação para o entorno”, QUE deseja esclarecer que “a decisão de combater o incêndio também com o uso de rebocadores foi dos bombeiros, aliás, o maior rebocador era dos Bombeiros; eles depois pediram para a gente locar um outro rebocador porque havia acabado a água e a saída foi usar a água do mar para abastecer os caminhões através de mangueiras”; Nada mais disse e nem lhe foi perguntado. (Id n. 2532799, pp. 158-160, grifos nossos)

 

Manoel de Jesus Nascimento, por sua vez, afirmou em sede policial o quanto segue:

QUE trabalha há 18 anos na empresa Companhia Auxiliar de Armazéns Gerais, exercendo a função de supervisor de operações há perto de 8 anos; QUE estava em serviço no momento que teve início o incêndio nas instalações da empresa no dia 18 de outubro de 2013: QUE estava acompanhando a atracação de um navio quando por volta das 05:45h teve a atenção despertada por “uma fumaça preta, em cima do armazém 20/21”; QUE logo acionou os Bombeiros e o pessoal da Brigada e se dirigiu ao local, constatando que “o fogo era grande e para não colocar o pessoal da Brigada, da qual era o líder, em risco, pediu que o pessoal descesse porque o fogo começou na galeria superior do armazém 20/21, QUE indagado sobre especificamente onde teve início o incêndio, respondeu que "a parte em que teve início o fogo era destinada ao armazenamento e começou na esteira encanoada transportadora de carga a granel”: QUE questionado para melhor esclarecer, se pode informar o local e causa específica do início do fogo, respondeu que “eu avistei o fogo na região da correia transportadora 05 e 06, foi ali que começou”, QUE em tal região não há a presença de qualquer operador, a operação é toda automatizada; QUE quando chegou ao local o fogo “já era muito grande e o açúcar a gente viu que era muito inflamável, por questão de segurança e como líder da Brigada eu pedi que o pessoal descesse e fosse para um local seguro, QUE os Bombeiros "chegaram em torno de 15 ou 20 minutos, no máximo", QUE indagado se deram início ao combate ao fogo, respondeu que “nós fizemos aquilo para o que somos treinados na Brigada, começamos um combate que durou de cinco a dez minutos dentro do armazém 20/21, mas aí percebemos que não tinha condições da gente avançar para controlar o fogo, logo chegou o bombeiro, quando acabamos de descer da galeria o Bombeiro chegou, aliás, quando acabamos de descer a escada de ligação entre um prédio e saída do armazém caiu (sic), acabou cedendo porque o fogo já era muito forte, se a gente ficasse poucos segundos mais, poderíamos estar mortos". QUE indagado se não tinham conhecimento a respeito do potencial de fogo do açúcar, isto porque, não é crível que ignorassem tal circunstância trabalhando com o produto, respondeu que “a gente teve muito treinamento com fogo mas nunca na mesma proporção, nunca tínhamos passado por situação igual no terminal, a quantidade de fogo era muito grande, a gente sabia que o açúcar é inflamável, mas não imaginava que se poderia chegar ao tamanho do incêndio que ocorreu”, QUE não havia histórico de incêndio com a mesma proporção; QUE tão logo os Bombeiros chegaram “a primeira coisa que eles perguntaram foi ‘vocês deixaram alguém para trás?’, eu tinha terminado de conferir a presença de todos utilizando a programação operacional, respondi que não, não tinha ninguém para trás, aí um dos Bombeiros falou bem claro que a gente não podia mais transitar no terminal, que o terminal a partir daquele momento era deles, em seguida dispensei todo o pessoal que não era da Brigada e mandei para casa, mas os Bombeiros mandaram eu também dispensar todo o pessoal da Brigada”; Nada mais disse e nem lhe foi perguntado. (Id n. 2532799, pp. 161-162, grifos nossos)

 

Diversamente do quanto sustentado na denúncia, o Laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Civil e os termos de declarações de Marcelo de Andrade Almeida e de Manoel de Jesus Nascimento não permitem afirmar que o incêndio teve origem em falhas operacionais das esteiras transportadoras, pois não foram esclarecidas as relações de causalidade entre o incêndio e a falha do sistema de esteiras. O laudo e as declarações dos então funcionários da empresa denunciada reportam-se ao provável local de início do incêndio, mas não tratam de sua causa determinante. As provas referidas tampouco corroboram a afirmação de que a empresa deixou de adotar as providências necessárias relativas à manutenção preventiva dos aparelhos nem permitem concluir que havia risco iminente de incêndio decorrente de negligência em relação aos procedimentos de segurança aplicáveis às atividades desempenhadas.

As provas referidas na denúncia também não atestam que houve falhas operacionais no combate ao incêndio realizado pela empresa. Os funcionários declararam em sede policial que o Corpo de Bombeiros foi acionado e em aproximadamente vinte minutos compareceu ao local e assumiu o controle do combate ao incêndio. Foi relatado ainda que a prioridade, tão logo percebida a situação, foi a preservação das vidas das pessoas que ali trabalhavam.

Ainda que o Laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Civil aponte, de forma sucinta, a necessidade de adoção de medidas “de forma a minimizar a potencialização de expansão quando da ocorrência de semelhante evento”, bem como a “premente necessidade de se estabelecer dispositivos para tratamento das águas que fluem através do sistema de drenagem local”, com conotação prospectiva, não há conclusões no sentido de risco não permitido causado por má gestão no âmbito das atividades empresariais em geral ou da situação específica do evento supostamente criminoso. Consta dos autos que a empresa operava no Porto de Santos de forma regular, com licença válida expedida pelo Corpo de Bombeiros e certificações relativas à gestão ambiental e segurança ocupacional, e que durante o incêndio foram observadas as determinações do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, de modo que carecem os autos de substrato probatório mínimo a sustentar a tese acusatória relativa às falhas operacionais imputadas à empresa denunciada.

Na medida em que a denúncia se fundamenta em prova a ela mesma contrária, força convir, falece justa causa para a instauração da ação penal.

Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA para trancar o Processo-Crime n. 0005454-64.2017.4.03.6104 instaurado contra a impetrante (acompanho o Relator pela conclusão).

É o voto.

 


E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 54, § 2º, II e V, LEI Nº 9605/1998. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. DUPLA IMPUTAÇÃO. PESSOA JURÍDICA E PESSOA FÍSICA. NECESSIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA INEPTA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. O trancamento da ação penal na via estreita do mandado de segurança somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.

2. A responsabilização criminal da pessoa jurídica por crime ambiental só será possível mediante o preenchimento dos requisitos estabelecidos pelo art. 3º da LCA, com descrição pormenorizadas dos atos praticados pelos representantes legais, contratuais ou órgãos colegiados no interesse da sociedade.

3. Segurança concedida para trancamento do processo-crime.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, a Turma, por unanimidade, decidiu, CONCEDER A SEGURANÇA para considerar inepta a denúncia e, por conseguinte, trancar o processo-crime nº 0005454-64.2017.403.6104 instaurado contra a impetrante, sem prejuízo de que seja oferecida nova exordial, desde que preenchidas as exigências legais, restando prejudicada as demais teses sustentadas na impetração, sendo que o Des. Fed. André Nekatschalow acompanhou pela conclusão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.