Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000547-79.2018.4.03.6118

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: FREDERICO JOSE DIAS QUERIDO - SP136887-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELADO: FREDERICO JOSE DIAS QUERIDO - SP136887-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000547-79.2018.4.03.6118

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: FREDERICO JOSE DIAS QUERIDO - SP136887-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELADO: FREDERICO JOSE DIAS QUERIDO - SP136887-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelações à sentença que, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal contra ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS, reconheceu prescrição da pretensão para condenação da ré à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento da multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; e julgou procedente em parte o pedido para condenar a ré ao ressarcimento do dano causado ao INSS no valor de R$ 45.181016, além de verba honorária de 5% sobre o valor da condenação (ID 155711009, f. 20 a 155711010, f. 3).

Apelaram, isoladamente, o MPF e o INSS, apresentando, porém, identidade de razões, no sentido de que: (1) considerando que a ré era ocupante de cargo efetivo junto ao INSS, aplica-se, nos termos dos artigos 23, II, da Lei 8.429/1992 c/c 142, I e § 1º, da Lei 8.112/1990, o prazo prescricional de cinco anos a contar de quando o fato se tornou conhecido; (2) em 2003, no âmbito da Corregedoria Regional do INSS em São Paulo, instaurou-se processo de auditoria ordinária quanto aos benefícios previdenciários que indicaram possíveis irregularidades que, constatadas, foram objeto de investigação iniciada em 2005, que identificou a autoria da ré, sendo determinada instauração de processo administrativo disciplinar por portaria de 10/06/2006, concluído em 2007 com a propositura da presente ação em 2008; (3) neste contexto, o prazo prescricional teve início em 11/08/2003, “quando se obteve, mediante os relatórios do processo de auditoria, informações que indicassem a autoria das práticas irregulares na concessão de aposentadorias”, pois “apenas com as informações que puderam delimitar a autoria dos atos investigados é que pode ser contada a prescrição”, já que antes disso não se faz possível a aplicação de sanção; (4) “em razão do ato ser presumidamente legítimo e verdadeiro nos termos da lei, o reconhecimento da irregularidade se perfaz quando provocado ou demonstrado (sic), que no caso se operou por meio do processo de auditoria”; e (5) nos termos do § 3º do artigo 142 da Lei 8.112/1990, a prescrição restou interrompida desde 10/06/2006, quando instaurado o PAD, até 18/05/2007, quando proferida decisão final por autoridade competente, não se cogitando, pois, de decurso do prazo extintivo, cabendo aplicar-lhe as demais penalidades da lei, quais sejam perda da função pública exercida à época da sentença, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco a oito anos, pagamento de multa civil correspondente a duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos (ID 155711011, f. 3/13 e ID 155711013, f. 3/6).

Apelou, por sua vez, a ré, requerendo assistência judiciária gratuita e aduzindo que: (1) não praticou conduta de improbidade administrativa, gerando enriquecimento ilícito, dano ao erário, violação à legalidade ou moralidade, ou qualquer tipo de responsabilidade; (2) os fatos alegados na inicial não restaram comprovados nos autos; (3) quando do PAD, encontrava-se afastada do trabalho, por motivo de saúde, razão pela qual “jamais poderia ter sido demitida”, sendo a “licença médica automaticamente suspensa para efetivar a demissão”, sendo ilegais e nulos tais atos; (4) deveria ter-lhe sido nomeado médico para acompanhar-lhe durante o processo administrativo, sob pena de nulidade (artigos 143 e 160 da Lei 8.112/1990), além de não ter sido garantida ampla defesa ou duplo grau de jurisdição (artigos 5º, LIV e LV, e 247, da CF), sendo ilegal a demissão; (5) conforme atestado médico e receituários, sujeita-se a tratamento psicológico e psiquiátrico desde fevereiro de 2001, com uso de medicamentos controlados; (6) o feito deveria ter sido suspenso em razão da ação de interdição sofrida, com reflexos diretos na presente ação (artigos 313, I e V, a, e 314 do CPC); (7) no âmbito criminal, foi decretada, a pedido do MPF, absolvição, e “a sentença penal faz coisa julgada no âmbito cível”, não podendo mais ser perquirida a existência de fato ou autoria (artigo 935, CPC), devendo ser reconhecida a improcedência da presente pretensão, por falta de dolo, culpa, materialidade e autoria, pois “não existem diferenças entre ilícitos civis e penais”; (8) no exercício da função procedia a atendimentos e juntada de documentos, não tendo competência para deferir e conceder benefícios previdenciários, o que era atribuição da chefia de agência do INSS e demais superiores hierárquicos que, para tanto, tomavam imediata ciência e exerciam a devida supervisão de todos os atos e procedimentos adotados; (9) é punida pela concessão de benefícios requeridos e instruídos em novembro/1998, agosto a outubro e dezembro/2000, cujos atos foram referendados por chefes e gerentes, porém somente em 2006 foi instaurado processo administrativo pelo INSS, quando já transcorrido o prazo prescricional quinquenal; (10) jamais cometeu os atos imputados no processo administrativo, não se enquadrando no artigo 132 da Lei 8.112/1990, tendo sido demitida sem justa causa, cabendo reintegração ao cargo com remoção para outra agência para evitar constrangimentos e perseguições; (11) não há provas de que fazia uso do cargo para ajudar outras pessoas ou auferir vantagem ilícita, pois jamais praticou atos ilegais, obteve vantagens ou concedeu vantagens a terceiros; (12) os segurados supostamente beneficiados negaram participação de terceiros com objetivo de conseguir vantagens ilícitas, bem como negaram qualquer tipo de pagamento; e (13) “todos os depoimentos colhidos nos autos foram forjados”, sendo que “todos os depoentes foram obrigados a assinarem os respectivos documentos, sob coação de serem acusados de fraude contra o INSS, bem como serem processados e condenados” (ID 155711011, f. 18 a ID 155711012, f. 11).

Houve contrarrazões da ré e do MPF, com preliminar de não conhecimento da apelação da ré por descumprimento do artigo 1.007 do CPC, bem como por ausência de sucumbência quanto à prescrição (ID 155711013, f. 10 a 155711014, f. 10 e 14).

O parecer ministerial foi pelo desprovimento da apelação da ré e provimento dos apelos do MPF e do INSS (ID 156371842). 

Em razão do advento da Lei 14.230/2021, foi dada vista às partes para manifestação, sobrevindo peticionamentos: a parte ré sustentou a ausência de dolo, requerendo a improcedência da ação; o INSS postulou sua manutenção na lide como assistente do autor; e o MPF defendeu a irretroatividade da nova lei, de modo que as“demandas ajuizadas até a entrada em vigor das modificações legislativas, em 26 de outubro de 2021, deverão ter a tipicidade dos ilícitos e do rito processual analisados com base na norma vigente ao tempo de sua propositura”.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000547-79.2018.4.03.6118

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: FREDERICO JOSE DIAS QUERIDO - SP136887-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELADO: FREDERICO JOSE DIAS QUERIDO - SP136887-A

 

  

 

V O T O 

 

 

Senhores Desembargadores, inicialmente, cumpre destacar que tendo sido deferida gratuidade de justiça (ID 155710987, f. 9), não se cogita de deserção do apelo da ré, conforme arguido em contrarrazões ministeriais.

Ainda preliminarmente, a alegação de admissão parcial do recurso da ré por ausência de sucumbência quanto à prescrição, confunde-se com o próprio mérito da lide, a seguir examinado.

Tampouco se cogita de eventual nulidade do feito pela interdição sofrida pela ré, pois, antes mesmo de ajuizada tal demanda, mas por conta da documentação médica juntada e do comportamento observado quando do depoimento pessoal em Juízo, foi determinada a suspensão do processo nos termos do artigo 265, § 1º, CPC (ID's 155710987, f. 20; e 155710988, f. 1), que perdurou desde 21/06/2011 até 04/09/2014, quando, considerando que ainda em trâmite a interdição na Justiça Estadual, o Juízo a quo adotou conclusão firmada no incidente de insanidade mental 0001614-14.2011.4.03.6118 relativo à ação penal 0001468-75.2008.4.03.6118, entre mesmas partes, determinando a retomada do andamento processual (ID's 155711006, f. 19; e 155711007, f. 2/7).

Frise-se, ademais, que até o momento não existe notícia de eventual desfecho do processo de interdição da ré, estando indisponível à consulta processual de terceiros.

No mérito, trata-se de ação civil pública ajuizada em 08/10/2008 pelo Ministério Público Federal para condenar ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS, à época agente federal do Instituto Nacional do Seguro Social, por ato de improbidade administrativa, por utilizar-se do cargo para favorecer terceiros, causando dano à autarquia previdenciária, e auferir vantagem ilícita, com violação a princípios da administração pública.

Segundo a inicial (ID 155710881, f. 2/18), apurou-se em processo administrativo disciplinar instaurado no âmbito da Corregedoria Regional do INSS em São Paulo que a ré, agente administrativo na Agência da Previdência Social em Guaratinguetá/SP, nos meses de setembro e outubro de 2000, recebeu, em razão do cargo, dinheiro para beneficiar Aracy de Oliveira Fagundes, além de conceder, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis, benefícios previdenciários em favor de Aracy de Oliveira Fagundes, David Barbosa Leite, Maria Helena de Carvalho Monteiro e Maria Aparecida Almeida, causando prejuízo à autarquia previdenciária.

Narrou o Ministério Público Federal que: (1) em 06/09/2000, Aracy de Oliveira Fagundes compareceu à APS - Agência da Previdência Social em Guaratinguetá/SP, sendo atendida pela ré que, analisando “todos os documentos então apresentados”, “efetuou o protocolo e respectiva habilitação do pedido” de aposentadoria por idade como segurada especial e, “mesmo sem a devida comprovação da carência legal, Eliana Aparecida Lopes Reis, mediante o recebimento de importância correspondente ao primeiro pagamento do pretenso benefício, concedeu à requerente aposentadoria por idade – NB 41/116.400.847-9”, irregularmente auferida entre 06/09/2000 e 31/06/2003, com prejuízo no valor originário de R$ 9.142,47; (2) em 13/09/2000, David Barbosa Leite, intermediado pelo advogado Antônio Cláudio Abreu Silva, então marido da ré, mediante pagamento de valor equivalente ao montante do benefício pretendido, requereu, junto à mesma APS, aposentadoria por idade como segurado especial e, “Após habilitado o supracitado requerimento de benefício – NB 41/116.400.899-1, teve as informações de tempos de contribuição e formatação executados por Eliana Aparecida Lopes dos Reis que, mesmo diante da ausência dos requisitos legais a demonstrar a carência mínima para o benefício pretendido, concedeu-o de forma irregular”, permitindo ganho indevido no período de 13/09/2000 a 31/06/2003, com prejuízo no valor originário de R$ 9.082,89; (3) em 19/09/2000, Maria Helena de Carvalho Monteiro, igualmente orientada e assistida pelo advogado Antônio Cláudio Abreu Silva, então marido da ré, com pagamento de honorários de R$ 50,00, postulou aposentadoria por idade como segurada especial na mesma APS, promovendo a ré "a habilitação, protocolo e análise de todos os documentos apresentados” e “No dia 22 de setembro de 2000, Eliana, mesmo ciente de que os documentos então apresentados pela pretensa beneficiária, da mesma forma, eram inábeis nos termos do INSS/DSS 590 de 18 de dezembro de 1997, já que não preenchiam os requisitos acerca da carência mínima exigida, concedeu o benefício 41/116.400.962-6”, permitindo percepção indevida no período de 19/10/2000 a 31/06/2003 com prejuízo no valor originário de R$ 9.008,86; e (4) em 16/10/2000, Maria Aparecida Almeida compareceu à mesma APS, sendo atendida pela ré que, analisando “todos os documentos então apresentados”, “efetuou o protocolo e respectiva habilitação do pedido” para aposentadoria por idade como segurada especial e, “mesmo sem a devida comprovação da carência legal, já que o requerimento do supracitado benefício fora instruído com documentos inábeis nos termos do INSS/DSS 590 de 18 de dezembro de 1997, Eliana Aparecida Lopes Reis concedeu à requerente aposentadoria por idade – NB 41/116.936.719-1”, que foi paga no período de 16/10/2000 a 31/06/2003, causando prejuízo no valor originário de R$ 8.777,47.

Aduziu o Ministério Público Federal que, após a conclusão do PAD, a ré foi apenada com demissão, conforme Portaria MPS 206, de 18/05/2007. Sustentou, ainda, que, ao assim agir, a ré concedeu benefícios indevidamente, atuando como procuradora de partes no órgão público em que lotada e infringindo atribuições legais (artigos I a III, VIII, XIV, c, f e t, do Anexo ao Decreto 1.171/1994 - Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal). Ressaltou que tais fatos acarretaram enriquecimento ilícito da servidora ré, prejuízo à autarquia federal e atentado aos princípios da administração pública, mormente legalidade, moralidade, honestidade e lealdade à instituição a que servia, configurando atos de improbidade capitulados nos artigos 9º, I, 10, VII, e 11, caput, da Lei 8.429/1992, pelo que requereu seja ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS condenada, de forma cumulativa, nas sanções previstas no artigo 12, III, do mesmo diploma legal: ressarcimento integral do dano no valor de R$ 45.148,16; perda da função pública exercida à época da sentença; suspensão dos direitos políticos pelo período de cinco a oito anos; pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano; e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

Considerando que os fatos apurados ocorreram entre os meses de setembro e outubro de 2000 e que a presente ação foi ajuizada apenas em 08/10/2008, quando já decorridos mais de cinco anos, a sentença reconheceu prescrição da pretensão quanto à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento da multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, porém condenou a autora ao ressarcimento do dano por ato ilícito, nos termos do artigo 37, § 5º, da CF. Neste ponto, o pedido foi julgado parcialmente procedente para condenar a ré ao ressarcimento do dano causado ao INSS no valor de R$ 45.181016 (ID 155711009, f. 20 a 155711010, f. 3).

A sentença baixou à secretaria em 18/04/2017 (ID 155711010, f. 9) e foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça em 19/07/2017 (ID 155711011, f. 14).

Após interposição de recursos e juntada de contrarrazões, os autos subiram a esta Corte em 25/09/2018.

Como se observa, a ação foi regularmente processada na vigência da redação da Lei 8.429/1992 antes das alterações promovidas pela Lei 14.230, de 25/10/2021.

Em razão de incompetência do relator originário para a matéria (ID's 156922012 e 158757587), os autos foram redistribuídos a esta relatoria em 03/05/2021.

Em 05/10/2021, foi determinada baixa dos autos à origem para regularização com urgência da virtualização do feito, com todos os apensos, mídias e eventuais outros documentos não digitalizados. A digitalização foi concluída em 05/11/2021, com a juntada de diversos documentos até então faltantes. 

Nesse ínterim, sobreveio a Lei 14.230/2021, publicada em 26/10/2021, promovendo numerosas alterações na Lei 8.429/1992, que rege a presente ação de improbidade administrativa, sobre as quais as partes foram ouvidas e houve manifestações. 

Conforme destacado no § 4º do artigo 1º incluído à Lei 8.429/1992 pela recente Lei 14.230/2021: “Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”.

A despeito da nova previsão legal expressa, assente a jurisprudência, desde antes de tal inovação, em reconhecer a aplicação dos postulados do direito penal ao âmbito do direito administrativo sancionador, a teor do que revelam, entre outros, os seguintes julgados:

 

MS 23.262, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJE 30/10/2014: “Constitucional e Administrativo. Poder disciplinar. Prescrição. Anotação de fatos desabonadores nos assentamentos funcionais. Declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 170 da Lei nº 8.112/90. Violação do princípio da presunção de inocência. Segurança concedida. 1. A instauração do processo disciplinar interrompe o curso do prazo prescricional da infração, que volta a correr depois de ultrapassados 140 (cento e quarenta) dias sem que haja decisão definitiva. 2. O princípio da presunção de inocência consiste em pressuposto negativo, o qual refuta a incidência dos efeitos próprios de ato sancionador, administrativo ou judicial, antes do perfazimento ou da conclusão do processo respectivo, com vistas à apuração profunda dos fatos levantados e à realização de juízo certo sobre a ocorrência e a autoria do ilícito imputado ao acusado. 3. É inconstitucional, por afronta ao art. 5º, LVII, da CF/88, o art. 170 da Lei nº 8.112/90, o qual é compreendido como projeção da prática administrativa fundada, em especial, na Formulação nº 36 do antigo DASP, que tinha como finalidade legitimar a utilização dos apontamentos para desabonar a conduta do servidor, a título de maus antecedentes, sem a formação definitiva da culpa. 4. Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, há impedimento absoluto de ato decisório condenatório ou de formação de culpa definitiva por atos imputados ao investigado no período abrangido pelo PAD. 5. O status de inocência deixa de ser presumido somente após decisão definitiva na seara administrativa, ou seja, não é possível que qualquer consequência desabonadora da conduta do servidor decorra tão só da instauração de procedimento apuratório ou de decisão que reconheça a incidência da prescrição antes de deliberação definitiva de culpabilidade. 6. Segurança concedida, com a declaração de inconstitucionalidade incidental do art. 170 da Lei nº 8.112/1990.”

 

RMS 37.031, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe 20/02/2018: “DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - As condutas atribuídas ao Recorrente, apuradas no PAD que culminou na imposição da pena de demissão, ocorreram entre 03.11.2000 e 29.04.2003, ainda sob a vigência da Lei Municipal n. 8.979/79. Por outro lado, a sanção foi aplicada em 04.03.2008 (fls. 40/41e), quando já vigente a Lei Municipal n. 13.530/03, a qual prevê causas atenuantes de pena, não observadas na punição. III - Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente. IV - Dessarte, cumpre à Administração Pública do Município de São Paulo rever a dosimetria da sanção, observando a legislação mais benéfica ao Recorrente, mantendo-se indenes os demais atos processuais. V - A pretensão relativa à percepção de vencimentos e vantagens funcionais em período anterior ao manejo deste mandado de segurança, deve ser postulada na via ordinária, consoante inteligência dos enunciados das Súmulas n. 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. VI - Recurso em Mandado de Segurança parcialmente provido.”

 

AgInt no AREsp 80.466, Rel. Min. NAPOLEÃO MAIA, DJe 22/03/2018: “DIREITO SANCIONADOR. AGRAVO INTERNO EM RESP. ALEGADA CONDUTA ÍMPROBA OFENSIVA A PRINCÍPIOS, IMPUTADA AO ENTÃO DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE FAZENDA DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS/SP, POR TER, SEGUNDO O ACÓRDÃO, PRESTADO MAL AS CONTAS DE RECURSOS DO FUNDO DE CAIXA PEQUENO. ABSOLVIÇÃO ADVENIENTE DA DECISÃO AGRAVADA. EVENTUAIS DEFICIÊNCIAS EM PRESTAÇÃO DE CONTAS NÃO RESULTAM EM IDENTIFICAÇÃO DA OMISSÃO DOLOSA TIPIFICADA NO ART. 11, VI DA LEI 8.429/1992. ADEMAIS, O DOLO DE OFENDER A PROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO FOI IDENTIFICADO NA ESPÉCIE, AO CONTRÁRIO DO QUE ARGUMENTA O INSURGENTE. AGRAVO INTERNO DO ÓRGÃO ACUSADOR DESPROVIDO. [...] 2. Eventual deficiência em prestação de contas não consubstancia a conduta do art. 11, VI da Lei 8.429/92, que assinala o ato doloso e malévolo de deixar de prestar contas de recursos públicos. Em matéria de Direito Sancionador, que recolhe do Direito Penal os postulados da taxatividade e da fragmentariedade, inexiste alicerce jurídico-legal para a afirmação do acórdão de que prestar mal as contas equivale a não o fazer (fls. 566), fundamentação esta censurável. [...]”

 

REsp 1.536.895, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 08/03/2016: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONSTRUÇÃO DA IGREJA DE SÃO JORGE, EM SANTA CRUZ, BAIRRO DA PERIFERIA DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO/RJ. INDISPENSABILIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DOLO DO AGENTE, PARA CONFIGURAR-SE IMPROBIDADE, NOS CASOS DO ART. 11 DA LEI 8.429/92. CARÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO PROBATÓRIA CONSISTENTE, DE MODO A SUPORTAR JUÍZO CONDENATÓRIO QUANTO ÀS IMPUTAÇÕES DE ENRIQUECIMENTO LÍCITO, DANO AO ERÁRIO E CONDUTA DOLOSA DO AGENTE. RECURSOS ESPECIAIS AOS QUAIS SE DÁ PROVIMENTO. [...] 3. Ademais, o ato havido por ímprobo deve ser administrativamente relevante, sendo de se aplicar, na sua compreensão, o conhecido princípio da insignificância, de notável préstimo no Direito Penal moderno, a indicar a inaplicação de sanção criminal punitiva ao agente, quando o efeito do ato agressor é de importância mínima ou irrelevante, constituindo a chamada bagatela penal: de minimis non curat Praetor, neste caso, trata-se de contribuição do Município do Rio de Janeiro para construção de uma pequena igreja dedicada à devoção de São Jorge, na periferia da Cidade do Rio de Janeiro, no valor de R$ 150.000,00. [...]”

 

REsp 1.216.190, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, DJe 14/12/2010: “ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CARACTERIZAÇÃO. CARGO OCUPADO SEM REMUNERAÇÃO. BASE DE CÁLCULO PARA FIXAÇÃO DA MULTA. SALÁRIO MÍNIMO. CABIMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. ANALOGIA IN MALAM PARTEM. IMPOSSIBILIDADE. [...] 5. Como se trata de aplicação de penalidades, é se utilizar de um princípio geral de direito, que cuida da vedação da analogia em desfavor do sancionado. No Direito Penal, ramo em que esta norma foi melhor trabalhada, distinguem-se dois subtipos de analogia: a analogia in malan partem e a analogia in bonan partem. A primeira agrava a pena em pressupostas hipóteses não abrangidas pela lei. Já a segunda utiliza-se de situações semelhantes para solucionar o caso sem agravar a pena. 6. Ora, diante da lacuna da Lei de Improbidade Administrativa frente ao caso apresentado, pode-se utilizar da analogia para a determinação da base da pena de multa. No entanto, a analogia não pode ser aplicada in malam partem, porque no âmbito do Direito Administrativo sancionador. 7. O acórdão, de forma coerente com os princípios regentes do direito, estabeleceu como base da pena de multa a menor remuneração do país, o que se coaduna com a função honorífica realizada pelo recorrido. Neste raciocínio, não há como prosperar a alegação do recorrente segundo a qual deve ser aplicada multa com base no vencimento mais elevado dos cargos de nível superior da estrutura remuneratória de autarquia, pois estar-se-ia operando analogia desabonadora. [...]”

 

REsp 926.772, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe 11/05/2009: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. CONCESSÃO FRAUDULENTA DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ART. 12 DA LEI 8.429/92. PERDA DE FUNÇÃO PÚBLICA. SANÇÃO QUE TAMBÉM ABRANGE O AGENTE DETENTOR DE CARGO PÚBLICO, EMPREGO PÚBLICO OU MANDATO ELETIVO. APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS PENAS. PRESCINDIBILIDADE. [...] 4. Reconhecida a ocorrência de fato que tipifica improbidade administrativa, cumpre ao juiz aplicar a correspondente sanção. Para tal efeito, não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as consequências da infração, individualizando-as, se for o caso, de acordo com os princípios do direito penal. [...]”

 

RMS 12.539, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ: 01/07/2004: “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSUAL. EFEITO DEVOLUTIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENALIDADE DE SUSPENSÃO. SUCESSÃO DE LEIS. LEGALIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. O efeito devolutivo do recurso ordinário não alcança questão de mérito estranha aos autos, que não foi apreciada pela decisão recorrida nem alegada na inicial. Constitui regra a aplicação da norma vigente à época dos fatos que regula. A retroatividade da lei que prevê penalidades só tem lugar quando beneficia, necessariamente, a condição do acusado. No caso, a lei nova que prevê pena máxima de trinta dias de suspensão à exemplo da lei revogada e pena mínima mais elevada que a norma antiga. Recurso a que se nega provimento.”

 

Na linha jurisprudencial consolidada, em decisão recente, inclusive, especificamente sobre a lei de improbidade administrativa (aplicação da sanção de suspensão de direitos políticos), o relator da ADI 6.678, Ministro GILMAR MENDES, estabeleceu expresso paralelo entre o direito penal e o direito administrativo sancionador:

 

“[...]

Assim, o Constituinte, ao condicionar a sanção de suspensão de direitos políticos em decorrência da prática de atos de improbidade à implementação de gradação legal, exigiu não só a ponderação temporal, mas também o cotejo da gravidade da própria conduta repreendida.

Em outros termos, a gradação apenas quantitativa não é suficiente, considerada a baliza constitucional, quando são inseridos no mesmo contexto sancionatório condutas qualitativamente diversas.

A ressaltar essa óptica, anoto que as condenações criminais transitadas em julgado não são condicionadas à gradação legal do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, mas ainda assim são ponderadas quantitativamente pela pena abstrata cominada do legislador ordinário.

Por conseguinte, ao equivaler o tratamento conferido a crimes e a atos de improbidade, a gradação baseada apenas no tempo da penalidade não observa a determinação do Constituinte, porquanto não implementada a diferenciação qualitativa imposta pelo art. 15, inciso III, da Constituição Federal.

[...]

As penalidades de suspensão de direitos políticos objeto desta ação direta variam de 3 a 8 anos, a depender da conduta. Isso significa que esses atos de improbidade implicam a supressão temporária do direito de participação política em patamar superior, por exemplo, aos condenados pelos crimes de lesão corporal grave e gravíssima (Código Penal, artigo 129, §§ 1º e 2º).

Ao adentrar o campo dos crimes contra a Administração Pública, cuja afinidade temática com os atos de improbidade é inegável, a incoerência permanece. Tendo em vista que a dosimetria da pena inicia-se no mínimo legal, é possível verificar que a suspensão de direitos políticos das condutas ímprobas em tela é superior aos crimes de peculato (Código Penal, artigo 312), concussão (Código Penal, artigo 316) e corrupção passiva (Código Penal, artigo 317).

Isso significa que o agente público que “celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei” (art. 10, inciso XV, da Lei 8.429/1992), ainda que culposamente, poderá ter os direitos políticos suspensos por período superior ao cidadão condenado pelo desvio de verbas públicas.

Ademais, quando se considera apenas tipos penais que admitem a modalidade culposa, é flagrante a exorbitância da suspensão de direitos políticos por ato de improbidade culposo que gere prejuízo ao erário, superior até mesmo ao homicídio culposo (Código Penal, artigo 121, § 3º), sem falar no envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal (Código Penal, artigo 270) ou na falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (Código Penal, artigo 273, § 2º).

[...]” (ADI 6.678 MC, Min. GILMAR MENDES, DJE 04/10/2021)

 

Assim, a edição da Lei 14.230/2021, alterando a Lei 8.429/1992, com introdução de normas mais benéficas ao réu imputado ímprobo, deve ser aplicada, ainda que de forma retroativa, às ações de improbidade administrativa em curso, mesmo que ajuizadas antes da vigência da nova lei, em decorrência e por imposição da extensão ao direito administrativo sancionador de princípios do direito penal, dentre os quais o da retroatividade da lei mais benigna ao réu, previsto no artigo 5º, XL, CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

Com efeito, conforme decidiu a Suprema Corte em outro julgado, “por se tratar de novatio legis in mellius, nada impede que, em razão do princípio da retroatividade da lei penal menos gravosa, ela alcance a situação pretérita do paciente, beneficiando-o” (HC 114.149, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 04/12/2012).

A contrario sensu, recente e especificamente quanto à norma prescricional:

 

AgRg no REsp 1.882.610, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS, DJe 16/06/2021: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO. DELITOS OCORRIDOS ANTES DA ALTERAÇÃO DO INCISO IV DO ART. 117 DO ESTATUTO REPRESSOR LEVADA A EFEITO COM A EDIÇÃO DA LEI N. 11.596/2007. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. APLICAÇÃO À HIPÓTESE DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. RECONHECIDO, POIS ULTRAPASSADO, DESDE A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA, O PRAZO PREVISTO NO INCISO V DO ART. 109 DO CÓDIGO PENAL. 1. Levando em consideração que os fatos imputados ao agravante ocorreram antes da entrada em vigor da Lei n. 11.596/2007, não há que se falar em incidência do referido édito normativo sob pena de novatio legis in pejus. 2. A Lei n. 11.596/2007, por ter criado novo marco interruptivo do prazo prescricional, trouxe modificação que agrava a situação do Réu (novatio legis in pejus). O comando normativo não pode retroagir para alcançar crimes cometidos em datas anteriores à entrada em vigor da norma, como ocorre no caso, sob pena de afronta ao princípio da irretroatividade da lei penal maléfica (AgRg no AREsp 1678771/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2020, DJe 31/08/2020) (AgRg no REsp n. 1.834.219/MG, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 2/12/2020). 3. Agravo regimental provido para reconsiderar a decisão agravada, negando provimento ao recurso especial.”

 

Neste contexto jurídico e, considerando alterações derivadas da Lei 14.230/2021, tem relevo no caso dos autos a alteração do prazo prescricional da ação, com previsão de novos marcos interruptivos, bem como de prazo específico para prescrição intercorrente, conforme atual redação do artigo 23 da Lei 8.429/1992, nos seguintes termos:

 

“Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.      (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - (revogado);        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

II - (revogado);        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

III - (revogado).        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 1º A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão.           (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 2º O inquérito civil para apuração do ato de improbidade será concluído no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica.          (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 3º Encerrado o prazo previsto no § 2º deste artigo, a ação deverá ser proposta no prazo de 30 (trinta) dias, se não for caso de arquivamento do inquérito civil.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 4º O prazo da prescrição referido no caput deste artigo interrompe-se:         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa;         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

II - pela publicação da sentença condenatória;         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

III - pela publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência;       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

IV - pela publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência;       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

V - pela publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 6º A suspensão e a interrupção da prescrição produzem efeitos relativamente a todos os que concorreram para a prática do ato de improbidade.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 7º Nos atos de improbidade conexos que sejam objeto do mesmo processo, a suspensão e a interrupção relativas a qualquer deles estendem-se aos demais.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 8º O juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato, caso, entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o prazo previsto no § 5º deste artigo.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)” (grifamos)

 

Segundo a novel legislação, a prescrição da ação de improbidade administrativa é de oito anos, contados do fato ou da cessação dos fatos, quando permanente a infração.

A propósito, ainda que tenha sido mais gravoso o prazo prescricional inicial previsto na nova redação da Lei 8.429/1992, as alterações e inclusões promovidas pela Lei 14.230/2021 são, de modo geral, mais benéficas ao réu em ação de improbidade administrativa, de modo a permitir a sua incidência aos processos em curso, a teor, analogicamente, do previsto na Súmula 501/STJ: “É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis” (grifamos).

Prosseguindo no exame da nova legislação, é causa de suspensão da prescrição, pelo prazo de até 180 dias, a instauração de inquérito civil ou processo administrativo para apuração de responsabilidade, findos os quais recomeça a correr o prazo de oito anos. 

São causas interruptivas da prescrição de oito anos: ajuizamento da ação de improbidade administrativa, publicação de sentença condenatória, publicação de decisão ou acórdão de segundo grau que confirma condenação ou reforma sentença de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência.

A interrupção da prescrição gera a contagem, a partir da mesma data, de novo prazo de prescrição, porém pela metade do prazo originário, ou seja, por quatro anos

Conforme consta dos autos os atos de improbidade administrativa imputados à ré ocorreram entre setembro e outubro de 2000, foi instaurado processo administrativo disciplinar em 10/06/2006, concluído em 2007, ajuizada a ação de improbidade administrativa em 08/10/2008. 

Percebe-se que, entre os fatos e o ajuizamento da ação, considerada a suspensão da prescrição por 180 dias (artigo 23, § 1º, da Lei 8.429/1992, com alterações da Lei 14.230/2021), não permite cogitar do decurso do prazo de oito anos previsto no caput do artigo 23 da lei de regência, antes da primeira causa interruptiva. 

Todavia, interrompida a prescrição a partir da data do ajuizamento da ação de improbidade administrativa, passa a correr, desde então, nova prescrição, mas pelo prazo reduzido à metade, cuja interrupção eficaz exige seja publicada sentença condenatória em até quatro anos contados do ajuizamento da ação.

Na espécie, a sentença foi proferida apenas em 18/04/2017 (ID 155711010, f. 9) e publicada no diário oficial em 19/07/2017 (ID 155711011, f. 14), mais de quatro anos depois do ajuizamento da ação de improbidade administrativa, em 08/10/2008.

Ainda que não se olvide que o rito processual anteriormente previsto na Lei 8.429/1992 era mais extenso, em razão da fase de notificação e defesa prévias ao recebimento da própria inicial da ação, o prazo de quatro anos de prescrição intercorrente entre o ajuizamento da demanda e a publicação da sentença condenatória previsto na atual redação da lei é aplicável ao presente feito, porque mais benéfico à ré, na linha da jurisprudência anteriormente destacada. 

Constatado de ofício decurso do prazo, e aplicando a jurisprudência quanto à retroação de normas de prescrição a processos em curso, quando em benefício do acusado ou réu, foi determinada a manifestação das partes, não ofertando o polo ativo da ação (MPF ou INSS) razões capazes de elidir a conclusão acima exposta, razão pela qual, nos termos e com fundamento no artigo 23, caput, §§ 4º, I e II, 5º e 8º, da Lei 8.429/1992, com alterações da Lei 14.230/2021, cabe decretar a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora, salvo no tocante ao ressarcimento ao erário, restando, pois, quanto a tais pontos, prejudicadas as apelações do Ministério Público Federal e do INSS.

Especificamente sobre o ressarcimento do dano ao erário, o Supremo Tribunal Federal, no RE 852.475, julgado com repercussão geral, fixou o seguinte entendimento: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa” (Tese 897/STF).

Eis a ementa do referido acórdão:

 

RE 852.475, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Red. do acórdão Min. EDSON FACHIN, DJe 25/03/2019: “DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5 º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais. 2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB). 3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente. 4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis. 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. 6. Parcial provimento do recurso extraordinário para (i) afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e (ii) determinar que o tribunal recorrido, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento.”

 

Afastada, pois, a prescrição para ressarcimento do dano ao erário, passa-se ao exame da controvérsia, à luz das demais alegações de apelação da servidora ré.

Em resumo, sustentou o MPF que ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS valeu-se do cargo para auferir vantagem ilícita e, descumprindo regramentos normativos, favorecer terceiros, causando dano ao INSS, com violação aos princípios da administração pública, em especial da legalidade, moralidade, honestidade e lealdade à instituição em que trabalhava, assim incorrendo na prática dos atos ímprobos previstos nos artigos 9º, I, 10, VII, e 11, caput, da Lei 8.429/1992 que, na redação atual, mais benéfica à ré, assim dispõem:

 

"Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

[...]

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

[...]

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

[...]

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:

[...]”

 

Observa-se, prontamente, que a atual redação da Lei 8.429/1992, com alterações e inclusões promovidas pela Lei 14.230/2021, excluiu a caracterização de improbidade administrativa pela prática de ato culposo, como antes previa o respectivo artigo 10 – o que, no caso dos autos, se afigura irrelevante, já que, nos termos da tese vinculante da Suprema Corte, a imprescritibilidade da ação para ressarcimento ao erário ocorre apenas quando fundada na prática de ato doloso de improbidade administrativa.

Ademais, o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixou de conter, tipo aberto, não mais admitindo, para tipificação, qualquer ação ou omissão que violasse princípios da administração pública, a exemplo das figuras elencadas nos respectivos incisos, que constituíam rol apenas exemplificativo. Na atual redação, mais benéfica aos réus, a caracterização da violação aos princípios administrativos deve decorrer necessariamente de condutas elencadas nos respectivos incisos, tornando, pois, exaustivo e taxativo o rol.

De tal observação, constata-se, de plano, que a imputação do MPF fundada exclusivamente no caput do artigo 11 não mais se sustenta, sendo vedado ao julgador alterar o tipo indicado na inicial (v. artigo 17 da Lei 8.942/1992: “§ 10-F. Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial;”). Ainda que a alteração do tipo imputado não se confunda com a alteração da capitulação legal indicada (“É pacífico, no âmbito desta Corte, o entendimento de que "o indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados, e não de sua classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação legal da conduta não tem o condão de inquinar de nulidade o Processo Administrativo Disciplinar; a descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa." (MS 14.045/DF, Terceira Seção, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 29.04.2010)”, MS 17.151, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 11/03/2019), é inequívoco que as condutas imputadas à ré na inicial da presente ação não se subsomem em nenhuma daquelas taxativamente previstas na atual redação do artigo 11:

 

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:

I - (revogado);

II - (revogado);

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado;

IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei;

V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.

IX - (revogado);

X - (revogado);

XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas;

XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos.”

 

Ainda, dentre outras alterações e inclusões, que beneficiaram os réus no âmbito da Lei 14.230/2021, destacam-se, de relevante para a espécie, as seguintes disposições da atual redação do artigo 11 da Lei 8.429/1992:

 

“§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.

§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei.”

 

Neste cenário legislativo, e considerando a firme jurisprudência quanto à aplicabilidade das inovações a feitos em curso, tem-se que, segundo consta dos autos, após regular processo administrativo disciplinar, a ré ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS foi demitida, “com fundamento no art. 117, inciso IX, c/c art. 132, inciso XIII, c/c 128, todos da Lei 8.112, de 1990, por ter praticado a seguinte infração administrativa: valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública” (ID 210044549, f. 12).

Em tal âmbito, a comissão disciplinar constatou que não houve comprovação da carência legal para concessão do benefício de aposentadoria rural por idade em relação aos beneficiários Aracy de Oliveira Fagundes, David Barbosa Leite, Maria Helena Carvalho Monteiro e Maria Aparecida de Almeida, destacando, dentre as principais irregularidades detectadas nos respectivos processos concessórios: a juntada de documentos extemporâneos e de comprovantes de ITR sem autenticação de pagamento ou com indicação de contratação de assalariados; não comprovação do exercício da atividade rural em regime de economia familiar; inscrição de contribuinte autônomo, descaracterizando a condição de segurado especial; entrevista rural realizada antes mesmo da data de entrada do requerimento do benefício, ou redigida com letras e canetas de cores diferentes. (ID 210044546, f. 13 a ID 210044548, f. 12).

O órgão sindicante constatou, ainda, que alguns segurados contrataram o então marido da ré, o advogado Antônio Cláudio Abreu Silva para orientações e até mesmo para protocolar o requerimento dos benefícios previdenciários, que foram, porém, processados e finalizados, sem juntada da respectiva procuração, situação agravada pelas afirmações de alguns beneficiários no sentido de que os requerimentos, e até mesmo a entrevista, foram assinados no escritório do advogado – diga-se, no mesmo endereço em que a ré atuava como psicóloga (ID 210043924, f. 18 e 210044543, f. 2) -, o que significa que “a servidora ELIANA extraiu do sistema corporativo da Previdência Social os requerimentos dos benefícios, os quais foram levados para colher assinatura dos segurados em local diverso da APS – Agência da Previdência Social” (ID 210044548, f. 8).

A propósito, no bojo do PAD – na instrução da presente ação a servidora ré nada alegou, tendo sido tomada por crise de choro (ID 203902328) -, ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS limitou-se a arguir que não tinha percebido as irregularidades formais constatadas (“não percebeu que no ITR relativo ao ano de 1991 aparecia dois assalariados”; “não percebeu que nos documentos não havia autenticação e que eram extemporâneos” – ID 210044542, f. 9 e ID 210044543, f. 1) e que nunca recebeu treinamento para a concessão dos benefícios, mas “o seu trabalho era respaldado por Heloísa, que tudo que fazia passava por ela, que dava um parecer se estava certo ou errado” (ID 210044542, f. 5).

Sobre tal questão, a Chefe de Benefícios à época, Heloísa Helena Escobar declarou, no âmbito administrativo, que “somente homologava se concordasse com a conclusão e os documentos apresentados” (ID 210045743, f. 2).

Contudo, destacou a comissão disciplinar que “nos processos concedidos irregularmente pela servidora ELIANA não consta homologação ou qualquer despacho que confirmem terem ciência da Chefe de Benefício da Agência” (ID 210044548, f. 9).

Ainda, em oitiva realizada no procedimento administrativo do INSS, Aracy de Oliveira Fagundes declarou, em 20/06/2003, que “foi várias vezes ao INSS em Guaratinguetá/SP dar entrada em seu benefício; [...] que não se utilizou de terceiros para requerer o benefício” e “que não sabe informar se sempre foi atendida pelo mesmo funcionário no INSS, pois não se lembra”, vez que, àquela época, já se encontrava “muito esquecida” (ID 210046412, f. 11). Novamente no âmbito administrativo, em 23/08/2006, a testemunha afirmou que “não trabalhava na roça, que ficava em casa cuidando dos filhos, que ia na roça apenas para levar o almoço; [...] não lembra o local onde pediu sua aposentadoria, mas que foi atendida pela servidora Eliana [...] que pagou o primeiro pagamento da aposentadoria para servidora Eliana [...] que foi sozinha, que foi no INSS uma porção de vezes e ACHA que foi atendida pela Eliana [...] o primeiro pagamento PAGOU LÁ PARA ELES [...] na maioria das vezes foi atendida pela Eliana, e às vezes por um homem, e que reafirma a entrega do dinheiro para Eliana” (destacamos - ID 210044535, f. 9/10). Já em Juízo, durante a instrução da presente ação, em 31/08/2011, a testemunha asseverou já não se lembrar de quase mais nada, porque já faz muito tempo desde os fatos, lembrando-se apenas de ter levado os documentos “lá” e que o benefício foi cortado, sem saber o porquê, não se lembrando de ter pago valor à ré (IDs 206614112 a 206614114).

David Barbosa Leite, por sua vez, não foi ouvido pelo INSS em 2003. Em 22/08/2006, a testemunha declarou, no procedimento administrativo, que “o pedido foi feito pelo advogado Dr. Antonio Cláudio [...] acha que assinou o pedido de aposentadoria no escritório [...] pagou para o advogado o seu primeiro salário” (ID 210044534, f. 1). Em Juízo, no bojo da presente ação, afirmou, em 31/08/2011, que: não conhece a ré ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS; nunca foi ao INSS; passou os documentos ao advogado Antônio Cláudio Abreu Silva, pagando-lhe cinquenta reais; não deu o valor do primeiro benefício para o advogado, em cujo escritório foi duas vezes, uma para levar a documentação e outra para pagar a consulta; e nunca teve que devolver valor algum ao INSS, pois, pelo contrário, após suspensão do benefício, o benefício foi reconhecido devido, sendo restabelecido, com pagamento de valores referentes ao período em que suspenso (IDs 206614119 e 206614120).

Já Maria Helena Carvalho Monteiro declarou ao INSS, em 18/06/2003, “que procurou o advogado sugerido pela sua irmã, Dr. Antonio Cláudio Abreu Silva, e foi ele quem deu entrada no INSS em sua aposentadoria; [...] que não se recorda de ter passado procuração para o advogado; que foi avisada pelo advogado a ir ao INSS de Guaratinguetá/SP, apenas para fazer a entrevista rural” (ID 210045757, f. 10/1). Em 22/08/2006, ainda perante a autarquia previdenciária, a testemunha confirmou que “fez uma consulta com o advogado sobre sua aposentadoria e depois entregou para ele todos os documentos que havia pedido, e que a depoente não foi ao INSS [...] por ocasião da entrevista compareceu no INSS [...] recebeu a cartinha e foi até o INSS fazer a entrevista” (ID 210044534, f. 9/10). Na instrução da presente ação, em 31/08/2011, a testemunha mais uma vez confirmou que: teve contato com a ré somente quando da entrevista no INSS; sempre trabalhou na roça, não sabe porque o benefício foi suspenso; fez consulta ao advogado Antônio Cláudio Abreu Silva no respectivo escritório, entregando-lhe documentação pedida para fazer requerimento perante a autarquia; o advogado não garantiu a concessão do benefício, tendo-lhe pago a consulta, não se lembrando com certeza do valor, mas algo em torno de cinquenta reais; depois foi chamada para a entrevista no INSS; nunca teve que devolver qualquer valor à autarquia previdenciária, porque recorreu, o benefício foi restabelecido e os valores referente ao período suspenso serão recebidos (ID's 206614122 a 206614127).

Por fim, Maria Aparecida de Almeida declarou ao INSS, em 11/06/2003, “que foi duas vezes ao INSS para tratar de sua aposentadoria; [...] que deu entrada na aposentadoria pessoalmente no INSS; que a entrevista rural foi feita no INSS” (ID 210045769, f. 3). Já em 22/08/2006, ainda no âmbito administrativo, afirmou que “confirma a declaração anterior, porém hoje quer esclarecer que não foi no INPS dar entrada no benefício, que o advogado Antonio Claudio Abreu da Silva recebeu os documentos da depoente [...] que deve ter assinado no escritório do advogado, visto que não compareceu no INSS para pedir a aposentadoria. Que pagou R$ 50,00 pela consulta e R$ 151,00, que foi o valor do seu primeiro salário na época [...] Acrescenta que a entrevista [...] foi feita no escritório do próprio advogado” (ID 210044534, f. 6). Em Juízo, na instrução da presente ação em 31/08/2011, confirmou que: nunca teve contato com a ré, tendo pedido a aposentadoria por meio do advogado Antônio Cláudio Abreu Silva, a quem entregou os documentos e se responsabilizou pelo protocolo junto ao INSS; não foi ao INSS e nunca foi chamada à autarquia para fazer entrevista; pagou ao advogado cinquenta reais pela consulta e o primeiro salário do benefício recebido, que, posteriormente, foi cancelado, sem saber o porquê, tendo ouvido dizer apenas que a documentação não estava certa (ID's 206614129 e 206614483).

Dentre todas as declarações das testemunhas arroladas pelo MPF, que teriam sido beneficiadas pela servidora ré, saltam aos olhos as afirmações de Aracy de Oliveira Fagundes, absolutamente contraditórias. De fato, logo no primeiro depoimento, a testemunha já avisou estar esquecida e, conquanto a data fosse mais próxima à dos fatos, nada declarou a desabonar a conduta da ré. Em 2006, porém, três anos depois do primeiro depoimento e seis anos após os fatos, Aracy de Oliveira Fagundes não deu certeza de ter sido atendida por ELIANA APARECIDA LOPES DO REIS, mas garantiu que entregou à servidora ré o valor do primeiro benefício recebido. Não obstante a grave acusação feita, tal depoimento não foi considerado no próprio procedimento administrativo que resultou na demissão de ELIANA APARECIDA, tendo em vista a dificuldade de entendimento da testemunha por não ser alfabetizada e ter problemas de audição (v. itens 11.1 e 21.5 do Relatório Final da comissão – ID 210044535, f. 11; ID 210044547, f. 3; e ID 210044548, f. 7). Ademais, tais declarações, já duvidosas no âmbito administrativo, não restaram confirmadas em Juízo, durante a instrução da presente ação.

Nestas condições e considerado todo o contexto fático e probatório dos autos, constata-se que não restou demonstrado que ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS tenha auferido, para si, vantagem patrimonial indevida em razão de benefícios previdenciários irregularmente concedidos.

Quanto aos montantes recebidos diretamente pelo seu marido, à época, conforme declarado pelas testemunhas, a título de honorários por consultas realizadas e serviços advocatícios prestados, tampouco restou caracterizado o tipo ímprobo de receber, para si ou para outrem, dinheiro, até porque tais valores não configuram vantagem patrimonial indevida. Não por outro motivo, o próprio causídico não apenas emitia recibo pela consulta realizada (ID 210045757), como registrava no contrato de prestação de serviços e honorários advocatícios a remuneração em “importância equivalente ao primeiro pagamento da aposentadoria” (ID 210043924, f. 18).

Pelo mesmo motivo, inclusive, ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS e Antônio Cláudio Abreu Silva acabaram absolvidos no processo criminal instaurado para apuração de eventual prática do delito previsto no artigo 317 do Código Penal (ID 155711012, f. 15/9), conforme alegações finais do próprio MPF, que postulou pela absolvição dos réus por ausência de prova da materialidade do fato penal, nos seguintes termos (ID 155711008, f. 18 a ID 155711009, f. 2):

 

“[...]

Ocorre que, adentrando na seara penal, mais especificamente no delito inscrito no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva), o aludido tipo pressupõe, para sua configuração, que o agente público aja com intuito de obter, dolosamente, vantagem indevida para si ou para outrem. A condenação do agente nestes termos pressupõe, de outro lado, a existência de provas que apontem nesse sentido, observando que, em matéria penal, aplica-se o princípio do ‘in dubio pro reo’.

No caso, a instrução criminal em sua fase judicial, em nada caminhou para desvelar o dolo de Eliana em receber, indevidamente, valores ou vantagens para conceder, ainda que sem os requisitos mínimos para tanto, as aposentadorias rurais. Também não se desvelou a coautoria de Antonio Claudio Abreu Silva que, supostamente, teria repassado seus valores de honorários para Eliana, buscando o favorecimento de seus clientes.

[...]

A única prova no sentido de apontar o recebimento indevido de numerários por parte de Eliana para o deferimento indevido de benefício foi produzida na sindicância administrativa do INSS, oportunidade em que Aracy de Oliveira Fagundes aduziu ‘que reconhece como sua a assinatura do documento e que pagou o primeiro pagamento da aposentadoria para a servidora Eliana aqui presente (fl. 115-116).

A mesma depoente, ouvida no curso da ação civil pública movida contra a ré, ao ser questionada sobre os mesmos fatos, já apresentando notável redução em sua capacidade de discernimento, aduziu [...] que não se lembra se esteve em contato com a ré; que não se lembra se pagou algum valor à Eliana; [...]

Diligenciando-se no sentido de reinquiri Aracy no curso do inquérito policial, os agentes da Polícia Federal, após reiteradas tentativas, não obtiveram êxito em localizá-la (f. 340).

[...]

Assim sendo, a única prova hábil pra a condenação da ré, além de frágil, foi produzida no curso da instrução administrativa, o que impossibilita a condenação de Eliana e Antonio Claudio como incursos nas penas do art. 317 do Código Penal, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal.

[...]

Nessa linha, a absolvição se impõe pela ausência de provas suficientes da prática delitiva imputada aos réus.”

 

Resta, pois, por todo o exposto, afastada a imputação do ato ímprobo previsto no artigo 9º, I, da Lei 8.429/1992 (“Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;”).

Quanto às demais testemunhas, observa-se que os respectivos depoimentos são todos convergentes, inexistindo nos autos mínimos indícios de que tenham sido forjados ou colhidos sob coação, como alegado. Atente-se, a propósito, que as testemunhas, em Juízo, foram advertidas dos rigores da lei quanto a eventual falso testemunho e, ainda assim, foram confirmadas declarações prestadas no âmbito administrativo.

Quanto à imputação de concessão de benefícios previdenciários sem observância das respectivas formalidades legais ou regulamentares, com intuito de favorecer terceiros, causando prejuízo ao erário, insta consignar, como bem destacado no parecer jurídico do Advogado da União, aprovado pelo Ministro do Trabalho e Emprego, no bojo do processo administrativo disciplinar instaurado contra a servidora ré, que “as irregularidades cometidas não se subsomem a um único erro ensejador da concessão de benefício indevido, mas sim à somatória de irregularidades. Não se pode, aliás, falar-se em erros, falta de zelo ou de alguma conduta omissiva, pois que se trata, na verdade, de conduta comissiva, com a prática efetiva de atos materiais de fraude, com inserção de dados no Sistema da Previdência Social, em conluio com o ex-marido da indiciada, com o objetivo de valer-se do cargo para lograr proveito pessoal e de outrem, em detrimento da dignidade da função pública” (ID 210044549, f. 7).

Com efeito, restou inconteste a concessão dos benefícios previdenciários pela servidora ré sem observância, no ato concessório, da legislação aplicável. A ré ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS aceitou na instrução dos requerimentos administrativos de concessão previdenciária documentos inábeis (extemporâneos e sem autenticação, inclusive de pagamento), ignorou fatos impeditivos (atividade rural com assalariados) e desprezou o requisito essencial de carência mínima.

Ainda que alguns dos benefícios tenham sido, posteriormente, reconhecidos como devidos e restabelecidos, tal fato não afasta as irregularidades cometidas pela servidora ré no ato das respectivas concessões, com nítido intuito de beneficiar os segurados, sobretudo, mas não exclusivamente, aqueles que eram clientes de seu marido, à época.

Tal dolo específico restou evidenciado quando, para além das irregularidades formais no ato de concessão de tais benefícios previdenciários, a servidora ré imprimiu os formulários de requerimento, e até os de entrevista rural, e os entregou ao seu marido para que ele próprio, como advogado de três dos quatro beneficiários que testemunharam nos autos, preenchesse os respectivos questionários para depois repassá-los à própria ré ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS, que os lançou no sistema e aprovou a concessão do benefício sem homologação da supervisora, ensejando pagamentos indevidos. Não foi por outra razão que a comissão sindicante identificou, em tais documentos (formulários de requerimento ou entrevista), escritas distintas, como se de pessoas diversas, com cores diferentes de caneta e, ainda, tão ou mais grave, a realização de entrevista antes mesmo da data de entrada do requerimento do benefício (ID's 210045758, f. 14; e 210045761, f. 13/5).

Não se sustenta, assim, a tese de que a servidora ré apenas procedia a atendimentos e juntada de documentos. Ainda que lhe faltasse, eventualmente, por razão de hierarquia funcional, competência legal para concessão de benefícios, é inequívoco que foi ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS quem, sem homologação da supervisora, concedeu benefícios previdenciários indevidos, segundo descrito nos autos. Além do mais, ao contrário do alegado, em inquirição administrativa, a própria servidora ré confirmou que, no exercício do cargo, concedia, há anos, benefícios previdenciários.

O prejuízo material à autarquia previdenciária restou configurado com o pagamento indevido de benefícios a Aracy de Oliveira Fagundes e Maria Aparecida de Almeida, em razão da concessão irregular dolosamente perpetrada pela servidora ré, perfazendo, assim, com todos os elementos objetivos e subjetivos, o tipo ímprobo descrito na atual redação do artigo 10, VII, da Lei 8.429/1992, com as exigências previstas nos §§ 1º e 2º do artigo 11:

 

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

[...]

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

[...]

§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.

§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei.”

 

Quanto aos valores percebidos por David Barbosa Leite, conforme declarado em Juízo, não houve necessidade de qualquer devolução ao INSS, pois comprovado, depois, que tal segurado cumpria todos os requisitos para o deferimento do benefício, inclusive quanto ao período em que suspenso. A propósito, o próprio MPF reconheceu, expressamente, em alegações finais, que o benefício de David Barbosa Leite encontra-se regularizado, não tendo, assim, causado prejuízo ao erário (ID 155711008, f. 7/8).

A mesma situação ocorreu com Maria Helena Carvalho Monteiro, conforme por ela declarado em Juízo, sem qualquer insurgência do MPF ou INSS. 

Quanto à alegação de que “não existem diferenças entre ilícitos civis e penais”, de modo que a absolvição criminal impõe a improcedência da ação de improbidade administrativa, cumpre rejeitar a proposição, pois é assente na jurisprudência da Corte Superior a “independência entre as instâncias administrativa, civil e penal, salvo se verificada absolvição criminal por inexistência do fato ou negativa de autoria” (AgInt no REsp 1.761.220, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe 20/10/2021).

A redação atual da Lei 8.429/1992 (artigo 21, § 4º) afasta, porém, tal entendimento jurisprudencial apenas e tão somente quando a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos seja confirmada por decisão colegiada, ensejando comunicação de todos os fundamentos absolutórios previstos no artigo 386 do Código de Processo Penal e, assim, impedindo o trâmite da ação de improbidade administrativa.

Na espécie, a ação penal 0001468-75.2008.4.03.6118, em que ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS restou absolvida do delito previsto no artigo 317, caput, do Código Penal, tratou apenas de parte dos fatos objeto da presente ação (“Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”) - que guardam correspondência com os fatos descritos no artigo 9º, I, da Lei 8.429/1992, já afastado na espécie -, deixando de tratar do favorecimento de terceiros, mediante concessão de benefícios previdenciários sem observância de formalidades normativas, com efetivo prejuízo ao erário, apurado e comprovado nestes autos.

Ademais, a absolvição decretada na ação penal 0001468-75.2008.4.03.6118 não atendeu ao requisito legal de ser “confirmada por decisão colegiada”, obstando, pois, a aplicação da regra prevista no § 4º do artigo 21 da Lei 8.429/1992 e respectivos efeitos.

No que se refere a eventuais nulidades do processo administrativo disciplinar em que a servidora ré foi apenada com demissão, cumpre salientar que tais questões já foram objeto da ação ordinária 0001107-92.2007.4.03.6118, julgada improcedente, inclusive com trânsito em julgado, impedindo o reexame no bojo da presente demanda. 

A propósito, tal julgado restou assim ementado:

 

ApCiv 0001107-92.2007.4.03.6118, Rel. Des. Fed. CARLOS FRANCISCO, DJEN 12/07/2021, t.j. 31/08/2021: “APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. NULIDADE NÃO VERIFICADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRESCRIÇÃO. DETERMINAÇÃO DE PROVAS DE OFÍCIO. PERÍCIA MÉDICA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. FALTA DE CURADOR ESPECIAL. - Quanto ao alegado cerceamento de defesa nestes autos, consigne-se que o magistrado só deve determinar de ofício a produção de provas que entender relevantes para deslinde da lide, portanto, entendendo haver documentos suficientes para tanto, não é obrigado a determinar a produção de qualquer outra prova. Por outro lado, a própria autora não requereu a produção da referida prova. - É a infração que o servidor praticou que determina qual a penalidade imponível, bem como qual o prazo prescricional aplicável, observado o comando do art. 142, §2º, da Lei nº 8.112/1990. Assim, sendo os fatos imputados à autora também capitulados como crime de corrupção passiva, tinha a Administração o prazo prescricional de 16 anos. A eventual inocorrência de trânsito em julgado da sentença condenatória na esfera penal mostra-se irrelevante, pela independência relativa entre as instâncias administrativa e penal. - Imperioso salientar que a jurisprudência do STJ é torrencial e uniforme quanto aos limites da atuação do Poder Judiciário no controle do processo administrativo, o qual restringe-se à verificação de vícios capazes de ensejar a sua nulidade, sendo-lhe defeso incursionar no mérito administrativo, salvo patente infração a garantias processuais ou primados da ordem jurídica. - Com relação à defesa técnica feita por advogado nos autos de processo administrativo, observa-se a Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. - A obrigatoriedade de remessa necessária somente é conferida aos casos que a lei expressamente o determina – o que não é o caso de processos administrativos disciplinares. O que a Constituição Federal e a Lei nº 8.112/90 garantem é a possibilidade de duplo grau de jurisdição em quaisquer processos, administrativos ou judiciais, que depende de provocação da parte. - No caso dos autos, as alegações de que a servidora sofria de enfermidade mental à época dos fatos a ela imputados também não restou comprovado. Os atestados e licenças da época dos fatos a ela imputados e também da instauração, instrução e conclusão do Processo Administrativo Disciplinar não demonstram a presença de enfermidade mental, e a referida ação de interdição somente foi ajuizada muitos anos depois da condenação em esfera administrativa. Nesse sentido, não pode ser acolhida também alegação de vício no PAD pela falta de nomeação de curador especial. - Apelação desprovida.”

 

Por todo o exposto e com esteio no artigo 12, caput, da Lei 8.429/1992, cabível a condenação da ré ELIANA APARECIDA LOPES DOS REIS ao ressarcimento integral do dano ao erário, conforme acima especificado, sem prejuízo da reforma para reduzir o valor da condenação à lesão patrimonial efetivamente causada à autarquia previdenciária que, no caso, corresponde a R$ 9.142,47 e R$ 8.771,47 (para 06/08/2006 – ID 210046414, f. 4/5 e ID 210045770, f. 12/3), referentes, respectivamente, aos benefícios mensal e indevidamente auferidos por Aracy de Oliveira Fagundes, no período de 10/11/2000 a 10/07/2003, e por Maria Aparecida de Almeida, no período de 20/11/2000 a 18/07/2003.

Sobre os valores de ressarcimento ao erário devem incidir juros de mora e correção monetária, a partir da data dos fatos (Súmula 54/STJ), observados os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, conforme jurisprudência da Turma (AC 0007945-69.2002.4.03.6104, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, e-DJF3 14/09/2017).

Afastada a sucumbência, nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/1985 e jurisprudência neste sentido consolidada.

Ante o exposto, reconheço, de ofício, quanto às sanções outras que não a de ressarcimento ao erário - para tanto, considerando o advento da Lei 14.230/2021, que deve ser aplicada enquanto não for eventualmente declarada inconstitucional, e em razão da consolidada jurisprudência acerca da retroatividade de normas que beneficiem os réus no âmbito do direito administrativo sancionador, tal qual se verifica no direito penal -, a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora formulada na presente ação de improbidade administrativa, julgando, assim, em relação a tais pontos, prejudicadas as apelações do MPF e INSS; e, quanto ao ressarcimento do dano, dou parcial provimento à apelação da ré, apenas para reduzir o valor da condenação ao prejuízo patrimonial efetivamente causado à autarquia previdenciária, nos termos supracitados.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. LEI 8.429/1992. FATO NOVO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. RESSARCIMENTO DO DANO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. FAVORECIMENTO DOLOSO DE TERCEIROS. ARTIGO 10, VII, DA LEI 8.942/1992. ATO ÍMPROBO CONFIGURADO. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. COMUNICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REDUÇÃO DA CONDENAÇÃO AO PREJUÍZO PATRIMONIAL EFETIVAMENTE CAUSADO À AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA.

1. Consolidada a jurisprudência no sentido de que se aplica ao direito administrativo sancionador os princípios fundamentais do direito penal, dentre os quais o da retroatividade da lei mais benigna ao réu, previsto no artigo 5º, XL, CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

2. Em decorrência de tal extensão de princípios reguladores, o advento da Lei 14.230/2021, no que instituiu novo regramento mais favorável ao réu imputado ímprobo, deve ser considerado no exame de pretensões formuladas em ações civis públicas de improbidade administrativa, ainda que ajuizadas anteriormente à vigência da nova legislação. 

3. Segundo a nova disciplina instituída pela Lei 14.230/2021, a prescrição da ação de improbidade administrativa é de oito anos, contados do fato ou da cessação dos fatos, quando permanente a infração. É causa de suspensão da prescrição, pelo prazo de até 180 dias, a instauração de inquérito civil ou processo administrativo para apuração de responsabilidade, findos os quais recomeça a correr o prazo de oito anos. São causas interruptivas da prescrição de oito anos: ajuizamento da ação de improbidade administrativa, publicação de sentença condenatória, publicação de decisão ou acórdão de segundo grau que confirma condenação ou reforma sentença de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência. A interrupção da prescrição gera a contagem, a partir da mesma data, de novo prazo de prescrição, porém pela metade do prazo originário, ou seja, por quatro anos. 

4. No caso, ocorridos os fatos entre setembro e outubro de 2000, instaurado contra a ré processo administrativo disciplinar em 10/06/2006 e proposta a ação civil pública de improbidade administrativa em 08/10/2008, resta evidenciado que, entre tais datas, não houve o decurso do prazo prescricional de oito anos. A sentença foi proferida em 18/04/2017 e publicada no diário oficial em 19/07/2017, mais de quatro anos depois do ajuizamento da ação civil pública de improbidade administrativa, em 08/10/2008, acarretando, nos termos e com esteio no artigo 23, caput, §§ 4º, I e II, 5º e 8º, da Lei 8.429/1992, com alterações da Lei 14.230/2021, a consumação da prescrição intercorrente da pretensão sancionadora, salvo no tocante ao ressarcimento ao erário.

5. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 852.475, em que reconhecida repercussão geral, fixou o entendimento de que “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa” (Tese 897/STF).

6. O artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixou de conter, atualmente, tipo aberto, não mais admitindo, para tipificação, qualquer ação ou omissão que violasse princípios da administração pública, a exemplo das figuras elencadas nos respectivos incisos, que constituíam rol apenas exemplificativo. Na atual redação, mais benéfica aos réus, a caracterização da violação aos princípios administrativos deve decorrer necessariamente de condutas elencadas nos respectivos incisos, tornando, pois, exaustivo e taxativo o rol. Na espécie, a imputação do MPF fundada exclusivamente no caput do artigo 11 não mais se sustenta, sendo vedado ao julgador alterar o tipo indicado na inicial (v. artigo 17, “§ 10-F, da Lei 8.942/1992). Ainda que a alteração do tipo imputado não se confunda com a alteração da capitulação legal indicada (MS 17.151, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 11/03/2019), é inequívoco que as condutas imputadas à ré na inicial da presente ação não se subsomem em nenhuma daquelas taxativamente previstas na atual redação do artigo 11.

7. Considerado todo o contexto fático e probatório dos autos, constata-se que não restou demonstrado que a servidora ré tenha auferido, para si, vantagem patrimonial indevida em razão de benefícios previdenciários irregularmente concedidos. Quanto aos montantes recebidos diretamente pelo seu marido, à época, conforme declarado pelas testemunhas, a título de honorários por consultas realizadas e serviços advocatícios prestados, tampouco restou caracterizado o tipo ímprobo de receber, para si ou para outrem, dinheiro, até porque tais valores não configuram vantagem patrimonial indevida. Pelo mesmo motivo, inclusive, a servidora ré e seu marido acabaram absolvidos no processo criminal instaurado para apuração de eventual prática do delito previsto no artigo 317 do Código Penal, conforme alegações finais do próprio MPF, que postulou pela absolvição dos réus por ausência de prova da materialidade do fato penal. Resta, pois, por todo o exposto, afastada a imputação do ato ímprobo previsto no artigo 9º, I, da Lei 8.429/1992.

8. Restou inconteste a concessão dos benefícios previdenciários em questão sem observância, no ato concessório, da legislação aplicável, tendo a servidora ré, com nítido intuito de beneficiar os segurados, sobretudo, mas não exclusivamente, aqueles que eram clientes de seu marido, à época, aceitado na instrução dos requerimentos administrativos documentos inábeis (extemporâneos e sem autenticação, inclusive de pagamento), ignorado fatos impeditivos (atividade rural com assalariados) e desprezado o requisito essencial de carência mínima.

9. Tal dolo específico restou evidenciado quando, para além das irregularidades formais no ato de concessão de tais benefícios previdenciários, a servidora ré imprimiu os formulários de requerimento, e até os de entrevista rural, e os entregou ao seu marido para que ele próprio, como advogado de três dos quatro beneficiários que testemunharam nos autos, preenchesse os respectivos questionários para depois repassá-los à própria ré, que os lançou no sistema e aprovou a concessão do benefício sem homologação da supervisora, ensejando pagamentos indevidos. Não foi por outra razão que a comissão sindicante identificou, em tais documentos (formulários de requerimento ou entrevista), escritas distintas, como se de pessoas diversas, com cores diferentes de caneta e, ainda, tão ou mais grave, a realização de entrevista antes mesmo da data de entrada do requerimento do benefício.

10. O prejuízo material à autarquia previdenciária restou configurado com o pagamento indevido de benefícios a Aracy de Oliveira Fagundes e Maria Aparecida de Almeida, em razão da concessão irregular dolosamente perpetrada pela servidora ré, perfazendo, assim, com todos os elementos objetivos e subjetivos, o tipo ímprobo descrito na atual redação do artigo 10, VII, da Lei 8.429/1992, com as exigências previstas nos §§ 1º e 2º do artigo 11.

11. Quanto aos benefícios que, posteriormente, foi reconhecido o cumprimento de todos os requisitos para o respectivo deferimento, inclusive quanto ao período em que suspenso, reconhece-se a inexistência de prejuízo ao erário.

12. Quanto à alegação de que “não existem diferenças entre ilícitos civis e penais”, de modo que a absolvição criminal impõe a improcedência da ação de improbidade administrativa, cumpre rejeitar a proposição, pois é assente na jurisprudência da Corte Superior a “independência entre as instâncias administrativa, civil e penal, salvo se verificada absolvição criminal por inexistência do fato ou negativa de autoria” (AgInt no REsp 1.761.220, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe 20/10/2021). A redação atual da Lei 8.429/1992 (artigo 21, § 4º) afasta, porém, tal entendimento jurisprudencial apenas e tão somente quando a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos seja confirmada por decisão colegiada, ensejando comunicação de todos os fundamentos absolutórios previstos no artigo 386 do Código de Processo Penal e, assim, impedindo o trâmite da ação de improbidade administrativa. Não preenchidos, na espécie, os requisitos legais resta obstada a aplicação da regra prevista no § 4º do artigo 21 da Lei 8.429/1992 e respectivos efeitos.

13. Sobre os valores de ressarcimento ao erário devem incidir juros de mora e correção monetária, a partir da data dos fatos (Súmula 54/STJ), observados os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, conforme jurisprudência da Turma.

14. Decretação de ofício, nos termos do § 8º do artigo 23 da Lei 8.429/1992 com alterações da Lei 14.230/2021, da prescrição intercorrente da pretensão sancionadora formulada na presente ação de improbidade administrativa quanto às sanções outras que não a de ressarcimento ao erário, julgando, assim, em relação a tais pontos, prejudicadas as apelações do MPF e INSS. Quanto ao ressarcimento do dano, apelação da parte ré parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, reconheceu, de ofício, nos termos do § 8º do artigo 23 da Lei 8.429/1992 com alterações da Lei 14.230/2021, a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora formulada na presente ação de improbidade administrativa quanto às sanções outras que não a de ressarcimento ao erário, julgando, assim, em relação a tais pontos, prejudicadas as apelações do MPF e INSS. Quanto ao ressarcimento do dano, apelação da parte ré parcialmente provida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.