APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002886-31.2019.4.03.6100
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR
APELADO: UNIMED DE ARARAQUARA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO
Advogado do(a) APELADO: LEONARDO FRANCO DE LIMA - SP195054-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002886-31.2019.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR APELADO: UNIMED DE ARARAQUARA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO Advogado do(a) APELADO: LEONARDO FRANCO DE LIMA - SP195054-A OUTROS PARTICIPANTES: jcc R E L A T Ó R I O Apelação interposta pela Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (Id. 141100853) contra sentença que, em sede de ação de rito ordinário, julgou procedente o pedido para: "reconhecer a inexistência de relação jurídico-tributária apta a ensejar o recolhimento da taxa instituída pelo artigo 18 da Lei nº 9.961/2000 com os delineamentos promovidos pela Resolução da Diretoria Colegiada nº 10/2000 da ANS e condená-la à restituição dos valores recolhidos até os 5 anos anteriores a propositura da ação, acrescidos, exclusivamente, da taxa SELIC, por se tratar de prestação com natureza tributária", bem como ao pagamento das custas e honorários advocatícios nos percentuais mínimos previstos nos incisos do parágrafo 3º c/c o parágrafo 5º do artigo 85 do Código de Processo Civil (Id. 141100850). Alega, em síntese, que: a) tem a função de fiscalizar e garantir o efetivo cumprimento da Lei nº 9.656/98 (Lei nº 9.961/2000, art. 1º a 4º, CF, arts. 174 e 197); b) a taxa de saúde suplementar, prevista no artigo 20 da Lei nº 9.961/2000, está em consonância e harmonia com a Constituição Federal (arts. 150, inc. I, e 174) e com a legislação infraconstitucional; c) há perfeita correspondência entre a base de cálculo e o custo da atividade estatal (Lei nº 9.961/2000, arts. 18 e 20, inc. II); d) o critério do número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde tem relação com o custo da fiscalização; e) quanto maior o porte da operadora maior e mais intensa será a prática das atividades relacionadas; f) caso seja mantida a obrigação de restituir, o valor devido será o recolhido a maior em decorrência do critério de apuração empregado na RN n. 89/05; g) a prescrição é quinquenal. Contrarrazões apresentadas no Id. 141100857, nas quais a apelada requer seja desprovido o recurso. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002886-31.2019.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR APELADO: UNIMED DE ARARAQUARA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO Advogado do(a) APELADO: LEONARDO FRANCO DE LIMA - SP195054-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Apelação interposta pela Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (Id. 141100853) contra sentença que, em sede de ação de rito ordinário, julgou procedente o pedido para: "reconhecer a inexistência de relação jurídico-tributária apta a ensejar o recolhimento da taxa instituída pelo artigo 18 da Lei nº 9.961/2000 com os delineamentos promovidos pela Resolução da Diretoria Colegiada nº 10/2000 da ANS e condená-la à restituição dos valores recolhidos até os 5 anos anteriores a propositura da ação, acrescidos, exclusivamente, da taxa SELIC, por se tratar de prestação com natureza tributária", bem como ao pagamento das custas e honorários advocatícios nos percentuais mínimos previstos nos incisos do parágrafo 3º c/c o parágrafo 5º do artigo 85 do Código de Processo Civil (Id. 141100850). 1. DA INEXIGIBILIDADE DA TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR Primeiramente, é de rigor um breve relato do tributo em comento, a fim de facilitar o entendimento do tema. A taxa de saúde suplementar foi instituída inicialmente pela Medida Provisória nº 1928, de 25/11/1999, reeditada por meio das Medidas Provisórias nº 2003-1, de 14/12/1999, e nº 2012-2, de 30/12/1999, e convertida na Lei nº 9.961, de 28/01/2000, cujo artigo 18 dispôs: Art. 18. É instituída a Taxa de Saúde Suplementar, cujo fato gerador é o exercício pela ANS do poder de polícia que lhe é legalmente atribuído. De acordo com a norma colacionada, foi originada do poder de polícia atribuído à Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia criada sob regime especial e vinculada ao Ministério da Saúde, cujas finalidade e atribuições estão dispostas nos artigos 1º a 4º da Lei nº 9.961/2000. Tal regra instituidora tem seu fundamento de validade nos artigos 145, inciso II e § 2º, e 174 da Constituição Federal e 77 e 78 do Código Tributário Nacional, verbis: CF. Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. § 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. CTN. Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas. (Vide Ato Complementar nº 34, de 1967) Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966) Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Tem como sujeito passivo as pessoas jurídicas, condomínios ou consórcios instituídos sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa ou entidade de autogestão que operam com produto, serviço ou contrato com a finalidade de garantia da saúde, com vista à assistência médica, hospitalar e odontológica, segundo estabelece o artigo 19 da Lei nº 9.961/2000: Art. 19. São sujeitos passivos da Taxa de Saúde Suplementar as pessoas jurídicas, condomínios ou consórcios constituídos sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa ou entidade de autogestão, que operem produto, serviço ou contrato com a finalidade de garantir a assistência à saúde visando a assistência médica, hospitalar ou odontológica. Sua base de cálculo foi definida pelo artigo 20 da Lei nº 9.961/2000, assim redigido: Art. 20. A Taxa de Saúde Suplementar será devida: I - por plano de assistência à saúde, e seu valor será o produto da multiplicação de R$ 2,00 (dois reais) pelo número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde, deduzido o percentual total de descontos apurado em cada plano, de acordo com as Tabelas I e II do Anexo II desta Lei; II - por registro de produto, registro de operadora, alteração de dados referente ao produto, alteração de dados referente à operadora, pedido de reajuste de contraprestação pecuniária, conforme os valores constantes da Tabela que constitui o Anexo III desta Lei. § 1º Para fins do cálculo do número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde, previsto no inciso I deste artigo, não serão incluídos os maiores de sessenta anos. § 2º Para fins do inciso I deste artigo, a Taxa de Saúde Suplementar será devida anualmente e recolhida até o último dia útil do primeiro decêndio dos meses de março, junho, setembro e dezembro e de acordo com o disposto no regulamento da ANS. § 3º Para fins do inciso II deste artigo, a Taxa de Saúde Suplementar será devida quando da protocolização do requerimento e de acordo com o regulamento da ANS. § 4º Para fins do inciso II deste artigo, os casos de alteração de dados referentes ao produto ou à operadora que não produzam consequências para o consumidor ou o mercado de saúde suplementar, conforme disposto em resolução da Diretoria Colegiada da ANS, poderão fazer jus a isenção ou redução da respectiva Taxa de Saúde Suplementar. § 5º Até 31 de dezembro de 2000, os valores estabelecidos no Anexo III desta Lei sofrerão um desconto de 50% (cinquenta por cento). § 6º As operadoras de planos privados de assistência à saúde que se enquadram nos segmentos de autogestão por departamento de recursos humanos, ou de filantropia, ou que tenham número de usuários inferior a vinte mil, ou que despendem, em sua rede própria, mais de sessenta por cento do custo assistencial relativo aos gastos em serviços hospitalares referentes a seus Planos Privados de Assistência à Saúde e que prestam ao menos trinta por cento de sua atividade ao Sistema Único de Saúde - SUS, farão jus a um desconto de trinta por cento sobre o montante calculado na forma do inciso I deste artigo, conforme dispuser a ANS. § 7º As operadoras de planos privados de assistência à saúde que comercializam exclusivamente planos odontológicos farão jus a um desconto de cinquenta por cento sobre o montante calculado na forma do inciso I deste artigo, conforme dispuser a ANS. § 8º As operadoras com número de usuários inferior a vinte mil poderão optar pelo recolhimento em parcela única no mês de março, fazendo jus a um desconto de cinco por cento sobre o montante calculado na forma do inciso I deste artigo, além dos descontos previstos nos §§ 6o e 7o, conforme dispuser a ANS. § 9º Os valores constantes do Anexo III desta Lei ficam reduzidos em cinquenta por cento, no caso das empresas com número de usuários inferior a vinte mil. § 10º Para fins do disposto no inciso II deste artigo, os casos de alteração de dados referentes a produtos ou a operadoras, até edição da norma correspondente aos seus registros definitivos, conforme o disposto na Lei no 9.656, de 1998, ficam isentos da respectiva Taxa de Saúde Suplementar. § 11º Para fins do disposto no inciso I deste artigo, nos casos de alienação compulsória de carteira, as operadoras de planos privados de assistência à saúde adquirentes ficam isentas de pagamento da respectiva Taxa de Saúde Suplementar, relativa aos beneficiários integrantes daquela carteira, pelo prazo de cinco anos. Verifica-se que a norma instituidora do tributo definiu como base de cálculo "o produto da multiplicação de R$ 2,00 (dois reais) pelo número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde, deduzido o percentual total de descontos apurado em cada plano" e, a fim de regulamentar o seu recolhimento e afastar a dificuldade criada pela expressão "número médio de usuários", foi editada a Resolução RDC nº 10, de 03/03/2000, alterada pelas Resoluções RDC nº 07/2002 e, posteriormente pela nº 89/2005, cujos artigos 3º e 6º estabeleceram: Art. 3º A Taxa de Saúde Suplementar por plano de assistência à saúde será calculada pela média aritmética do número de usuários no último dia do mês dos 3 (três) meses que antecederem ao mês do recolhimento, de cada plano de assistência à saúde oferecido pelas operadoras, na forma do Anexo II. § 1º Será considerado para cada mês o total de usuários aferido no último dia útil, devendo ser excluídos, para fins de base de cálculo, o total de usuários que completarem 60 anos no trimestre considerado. § 2º As operadoras que disponham de usuários em mais de um plano de assistência à saúde deverão enviar a Tabela constante do Anexo III devidamente preenchida. § 2º Todas as entidades sujeitas à fiscalização da ANS, designadas genericamente como operadoras, independentemente do número de planos de assistência à saúde que mantenham, ou do seu nível de atividade, são obrigadas a enviar a Tabela constante do Anexo III devidamente preenchida. (Redação dada pela RDC nº 23, de 2000) § 3º A Tabela mencionada no parágrafo anterior deverá ser preferencialmente enviada através de transmissão eletrônica de dados pela rede INTERNET ou de meio magnético (disquete de 3½''). (Redação dada pela RDC nº 23, de 2000) § 4º A partir do primeiro decêndio do trimestre seguinte ao de seu registro provisório na ANS, as operadoras de planos de saúde que não possuem beneficiários de seus planos deverão enviar a Tabela prevista no Anexo III desta RDC informando que não têm nenhum beneficiário. (Redação dada pela RDC nº 23, de 2000) § 5º As informações prestadas pelas operadoras poderão ser auditadas a qualquer tempo pela ANS. Art. 6º O primeiro recolhimento da taxa de que trata esta RDC deverá ser efetuado até 31 de março do 2000. Parágrafo único. Para efeito de cálculo do recolhimento que trata o caput deverá ser utilizado o número de usuários, com idade inferior a 60 anos, no último dia dos meses de janeiro e fevereiro do corrente ano, aplicando-se no que couber, o disposto no Anexo II, dividindo, neste caso, por dois. Da leitura da norma colacionada verifica-se que somente após a sua edição foi possível a mensuração matemática da base de cálculo da taxa em comento. Entretanto, no intuito de regulamentar a Lei nº 9.961/2000, a RDC nº 10/2000 estabeleceu a própria base de cálculo da exação em violação ao estatuído no artigo 97, inciso IV, do Código Tributário Nacional, de seguinte teor: Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. De acordo com referido texto normativo, somente a lei em sentido estrito pode indicar os elementos essenciais do tributo, quais sejam, o fato gerador da obrigação tributária principal, seu sujeito passivo e a fixação da alíquota e da sua base de cálculo, de modo que o artigo 3º da RDC nº 10/2000, ao alterar a definição da base de cálculo da taxa de saúde suplementar, modificou o próprio tributo, em flagrante violação ao estatuído pelo artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, que trata do princípio da legalidade tributária, garantia fundamental do contribuinte brasileiro, verbis: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...) Tal entendimento foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 728.330/RJ, cuja relatora, Ministra Denise Arruda, assentou que: "Nesse contexto, no que toca especificamente à taxa instituída pela Lei nº 9.96161/2000, extrai-se da leitura do art. 2020, I, que a base de cálculo da Taxa de Saúde Suplementar será correspondente ao" número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde ". Posteriormente, veio a Resolução RDC nº 1010/2000, em seu art. 3º, caput, delinear a base de cálculo do referido tributo como sendo a "média aritmética do número de usuários no último dia do mês dos 3 (três) meses que antecederam ao mês de recolhimento, de cada plano de assistência à saúde oferecido pelas operadoras". Nesses termos, a problemática surgida com a identificação da base de cálculo reside em saber se, tendo a lei se referido ao "número médio", tal componente seria suficiente para efetuar a devida mensuração do fato econômico relativo à incidência do tributo em evidência. Parece-nos indubitável que a imprecisão dos termos utilizados pelo legislador leva-nos, sem maiores esforços matemáticos, a concluir pela impossibilidade de uma quantificação objetiva para o cálculo da taxa. Mais especificamente, a palavra " média ", em termos estatísticos, tem o seguinte significado:" valor calculado a partir de uma distribuição, segundo regra previamente definida, e que representa essa distribuição " (v. Dicionário Houaiss);" numa distribuição, valor que se determina segundo uma regra estabelecida a priori e que se utiliza para representar todos os valores da distribuição "(v. Dicionário Aurélio). Assim, pode-se verificar que somente por meio da previsão do art. 3º da mencionada Resolução é que foi possível atribuir uma perspectiva objetivamente mensurável à base de cálculo da Taxa de Saúde Suplementar. Desta feita, no intuito de apenas regulamentar a dicção legal, tal ato normativo infralegal acabou por ter o condão de estabelecer, por assim dizer, a própria base de cálculo da referida taxa. A partir disso, cabe-nos examinar a validade da Resolução RDC nº 10/2000, em confronto com o disposto no art. 97, IV, do CTN, que dispõe: "Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: (...) IV- a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 211,266,399,577 e 65" Considerando-se, dessa forma, a imposição da legalidade estrita delineada acima, temos que não se pode aceitar a fixação de base de cálculo por outro instrumento normativo que não a lei em seu sentido formal, motivo pelo qual afigura-se inválida a previsão contida no art. 3ºº da Resolução RDC nº1000/2000, ato infralegal que, por fixar - de fato - a base de cálculo da Taxa de Saúde Suplementar, incorreu em afronta ao disposto no art.9777, IV, doCTNN. [...] Não vale o argumento de que a lei pode limitar-se a dizer que o tributo fica criado, reportando-se simplesmente ao núcleo de sua hipótese de incidência, posto que o Poder Executivo, com fundamento em seu poder regulamentar, estaria autorizado a estabelecer todos os elementos necessários à fiel execução da lei. Como assevera, com absoluta propriedade Roque Antonio Carrazza, invocando Jarach, equivocam-se "os que apregoam que o Chefe do Executivo, no que tange aos tributos, pode terminar a obra do legislador, regulamentando tudo aquilo que ele se limitou a descrever com traços largos. Falando pela via ordinária, o poder regulamentar serve para ressaltar alguns conceitos menos claros contidos na lei, mas, não para lhes apregoar novos componentes ou, o que é pior, para defini-los a partir do nada". O regulamento realmente nada mais é do que uma interpretação dada pelo Chefe do Poder Executivo às normas contidas na lei . Não mais do que isso. Assim, vincula apenas quem esteja subordinado hierarquicamente a ele. Pode apenas adotar, diante de conceitos vagos, uma das interpretações razoáveis da norma em que tais conceitos estejam encartados. E assim deve ser, evitando-se que as diversas autoridades da Administração Tributária adotem cada qual a interpretação que lhe pareça melhor. Não pode, todavia, o regulamento, ou qualquer outra norma que não seja lei, criar nenhum dos elementos essenciais da obrigação tributária principal. Na lei não deve estar apenas a hipótese de incidência tributária. No dizer de Paulo de Barros Carvalho, a lei deve enunciar os elementos indispensáveis à compostura do vínculo obrigacional. Assim, o que a lei deve prever não é apenas a hipótese de incidência, em todos os seus aspectos. Deve estabelecer tudo quanto seja necessário à existência da relação obrigacional tributária. Deve prever, portanto, a hipótese de incidência e o consequente mandamento. A descrição do fato temporal e da correspondente prestação, com todos os seus elementos essenciais, e ainda a sanção, para o caso de não-prestação." ( Comentários ao Código Tributário Nacional , Volume II, São Paulo: Atlas, 2004, pp. 48-49, grifou-se). [...] Assim, conclui-se que, tendo a Resolução RDC nº1000 (art. 3º) extrapolado sua função regulamentar, forçoso é o reconhecimento da inexigibilidade da taxa criada pela Lei996111/2000, levando-se em consideração a ineficácia técnico-jurídica dos dispositivos legais que versam sobre o indigitado tributo." Essa é a orientação predominante nas turmas da corte superior, conforme jurisprudência ora colacionada: "PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO. CARACTERIZAÇÃO. TAXA SUPLEMENTAR DE SAÚDE. LEI N. 9.961/00. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA PELA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE. 1. Discute-se nos presentes autos a constitucionalidade e legalidade da Taxa de Saúde Suplementar instituída pela Lei 9.961/2000. Nas razões de apelação, o ora recorrente postulou a reforma da sentença de improcedência do pedido, com base nos seguintes argumentos: (a) ausência de efetivo exercício do poder de polícia pela Agência Nacional de Saúde; (b) necessidade de edição de lei complementar para a fixação do fato gerador, base de cálculo e contribuinte da referida exação; e (c) ofensa ao princípio da anterioridade para cobrança da taxa no exercício de 2000, haja vista que a lei que a instituiu é de 28.1.2000. 2. O acórdão recorrido concluiu pela constitucionalidade da Taxa de Saúde Suplementar enfrentando exaustivamente a questão da competência da União para sua instituição, além da reconhecer inexistir qualquer inconstitucionalidade relativa à base de cálculo, sujeito passivo e fato gerador da taxa ora impugnada. Todavia, não houve qualquer menção no voto condutor do acórdão quanto à alegada ausência de efetivo exercício do poder de polícia, na medida em que a taxa em questão teria sido criada antes mesmo da implementação da Agência Nacional de Saúde, o que, no entender do recorrente, afrontaria o disposto nos arts. 77 e 78 do Código Tributário Nacional. 3. Instado a se manifestar sobre o ponto via embargos de declaração, a instância ordinária revisora rejeitou os aclaratórios, mantendo-se silente quanto ao ponto, o que enseja o reconhecimento da ofensa ao art. 535 do CPC. 4. Recurso especial provido." (STJ - REsp: 769475 RJ 2005/0116751-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 27/04/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/05/2010) "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR. BASE DE CÁLCULO EFETIVAMENTE DEFINIDA NA RESOLUÇÃO RDC N. 10. VIOLAÇÃO AO ART. 97, I E IV, DO CTN. INEXIGIBILIDADE DO TRIBUTO PELA INEFICÁCIA TÉCNICA E JURÍDICA DA LEI 9.661/00. ERRO MATERIAL EVIDENCIADO. 1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver no acórdão ou sentença omissão, contradição ou obscuridade, nos termos do art. 535, I e II, do CPC, ou para sanar erro material. 2. Caso em que o acórdão embargado não conheceu do recurso especial sob o argumento de que a verificação dos requisitos necessários à instituição da Taxa de Saúde Suplementar demanda a discussão acerca da constitucionalidade da Lei 9.961/2000 em face do art. 145 da CF/88, matéria cuja discussão é inviável em sede de recurso especial. 3. O Supremo Tribunal Federal assentou entendimento segundo o qual a controvérsia acerca da exigibilidade da Taxa de Saúde Suplementar está restrita ao âmbito da legislação infraconstitucional, uma vez que a ofensa à Constituição Federal, acaso existente, seria meramente reflexa. Precedentes: RE 430.267. Min. Eros Grau, DJ de 6/6/2008; AI 660.203/RJ, Min. Gilmar Mendes, DJ de 7/3/2008; EDcl no AgRg no AgRg no Ag 758.270/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 8/3/2007. 4. Por consequente, quanto à violação à legislação infraconstitucional, verifica-se que somente por meio da previsão do art. 3º da Resolução RDC n. 10/00 foi possível atribuir uma perspectiva objetivamente mensurável à base de cálculo da Taxa de Saúde Suplementar. Desta feita, no intuito de apenas regulamentar a dicção legal, tal ato normativo acabou por ter o condão de estabelecer a própria base de cálculo da referida taxa. 5. Não se pode aceitar a fixação de base de cálculo por outro instrumento normativo que não a lei em seu sentido formal, motivo pelo qual afigura-se inválida a previsão contida no art. 3º da Resolução RDC n. 10/00, ato infralegal que, por fixar a base de cálculo da Taxa de Saúde Suplementar, incorreu em afronta ao disposto no art. 97, IV, do CTN. Precedentes: REsp 728.330/RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 15/04/2009; REsp 963.531/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 10/6/2009. 6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para dar provimento ao recurso especial. (STJ - EDcl no REsp: 1075333 RJ 2008/0159609-0, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 18/05/2010, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/06/2010) Esta corte também já se manifestou sobre o tema: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR - TSS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. INEXIGIBILIDADE. TUTELA ANTECIPADA. DEPÓSITO JUDICIAL. INEXIGÍVEL. 1. Há relevância jurídica na tese da agravada, considerando que é pacífico o entendimento firmado no STJ no sentido da inexigibilidade da Taxa de Saúde Suplementar - TSS (artigo 20, incisos I e II, da Lei 9.961/2000), por violação ao princípio da legalidade. 2. Sendo plausível o direito buscado pela agravada na ação declaratória, merece ser mantida a decisão proferida, independentemente da realização de depósito judicial. 3. Agravo de Instrumento desprovido." (TRF3, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0008021-81.2016.4.03.0000/SP, relator Des. Fed. CARLOS MUTA, j. 30/06/2016, De 11/07/2016) "ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. TAXA DE SAUDE SUPLEMENTAR. LEI Nº 9.961/2000. BASE DE CÁLCULO ESTABELECIDA PELA RESOLUÇÃO RDC Nº 10, DE 03 DE MARÇO DE 2000. VIOLAÇÃO ÀS DISPOSIÇÕES DO ARTIGO 97 DO CTN. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO FISCAL. RECURSO DE APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDOS. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ firmou o entendimento de que, embora a Lei n. 9.961/2000 (art. 20) tenha instituído a Taxa de Saúde Complementar, sua base de cálculo só foi efetivamente definida pelo art. 3º da Resolução nº 10, da Diretoria Colegiada da ANS, eis que, 'no intuito de apenas regulamentar a dicção legal, tal ato normativo acabou por ter o condão de estabelecer a própria base de cálculo da referida taxa', o que a torna inexigível por ofensa ao princípio da legalidade estrita, previsto no art. 97, I e IV, do CTN (EDcl no REsp 1.075.333/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 02/06/2010). 2. Com efeito, a base de cálculo dos tributos deve ser fixada por lei em seu sentido formal, razão pela qual se mostra inválido o ato de fixá-la por outro instrumento normativo, razão pela qual a previsão contida na Resolução RDC nº 10/2000, ato infralegal que, por fixar, de fato, a base de cálculo da Taxa de Saúde Suplementar, culminou por afrontar o disposto no artigo 97, IV, do CTN. Precedentes do STJ: REsp nº 728.330/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 15.04.2009; REsp nº 963.531/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 10.06.2009. 3. Conforme consignado na decisão recorrida, é ilegal a cobrança da Taxa de Saúde Suplementar (TSS) exigida com base no art. 3º, da Resolução RDC 10/2000 e pela Resolução Normativa NR nº 89/2005, da ANS devendo, portanto, ser cancelada a Certidão de Dívida Ativa ante a inexigibilidade do débito, declarando extinta a execução fiscal. 4. Reexame necessário e recurso de apelação desprovido. (TRF3, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0004545-92.2013.4.03.6126/SP, relator Des. Fed. ANTÔNIO CEDENHO, j. 05/05/2016, De 16/05/2016) Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que a questão da alteração da base de cálculo da taxa de saúde suplementar efetuada pela RDC nº 10/2000 gerou violação constitucional reflexa, que inviabiliza o conhecimento dos recursos extraordinários, na medida em que o exame do tema demandaria a análise prévia da legislação infraconstitucional aplicada à espécie (Lei nº 9.961/2000 e Código Tributário Nacional). Nesse sentido: "AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR. LEI 9.961/00. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. MOMENTO DE OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO IMPROVIDO. I - O entendimento adotado por ambas as Turmas desta Corte é no sentido de que a discussão referente à legitimidade da Taxa de saúde suplementar, instituída pela Lei 9.961/00, depende da análise de norma infraconstitucional e, por isso, a afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. Precedentes. II - A controvérsia sobre o momento de ocorrência do fato gerador da Taxa de saúde suplementar demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. Precedente. III - Agravo regimental improvido." (g.n.) (AI nº 745.649/RJ-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Dje de 15/6/11) "AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA OU REFLEXA. O debate sobre a legitimidade da taxa de saúde suplementar demanda exame de legislação infraconstitucional, o que torna inadmissível o recurso extraordinário. Agravo regimental a que se nega provimento." (g.n.) (AI nº 634.885-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa , DJe 1/10/10) "AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR. LEI Nº 9.961/2000. CARÁTER INFRACONSTITUCIONAL DA CONTROVÉRSIA. REEXAME FÁTICO. SÚMULA 279/STF. O acórdão recorrido considerou legítima a Taxa de Saúde Suplementar instituída pela Lei nº 9.961/2000. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que o deslinde da controvérsia depende previamente do exame de legislação infraconstitucional. Precedentes. Não obstante a ausência de repercussão constitucional imediata, o acolhimento da pretensão importaria o revolvimento de fatos e provas para concluir pela inexistência de fiscalização ou inexistência de aparato administrativo apto a realizar a atividade de polícia em concreto. Agravo regimental a que se nega provimento." (g.n.) (RE nº 601.105/RJ -?AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, Dje 17/6/14) "AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR. CARÁTER INFRACONSTITUCIONAL DA CONTROVÉRSIA. Ambas as Turmas desta Suprema Corte decidiram que o exame da validade da Taxa de Saúde Suplementar instituída pela Lei n. 9.961/2000 toma por parâmetro direto de controle o próprio texto da lei federal, de modo que eventual violação constitucional seria indireta ou reflexa. Agravo regimental ao qual se nega provimento" (g.n.) (AI 545.379-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 19.6.2012). Destarte, deve ser reconhecida a inexigibilidade da taxa de saúde suplementar cobrada nos termos do artigo 3º da RDC nº10/2000 por violação ao princípio da legalidade. Ressalta-se que o fato de a Resolução RDC nº 10/2000 ter sido revogada pela RN nº 7/2002 e esta pela RN nº 89/2005, todas da Agência Nacional de Saúde Suplementar, em nada altera a situação dos autos, pois a base de cálculo do tributo continuou sendo definida por ato infralegal, bem como ambas também extrapolaram suas funções regulamentares e contrariaram o disposto no artigo 97 do Código Tributário Nacional, como anteriormente explicitado. Referido entendimento afasta a alegação de que o valor devido será o recolhido a maior em decorrência do critério de apuração empregado na RN n. 89/05. Reconhecida a inexigibilidade da exação, faz jus a autora à devolução da quantia indevidamente recolhida, nos termos dos artigos 165 a 168 do Código Tributário Nacional, consoante estabelecido na sentença, observada a prescrição quinquenal. 2. DO DISPOSITIVO Ante o exposto, voto para negar provimento à apelação.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR. RDC Nº 10/2000. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. INEXIGIBILIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA.
- O artigo 3º da RDC nº 10/2000, ao alterar a definição da base de cálculo da taxa de saúde suplementar modificou o próprio tributo, em flagrante violação ao estatuído pelos artigos 97, inciso IV, do Código Tributário Nacional e 150 da Constituição Federal, que trata princípio da legalidade tributária, garantia fundamental do contribuinte brasileiro.
- Apelação desprovida.