Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002057-49.2018.4.03.6144

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: ISABEL CORREIA TAVARES

Advogados do(a) APELADO: THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A, JEAN DE MELO VAZ - SP408654-A, PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002057-49.2018.4.03.6144

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: ISABEL CORREIA TAVARES

Advogados do(a) APELADO: THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A, JEAN DE MELO VAZ - SP408654-A, PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação ordinária ajuizada em face da União Federal, objetivando à concessão de pagamento de indenização, a título de danos morais, em razão de ter sido separada de forma compulsória de seus genitores, portadores de hanseníase.

A r. sentença, proferida em 17/10/2019 (ID122839009), julgou parcialmente procedente o pedido e condenou a União Federal a pagar à parte autora indenização por dano moral no valor de R$160.000,00 (cento e sessenta mil reais), acrescidos de juros de mora a partir da citação e correção monetária a partir da sentença, de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federa em vigor na data da liquidação. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação.

A União Federal apela alega, preliminarmente, a prescrição do fundo de direito, tendo em vista os fatos ocorridos há aproximadamente 42 anos. No mérito, sustenta, a inexistência de responsabilidade civil do estado. Ressalta que a o internamento ocorreu justamente para proporcionar a cura da doença e viabilizar a sobrevivência dos pais da autora e a recuperação do bom convívio familiar, o que de fato acabou ocorrendo.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta E.Corte.

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002057-49.2018.4.03.6144

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: ISABEL CORREIA TAVARES

Advogados do(a) APELADO: THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A, JEAN DE MELO VAZ - SP408654-A, PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

A tese de imprescritibilidade das prestações indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais, via de regra, tem como pano de fundo a tortura praticada ao longo do Regime Militar no Brasil, teoria amplamente aceita nos Tribunais Superiores:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PRETENSÃO DE REINTEGRAÇÃO AO CARGO PÚBLICO, CUJO AFASTAMENTO FOI MOTIVADO POR PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRISÃO E TORTURA PERPETRADOS DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973.

II - Trata-se, na origem, de ação ordinária proposta por ex-servidor da Assembleia Legislativa do Paraná buscando sua reintegração ao cargo anteriormente ocupado, além dos efeitos financeiros e funcionais, com fundamento no art. 8º do ADCT e na Lei n. 10.559/02, sob a alegação de que seu desligamento ocorreu em razão de perseguição política, perpetrada na época da ditadura militar.

III - A Constituição da República não prevê lapso prescricional ao direito de agir quando se trata de defender o direito inalienável à dignidade humana, sobretudo quando violada durante o período do regime de exceção.

IV - Este Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de ser imprescritível a reparação de danos, material e/ou moral, decorrentes de violação de direitos fundamentais perpetrada durante o regime militar, período de supressão das liberdades públicas.

V - A 1ª Seção desta Corte, ao julgar EREsp 816.209/RJ, de Relatoria da Ministra Eliana Calmon, afastou expressamente a tese de que a imprescritibilidade, nesse tipo de ação, alcançaria apenas os pleitos por dano moral, invocando exatamente a natureza fundamental do direito protegido para estender a imprescritibilidade também às ações por danos patrimoniais, o que deve ocorrer, do mesmo modo, em relação aos pleitos de reintegração a cargo público.

VI - O retorno ao serviço público, nessa perspectiva, corresponde a reparação intimamente ligada ao princípio da dignidade humana, porquanto o trabalho representa uma das expressões mais relevantes do ser humano, sem o qual o indivíduo é privado do exercício amplo dos demais direitos constitucionalmente garantidos.

VII - A imprescritibilidade da ação que visa reparar danos provocados pelos atos de exceção não implica no afastamento da prescrição quinquenal sobre as parcelas eventualmente devidas ao Autor. Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do Autor, o qual poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República.

VIII - Recurso especial provido.

(REsp 1565166/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018).

Essa orientação jurídica não se limita apenas aos casos específicos que remetam à Ditatura Militar no Brasil, podendo ser estendida aos casos em que igualmente ofendam, nessa intensidade, a dignidade da pessoa humana.

As políticas de internação compulsória adotadas aos portadores do mal de Hansen, impuseram aos doentes severas restrições de direitos fundamentais, de modo que pretensões indenizatórias que visam à reparação da violação desses direitos, por si só, são imprescritíveis.

A segregação em colônias agrícolas importava em um apartamento definitivo do doente do convívio familiar e social e abrangia indistintamente homens, mulheres, crianças e idosos. Tal medida era adotada independentemente de qualquer aspecto relevante da vida do doente, importando em uma rígida restrição ao contato com parentes, impedindo a manutenção dos laços familiares, assim como o exercício do trabalho ou profissão, acarretando consequências imensuráveis na vida de todos os envolvidos.

Assim, conforme precedentes deste E.Tribunal, cujo entendimento compartilho, reconheço a imprescritibilidade da presente ação.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FILHOS DE PACIENTES COM HANSENÍASE INTERNADOS COMPULSORIAMENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ABALO PSICOLÓGICO VERIFICADO. PRIVAÇÃO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. A questão posta nos autos diz respeito à possibilidade de condenação da União Federal em indenização por danos morais em favor de filho de pacientes portadores de hanseníase, afastado compulsoriamente de seus pais, em razão da política sanitária da época.

2. Em análise de prescrição, destaca-se ser amplamente aceita nos Tribunais Superiores a tese de imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do Regime Militar no Brasil. Precedentes: REsp 1565166/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018; AgInt no REsp 1648124/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018;AgRg no AREsp 701.444/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 27/08/2015.

3. Observa-se que, conforme grifamos, essa orientação jurídica não se limita apenas aos casos específicos que remetem à Ditadura Militar no Brasil, mas, uma vez amparada na lógica de que não se pode admitir que o decurso do tempo legitime a violação de um direito fundamental, deve ser estendida a todos os casos que igualmente ofendam nessa intensidade a dignidade da pessoa humana.

4. A compreensão axiológica dos direitos fundamentais não cabe na estreiteza das regras do processo clássico, demandando largueza intelectual que lhes possa reconhecer a máxima efetividade possível.

5. É juridicamente sustentável afirmar, portanto, que a imprescritibilidade dos direitos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana, somente será garantida quando assegurar-se também imprescritibilidade dos meios disponíveis a sua proteção. 6. Nos cenários típicos de graves violações perpetradas pelo Estado contra uma coletividade de pessoas, o decurso do tempo atua justamente para que seja possível vislumbrar posteriormente, à luz do distanciamento dos fatos, algumas atrocidades cuja percepção era dificultada pelo contexto histórico vigente à época de seu cometimento.

7. Afasta-se o reconhecimento da ocorrência de prescrição ante o acolhimento da tese de imprescritibilidade da presente demanda.

8. Quanto ao mérito propriamente dito, o cerne da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.

9. São elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 10. No caso dos autos, trata-se de evidente conduta comissiva consubstanciada na separação compulsória entre pais e filho.

11. É certo que a Lei 610/1949 fixou normas para a profilaxia da hanseníase, dentre elas, o tratamento obrigatório mediante isolamento compulsório dos doentes contagiantes. Igualmente, restou estabelecido que todo recém-nascido filho de portadores de hanseníase seria compulsoriamente e imediatamente afastado da convivência com os pais.

12. Contudo, o mero fato da conduta danosa estar amparada pela legislação vigente à época não é suficiente para excluir a responsabilidade do Estado pela adoção de uma política governamental sanitária desumana.

13. Com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade e reconheceu o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária segregacionista. Entretanto, o diploma legal não esgota todas as alternativas de reparação, e nem ampara os familiares das pessoas isoladas, que, especialmente no caso dos filhos, igualmente sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários.

14. Assim, se o próprio Estado reconhece o direito de pensionamento às pessoas atingidas pela doença, exsurge, como corolário, assegurar-se aos filhos o pagamento de indenizações por dano moral.

15. Acerca do dano moral a doutrina o conceitua como "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)".

16. O demandante juntou diversos documentos comprobatórios da internação compulsória de seus pais para tratamento de hanseníase (ID 5345936, 5345937), da separação compulsória após seu nascimento (ID 5345938, 5345939, 5345940), de sua internação no educandário (ID 5345942, 5345943, 5345944) e até da proibição de visita aos seus pais (ID 534546).

17. Inquestionável, portanto, o abalo psicológico daqueles que tiveram sua infância e juventude interrompida por separações traumáticas para viver o sentimento de abandono e a privação do convívio familiar. Casos como o presente caracterizam a típica situação de dano moral in re ipsa, nos quais a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido, capaz de ensejar indenização.

18. Com base no precedente citado, nas particularidades do caso, e na extensão do dano que marcou o autor por toda sua vida, fixo indenização por danos morais em R$ 200.000,00, com incidência de correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ, e juros de mora a partir da citação, conforme entendimento do C. STJ para as hipóteses de reparação a violações a direitos fundamentais ocorridas durante o Regime Militar.

19. Fixa-se a verba honorária em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §3º, I, do atual CPC.

20. Apelação parcialmente provida para condenar a União Federal ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 200.000,00.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002761-40.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 14/06/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/06/2019).

Passo à análise do mérito.

A responsabilidade civil do Estado consagrada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano.

Os fatos que deram ensejo à propositura da presente demanda, filhos separados dos pais portadores de hanseníase, internados compulsoriamente, decorrem da Lei nº. 610/1949 e Decreto nº 16.300 de 31 de dezembro de 1923.

O Decreto nº 16.300 de 31 de dezembro de 1923 aprovou o regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública e estabeleceu a profilaxia especial para o tratamento da lepra. Tal dispositivo, vigente entre os anos de 1923 e 1986, determinava o isolamento das pessoas com hanseníase em sanatórios, hospitais, asilos e colônias agrícolas, impondo, além do isolamento compulsório a separação dos filhos desses doentes.

A política sanitária adotada na época previa, ainda, que as crianças que morassem junto com portadores de hanseníase, não isolados em instituições públicas, seriam submetidas à intensa vigilância durante o período escolar e, se apresentassem qualquer suspeita da doença, não poderiam frequentar o mesmo local de outras crianças saudáveis.

De fato, não há como negar o trauma que tais crianças e adolescentes se submeteram, pois, ainda que saudáveis, eram acompanhadas rigorosamente pelos agentes responsáveis, quando não eram isoladas em sanatórios, aumentando ainda mais o estigma que carregavam, visto que sequer era possível a convivência com outras crianças, que não apresentassem o mesmo histórico familiar.

Cumpre salientar que com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade, reconhecendo o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária de isolamento compulsório.

Observe-se que tal diploma legal não esgotou todas as alternativas de reparação, e nem amparou os familiares das pessoas isoladas, que, no caso dos filhos, em especial, também sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários.

De modo que, se o próprio Estado reconheceu o direito de pensionamento especial às pessoas acometidas pelo mal de Hansen, de rigor assegurar, aos filhos desses enfermos, o pagamento de indenizações por dano moral.

Nesse sentido, transcrevo o seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FILHOS DE PACIENTES COM HANSENÍASE INTERNADOS COMPULSORIAMENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIVAÇÃO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR. TEORIA DA CAUSA MADURA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. A questão cinge-se acerca da condenação da União Federal, ao pagamento de indenização a título de danos morais, em favor da autora, filha de pacientes portadores de hanseníase, afastada compulsoriamente de seus pais, em razão da política sanitária da época.

2. Do que se depreende dos autos, resta firmada compreensão de que o pedido formulado não é alcançável pela prescrição, em razão da atipicidade dos fatos, que se situam no patamar de violação a direitos e garantias fundamentais protegidos pela Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

3. É bem de ver, que tratados internacionais, tais como o Pacto São José da Costa Rica, a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, dentre outros, foram recepcionados pelo ordenamento jurídico pátrio.

4. De se notar, quanto à prescrição, que pacífico é o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, relativo à imprescritibilidade das ações de reparação de danos decorrentes de violações a direitos fundamentais, ocorridas ao longo do Regime Militar no Brasil.

5. Superada à questão preliminar, passo à análise do mérito propriamente dito, em conformidade com a teoria da causa madura, considerando que o feito está devidamente instruído.

6. A responsabilidade objetiva do Estado está estampada no artigo 37, §6º da Constituição Federal e, na forma do texto constitucional, o Estado e a pessoa jurídica de direito privado prestadora do serviço respondem a terceiros pelo dano causado, independente de dolo ou culpa.

7. O Decreto nº 16.300 de 31 de dezembro de 1923 aprovou o regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, estabelecendo a profilaxia especial da lepra, determinando o isolamento das pessoas com hanseníase em sanatórios, hospitais, asilos e colônias agrícolas.

8. As crianças e adolescentes, mesmo que saudáveis, eram acompanhadas rigorosamente pelos agentes responsáveis. Já aquelas que eram isoladas em instituições, carregavam estigma ainda mais presente, visto que nem ao menos era possível o convívio com outras crianças, que não apresentavam o mesmo histórico familiar.

9. In casu, resta comprovada severa ofensa aos direitos de personalidade da autora, vitimada pela legislação vigente à época, que adotava a política de isolamento compulsório de doentes acometidos pela hanseníase e a separação dos filhos dessas pessoas, ocorrido entre os anos de 1923 e 1986, com fundamento no Decreto 16.300/1923 e na Lei nº 610/1949.

10. De rigor anotar, que com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade e reconheceu o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária segregacionista.

11. Entretanto, o diploma legal não esgota todas as alternativas de reparação, e nem ampara os familiares das pessoas isoladas, que, especialmente no caso dos filhos, igualmente sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários.

12. Assim, se o próprio Estado reconhece o direito de pensionamento às pessoas atingidas pela doença, de rigor assegurar, aos filhos, o pagamento de indenizações por dano moral.

13. Portanto, com base nas particularidades do caso, e na extensão do dano que marcou a apelante por toda sua vida, fixo indenização por danos morais em R$ 200.000,00, com incidência de correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ, e juros de mora a partir da citação, conforme entendimento do C. STJ para as hipóteses de reparação a violações a direitos fundamentais ocorridas durante o Regime Militar.

14. Apelo parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002447-91.2019.4.03.6141, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 13/10/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/10/2020).

 

O conjunto probatório demonstra que a autora, nascida em 11/09/1962, filha de Santos Correia Tavares e Maria Augusta de Castro, internos no H.D.S. Santo Angelo, destinado ao tratamento de portadores de hanseníase, foi separada de seus pais no dia do seu nascimento, ocasião em  foi internada no Educandário Santa Terezinha, sendo impedida de conviver com os pais até o momento de sua retirada em 26/01/1977. Inquestionável, o abalo psicológico sofrido pela autora, que teve sua infância preenchidas pelo sentimento de abandono e pela impossibilidade de convivência com os pais, passível, portanto, de indenização pelo dano moral.

Por tudo está a ré obrigada a indenizar a parte autora, que há muito espera ressarcimento pelos danos sofridos. Assim penso.

Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 1%.

Ante o exposto, nego provimento ao apelo.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FILHOS DE PACIENTES COM HANSENÍASE INTERNADOS COMPULSORIAMENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ABALO PSICOLÓGICO VERIFICADO. PRIVAÇÃO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR.

- A tese de imprescritibilidade das prestações indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais, via de regra, tem como pano de fundo a tortura praticada ao longo do Regime Militar no Brasil, teoria amplamente aceita nos Tribunais Superiores.

- Essa orientação jurídica não se limita apenas aos casos específicos que remetam à Ditatura Militar no Brasil, podendo ser estendida aos casos em que igualmente ofendam, nessa intensidade, a dignidade da pessoa humana.

- As políticas de internação compulsória adotadas aos portadores do mal de Hansen, impuseram aos doentes severas restrições de direitos fundamentais, de modo que pretensões indenizatórias que visam à reparação da violação desses direitos, por si só, são imprescritíveis.

- A segregação em colônias agrícolas importava em um apartamento definitivo do doente do convívio familiar e social e abrangia indistintamente homens, mulheres, crianças e idosos. Tal medida era adotada independentemente de qualquer aspecto relevante da vida do doente, importando em uma rígida restrição ao contato com parentes, impedindo a manutenção dos laços familiares, assim como o exercício do trabalho ou profissão, acarretando consequências imensuráveis na vida de todos os envolvidos. Prescrição afastada.

- A responsabilidade civil do Estado consagrada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano.

- Os fatos que deram ensejo à propositura da presente demanda, filhos separados dos pais portadores de hanseníase, internados compulsoriamente, decorrem da Lei nº. 610/1949 e Decreto nº 16.300 de 31 de dezembro de 1923.

- O Decreto nº 16.300 de 31 de dezembro de 1923 aprovou o regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública e estabeleceu a profilaxia especial para o tratamento da lepra. Tal dispositivo, vigente entre os anos de 1923 e 1986, determinava o isolamento das pessoas com hanseníase em sanatórios, hospitais, asilos e colônias agrícolas, impondo, além do isolamento compulsório a separação dos filhos desses doentes.

- A política sanitária adotada na época previa, ainda, que as crianças que morassem junto com portadores de hanseníase, não isolados em instituições públicas, seriam submetidas à intensa vigilância durante o período escolar e, se apresentassem qualquer suspeita da doença, não poderiam frequentar o mesmo local de outras crianças saudáveis.

- Não há como negar o trauma que tais crianças e adolescentes se submeteram, pois, ainda que saudáveis, eram acompanhadas rigorosamente pelos agentes responsáveis, quando não eram isoladas em sanatórios, aumentando ainda mais o estigma que carregavam, visto que sequer era possível a convivência com outras crianças, que não apresentassem o mesmo histórico familiar.

- Com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade, reconhecendo o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária de isolamento compulsório.

- Tal diploma legal não esgotou todas as alternativas de reparação, e nem amparou os familiares das pessoas isoladas, que, no caso dos filhos, em especial, também sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários.

- Se o próprio Estado reconheceu o direito de pensionamento especial às pessoas acometidas pelo mal de Hansen, de rigor assegurar, aos filhos desses enfermos, o pagamento de indenizações por dano moral.

- O conjunto probatório que a autora, nascida em 11/09/1962, filha de Santos Correia Tavares e Maria Augusta de Castro, internos no H.D.S. Santo Angelo, destinado ao tratamento de portadores de hanseníase, foi separada de seus pais no dia do seu nascimento, ocasião em  foi internada no Educandário Santa Terezinha, sendo impedida de conviver com os pais até o momento de sua retirada em 26/01/1977. Inquestionável, o abalo psicológico sofrido pela autora, que teve sua infância preenchidas pelo sentimento de abandono e pela impossibilidade de convivência com os pais, passível, portanto, de indenização pelo dano moral.

- Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 1%.

- Apelação não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.