APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001202-94.2017.4.03.6111
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: VALDEIR ALVES GOUVEIA
CURADOR: NILDA ALVES GOUVEIA MAY
Advogado do(a) APELANTE: DANIELE APARECIDA FERNANDES DE ABREU SUZUKI - SP259080-A,
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001202-94.2017.4.03.6111 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: VALDEIR ALVES GOUVEIA Advogado do(a) APELANTE: DANIELE APARECIDA FERNANDES DE ABREU SUZUKI - SP259080-A, APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL R E L A T Ó R I O Trata-se de ação pelo procedimento comum movida por VALDEIR ALVES GOUVEIA contra CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, arguindo, em suma, que é aposentado por invalidez e interditado por ter sofrido um acidente em 22/03/2011 que lhe causou disfunção cerebral, possuindo dificuldades para dialogar, raciocinar e recordar-se dos atos praticados, inclusive fatos recentes. Sustentou que, em consulta ao seu extrato de aposentadoria do INSS, sua família constatou a existência de diversos empréstimos consignados, inclusive junto à ré, que não se recorda de ter celebrado. Aduziu que os descontos tem prejudicado o seu sustento, que não se utilizou de nenhum valor recebido e que não possui condições de arcar com suas próprias despesas. Afirmou que, após a constatação desses fatos, foi ajuizada a competente ação de interdição. Por tudo isso, alegou, os contratos celebrados com a ré são nulos, pois celebrados com pessoa absolutamente incapaz, sobretudo porque a sua invalidez é evidente. Ao final, postulou, liminarmente, a suspensão das cobranças, a abstenção de inclusão de seu nome em cadastros de inadimplentes e a exibição dos contratos; no mérito, pugnou pela declaração de nulidade dos negócios, a inexigibilidade dos débitos e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais e à repetição do indébito em dobro (ID 29180936 – f. 4-24). Com a contestação da CEF (f. 64-79) e réplica do autor (f. 119-128), foi produzida prova oral (f. 146-149), tendo o MPF oferecido parecer (f. 155-156). Após, foi prolatada sentença nos seguintes termos: “Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos, resolvendo o mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Fica, pois, revogada a liminar deferida na decisão de fls. 54. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, atualizado, condicionada a execução à alteração de sua situação econômica, na forma da lei processual civil. Custas processuais abrangidas pela gratuidade.” (f. 161-177). O autor apelou da sentença (f. 181-196), reiterando não se recordar dos contratos celebrados com a ré em razão de, desde o acidente sofrido em 2011, não possuir discernimento dos atos que pratica, o que inclusive resultou em sua interdição. Arguiu que, no acordo celebrado na ação de divórcio, embora não conste no termo, estava acompanhado de sua irmã, que informalmente o orientou naquele ato. Aduziu que sua incapacidade é evidente e preexistente à contratação com a ré, conforme reconhecido no laudo do processo de interdição, pelo que o negócio jurídico em apreço é viciado. Ao final, postulou a reforma da sentença para declarar a nulidade dos contratos e condenar a CEF à repetição do indébito em dobro e indenização por danos morais. Sem contrarrazões (f. 206). Parecer do MPF pelo não provimento do recurso (ID 128718302). É o relatório.
CURADOR: NILDA ALVES GOUVEIA MAY
VOTO O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA: peço vênia ao e. Relator para divergir e negar provimento ao recurso. Cuida-se de ação anulatória de contratos de empréstimo, sob a alegação de incapacidade absoluta do contratante/autor. A sentença julgou improcedente o pedido. Apela o autor para ver reformada a sentença para anular os contratos e condenar a ré à repetição do indébito em dobro, além de indenização por danos morais. O recurso não merece provimento. Não há prova suficiente de que o autor, no momento da celebração dos contratos, encontrava-se plenamente incapacitado para a celebração dos atos da vida civil. Os contratos de empréstimos foram celebrados em abril e agosto do ano de 2016. A sentença de interdição foi proferida em momento posterior, em 30.03.2017. Assim, pertinente o quanto exposto pelo Juízo sentenciante: “...Portanto, a partir da sentença de interdição prolatada, todos os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial do autor devem ser praticados pela curadora nomeada, diante da nova situação jurídica constituída para o incapaz, sob pena de nulidade. Todavia, a sentença de interdição, segundo entendimento pacificado pelo e. STJ, opera efeitos ex nunc, ou seja, produz efeitos a partir do momento em que proferida, de modo que os atos praticados pelo incapaz em momento anterior até podem ser reconhecidos nulos, porém, somente com a demonstração de que a incapacidade já estava presente ao tempo de sua realização e que esta limitava a compreensão adequada dos atos praticados.” E no caso, as provas produzidas não demonstram a ausência de capacidade de discernimento do autor no momento da celebração dos contratos, conforme bem destacado na sentença quando da análise das provas produzidas em sede de instrução. Portanto, o decreto de interdição, posterior à celebração dos contratos, não constitui prova suficiente para a anulação, devendo a sentença de improcedência ser mantida. Diante do exposto, nego provimento ao recurso de apelação. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majoro os honorários para 11% do valor atualizado da causa, observada a justiça gratuita concedida ao autor. É o voto.
O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco: Com a devida vênia ao e.Relator, acompanho a divergência lançada pelo e.Desembargador Federal Hélio Nogueira, porque as provas produzidas não demonstram a incapacidade de discernimento do autor no momento da celebração dos contratos.
O decreto de interdição, posterior à celebração dos contratos não constitui prova suficiente para a anulação de atos jurídicos anteriores, inexistindo elementos que levem a crer que terceiro tenha se aproveitado do valor dos empréstimos.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de apelação.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001202-94.2017.4.03.6111
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APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
V O T O
1. Anulabilidade dos contratos de empréstimo
Pretende o apelante a reforma da sentença que rejeitou a pretensão declaratória de nulidade dos negócios jurídicos por ele celebrados com a ré, por entender pela ausência de comprovação da incapacidade à época de sua assinatura. Sustenta, para tanto, que a sua incapacidade teve início na data do acidente de trânsito sofrido em 22/03/2011, quando passou a apresentar perda de memória, déficit de atenção e confusão mental.
Pois bem. Não obstante o respeitável parecer do MPF, tenho que o recurso merece provimento em parte.
Da análise dos autos, verifica-se que está demonstrado o acidente na data alegada (ID 29180936 – f. 30-36), assim como que este resultou ao autor, segundo exame de corpo de delito de f. 34 do ID retro, em 14/09/2012, “ofensa à integridade corporal compatível com o histórico alegado de acidente de trânsito, cujas lesões evoluíram para cura com sequelas de déficit de memória e estado mental alterado, além de debilidade permanente de membro”.
Segundo o laudo pericial produzido no bojo do processo de interdição do ora apelante (f. 52-54), em 03/03/2017, ele foi diagnosticado com “Transtorno Mental decorrente de lesão e disfunção Cerebral, tipo Transtorno Cognitivo Leve – CID X F. 06.7”, cujo aspecto principal é “um declínio no desempenho cognitivo. Isso pode incluir queixas de comprometimento de memória e dificuldades de aprendizagem ou de concentração.” (f. 53). Após o exame psiquiátrico, os peritos concluíram tratar-se de pessoa transitória e parcialmente incapaz de gerir sua vida e administrar seus bens de modo consciente e voluntário, apontando o início da incapacidade há seis anos – o que remonta à época do acidente de trânsito (03/2011).
Com o laudo pericial, foi decretada a interdição do autor no dia 30/03/2017, por sentença que reconheceu sua incapacidade relativa (f. 137-138).
Considerando os documentos nos autos dando conta de que os sintomas mentais que ensejaram a interdição do autor em 2017 são os mesmos que estão presentes desde 2011, sendo inclusive apontados como sequelas do acidente sofrido naquele ano, e especialmente diante do laudo de médicos especialistas apontando que sua incapacidade teve início à época daquele evento, entendo que não há como afastar a conclusão de que, ao tempo da celebração dos contratos com a CEF, em 2016, o ora apelante já não apresentava condições de exercer os atos da vida civil, entre eles atos negociais.
Corrobora o entendimento supra, o depoimento da testemunha Altieres Mariano, ex-cunhado de Valdeir, o qual, conforme transcrito na sentença, declarou que “após o evento o autor perdeu um pouco da memória, esquecendo-se de conversas recentes, e alterou o comportamento, não sendo mais a mesma pessoa que a testemunha conheceu antes do acidente. Afirma que é nítida a dificuldade de memória que o autor apresenta e que ele informou estar aposentado e que alguns descontos são realizados em seu benefício, mas que ele não sabe explicar o motivo.” (f. 173). Tal relato, somado à conclusão do laudo psiquiátrico produzido no bojo da interdição, permite inferir que os sintomas do autor persistiram desde o acidente sofrido, não havendo nos autos evidência do contrário.
Desse modo, tenho que está suficientemente demonstrado nos autos que a anomalia psíquica do autor já o acometia quando da celebração dos contratos de f. 100-108 e 109-113. Nesse caso, o fato da sentença de interdição ser posterior aos negócios jurídicos não impede que se decrete a sua anulabilidade à luz do art. 171, I, do Código Civil, consoante jurisprudência pacífica:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. INTERDIÇÃO. ANULABILIDADE DE ATOS. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. VIOLAÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. 1. Atos praticados pelo interditado anteriores à interdição podem ser anulados desde que provada a existência de anomalia psíquica no momento em que se praticou o ato que se quer anular. 2. Compete ao Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, a análise da interpretação da legislação federal, motivo pelo qual se revela inviável invocar, nesta seara, a violação de dispositivos constitucionais, porquanto matéria afeta à competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso III, da Constituição Federal). 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp n. 1.591.158/MG, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª Turma, j. 15/09/2016, DJe 26/09/2016)
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO PARA AQUISIÇÃO DE MATERIAL DE CONSTRUÇÃO - CONSTRUCARD. INCAPACIDADE DO CELEBRANTE. INTERDIÇÃO POSTERIOR AO CONTRATO. COMPROVAÇÃO DE INCAPACIDADE ANTERIOR. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO DA IMPORTÂNCIA RECEBIDA. 1. Embora a interdição tenha ocorrido somente em 2003, resta plenamente provado que desde o ano de 2000, o apelado encontrava-se afetado de grave doença mental. No momento da assinatura do contrato bancário (16/11/2001), o apelado já era incapaz. 2. "Os atos praticados pelo interditado anteriores à interdição podem ser anulados, desde que provada a existência de anomalia psíquica - causa da incapacidade - já no momento em que se praticou o ato que se quer anular." REsp 255271/GO, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 28/11/2000, DJ 05/03/2001, p. 171. 3. Reconhecida a incapacidade absoluta do réu no momento em que foi firmado o contrato, este é nulo. 4. Deve-se resguardar o direito dos terceiros de boa-fé que celebram negócios jurídicos com incapazes, se a incapacidade não era perceptível, e não ocasionou danos ao incapaz. Desta forma, embora reconhecida a nulidade do contrato, deve ser a CEF ressarcida do valor que emprestou, sem acréscimos, todavia, de juros e correção monetária, tendo em vista a nulidade do negócio jurídico. 5. Apelação parcialmente provida. (TRF1 – AC n. 0000936-69.2005.4.01.3400, Rel. Desa. Federal SELENE MARIA DE ALMEIDA, 5ª Turma, J. 25/07/2011, DJ 05/08/2011)
AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATOS BANCÁRIOS. INTERDIÇÃO. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE FIXADA NA SENTENÇA DE INTERDIÇÃO. PRESUNÇÃO. NULIDADE DOS CONTRATOS. ART. 166 DO CC/2002. SUCUMBÊNCIA. 1. Tratando de contrato de financiamento firmado antes do ajuizamento da ação de interdição, o negócio jurídico é anulável, desde que o mutuário comprove que não tinha discernimento na época da celebração da avença. Logo, é do mutuário o ônus da prova de que já apresentava incapacidade negocial por ocasião em que firmou os contratos, não se podendo falar em retroatividade dos efeitos da sentença de interdição. 2. No caso dos autos, todavia, a sentença de interdição expressamente reconheceu a existência de incapacidade para os atos da vida civil desde 06/01/2007. Logo, em que pese o desconhecimento da CEF acerca da existência da incapacidade civil do mutuário, fixada a data de início da incapacidade em sentença judicial transitada em julgado em data anterior, resta presumida a inexistência de capacidade e, em consequência, são nulos os negócios jurídicos firmados posteriormente, a teor do disposto no art. 166 do Código Civil/2002, na medida em que os incapazes não podem praticar nenhum negócio jurídico válido sem que estejam representados, razão pela deve ser provido o recurso para reformar a sentença, reconhecendo-se a nulidade dos negócios jurídico firmados entre as partes. 3. Tendo em vista a reforma da sentença devem ser invertidos os ônus sucumbenciais para condenar a CEF ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, devidamente atualizados. (TRF4 – AC n. 5001714-32.2013.4.04.7201/SC, Rel. Desa. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, 3ª Turma, J. 12/12/2019)
Neste ponto, registro que a manifestação de vontade de Valdeir no acordo celebrado na ação de divórcio (f. 37-38), em 16/10/2014, não infirma a conclusão supra alcançada. Como visto, a incapacidade do autor reconhecida pela sentença de interdição é de natureza relativa, ou seja, a ausência da devida assistência não macula de invalidade insanável o negócio praticado. Nessas hipóteses, ao contrário da incapacidade absoluta, o negócio jurídico é passível de convalidação pelas partes e pelo assistente (arts. 172 e 176 do Código Civil), bem como pelo decurso de tempo (art. 178). Por isso, ele produz efeitos até que seja anulado por sentença, a qual depende de provocação da parte interessada (art. 177).
Assim, inexiste contrariedade legal a eventual subsistência do negócio praticado pelo autor no processo de dissolução da sociedade conjugal e a paralela anulação dos contratos celebrados com a CEF.
Concluindo-se pela anulabilidade dos contratos impugnados, as partes devem ser restituídas ao estado anterior, nos termos do art. 182 do Código Civil. Assim, faz-se necessária a devolução, pela CEF, dos valores descontados dos proventos e da conta corrente do autor para quitação dos empréstimos de f. 100-108 e 109-113, observada a correção monetária pelo IPCA-E a partir de cada desconto, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Com fulcro no mesmo dispositivo legal, a CEF fica autorizada a descontar do valor a ser restituído ao autor a quantia mutuada em decorrência dos contratos anulados, cuja disponibilização em conta foi comprovada pelos extratos de f. 96 (lançamentos em 27/04/2016 e 31/08/2016). O montante a ser descontado também deve ser atualizado pelo IPCA-E a partir da data de cada liberação.
Registro que não incide no caso o disposto no art. 181 do Código Civil (“Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga.”), uma vez que está devidamente demonstrado que, após os depósitos pela CEF, os valores foram sacados pelo mutuário (em 29/04/2016 e 01/09/2016), tendo sido por ele aproveitados.
Isso ultrapassado, é de se analisar os pedidos de repetição em dobro e indenização por danos morais.
2. Repetição do indébito em dobro
Como é sabido, para fins de devolução em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, a jurisprudência entende pela necessidade de se demonstrar não só o efetivo pagamento da quantia, mas também a má-fé da fornecedora na cobrança. Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM DANOS MORAIS. TRIBUNAL DE ORIGEM CONCLUIU QUE NÃO HOUVE PROVA DA MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INAPLICABILIDADE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. RESTITUIÇÃO SIMPLES. ACÓRDÃO ESTADUAL DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. "A repetição em dobro de valores indevidamente cobrados e/ou descontados exige a demonstração da má-fé do credor" (AgRg no AREsp 167.156/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 1º/12/2015, DJe de 03/12/2015). 2. No caso, o Tribunal de origem, com arrimo no acervo fático-probatório carreado aos autos, concluiu que não ficou demonstrada a má-fé ou dolo da instituição financeira, concluindo pela repetição do indébito na forma simples. 3. Estando o v. acórdão estadual em consonância com a jurisprudência do STJ, o apelo nobre encontra óbice na Súmula 83/STJ. 4. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no AREsp n. 1.501.756/SC, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, 4ª Turma, J. 10/10/2019, DJe 25/10/2019)
RECURSO ESPECIAL. BANCÁRIO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TARIFA DE MANUTENÇÃO DE TÍTULO VENCIDO. COBRANÇA. PESSOA JURÍDICA. PREVISÃO CONTRATUAL. NECESSIDADE. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. AFASTAMENTO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A legalidade da cobrança de tarifas bancárias deve ser examinada à luz da Lei nº 4.595/1964, que regula o sistema financeiro nacional e determina que compete ao Conselho Monetário Nacional limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros e ao Banco Central do Brasil cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional (arts. 4º, IX, e 9º). 3. Atualmente, a cobrança de tarifas bancárias é disciplinada pela Resolução CMN nº 3.919/2010, que manteve a mesma essência do regramento anterior (Resolução CMN nº 3.518/2007), na parte que impedia a cobrança de tarifas pela prestação de serviços bancários essenciais a pessoas naturais e limitava a exigibilidade de outras tarifas decorrentes da prestação de serviços prioritários, especiais e diferenciados às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora. 4. A limitação prevista tanto na Resolução CMN nº 3.518/2007 quanto na Resolução CMN nº 3.919/2010 somente se aplica às pessoas naturais. As tarifas relativas a serviços prestados a pessoas jurídicas não foram padronizadas, podendo ser livremente cobradas pelas instituições financeiras, desde que contratualmente previstas ou previamente autorizado ou solicitado o respectivo serviço pelo cliente ou usuário. 5. Hipótese em que a instituição financeira demandada não demonstrou a existência de prévia pactuação para fins de cobrança da Tarifa de Manutenção de Título Vencido, decorrendo daí a sua ilegalidade. 6. A aplicação do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, que determina a devolução em dobro do indébito, exige, além da cobrança de quantia indevida, a configuração de má-fé do credor, o que não se verifica no caso em apreço. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ – REsp n. 1.626.275/RJ, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª Turma, J. 04/12/2018, DJe 07/12/2018)
Na espécie, tenho que não há evidências de má-fé ou dolo da CEF, uma vez que, embora o autor já apresentasse incapacidade relativa ao tempo da contratação, não restou demonstrado a que ponto seus sintomas eram perceptíveis ao terceiro leigo e ignorante de sua condição mental. Conforme se vê da sentença, nenhuma das testemunhas ouvidas o acompanharam à instituição financeira (f. 173), pelo que não há evidências suficientes do estado em que ele se apresentou aos prepostos da ré.
Ausentes elementos que indiquem que a CEF tenha procedido de forma dolosa ou de má-fé, a boa-fé da credora deve ser presumida, afastando-se a penalidade do art. 42, parágrafo único, do CDC. Vale lembrar, neste ponto, que "A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova" (STJ - REsp n. 956.943/PR, Rel. p/ Acórdão Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Corte Especial, DJe 01/12/2014).
Portanto, o autor faz jus unicamente à repetição simples após descontados os valores mutuados pela CEF, como determinado anteriormente.
3. Danos morais
Como se sabe, a responsabilidade da fornecedora pelos danos causados aos consumidores por falha na prestação do serviço é apurada de forma objetiva, à luz do art. 14 do CDC: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Na espécie, ainda que não observada, como dito, dolo ou má-fé da instituição financeira, a falha na prestação do serviço se evidencia na celebração de contrato de empréstimo com pessoa relativamente incapaz. Nesse caso, o autor faz jus à indenização pelos prejuízos morais ou materiais que eventualmente decorreram de tal falha, desde que presentes os demais requisitos da responsabilidade civil objetiva: o nexo de causalidade e a ocorrência do dano.
Tenho, contudo, que não está suficientemente demonstrado nos autos que a celebração do negócio jurídico anulável tenha causado ao autor danos de ordem moral, causando-lhe abalo psíquico e/ou à sua honra e imagem. Embora tenha sofrido descontos em seus proventos de aposentadoria e conta bancária relativos ao empréstimo irregular, ele também se beneficiou de tais operações ao receber os valores mutuados que, como já explanado, foram devidamente sacados.
Ademais, não há qualquer prova nos autos de que dos contratos em questão tenha resultado inscrição em cadastro de inadimplentes ou protesto em desfavor do ora apelante. De igual modo, inexistem evidências da alegada situação de miserabilidade econômica, bem como que esta tenha sido causada exclusivamente pelos empréstimos celebrados com a ré.
Não demonstrado que a situação reconhecida nos autos tenha causado ao autor abalo moral que exceda o mero dissabor, é o caso de se rejeitar a pretensão indenizatória. Nesse sentido:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO POR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. DANOS MORAIS. NÃO CABIMENTO. Caso em que o demandante, militar reformado por incapacidade mental, representado por sua esposa, busca a nulidade de contrato de empréstimo consignado realizado junto à CEF, bem assim a suspensão do desconto e a restituição dos valores debitados a este título, além de indenização por danos morais, sob a alegação de que o contratado é absolutamente incapaz, estando, inclusive, interditado. A magistrada singular restou por julgar parcialmente procedente o pedido, determinando a compensação dos valores emprestados com os pagos pelo incapaz de forma parcelada, recorrendo unicamente o particular, apenas quanto à pretensão à indenização por danos morais, não sendo ainda, caso de remessa oficial; Não se há falar de indenização por dano moral, ante a ausência da comprovação de constrangimento ou desconforto que a ensejasse; Apelação desprovida. (TRF5 – AC n. 0801322-12.2013.4.05.8400, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, 2ª Turma, J. 20/07/2016)
Portanto, a pretensão indenizatória por danos morais não merece acolhida.
4. Dispositivo
Ante o exposto, CONHEÇO E DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação apenas para, com fulcro no art. 171, I, do Código Civil, ANULAR os contratos de n. 24.0320.106.0000579-40 (ID 29180936 – f. 100-108) e n. 20.0320.102.0000363-89 (f. 109-113) e DETERMINAR o retorno das partes ao estado anterior, mediante a devolução, pela CEF, dos valores descontados dos proventos e da conta corrente do autor para quitação dos empréstimos devidamente corrigidos pelo IPCA-E a partir de cada desconto, conforme o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Fica a CEF autorizada a compensar do valor a ser restituído a quantia mutuada em decorrência dos contratos anulados, também atualizada pelo IPCA-E a partir da data de cada liberação.
Com o acolhimento parcial do recurso, altera-se a sucumbência distribuída na sentença. Nos termos do art. 86 do CPC, condeno cada parte ao pagamento de 50% das despesas processuais e dos honorários advocatícios lá fixados. Majoro os honorários devidos em favor do patrono do autor em 1% (um por cento) sobre o proveito econômico obtido (valor a ser restituído), à luz do art. 85, §§ 2º e 11, do CPC.
As verbas de responsabilidade do autor têm sua exigibilidade condicionada à hipótese do art. 98, § 3º, do CPC.
É como voto.
E M E N T A
CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 942 DO CPC. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS. INCAPACIDADE À ÉPOCA DA ASSINATURA. INOCORRÊNCIA.
1 – Recurso de apelação interposto em face de sentença que julgou improcedente ação para anulação de contratos de empréstimos em razão de incapacidade absoluta do autor à época da assinatura.
2 – Não há prova suficiente de que o autor, no momento da celebração dos contratos, encontrava-se plenamente incapacitado para a celebração dos atos da vida civil.
3 – Os contratos de empréstimos foram celebrados em abril e agosto do ano de 2016. A sentença de interdição foi proferida em momento posterior, em 30.03.2017.
4 – As provas produzidas não demonstram a ausência de capacidade de discernimento do autor no momento da celebração dos contratos, conforme bem destacado na sentença quando da análise das provas produzidas em sede de instrução.
5 – O decreto de interdição, posterior à celebração dos contratos, não constitui prova suficiente para a anulação, devendo a sentença de improcedência ser mantida.
6 – Recurso de apelação a que se nega provimento. Honorários majorados (art. 85, § 11, CPC).