APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009503-14.2017.4.03.6181
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE: DOUGLAS PEREIRA DANIEL
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009503-14.2017.4.03.6181 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: DOUGLAS PEREIRA DANIEL APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta por Douglas Pereira Daniel contra a sentença de Id n. 183008517 que o condenou pelo crime dos arts. 296, §1º, II, e 331, ambos do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos de reclusão e 6 (seis) meses de detenção, regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa no valor unitário mínimo legal, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e a entidades assistenciais e pena pecuniária no valor de 5 (cinco) salários mínimos. Douglas Pereira Daniel sustenta, em síntese, sua absolvição, devendo ser reconhecida: a) ilicitude da prova baseada na abordagem e revista pessoal não motivada e por autoridade incompetente, considerando que a guarda municipal não detém poder de polícia, tendo sido violado o direito à intimidade; b) inconstitucionalidade do crime do art. 331 do Código Penal, por ser incompatível com a Constituição da República e com o Pacto de São José da Costa Rica, visto que viola o princípio da legalidade, pois não há definição da conduta de desacatar; a isonomia, por conceder tratamento privilegiado a servidores públicos; e visa inibir críticas à atividade da Administração; c) ausência de provas da materialidade, sendo considerado apenas o depoimento, em Juízo, do guarda municipal que realizou a abordagem, que se contrapõe ao depoimento de outra testemunha na fase policial (Id n. 183008527). Foram apresentadas contrarrazões (Id n. 183008529). O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Marcus Vinícius de Viveiros Dias, manifestou-se pelo desprovimento da apelação (Id n. 183386522). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009503-14.2017.4.03.6181 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: DOUGLAS PEREIRA DANIEL APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Excelentíssimo Desembargador Federal Paulo Fontes: Inicialmente, destaco a estima e admiração que nutro pelo E. Relator do presente feito, Desembargador Federal André Nekatschalow. Trata-se de apelação criminal interposta por Douglas Pereira Daniel contra a r. sentença (ID 183008517), que o condenou pelo crime dos arts. 296, §1º, II, e 331, ambos do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos de reclusão e 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa no valor unitário mínimo legal, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e a entidades assistenciais e pena pecuniária no valor de 5 (cinco) salários mínimos. Em suas razões recursais, pugna pela absolvição em razão da ilicitude da prova baseada na abordagem e revista pessoal não motivada e por autoridade incompetente, considerando que a guarda municipal não detém poder de polícia, tendo sido violado o direito à intimidade; da inconstitucionalidade do crime do art. 331 do Código Penal, por ser incompatível com a Constituição da República e com o Pacto de São José da Costa Rica, pois não há definição da conduta de desacatar; a isonomia, por conceder tratamento privilegiado a servidores públicos; e da ausência de provas da materialidade, sendo considerado apenas o depoimento, em Juízo, do guarda municipal que realizou a abordagem, que se contrapõe ao depoimento de outra testemunha na fase policial (ID 183008527). Em sessão de julgamento realizada em 13 de dezembro de 2021, o E. Relator proferiu voto no sentido de negar provimento ao recurso de apelação. Não obstante, com a devida vênia, divirjo de Sua Excelência. Douglas Pereira Daniel foi denunciado pelos crimes dos arts. 296, § 1º, II, e 331, ambos do Código Penal, porque, em 13.07.16, por volta de 11h11, na Rua dos Cravos, 176, Jardim Boa Vista, Caieiras (SP), Douglas Pereira Daniel, de forma livre e consciente, fez uso indevido de símbolo identificador de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, a saber, o Brasão da República Federativa do Brasil e, também de forma livre e consciente, desacatou Guardas Civis daquele Município no exercício de suas funções. Narra a denúncia que, Douglas Pereira Daniel, ao ser abordado por guardas municipais na via pública, negou-se a obedecer às ordens dos guardas, e dirigiu-se ao Guarda Civil David Cândido de Brito, bem como aos demais integrantes da equipe, com as palavras "eu não respeito Guarda Municipal, vocês não são porra nenhuma, só obedeço PM". Em seguida, Daniel sacou uma carteira preta com o Brasão da República Federativa do Brasil e a escrita de "Assessor - Poder Legislativo", e passou a dizer que era Assessor Parlamentar da Câmara Municipal de Caieiras. Na sequência, Douglas jogou tal carreira no chão e continuou insultando os guardas, chegando a se projetar contra um deles para agredi-lo, no que foi contido e algemado. A defesa alega ilicitude da prova baseada na abordagem e revista pessoal não motivada e por autoridade incompetente, considerando que a guarda municipal não detém poder de polícia, tendo sido violado o direito à intimidade. Dispõe o artigo 244 do Código de Processo Penal que: “Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”. No caso dos autos, a abordagem policial e busca pessoal realizadas contra o réu padecem de legalidade à míngua de fundada suspeita de que o réu estivesse cometendo delito. O acusado trafegava normalmente em via pública, quando foi abordado, sob a fundamentação de que apresentava comportamento suspeito. David Cândido de Brito, Guarda Municipal, em sede policial no dia dos fatos, disse que realizava patrulhamento de rotina quando visualizou dois indivíduos em atitude suspeita pela via pública. Contou que, de imediato, iniciou a abordagem de tais indivíduos, e desde o início da abordagem Douglas Pereira Daniel negou-se a obedecer às ordens dos Guardas, dizendo "eu não respeito Guarda Municipal, vocês não são porra nenhuma, só obedeço PM". Afirmou que, em seguida, Douglas sacou de uma carteira preta, com o Brasão da República Federativa do Brasil e com as escritas "Assessor - Poder Legislativo", dizendo ser Assessor Parlamentar da Câmara Municipal de Caieiras, jogou a carteira no chão e continuou com os insultos aos Guardas, sendo que em determinado momento se projetou contra o Guarda, tentando agredi-lo, mas foi contido e algemado (Id n. 183008038, p. 5). Em Juízo, disse que se recordava do fato e contou que quando a viatura passou em sentido contrário ao de Douglas, que estava com uma mochila, ele demonstrou nervosismo ao ver a viatura. Relatou que pediram para que ele parasse e Douglas se negou e respondeu que era assessor de um vereador e que o vereador o tinha instruído a não levantar as mãos para a guarda municipal (Id n. 183008513). Os depoimentos do guarda municipal não indicam que o réu tenha tomado qualquer atitude concreta que pudesse levantar suspeita quanto ao seu comportamento, sendo que o fato de aparentar nervosismo ao ver a viatura não é motivo suficiente que justificassem a diligência policial. Restou cristalina a ausência de fundamentos ou justificativa plausível para a realização da abordagem e da busca pessoal. Destarte, a busca pessoal foi realizada em decorrência de critério meramente subjetivo e arbitrário dos guardas, o que não se coaduna com as garantias individuais previstas em nosso atual regime constitucional. Nesse sentido já decidiu esta E. Quinta Turma, por ocasião do julgamento da Apelação Criminal nº 2018.61.81.012737-9, sessão de 10/05/2021, relator e. Desembargador Federal Maurício Kato, ao negar provimento ao apelo ministerial: “PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. MOEDA FALSA. ABORDAGEM POLICIAL. BUSCA PESSOAL. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE OU FUNDADA SUSPEITA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. 1. A busca pessoal realizada no acusado padece de irregularidade, uma vez que a fundada suspeita deve constituir um comportamento objetivo e bem definido, voltado para a ilicitude, de modo a fazer com que o agente público detecte as hipóteses autorizadoras da abordagem para fins de busca pessoal, consoante os preceitos do artigo 244 do Código de Processo Penal. 2. Ausente objetividade em circunscrever um comportamento tendente ao ilícito por parte do abordado, a ação dos policiais militares torna-se desprovida de legalidade, de modo a contaminar todos os atos subsequentes da persecução penal e ferir o princípio constitucional do devido processo legal. 3. Apelação da acusação desprovida” Nessa toada, tem-se que a prova colhida na fase inquisitiva foi obtida por meio ilícito, contaminando as demais provas dela derivadas, de maneira a tornar imprestável o suporte probatório que alicerçou a peça acusatória, não havendo demonstração da materialidade delitiva. De rigor, portanto, a absolvição do acusado, com amparo no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Ante o exposto, dou provimento à apelação defensiva para absolver o réu, por entender ilícita a abordagem policial, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. É o voto.
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V O T O
Imputação. Douglas Pereira Daniel foi denunciado pelos crimes dos arts. 296, § 1º, II, e 331, ambos do Código Penal porque, em 13.07.16, por volta de 11h11, na Rua dos Cravos, 176, Jardim Boa Vista, Caieiras (SP), Douglas Pereira Daniel, de forma livre e consciente, fez uso indevido de símbolo identificador de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, a saber, o Brasão da República Federativa do Brasil e, também de forma livre e consciente, desacatou Guardas Civis daquele Município no exercício de suas funções.
Narra a denúncia que, Douglas Pereira Daniel, ao ser abordado por guardas municipais na via pública, negou-se a obedecer às ordens dos guardas, e dirigiu-se ao Guarda Civil David Cândido de Brito, bem como aos demais integrantes da equipe, com as palavras "eu não respeito Guarda Municipal, vocês não são porra nenhuma, só obedeço PM".
Em seguida, Daniel sacou uma carteira preta com o Brasão da República Federativa do Brasil e a escrita de "Assessor - Poder Legislativo", e passou a dizer que era Assessor Parlamentar da Câmara Municipal de Caieiras. Na sequência, Douglas jogou tal carreira no chão e continuou insultando os guardas, chegando a se projetar contra um deles para agredi-lo, no que foi contido e algemado.
A Câmara Municipal de Caieiras informou que Douglas não pertence ao quadro de servidores daquele poder Legislativo.
A denúncia informa que, segundo determina o art. 26 da Lei n. 5.700/71, com a redação dada pela Lei n. 8.421/92, o Brasão de Armas Nacionais é de uso obrigatório no palácio da Presidência da República e na residência do presidente da República, nos edifícios-sede dos ministérios, nas casas do Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal, nos tribunais superiores, nos tribunais federais de recursos, nas prefeituras e câmaras municipais, na frontaria dos edifícios das repartições públicas federais, nos quartéis das forças federais de terra, mar e ar das polícias militares e corpos de bombeiros militares, nos seus armamentos, bem como nas fortalezas e nos navios de guerra, na frontaria ou no salão principal das escolas públicas e nos papéis de expediente, nos convites e nas publicações oficiais de nível federal (Id n. 183008039, pp. 4-5).
Do processo. A denúncia foi rejeitada pelo Juízo a quo por entender que eram ilícitas a abordagem e a busca pessoal que culminaram com a apreensão da carteira que supostamente estava em poder de Douglas (Id n. 183008039, pp. 10-11).
O Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito contra a decisão (Id n. 183008039, pp. 14-20) sendo a decisão mantida pelo Juízo (Id n. 183008039, p. 63).
O recurso foi provido para receber a denúncia (Id n. 183008039, p. 86).
Foi interposto recurso especial pela defesa (Id n. 183008039, pp. 100-107), o qual restou inadmitido (Id n. 183008039, pp. 119-123).
Interposto agravo contra a decisão que inadmitiu o recurso especial (Id n. 183008039, pp. 127-132), a decisão não conheceu do recurso especial (Id n. 183008039, pp. 150-152).
Contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça foi interposto agravo regimental (Id n. 183008039, pp. 155-160), tendo sido desprovido para manter o recebimento da denúncia (Id n. 183008039, pp. 183-187).
Interpostos embargos de declaração contra a decisão (Id n. 183008039, pp. 190-194), foram eles rejeitados (Id n. 183008039, pp. 201-206).
O acordo de não persecução penal deixou de ser proposto pelo Ministério Público Federal diante da existência de diversos inquéritos e ações penais em desfavor de Daniel (Id n. 183008049).
Desacato. Tipicidade. A tipificação do crime de desacato não ofende o direito à liberdade de expressão nem acarreta o descumprimento do art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESACATO. TIPICIDADE. OFENSA AO DIREITO À LIBERDADE DE PENSAMENTO E EXPRESSÃO NÃO CONFIGURADA. PRECEDENTE DA TERCEIRA SEÇÃO/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A parte agravante não trouxe elementos suficientes para infirmar a decisão agravada, que, de fato, apresentou a solução que melhor espelha a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.
2. Consoante entendimento fixado pela Terceira Seção desta Corte Superior, a tipificação do crime de desacato não ofende o direito à liberdade de expressão, que, assim como ocorre com outras hipóteses elencadas no art. 5º da CF, não se revela absoluto (HC 379.269/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Terceira Seção, julgado em 24/05/2017, DJe 30/06/2017).
3. Na oportunidade, consignou-se que a conservação do delito em questão na legislação vigente, não acarreta o descumprimento do art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, não havendo, sequer, a força vinculante que se procurou emprestar a impetrante à essa norma de direito internacional integrante do nosso ordenamento (HC 396.908/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe 21/08/2017).
4. Ressalva do entendimento do Relator em sentido contrário. ADPF 496 pendente no STF.
5. Agravo regimental desprovido.
(STJ, AgRg no AResp n. 1203053, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 01.03.18)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESACATO. TIPICIDADE. ENTENDIMENTO UNIFORMIZADO PELA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "A Terceira Seção deste Superior Tribunal, no julgamento do Habeas Corpus n. 379.269/MS, uniformizou o entendimento de que o art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos não excluiu do ordenamento jurídico a figura típica do crime de desacato [...]"
(AgRg no HC 359.880/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017).
2. Agravo regimental não provido.
(STJ, AgRg no REsp n. 1694334, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 12.12.17)
Do caso dos autos. A defesa alega inconstitucionalidade do crime do art. 331 do Código Penal, por ser incompatível com a Constituição da República e com o Pacto de São José da Costa Rica, visto que viola o princípio da legalidade, pois não há definição da conduta de desacatar; a isonomia, por conceder tratamento privilegiado a servidores públicos; e visa inibir críticas à atividade da Administração.
Conforme demonstrado nos entendimentos acima, não há incompatibilidade do crime de desacato com a Constituição da República ou a Convenção Americana de Direitos Humanos, sendo o crime de desacato, conforme o julgamento do Superior Tribunal de Justiça apresentado, especial forma de injúria, caracterizado como uma ofensa à honra e ao prestígio dos órgãos que integram a Administração Pública.
Mantida a tipificação da conduta de desacato praticada pelo réu.
Materialidade. A materialidade está comprovada pelos seguintes elementos de convicção:
a) auto de exibição e apreensão de um porta-documentos cor preta com brasão da República Federativa do Brasil (Id n. 183008038, p. 17);
b) laudo pericial da carteira apreendida concluindo que se trata de carteira produzida em material sintético, com brasão e as inscrições ASSESSOR/ PODER LEGISLATIVO (Id n. 183008038, pp. 54-55);
c) ofício da Câmara Municipal de Caieiras informando que Douglas Pereira Daniel não pertence ao quadro de servidores daquele poder legislativo (Id n. 183008038, p. 82).
Autoria. A autoria está suficientemente demonstrada.
Em sede policial, Douglas Pereira Daniel disse que caminhava pela via pública juntamente com seu amigo Max, quando foi abordado por Guardas Municipais, os quais ordenaram que parasse de caminhar e colocasse suas mãos na cabeça. Falou que, por se tratar de guardas municipais e não policiais militares, julgou que não deveria obedecê-los e passou a questionar a abordagem, porém sem nenhum xingamento. Esclareceu que retirou seus pertences e os jogou no chão, inclusive uma carteira de Assessor Parlamentar com o Brasão da República, porém em nenhum momento se apresentou como sendo funcionário público ou Assessor de algum Vereador. Respondeu que apresentou resistência, pois não queria ser encaminhado para a Delegacia pela Guarda Municipal, por julgar que eles não têm esse poder, e por esse motivo foi algemado (Id n. 183008038, p. 10).
Em Juízo, Douglas Pereira Daniel teve decretada sua revelia (Id n. 183008508). Após envio da intimação para o CPP de Mongaguá foi comunicado que o réu não retornou da saída em 18.05.21 (Id n. 183008499) nem foi localizado nos endereços constantes dos autos (Id n. 183008507, p. 7).
David Cândido de Brito, Guarda Municipal, em sede policial no dia dos fatos, disse que realizava patrulhamento de rotina quando visualizou dois indivíduos em atitude suspeita pela via pública. Contou que, de imediato, iniciou a abordagem de tais indivíduos, e desde o início da abordagem Douglas Pereira Daniel negou-se a obedecer às ordens dos Guardas, dizendo "eu não respeito Guarda Municipal, vocês não são porra nenhuma, só obedeço PM". Afirmou que, em seguida, Douglas sacou de uma carteira preta, com o Brasão da República Federativa do Brasil e com as escritas "Assessor - Poder Legislativo", dizendo ser Assessor Parlamentar da Câmara Municipal de Caieiras, jogou a carteira no chão e continuou com os insultos aos Guardas, sendo que em determinado momento se projetou contra o Guarda, tentando agredi-lo, mas foi contido e algemado (Id n. 183008038, p. 5).
Em Juízo, David Cândido de Brito disse que se recordava do fato e contou que quando a viatura passou em sentido contrário ao de Douglas, que estava com uma mochila, ele demonstrou nervosismo ao ver a viatura. Relatou que pediram para que ele parasse e Douglas se negou e respondeu que era assessor de um vereador e que o vereador o tinha instruído a não levantar as mãos para a guarda municipal. Afirmou que ao se aproximarem Douglas foi para cima deles e foi necessário contê-lo com as algemas. Respondeu que, enquanto guarda municipal, é instruído a realizar abordagem apenas em situação de flagrante delito e como Douglas estava em um local conhecido por ser ponto de comércio de drogas e com uma mochila, tendo demonstrado nervosismo e ameaçado correr, decidiram realizar a abordagem. Informou que ele apresentou a carteira com o brasão e afirmou que era assessor do vereador e jogou-a no chão, indo para cima dos guardas municipais (Id n. 183008513).
Max Emanuel Curti Gomes, em sede policial no dia dos fatos, disse que caminhava pela rua com seu amigo Douglas, quando em determinado momento chegou uma guarnição da Guarda Municipal que os abordou, ordenando que ambos parassem de caminhar e colocassem as mãos na cabeça. Contou que Douglas passou a discutir com os Guardas e se negou a obedecer às ordens dadas. Afirmou que, em seguida, Douglas sacou uma carteira do Bolso e citou "algo da Prefeitura”, não sabendo dizer ao certo o que nem sabendo informar ao certo se Douglas disse ser Assessor Parlamentar ou não, mas ouviu algo parecido e, posteriormente, Douglas disse ser sobrinho de um Assessor. Não soube dizer nada a respeito da relação de Douglas com a Câmara Municipal de Caieiras, bem como com algum Parlamentar (Id n. 183008038, p. 7).
Rodrigo Izaac Leite Rosa, Policial Civil, em sede policial no dia dos fatos, disse após a Guarda Municipal apresentar na Delegacia de Polícia as pessoas de Douglas e Max, realizou diligências junto a Câmara Municipal de Caieiras e constatou que ele não faz parte do quadro de Servidores Municipal daquela casa. Afirmou que informou a Autoridade Policial, que determinou a prisão em flagrante de Douglas Pereira Daniel (Id n. 183008038, p. 9).
A defesa alega ilicitude da prova baseada na abordagem e revista pessoal não motivada e por autoridade incompetente, considerando que a guarda municipal não detém poder de polícia, tendo sido violado o direito à intimidade, sustenta ainda ausência de provas da materialidade, sendo considerado apenas o depoimento, em Juízo, do guarda municipal que realizou a abordagem, que se contrapõe ao depoimento de outra testemunha na fase policial (Id n. 183008527).
Sem razão.
No caso dos autos, a busca pessoal não chegou a ser efetivada, tendo o guarda municipal apenas solicitado a parada do réu, que se negou a obedecer, apresentou a carteira com o brasão da República e se identificou como assessor da Câmara Municipal, ofendendo os guardas municipais no exercício de sua função. A abordagem, em conformidade com o art. 240, § 2º, do Código de Processo Penal, foi realizada ante a presença de fundada suspeita, visto que Douglas portava uma mochila, estava em local conhecido pelo tráfico de entorpecentes e buscou evadir-se do local ao avistar a equipe da Guarda Municipal.
A Lei n. 13.022/14, que institui normas gerais para as guardas municipais define a função de proteção municipal preventiva às guardas municipais em seu art. 2º, e elenca, em seu art. 5º, dentre as competências gerais das guardas municipais, entre outras, as funções de coibir infrações penais ou atos infracionais; colaborar, de forma integrada, com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social; e encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração.
A conduta de desacato foi comprovada pelo depoimento do Guarda Municipal David Cândido de Brito, que conduziu o flagrante e afirmou que Douglas estava muito agressivo e proferiu impropérios contra os Guardas Municipais, em razão do exercício da função, afirmando que não obedeceria às ordens dadas e se apresentando como Assessor Parlamentar da Câmara Municipal de Caieiras, mostrando uma carteira preta com o Brasão da República Federativa do Brasil e com a inscrição "Assessor - Poder Legislativo" e jogando-a no chão. Conforme o depoimento do guarda municipal, Douglas teria tentado atacar fisicamente a equipe, precisando ser contido pelo uso das algemas.
O fato de apenas o depoimento do Guarda Municipal David Cândido ter sido reproduzido em Juízo não descaracteriza a validade da prova. A jurisprudência considera válido o depoimento prestado por agente policial que participou das investigações concernentes aos fatos narrados pela denúncia, sobretudo se estiver em consonância com outros elementos probatórios. A despeito do depoimento do acompanhante do réu, Max Emanuel Curti Gomes, não ter sido reproduzido em Juízo, por ausência de requisição pela defesa, seu depoimento em sede policial confirma a versão da testemunha, tendo ele afirmado que Douglas passou a discutir com os guardas e se negou a obedecer às ordens dadas, contando que Douglas sacou uma carteira do bolso e citou "algo da Prefeitura”, não sabendo dizer ao certo o quê nem sabendo informar ao certo se Douglas disse ser Assessor Parlamentar ou não, mas ouviu algo parecido e, posteriormente, Douglas disse ser sobrinho de um Assessor.
Logo, a autoria e a materialidade restaram comprovadas, devendo ser mantida a condenação.
Dosimetria. Uso de selo público falsificado. O Juízo a quo, na primeira fase, manteve a pena-base no mínimo legal, em 2 (dois) anos de reclusão.
À míngua de circunstâncias atenuantes e agravantes e causa de aumento e diminuição de pena, tornou a pena definitiva em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Dosimetria. Desacato. O Juízo a quo, na primeira fase, fixou a pena-base no mínimo legal, em 6 (seis) meses de detenção, analisando que a pena de multa não seria suficiente para a reprovação do crime, visto que o desacato não foi perpetrado apenas com palavras, mas também por atitudes ameaçadoras, tentativa de agressão e arremesso da carteira no chão.
Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes e causa de aumento e diminuição de pena, tornou-a definitiva em 6 (seis) meses de detenção.
Somadas, restou a pena total de 2 (dois) anos de reclusão e 6 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa no valor unitário mínimo legal de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, fixado o regime inicial aberto e substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e a entidades assistenciais e pena pecuniária no valor de 5 (cinco) salários mínimos.
A defesa não se insurge contra a dosimetria, que é mantida, à míngua de ilegalidades.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. ART.DO 296, §1º, II, e 331 DO CP. REFORMA DA SENTENÇA. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDADA RAZÃO PARA A ABORDAGEM POLICIAL. ARTIGO 244 DO CPP. FALTA DE PROVAS. RECURSO PROVIDO.
1. O réu foi denunciado pelos crimes dos arts. 296, § 1º, II, e 331, ambos do Código Penal. Narra a denúncia que, ao ser abordado por guardas municipais na via pública, o acusado negou-se a obedecer às ordens dos guardas, e dirigiu-se ao Guarda Civil, bem como aos demais integrantes da equipe, com as palavras "eu não respeito Guarda Municipal, vocês não são porra nenhuma, só obedeço PM". Em seguida, sacou uma carteira preta com o Brasão da República Federativa do Brasil e a escrita de "Assessor - Poder Legislativo", e passou a dizer que era Assessor Parlamentar da Câmara Municipal de Caieiras.
2. A defesa alega ilicitude da prova baseada na abordagem e revista pessoal não motivada e por autoridade incompetente, considerando que a guarda municipal não detém poder de polícia, tendo sido violado o direito à intimidade.
3. No caso dos autos, a abordagem policial e busca pessoal realizadas contra o réu padecem de legalidade à míngua de fundada suspeita de que o réu estivesse cometendo delito. O acusado trafegava normalmente em via pública, quando foi abordado, sob a fundamentação de que apresentava comportamento suspeito.
4. Os depoimentos do guarda municipal não indicam que o réu tenha tomado qualquer atitude concreta que pudesse levantar suspeita quanto ao seu comportamento, sendo que o fato de aparentar nervosismo ao ver a viatura não é motivo suficiente que justificassem a diligência policial.
5. Destarte, a busca pessoal foi realizada em decorrência de critério meramente subjetivo e arbitrário dos guardas, o que não se coaduna com as garantias individuais previstas em nosso atual regime constitucional.
6. Nessa toada, tem-se que a prova colhida na fase inquisitiva foi obtida por meio ilícito, contaminando as demais provas dela derivadas, de maneira a tornar imprestável o suporte probatório que alicerçou a peça acusatória, não havendo demonstração da materialidade delitiva.
7. Recurso provido.