Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000767-77.2021.4.03.6181

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: JULIO CESAR DURAN PARRA

Advogados do(a) APELANTE: ANDREIA MAIO DIAS - SP353819-A, FLAVIANO ADOLFO DE OLIVEIRA SANTOS - SP267147-A, OCTAVIO AUGUSTO DE CARVALHO - SP127232-A, DIEGO MATHIAS - SP386257-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000767-77.2021.4.03.6181

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: JULIO CESAR DURAN PARRA

Advogados do(a) APELANTE: ANDREIA MAIO DIAS - SP353819-A, FLAVIANO ADOLFO DE OLIVEIRA SANTOS - SP267147-A, OCTAVIO AUGUSTO DE CARVALHO - SP127232-A, DIEGO MATHIAS - SP386257-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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 R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

 Trata-se de apelação interposta por JÚLIO CESAR DURAN PARRA em face da sentença, integrada por embargos de declaração, proferida pela 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo (SP) que o condenou à pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 800 (oitocentos) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 35, c.c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006.

A denúncia (IDs 186432465 e 186432466), recebida em 20.08.2010, narra:

Nos autos de n.º 0013182-71.2007.4.03.6181, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de JÚLIO CESAR DURAN PARRA, como incurso no artigo 35, c/c. o artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06, uma vez que, no período compreendido entre dezembro de 2003 a agosto de 2007, se associou de maneira estável e permanente aos demais corréus (Gustavo Duran Bautista, Isabel Mejias Rosales, Krishna Koemar Khoenkhoen, Maurício Heriberto Figueroa Agurto, Orlando Rodriguez Castrillon, Ingrid Jaimes Salazar, Daniel Matheus, Luis Francisco Espitia Salazar, Joaquin Andrés Peñalosa, Neilson Mongelos e Plinio Lopes Ribeiro), para o fim de praticar crime de tráfico internacional de substância entorpecente (cocaína), que determina dependência física e psíquica, vindo de fato a praticá-lo.

As investigações tiveram início em 2002, a partir de cooperação internacional com o DEA - Drug Enforcemente Administration, que noticiou a existência de uma organização criminosa, formada por narcotraficantes estrangeiros, que estariam utilizando o Brasil como base para coordenar operações de negociação de drogas adquiridas na Colômbia, transportadas e depositadas no Paraguai e na Bolívia, para internação no Brasil, Argentina e Uruguai, com a sua posterior remessa, dissimuladas em caixas de exportação de frutas, para a Holanda e outros países da Europa.

O esquema seria composto, em princípio, por Gustavo Duran Bautista (principal financiador), Isabel Mejias Rosales, Krishna Koemar Khoenkhoen, Maurício Heriberto Figueroa Agurto, Angel Andres Duran Parra, Orlando Rodriguez Castrillon, Ingrid Jaimes Salazar, Daniel Matheus, Júlio Cesar Duran Parra, Luís Francisco Espitia Salazar, Joaquin Andrés Peñalosa, Neilson Mongelos e Plinio Lopes Ribeiro.

De acordo com a denúncia, uma apreensão ocorrida no Estado da Bahia, em 2001, na Fazenda Mariad, resultou na prisão em flagrante de Gustavo Duran Bautista, Isabel Mejias Rosales, Roberto Mardones Gonzales, Ernestina Yolanda Vergara Vergara e Marco Antônio Meneses Alvares, dando início ao desvelamento das operações da organização criminosa, pois, a partir desse episódio, com a apreensão da droga e dos apetrechos utilizados para a sua ocultação, revelou-se o modus operandi da quadrilha, assim como a existência dos destinatários no exterior.

Em 2003, foi encontrada nova porção de substância entorpecente, desta feita, na Alemanha, acondicionada em uma caixa de papelão, destinada à reciclagem, proveniente da empresa Natal Frutas, controlada também por Gustavo Duran Bautista. A partir destes elementos, assim como do fato da fornecedora das embalagens ser a mesma, tanto para a Fazenda Mariad quanto para a Natal Frutas, além de outros elementos fornecidos pelo DEA, logrou-se obter a quebra do sigilo telefônico dos investigados, com o consequente acompanhamento da dinâmica da organização criminosa.

A partir do primeiro semestre de 2006, a autoridade policial acompanhou a preparação para a aquisição, depósito e transporte de 495kg. (quatrocentos e noventa e cinco quilogramas) de cocaína, que foi apreendida no dia 18/08/2007, no Uruguai, resultando na prisão em flagrante de Gustavo Duran Bautista, Neilson Mongelos, Plínio Lopes Ribeiro, Júlio Cesar Duran Parra, Juan Carlos Villamil Parra e Fredy Angel Reina e do ora apelante, Angel Andrés Duran Parra. A carga teria sido negociada em abril de 2006, por Gustavo Duran Bautista, junto ao colombiano Orlando Rodriguez Castrillon. Para o armazenamento da droga, foi adquirida uma propriedade rural em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. A droga seria remetida para Argentina, oculta em caixas de frutas, pela empresa Marimpex, de onde seguiria para a Holanda. Contudo, com o fim de evitar operações policiais, os acusados decidiram transferir a carga para o Uruguai. Em 18/08/2007, ao pousar em Salto, no Uruguai, o avião que transportava a droga foi abordado pela Polícia, que logrou apreender 14 (quatorze) fardos, contendo os 495Kg. (quatrocentos e noventa e cinco quilogramas) de cloridrato de cocaína, com a consequente prisão em flagrante dos envolvidos.

No Brasil, em operação simultânea, nos Estados da Bahia, Ceará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo e Santa Catarina, foram cumpridos mandados de prisão e de busca e apreensão em 23 (vinte e três) endereços comerciais e residenciais vinculados ao grupo criminoso.

Com relação ao acusado Angel Andrés Duran Parra, a denúncia narrou que era sobrinho de Gustavo Duran Bautista (a quem cabia o planejamento, o financiamento e a execução das ações do narcotráfico), estando diretamente vinculado a ele no esquema criminoso, juntamente com Maurício Heriberto Figueroa Agurto e Krishna Koemar Khoenkhoen. Além disso, sendo o "braço direito" de Gustavo Duran Bautista no esquema de tráfico internacional de drogas, Angel Andrés Duran Parra gozava de sua extrema confiança, auxiliando-o na orientação e planejamento das ações do grupo, e representando-o em várias reuniões com outros membros da organização no exterior. Inclusive, Angel Andrés Duran Parra era cogitado como sucessor de Gustavo Duran Bautista no comando dos negócios, e juntamente com sua irmã, Kenny Lorena Duran Parra, e Maurício Heriberto Figueroa Agurto, era o responsável de fato pela administração das empresas do grupo na Argentina: a Lontue S/A e a Marimpex Agricultural de Argentina. No Brasil, Angel Andrés Duran Parra participou, muitas vezes sem Gustavo Duran Bautista, de diversas reuniões com os demais membros da organização, sobretudo com os pilotos Neilson Mongelos e Plinio Lopes Ribeiro, assim como com os responsáveis pelo depósito da droga na Bolívia (Luis Francisco Espitia Salazar e Joaquin Andrés Duran Peñalosa). Ainda, de acordo com a peça inicial Angel Andrés Duran Parra cuidou dos detalhes das fases do plano de transportar a droga da Bolívia para o Uruguai, e posteriormente para a Europa. Realizou, outrossim, constantes viagens, principalmente entre São Paulo, Petrolina, Argentina, Uruguai e Colômbia. O feito original foi desmembrado, dando origem a mais dois processos. Na ação penal original (nº 0013182-71.2007.4.03.6181), permaneceram os acusados Gustavo Duran Bautista, Angel Andrés Duran Parra, Júlio César Duran Parra, Neilson Mongelos e Plinio Lopes Ribeiro, que haviam sido presos em flagrante delito na posse dos 495kg. (quatrocentos e noventa e cinco quilogramas) de cocaína no Uruguai, em plena pista de pouso, além do corréu Krishna Koemar Khoenkhoen, que estava preso na Holanda, já acusado por outros delitos. Na ação penal de nº 0013355-95.2007.4.03.6181, foram processados os acusados Isabel Mejias Rosales e Daniel Matheus, e, na ação penal de nº 0013356- 80.2007.4.03.681, os denunciados foragidos: Maurício Heriberto Figueroa Agurto, Ingrid Jaimes Salazar, Orlando Rodrigues Castrillon, Luis Francisco Espitia Salazar e Joaquim Andres Duran Peñalosa.

Por meio da decisão de fls. 1697/1710, datada de 13/08/2010, a denúncia foi recebida em relação aos réus Gustavo Duran Bautista, Krishna Koemar Khoenkhoen, Angel Andrés Duran Parra, Júlio César Duran Parra, Neilson Mongelos e Plinio Lopes Ribeiro. Em razão da demora na realização do interrogatório dos corréus, e já interrogado Angel Andrés Duran Parra, que se encontrava preso, determinou-se novo desmembramento do feito em relação a ele, instaurando-se os presentes autos (fls. 2749/2749vº).

Sobrinho de GUSTAVO e irmão de ANGEL ANRES DURAN PARRA, JULIO CESAR DURAN PARRA estava na Holanda e foi convocado para ir até o Uruguai com a finalidade de substituir DANIEL MATHEUS na implantação da empresa Basevin, estabelecida em Montevidéu.

[..]

No dia 26.03.2007 foi interceptada uma mensagem de Júlio Cesar para o e-mail almofabanarica@yahoo.com.br, no qual apresentou a Gustavo um diagnóstico sobre o estado em que se encontrava a implantação do packing na empresa Basevin, abordou questões relativas à instalação de equipamentos e aos contatos com técnicos e fez projeção dos preços para o funcionamento do empreendimento (fls.6312/6346).

A partir de então, JÚLIO CESAR DURAN PARRA incumbiu-se de finalizar a organização da estrutura para o recebimento, acondicionamento em fundos falsos de caixas e exportação da cocaína dissimulada em exportações lícitas de frutas, tudo sob a coordenação de seu tio GUSTAVO DURAN BATISTA e de MAURÍCIO HERIBERTO FIGUEROA AGURTO.

A sentença foi publicada em 22.04.2021 (ID 170763772).

A defesa opôs embargos de declaração (ID 170763781), mas foram rejeitados (ID 170763772).

Em suas razões recursais (ID 186432459), a defesa alega, preliminarmente, a inépcia da denúncia, a ocorrência de bis in idem com relação à apuração criminal havida no Uruguai, a nulidade absoluta da medida cautelar de interceptação telefônica nº 0008558-18.2003.403.6181,  em razão de: a) ausência, nos autos, do compartilhamento das provas com a “Operação Granada”; b) ausência da degravação total dos áudios; c) ausência dos arquivos anteriores a 01.03.2005; c) as interceptações terem sido realizadas por autorização sucessiva e  genérica e fora do período autorizado (superior a 15 dias). No mérito, alega que (i) os depoimentos produzidos nos autos não foram prestados em sua presença e, por isso, o réu não pôde se defender; (ii) não restou provada a autoria. Quanto à dosimetria da pena, pede a fixação da pena-base no mínimo legal e que, por força do desconto do tempo de prisão provisória, seja fixado o regime aberto para inicio do cumprimento da pena privativa de liberdade, sendo esta substituída por penas restritivas de direitos.

Foram apresentadas contrarrazões (ID 199311526).

A Procuradoria Regional da República opinou pelo não provimento do recurso (ID 199577707).

É o relatório.

À revisão.

 

 


 

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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000767-77.2021.4.03.6181

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Advogados do(a) APELANTE: ANDREIA MAIO DIAS - SP353819-A, FLAVIANO ADOLFO DE OLIVEIRA SANTOS - SP267147-A, OCTAVIO AUGUSTO DE CARVALHO - SP127232-A, DIEGO MATHIAS - SP386257-A

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V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por JULIO CESAR DURAN PARRA em face da sentença que o condenou pela prática do crime de associação para o tráfico transnacional de drogas.

Questões preliminares.

Rejeito a alegação de inépcia da denúncia. A defesa alega que a denúncia é inepta por ter sido genérica em face da conduta do apelante. Sem razão. A denúncia está adequada aos parâmetros do art. 41 do Código de Processo Penal, tendo narrado satisfatoriamente os fatos imputados ao acusado, descrevendo-os com todas as suas circunstâncias, o que possibilitou o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. Ademais, eventual inépcia da denúncia só poderia ser acolhida se houvesse inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa (STJ, HC 34.021/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 25.05.2004, DJ 02.08.2004, p. 456), o que não se verifica no caso em exame. Como salientou o juízo (ID 170763772):

(...) menciona a inicial expressamente qual teria sido a participação do acusado nas atividades ilícitas desenvolvidas pelo grupo criminoso apontado.

Em verdade, é suficiente que existam indícios da prática do crime por determinada pessoa para que a inicial seja recebida, já que o recebimento não se equipara à sentença condenatória, para a qual é de rigor que se tenha a certeza de que a infração foi realmente praticada pelo agente a quem é imputada.

Repita-se: a inicial demonstra com clareza a existência do crime de associação para o tráfico de drogas e traz os suficientes indícios de qual seria a participação do ora acusado na malfadada organização.

Conforme constou da denúncia, o ora acusado teria sido incumbido da missão de instalar empresa exportadora em território uruguaio, para onde, narra a denúncia, seria enviada cocaína que, em seguida, seria exportada para a Europa. Assim, foi descrita de maneira suficiente, ainda que sucinta, qual seria a participação do acusado no mencionado delito de associação para o tráfico.

Houve, assim, individualização da conduta; o que não ocorreu, em verdade, foi a prévia análise das provas da autoria, eis que tal análise, como é cediço, deve ser realizada quando da instrução probatória.(destaquei)

Desse modo, não há que se falar em inépcia da denúncia.

Além disso, não há que se falar em inépcia da denúncia depois desta ter sido recebida, o feito processado e julgado o mérito, com condenação. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. RAZÕES RECURSAIS CONFUSAS. SÚMULA 284/STF. EXCESSO DE PRAZO PARA OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. PREJUDICADO. EXORDIAL ACUSATÓRIA APRESENTADA E RECEBIDA. OFENSA AO ART. 41 DO CPP. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. TESE ENFRAQUECIDA. LIBERDADE PROVISÓRIA.MANUTENÇÃO. SÚMULA 284. INTERROGATÓRIO POLICIAL DO RÉU. DESNECESSIDADE DA PRESENÇA DE ADVOGADO. PROVAS PARA A CONDENAÇÃO E DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. SÚMULA 7/STJ. PRESCINDIBILIDADE DA APREENSÃO E PERÍCIA PARA A INCIDÊNCIA DA  MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. ENTENDIMENTO FIRMADO NA TERCEIRA SEÇÃO DESTA CORTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INADMISSIBILIDADE. CRIME PRATICADO COM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. TENTATIVA. ITER CRIMINIS. ALTERAÇÃO DA FRAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. ADEQUAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.
[...]
3. No que concerne à alegada violação do art. 41 do CPP, tem-se que a alegação de inépcia da denúncia fica enfraquecida diante da superveniência da sentença, uma vez que o juízo condenatório denota a aptidão da inicial acusatória para inaugurar a ação penal, implementando-se a ampla defesa e o contraditório durante a instrução processual, que culmina na condenação lastreada no arcabouço probatório dos autos. Portanto, não se pode falar em ausência de aptidão da denúncia.
4. É inadmissível o recurso especial que deixa de apontar o dispositivo de lei federal que o Tribunal de origem teria violado, incidindo a Súmula 284 do STF.
[...]
11. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AgRg no AREsp 1.969.888/AC, Quinta Turma, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, j. 23.11.2021, DJe 29.11.2021)

Rejeito a alegação de ocorrência de bis in idem quanto à apuração criminal processada no Uruguai. A defesa alega que houve violação ao princípio do ne bis in idem porque o apelante já havia sido condenado pelos fatos  de que trata esta ação penal, tendo cumprido pena na cidade de Salto, no Uruguai, por ter sido preso em flagrante com 495 kg (quatrocentos e noventa e cinco quilos) de cocaína.

Sem razão.

A denúncia apresentada à Justiça uruguaia limitava-se a imputar ao apelante a autoria de "um (1) delito previsto no artigo 32 do Decreto-lei 14.294 na modalidade organização, com agravante de (1) delito, previsto no artigo 31 do mesmo Decreto-lei, na modalidade de 'introdução em trânsito' (entrada de substâncias em trânsito sem autorização", em razão de investigações iniciadas naquele país em 2007, a partir de informações fornecidas pelo Brasil, o que levou à prisão em flagrante do apelante em 18 de agosto de 2007, em Santo (Uruguai), na posse de 495 kg de cocaína.

As investigações no Brasil iniciaram-se em 2003, a partir de interceptações telefônicas e telemáticas deferidas judicialmente, que captaram a ocorrência de diversos eventos concatenados que levaram à convicção do juízo sobre a existência de uma associação voltada ao tráfico transnacional de drogas, da qual o apelante seria parte ativa fundamental.

Neste caso, o apelante não foi condenado pelo tráfico mencionado, mas por associação para o tráfico (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), tipo penal diverso e situação mais ampla que aquela que levou à condenação do apelante no Uruguai, de modo que não há litispendência.

Essa questão, aliás, já foi examinada no Habeas Corpus nº 5008988-70.2018.4.03.0000, tendo sido afastada a tese de bis in idem.

Rejeito a alegação de nulidade da medida cautelar de interceptação telefônica. A defesa alega, em síntese, que não houve compartilhamento das provas obtidas na Operação Granada, embora o apelante tenha sido condenado com base nelas. Essa alegação foi rejeitada na sentença pelos seguintes fundamentos:

Ademais, quanto à alegada falta de fundamentação na utilização de “provas emprestadas” da “Operação Granada” (conforme consta do laudo pericial juntado pela combativa Defesa em alegações finais), há que se repisar que, da intitulada “Operação Granada”, foram obtidos apenas os dados constantes do relatório de chamadas do telefone celular pertencente a David Jaime Tarazona (fls. 07/09 dos autos de quebra de sigilo), dando mostras de que este se relacionava com Gustavo Duran Bautista.

Assim, iniciou-se a presente investigação com relação à organização criminosa supostamente chefiada por Gustavo. Não há nenhuma necessidade de se juntar a estes autos toda a investigação da “Operação Granada”, tampouco de decisão acerca de “provas emprestadas”, pois seu único ponto de encontro com o presente processo é a ligação que havia entre David Gustavo. Tal ligação e o caminho perseguido para a ela chegar estão suficientemente demonstrados no relatório complementar de fls. 49/51, bem como na fundamentada decisão judicial de autorização da quebra de sigilo dos investigados no âmbito daquela operação (fls. 52/55 dos autos nº 0008558-18.2003.403.6181).

Correta a decisão. Se não houve utilização da prova produzida na Operação Granada, a não ser para demonstrar a ligação entre David Jaime Tarazona e Gustavo Duran Bautista, desnecessária era a juntada, nestes autos, de toda a investigação anteriormente feita em outra operação policial.

O juiz, na presidência da instrução processual, deve zelar pelo bom andamento do feito, podendo, para tanto, indeferir a produção de provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (CPP, art. 400, § 1º). É o caso dos autos.

Rejeito a alegação alegação de nulidade processual em razão da  prorrogação das interceptações por período superior a quinze dias e da ausência de degravação total dos áudios.

Esse tema já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal e por este Tribunal:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. REITERAÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPOSTOS NA INICIAL QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. EM CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO, A COLETA DA PROVA DA PRÁTICA DO FATO TÍPICO TORNA-SE MAIS DIFÍCIL, O QUE JUSTIFICA A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRORROGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COM BASE NA FUNDAMENTAÇÃO EXPOSTA NA PRIMEIRA DECISÃO. POSSIBILIDADE. A COMPLEXIDADE DOS FATOS INVESTIGADOS JUSTIFICA A PRORROGAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, MESMO QUE SUCESSIVAS. DEDICAÇÃO AO TRÁFICO DE DROGAS DEMONSTRADO POR ELEMENTOS CONCRETOS NOS AUTOS E SUFICIENTES PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

 I – O agravante apenas reitera os argumentos anteriormente expostos na inicial do recurso ordinário em habeas corpus, sem, contudo, aduzir novos elementos capazes de afastar as razões expendidas na decisão agravada.

II – Em crimes como o tráfico ilícito de drogas e de associação para o tráfico, o réu não age às claras; ao contrário, perpetra sua ação na surdina, de modo que a coleta da prova da prática do fato típico torna-se mais difícil, o que justifica, dessa forma, a decretação da questionada interceptação telefônica, medida adequada e necessária para o prosseguimento das investigações.

III – “As decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica, sem acrescentar novos motivos, evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento” (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa).

IV – Não há falar em violação ao disposto na Lei 9.296/1996, uma vez que o Plenário desta Suprema Corte já decidiu que “é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996”(HC 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim).

V – o Plenário desta Suprema Corte já assentou não ser necessária a juntada do conteúdo integral das degravações de interceptações telefônicas realizadas, bastando que sejam degravados os trechos que serviram de base ao oferecimento da denúncia.

 [...]

VIII – Agravo regimental a que se nega provimento. (destaquei)

(HC 180905 AgR, Rel.Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 13.03.2020, DJe-078 – 30.03.2020 -  Publicaçaõ 31.03.2020)

PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS COM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - PROVAS VÁLIDAS - PRORROGAÇÕES FUNDAMENTADAS - TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DAS GRAVAÇÕES - DESNECESSIDADE - CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO OCORRENTE - PERÍCIA DESNECESSÁRIA - NULIDADES AFASTADAS - MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO - COMPROVAÇÃO - DEPOIMENTOS DE POLICIAIS - VALIDADE - INTERNACIONALIDADE - COMPROVAÇÃO - PENA DE PERDIMENTO - APLICAÇÃO - PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS À RÉ - IMPROVIMENTO DO RECURSO.

1.- Quanto à nulidade das interceptações telefônicas e de todas as provas delas advindas, essa modalidade de prova autorizada judicialmente é aceita como válida, o que apontam julgados relativos ao tema, constituindo importante meio de prova e investigação.

2.- Não contamina de nulidade o processo penal instaurado com base em prova obtida por meio de interceptação de linha telefônica realizada com autorização judicial deferida após a edição da Lei nº 9.296/96, que regulamentou o inciso XII, do art. 5º, da Carta Magna.

3.-Em sede de investigação de crime de tráfico de entorpecentes, em face da imensa dificuldade de sua apuração, é de se admitir a escuta telefônica como meio de prova para identificação da autoria.

4.- O prazo legal para a interceptação telefônica se realiza de acordo com a necessidade de investigação dos fatos delituosos e será avaliada pelo juiz da causa, considerando-se os relatórios de investigação.

5.- Não se faz necessária a transcrição das conversas a cada pedido de renovação da escuta telefônica, pois o que importa, para a renovação, é que o Juiz tenha conhecimento do que está sendo investigado, justificando a continuidade das interceptações, mediante a demonstração de sua necessidade.

6.- Não procede a arguição de nulidade por falta de transcrição integral das conversas. O art. 6º, § 2º, da Lei nº 9296/96, regula a matéria, prevendo que sejam transcritas as conversas que dão lastro à busca da verdade real, respeitando o direito de intimidade das pessoas investigadas, sendo de todo despicienda a juntada do teor integral das conversas.

7.- Improcede a arguição de nulidade em face de ausência de perícia. A materialidade delitiva apoiou-se na caracterização do crime de associação, com participação de dois ou mais sujeitos ativos, vínculo associativo estável e permanente entre eles e a finalidade de cometer quaisquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º e 34 da lei 11343/06.

8.- A Lei 9.296/96 não exige que a degravação da escuta seja submetida a qualquer espécie de perícia oficial. Assim, não sendo prevista em lei a exigência de perícia, rechaço a nulidade.

9.- A materialidade delitiva está comprovada nos autos e vem demonstrada nas apreensões de entorpecentes realizadas nos anos de 2001, 2003 e 2007, associadas ao conteúdo do monitoramento telefônico, através do qual se desvendou os itinerários da rota da droga, as empresas envolvidas e propriedades utilizadas como local do entreposto e armazenagem do tóxico. O armazenamento inicial localizava-se na Colômbia, onde a droga era adquirida e posteriormente transportada para propriedades sediadas no Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil. O entorpecente era embalado nas empresas Marimpex, Mariad e Basevin e remetido ao exterior por meio das importadoras Eurosouth e Southamerican, situadas na Holanda.

10.- A materialidade está ainda comprovada pela efetiva atividade desempenhada pelos réus a perseverar na manutenção da estrutura criminosa, em vínculo permanente e estável entre seus membros em suas especificidades de tarefas, o que assegurou os transportes das cargas, inclusive com o uso de aeronave e o êxito das condutas, voltadas para o tráfico em países da América Latina e Europa, como será abordado a seguir no exame da autoria delitiva.

[..]

11.- Os elementos colhidos evidenciam que Ingrid tinha ciência da prática criminosa que era realizada, em parte, dentro do seu domicílio em consonância com a participação do corréu Gustavo Duran Bautista, com quem conviveu. Provado restou que a ré agia visando facilitar o tráfico, comandando a entrega do dinheiro ilícito a seus integrantes. Os diálogos interceptados pela Polícia Federal apontam a efetiva participação da ré na organização.

[..]

17.- O objetivo da organização era a exportação da droga adquirida na Colômbia e Bolívia para a Europa, tendo sido apreendido entorpecente no Uruguai. Destarte, entendo que está efetivamente demonstrada a internacionalidade do tráfico.

[...]

23.- Improvimento ao recurso.(destaquei)

(ApCrim 0013356-80.2007.4.03.6181/SP, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Luiz Stefanini, j. 10.09.2012, e-DJF Judicial 1 27.09.2012)

No caso, o deferimento e as prorrogações das interceptações telefônicas se deram de forma motivada e fundamentada e não havia necessidade da transcrição de todos os áudios interceptados, mas apenas daqueles que interessavam à investigação e ao processo como elementos probatórios.

Ademais, as cópias de todas as mídias com as gravações das interceptações telefônicas foram entregues à defesa do apelante nos autos do Procedimento de Quebra de Sigilo nº 0008558-18.2003.403.6181 (ID 170763756), de modo que a ampla defesa e o contraditório foram estritamente observados.

Por outro lado, como salientou o juízo, não constam nos autos interceptações telefônicas realizadas no período de dezembro de 2003 a março de 2005.

Quanto ao apelante, constam apenas duas interceptações telefônicas, realizadas entre 29 e 30 de maio de 2007 (fls. 6640/6642 dos autos nº 0008558-18.2003.403.6181), que foram autorizadas judicialmente (áudio original consta da mídia a fls. 7.292 dos mesmos autos).

Portanto, rejeito todas as questões preliminares e passo ao exame do mérito.

materialidade do crime de associação para o tráfico transnacional de drogas está devidamente comprovada, tendo sido suficientemente demonstrado o vínculo estável e permanente entre o apelante e os demais corréus com o objetivo da prática de tráfico transnacional de drogas.

Esta ação penal derivou do Procedimento Criminal Diverso nº 0008558-18.2003.403.6181 (antigo nº 2003.61.81.008558-8), no qual, a partir de interceptações telefônicas e telemáticas deferidas pelo juízo, foi confirmada a existência de uma complexa organização criminosa envolvida com o tráfico transnacional de drogas.

A partir dessa confirmação, a autoridade policial representou ao juízo, que, com a ciência do Ministério Público Federal (MPF), deferiu a expedição de vários mandados de prisão temporária e de busca e apreensão deflagrando-se a denominada Operação São Francisco.

Cumpridos os referidos mandados, foi instaurado o IPL nº 3-0497/2007, registrado no juízo sob nº 0013182-71.2007.403.6181 (antigo nº 2007.61.81.013182-8). Relatado, foi oferecida denúncia pelo MPF e, em razão da diversidade da situação processual de cada denunciado, foi determinado o desmembramento do feito nº 0013182-71.2007.403.6181, no qual permaneceram os denunciados Gustavo Duran Bautista, Angel Andrés Duran Parra, JULIO CESAR DURAN PARRA, Neilson Mongelos e Plinio Lopes Ribeiro - que haviam sido presos em flagrante delito no Uruguai, na posse de cerca 495 kg (quatrocentos e noventa e cinco quilos) de cocaína, em uma fazenda com pista de pouso -, bem como o denunciado Krishna Koemar Khoenkhoen, que estava preso na Holanda, acusado de outros crimes.

Em razão disso, houve novo desmembramento, dando-se origem a outros dois feitos: a Ação Penal nº 0013355-95.2007.403.6181, em que figuram como réus Isabel Mejias Rosales e Daniel Matheus, que foram presos no Brasil, e a Ação Penal nº 0013356-80.2007.403.6181, em que figuram como réus os cinco denunciados ainda foragidos (Mauricio Heriberto Figueiroa Agurto, Ingrid Jaimes Salazar, Orlando Rodrigues Castrillon, Luis Francisco Espitia Salazar e Joaquim Andrés Duran Penalosa).

A denúncia foi oferecida, originariamente, em face de Angel Andres Duran Parra e outros 12 (doze) investigados, que, segundo a denúncia, teriam se associado, de maneira estável e permanente, para o fim de praticar crimes de tráfico transnacional de drogas ilícitas, vindo de fato a praticá-los.

O apelante (JULIO CÉSAR DURAN PARRA) é sobrinho de Gustavo Duran Bautista e irmão de Angel Andrés Duran Parra; estava na Holanda e foi convocado para ir até o Uruguai com a finalidade de substituir Daniel Matheus na implantação da empresa Basevin, estabelecida em Montevidéu.

modus operandi da associação criminosa consistia em adquirir cocaína na Colômbia, armazená-la no Paraguai e na Bolívia (em propriedades com pistas de pouso para receber a droga), trazê-la ao Brasil, à Argentina ou ao Uruguai e, em seguida, dissimulá-la em caixas de frutas com fundo falso para depois ser remetida, via exportação, para a Holanda, país onde estão sediadas duas empresas do grupo (South American B.V. e Eurosouth), as quais, embora formalmente registradas como sendo de propriedade de Mauricio Heriberto Figueroa Agurto e de Krishna Koemar, pertenciam de fato a Gustavo Duran Bautista.

A defesa alega que a autoria não está comprovada. Sem razão, contudo. Como dito acima, o apelante (sobrinho de Gustavo e irmão de Angel) estava na Holanda e foi ao Uruguai para substituir Danie MATHEUS na implantação da empresa Basevin, estabelecida em Montevidéu, Uruguai. Por meio de diálogos interceptados entre o apelante e outros membros da organização, ficou comprovado o seu envolvimento na atividade de associação para o tráfico transnacional de drogas. Nesse sentido (ID 1993311527):

O envolvimento de JÚLIO CÉSAR no esquema criminoso montado para o envio de cocaína para a Europa ficou claro nos diálogos interceptados entre ele e GUSTAVO. entre os dias 29/05/2007 e 30/05/2007 (fls. 6640/6642 dos autos nº 0008558- 18.2003.4.03.6181), em que este comunicou ao sobrinho que o transporte da droga da Bolívia para o Brasil iria atrasar devido a uma grande operação de repressão ao narcotráfico desencadeada naquele país. Em outra  oportunidade (01.07.2007) JÚLIO CÉSAR informou ao tio que conversara com LUIS FRANCISCO ESPITIA SALAZAR e JOAQUIN ANDRES PENALOSA, os quais lhe informaram que a situação na Bolívia ainda não havia sido normalizada, impedindo a efetivação do voo de transporte da droga (fls. 6772 dos autos nº 0008558-18.2003.4.03.6181).

No sábado, 18 de agosto de 2007, por volta das dezessete horas, os colombianos GUSTAVO DURAN BAUTISTA (RICARDO), ANGEL ANDRES DURAN PARRA, JULIO CESAR DURAN PARRA, JUAN CARLOS VILLAMIL PARRA(JUANCHO), FREDY ANGEL REINA e os pilotos brasileiros NEILSON MONGELOS(PITA) e PUNIO LOPES RIBEIRO, foram presos em flagrante por policiais uruguaios da"DGRTID - Direccián General de Represián del, Tráfico Ilícito de Drogas" na "ESTÂNCIAVALENTIN" (fazenda com pista de pouso de propriedade de Gustavo Duran Bautista,situada a aproximadamente 80 (oitenta) quilômetros a teste da cidade de SALTO, capital doestado de SALTO, no URUGUAI, após o pouso da aeronave Beechcraft Baron B-55,matrícula brasiteir-a PT-JQW, tripulada pelos pilotos brasileiros retro mencionados ecarregada com 13 (treze) fardos contendo 495 (quatrocentos e noventa e cinco) quilogramas de cloridrato de cocaína (relatórios policiais de fls. 7.521/7.543 dos autos nº 2003.61.81.008558-8).

Em seu interrogatório (IDs nºs 170763726, 170763728, 170763729 e 170763730), o apelante declarou que terminara o curso de arquitetura no ano de 2006 e, em 2007, recebera uma proposta para trabalhar em uma empresa de “parking” (importação e embalagem) de frutas no Uruguai, chamada  Basevin. Negou que tivesse praticado qualquer ato criminoso e que tinha sido contratado para empreitada, não como empregado, tendo prestado serviços entre março e agosto de 2007, quando foi preso. Disse que na época morava no Uruguai; que nunca conversou com nenhum dos denunciados por telefone e somente soube que a empresa estava envolvida na prática de crimes quando foi preso.

A testemunha Luiz Manoel Moreira Druziani, agente da policia federal, declarou em juízo (ID 186432468, pp. 99/113) que:

(...) participou da OPERAÇÃO SÃO FRANCISCO desde o início, sendo que as pessoas envolvidas começaram a ser investigadas porque a delegacia de entorpecentes recebeu duas denúncias distintas; que uma delas dizia que havia estrangeiros em Sorocaba que se apresentavam como filhos de diplomatas e gastavam grande quantidade de dinheiro em espécie em moeda norte-americana, sendo que o pai de um deles teria uma fazenda de exportação de frutas no nordeste e já teria sido sequestrado; que outra fazia referência a um colombiano que já teria tido envolvimento com narcotráfico e que também possuía uma fazenda e já havia sido sequestrado (...); que começaram a ser elaborados relatórios, inclusive tendo em vista a operação que aconteceu em 2001 na FAZENDA MARIAD; que chegou-se à conclusão de que tal operação não teria terminado com a atividade de tráfico, uma vez que apesar de ter sido encontrada cocaína (108g) e materiais como 225 caixas de papelão com fundo falso, prensas, seladoras, materiais químicos, grande quantidade de embalagens plásticas, armas, munições e algum dinheiro estrangeiro, as pessoas presas foram absolvidas; que a cocaína que foi encontrada na fazenda nessa ocasião estava  acondicionada em embalagens que se encaixavam nos fundos falsos das caixas; que a investigação concentrou-se em São Paulo porque os proprietários da MARIAD residiam nesta cidade e aqui também funcionava o escritório da empresa e aquele que fazia a sua contabilidade; que averiguou-se que uma das proprietárias da MARIAD ou de empresas coligadas ao grupo era ISABEL, esposa de GUSTAVO; que foram interceptados o telefone celular de GUSTAVO, o de sua residência e o de TARAZONA; que realizadas as interceptações, era muito difícil conseguir-se algum resultado, uma vez que como a prática encontra-se muito dissimulada, a cúpula da organização se referia à droga através de códigos; que já no meio da investigação, a polícia conseguiu chegar até os pilotos, o que gerou o resultado final; que os pilotos investigados foram NEILSON, ADRIANO e PLÍNIO (...); que verificou-se que a organização se utilizava da exportação de frutas para remeter para o exterior cocaína, sendo que GUSTAVO contava com a colaboração de pessoas da família na organização da empresa; que verificou-se, ainda, que a contabilidade da MARIAD era toda permeada com gastos e pagamentos provenientes de valores recebidos do doleiro ALEXANDRE DE ALMEIDA, o que demonstrava que tal dinheiro vinha do exterior de maneira ilícita; que corroborando que o grupo realmente traficava entorpecentes, apreendeu-se na Alemanha cocaína que se encontrava acondicionada em caixas de fruta da empresa NATAL FRUTAS, que fazia parte do grupo de empresas de GUSTAVO, embora no contrato social constassem o nome de ‘laranjas’; que também foi feita a apreensão da quantia de 1,6 milhões de euros, os quais estavam envolvidos em uma transação ilegal de remessa de dinheiro de empresas de GUSTAVO, da Espanha para a Holanda; que GUSTAVO era o ‘cabeça’ e tratava com os fornecedores, com os pilotos que transportavam a droga, com seus sócios na Holanda, sendo que realizava várias reuniões com os integrantes do grupo, nas quais provou-se que não eram tratados apenas assuntos lícitos; que a droga adquirida na Colômbia era armazenada de início no Paraguai e depois numa propriedade em Santa Cruz de la Sierra, da qual cuidavam JOAQUIM e PACHO (...); que em 2005 foi feita uma apreensão de um milhão de euros no aeroporto de Guarulhos, que se encontravam com LEIDA; que no dia da prisão, (corré e foram interceptadas conversas em que ISABEL esposa de Gustavo) fala sobre a apreensão; que GUSTAVO prestou assistências às pessoas presas e também às suas famílias (...); que em relação às empresas, essas mudavam sempre de composição societária, sendo que WILSON, que era o contador, sempre se preocupava em ajustar a contabilidade porque as empresas teriam mais bens do que os recursos comportavam; que o depoente não sabe dizer de que forma foram pagos os bens adquiridos pela empresa, mas sabe que muitos pagamentos foram feitos por doleiros; que DANIEL, conhecido como GIGI, atuava realizando voos como piloto para GUSTAVO, embora não tivesse licença para pilotar no Brasil; que além disso, ele participava das reuniões nos hotéis e na casa de GUSTAVO e trabalhava no HANGAR MARRECO; que DANIEL também foi encarregado por GUSTAVO de montar o packing do Uruguai (BASEVIN), sendo que a atividade era totalmente financiada por GUSTAVO; que esse packing foi montado com o objetivo de escoar frutas do Uruguai, com a cocaína camuflada, para países da Europa, especialmente para a Holanda; que a intenção inicial era a de que as frutas saíssem da Argentina, onde o grupo já possuía uma estrutura (empresas MARIMPEX e MARICITRUS, gerenciadas por KENNY LORENA, sobrinha de GUSTAVO); que esse plano foi frustrado porque a polícia argentina inspecionou os contêineres antes da droga ter ingressado no território argentino; que nessa ocasião a aeronave que ia buscar a droga na Bolívia ainda estava em Tucumã e o voo seria realizado por MILTON (HALPH, que também se encontrava no local); que DANIEL não iria participar do voo porque estava com o joelho inchado em face do consumo excessivo de álcool e de ter gota (...); que paralelamente à instalação do packing, GUSTAVO passou a negociar com os pilotos PLINIO e NEILSON, tendo sido monitorada uma conversa que os três tiveram em um quarto de hotel, na qual falam sobre a logística do transporte da droga, inclusive com a transferência da propriedade da aeronave que seria utilizada; que nesse encontro combinaram que GUSTAVO e NEILSON se utilizariam do mesmo e-mail e se comunicariam sem remeter as mensagens, mas apenas gravando-as na caixa de rascunho para evitar interceptação; que GUSTAVO chega a falar para WILSON por telefone para que providencie a transferência da aeronave como da outra vez, o que indica que o procedimento já havia sido utilizado; que MILTON levou a aeronave até o Paraná e entregou para NEILSON, a quem GUSTAVO remeteu 20 mil reais para que fosse aumentada a autonomia de voo da aeronave; que GUSTAVO também substituiu DANIEL na organização do packing por JULIO CESAR, uma vez que aquele gastava muito dinheiro e não concluía a instalação; que depois de voltar do Uruguai, GIGI (Daniel) permaneceu em São Paulo vivendo dos favores de GUSTAVO, tendo sido preso morando num apartamento deste; que GUSTAVO também providenciou a compra de uma propriedade de 3,1 milhões de dólares no Uruguai, dando preferência a uma propriedade que tivesse pista de pouso; que também levou ADRIANA RODRIGUES para abrir uma conta bancária naquele país, sendo que ela figurou como locadora de um barracão situado próximo à propriedade; que nesse local seriam preparadas as caixas para acondicionar as frutas e a droga, uma vez que o packing ainda não estava pronto (...); que pelo e-mail que haviam aberto na reunião do hotel, GUSTAVO e os pilotos foram trocando informações sobre datas, mudança da aeronave, autonomia de voo, condições climáticas e da pista, tendo inclusive sido cogitado por GUSTAVO introduzir a droga no Brasil no interior de São Paulo no município de Avaré; que no final a droga foi encaminhada para o Uruguai, tendo sido presos no local GUSTAVO, ANDRÉS, JUAN CARLOS, JULIO CESAR e os pilotos NEILSON e PLÍNIO, que chegaram na fazenda na aeronave que havia sido transferida, PTJQW, a qual continha 495 quilos de cocaína acondicionada em lâminas (plaquetas finas) próprias para caberem no espaço das caixas das frutas a serem exportadas (...).

No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha Hamilton Campos, agente da polícia federal (ID 186432468, pp. 78/94):

(...) já em outubro de 2005 foi apreendida a quantia de 2 milhões de euros na França, tendo sido ouvida conversa entre KRISHNA e GUSTAVO, relativa a essa apreensão  (...); que em novembro do mesmo ano, foi apreendida a quantia de 1 milhão de euros no aeroporto de Guarulhos, a qual estava sendo transportada por LEIDA e outras pessoas; que também foi interceptado diálogo entre ANGEL e ISABEL em que esta fala para aquele levar alguma coisa no hotel para LEIDA antes de seu embarque para a Holanda; que posteriormente à apreensão, foi interceptada conversa em que ISABEL tenta providenciar documentos para libertação do dinheiro e das presas (cf. relatório policial 02/2006); (...) que GUSTAVO adquiria o entorpecente na Colômbia, das FARC, e transportava a droga para o Paraguai, onde ficava em fazenda do brasileiro foragido ARNALDO (vulgo Baixinho); que depois a droga ingressava no Brasil por avião e daqui ia para a Europa nas caixas de frutas das empresas MARIAD e NATAL FRUTAS; que nessas empresas os sócios eram testas de ferro de GUSTAVO, entre os quais ADRIANA RODRIGUES e ROSÂNGELA MACIEL (esposa de ANGEL); que as fazendas possuíam um faturamento lícito ínfimo (conforme consta do relatório policial 38/2006, pg. 71) que não justificava os bens adquiridos por GUSTAVO, os quais eram comprados com dinheiro do tráfico; que depois de um certo tempo, GUSTAVO adquiriu uma propriedade na Bolívia por intermédio de JOAQUIM e PACHO, que vieram ao Brasil e se encontraram com GUSTAVO em hotéis para discutir o assunto, sendo que em determinada ocasião ISABEL e sua filha MARYSABEL entregaram a PACHO a quantia de 100 mil dólares no shopping Eldorado; que em determinado momento GUSTAVO passou a se preocupar com seus negócios lícitos, tendo colocado ISABEL como sócia das empresas; que em relação à participação de ISABEL, esta foi presa na Venezuela anteriormente a 1998, numa casa em que havia cerca de 60 quilos de cocaína; que posteriormente também foi presa quando ocorreu a apreensão de 2001 na FAZENDA MARIAD; que em relação a essa apreensão, o depoente supõe que eram exportados de 300 a 500 quilos de entorpecentes juntamente com as frutas (...); que em relação à proteção dos bens adquiridos, há um diálogo de ISABEL com WILSON falando sobre o faturamento das empresas e as necessidades de ajustes da contabilidade (relatório 2/2007); (...) que também foram interceptados diálogos entre ALEXANDRE DE ALMEIDA e ISABEL relacionados à entrega de dinheiro pelo primeiro à KRISHNA; que foram duas entregas, sendo que cada ima delas foi de 250 mil dólares (...); que a partir de março de 2006, GUSTAVO começou a negociar com ORLANDO CASTRILLON a aquisição da droga que ao final foi apreendida (...); que nos diálogos, também há uma afirmação de ORLANDO de que o avião (para transporte da Colômbia para a Bolívia) era por conta dele; que uma vez que a droga já se encontrava na Bolívia, não foi a mesma levada para o Brasil, sendo que o depoente considera que isso ocorreu em virtude da prisão de DAVID TARAZONA, da apreensão de 1 milhão de euros em Guarulhos e também porque GUSTAVO foi alertado pelo advogado JOÃO MANUEL ARMOA de que havia uma operação de investigação em curso, informação que obteve na Superintendência da Polícia Federal com algum informante; que por isso planejou-se levar a droga para a Argentina, onde MAURÍCIO FIGUEIROA já possuía a empresa LONTUE e GUSTAVO a MARIMPEX, as duas de exportação de frutas; que GUSTAVO chegou a ir juntamente com ANGEL e JUAN CARLOS para a Argentina num voo comercial; que na mesma ocasião GIGI, HALPH e MAURÍCIO foram para o Uruguai no avião que seria utilizado no transporte da droga (BARON), sendo que GIGI ficou neste país porque apresentou um problema no joelho; que o avião que faria o transporte da droga da Bolívia para a Argentina foi levado para San Miguel de Tucumã por HALPH; que a polícia argentina, a qual já estava participando da investigação, achou que a droga já se encontrava no país e realizou uma diligência em contêineres das empresas exportadoras de frutas em que nada foi encontrado, uma vez que o avião ainda se encontrava em solo argentino e não havia partido para a Bolívia; que em função disso, GUSTAVO resolveu não mais levar a droga para aquele país; que GUSTAVO resolveu mandar para o Uruguai DANIEL para que providenciasse a instalação de um packing naquele país (BASEVIN); que para isso foi alugado um galpão, o qual, segundo GUSTAVO, deveria ter muros altos, ser longe da cidade e ter capacidade para receber um caminhão; que depois foi alugado um outro galpão, sendo que neste caso figurou como locadora ADRIANA RODRIGUES; que posteriormente ANIEL foi substituído por sobrinho de GUSTAVO, JÚLIO CESAR uma vez que não concluía a instalação, embora gastasse muito dinheiro; que DANIEL chegou a vir várias vezes ao Brasil para receber dinheiro em espécie de GUSTAVO, tendo também participado de reuniões com este e MAURÍCIO ou KRISHNA; que essas reuniões aconteciam normalmente em hotéis e ás vezes na casa de GUSTAVO; (...) que GUSTAVO também adquiriu uma propriedade rural no Uruguai (...); que a propriedade tinha 2.300 hectares, sendo que foram pagos 500 mil dólares de sinal, 1,5 milhão em março de 2007 e seria pago 1,275 milhão em março de 2008; que GUSTAVO se reuniu em hotel com os pilotos NEILSON e PLÍNIO, sendo que em tal reunião foram tratados assuntos de combustível, quantidade de voos que seria necessária, além de ter sido criado um e-mail do qual GUSTAVO e NEILSON teriam a senha e que seria utilizado para comunicação sem envio de mensagens, mas apenas com gravação na caixa de rascunho; que os dois pilotos foram presos em flagrante juntamente com GUSTAVO, ANGEL, JUAN CARLOS, JULIO CESAR e um amigo deles de sobrenome REINA; que nessa ocasião foram apreendidos 495 quilos de cocaína; que foi filmada toda a apreensão; que GIGI além de ter inicialmente cuidado da instalação da BASEVIN, pilotava as aeronaves de GUSTAVO e cuidava da manutenção delas; (...) que a pedido de GUSTAVO substituiu DANIEL na instalação da fazenda de frutas no Uruguai, uma vez que o primeiro não estava conseguindo concluir o projeto; que a partir daí JULIO CESAR montou toda a estrutura da fazenda tendo sido preso juntamente com os demais, quando realizava o recebimento da droga; que foram interceptadas conversas telefônicas dele com GUSTAVO, mas o depoente não se recorda do conteúdo; que ao chegar ao Uruguai JULIO CESAR mandou e-mail ao tio informando a situação atual da fazenda e o que seria necessário para concluir o projeto; que mandava relatórios periódicos a GUSTAVO; que com a chegada de JULIO CESAR, DANIEL deixou o Uruguai; que GUSTAVO era o líder da organização criminosa e tomava todas as decisões, inclusive sobre os imóveis; que todos os familiares e associados do grupo se reportavam a ele (...);

A defesa alega que os depoimentos constantes dos autos não foram prestados na presença do apelante, que, por isso, não pôde se defender. Sem razão, contudo. Conforme consta corretamente das contrarrazões (ID 199311526):

Com efeito, as testemunhas arroladas na denúncia foram ouvidas nos autos da Ação Penal nº 0013355-95.2007.4.03.6181, desmembrada da ação principal que originou o presente feito, que tramitou em meio físico, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa. Assim, ao que contrário do que afirma o apelante, quando da oitiva das testemunhas ele já havia sido citado e pôde constituir defensor. Não tendo constituído, foi nomeado, em seu favor, representante da Defensoria Pública da União, que foi regularmente intimado e participou, fazendo perguntas inclusive, de todas as oitivas de testemunhas.

Acrescente-se, ainda, como mencionado na sentença, que "quando da retomada do curso processual, com a extradição do apelante ao Brasil, foi constituído defensor particular, que foi regularmente intimado da audiência para interrogatório. A Defesa não apresentou qualquer insurgência quanto ao interrogatório, nem antes, nem durante, nem depois do ato, tampouco na fase do artigo 402 do CPP. Assim, causa estranheza que, em sede de alegações finais e recurso de apelação tenha pleiteado a invalidade das oitivas realizadas anteriormente".

De fato, quando as testemunhas foram ouvidas em juízo, o apelante já tinha sido citado e pôde constituir defensor, mas não o fez, tendo, por essa razão, a Defensoria Pública da União atuado em sua defesa. Por isso, foram respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Além disso, quando constituída a defesa, esta não se insurgiu oportunamente, não tendo demonstrado qualquer prejuízo ao exercício da ampla defesa.

Portanto, comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, mantenho a condenação de JULIO CÉSAR DURAN PARRA pela prática de associação para o tráfico transnacional de drogas (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), nos termos da denúncia.

Passo ao reexame da dosimetria da pena.

Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base em 5 (cinco) anos de reclusão e 800 (novecentos) dias-multa, acima do mínimo legal, em razão das circunstâncias e consequências do crime e da intensa culpabilidade, em razão da grande quantidade de droga envolvida (quase 500 kg) e seu alto poder lesivo (cocaína), o que confere maior reprovabilidade à conduta social.

A defesa pede a redução da pena-base para o mínimo legal. Com razão em parte.

Como destacado pelo juízo, a culpabilidade do agente, as circunstâncias e as consequências do crime devem ser consideradas acima do comum para esse tipo de crime, haja vista o elevado grau de organização e estruturação permanente do grupo criminoso, que exportava grandes quantidades de cocaína, envolvendo grande número de agentes subordinados. A infraestrutura era bem organizada para o tráfico de drogas, sendo que o apelante ocupava posição de destaque na estrutura organizacional, tendo sido chamado pelo chefe da organização (que é seu tio, Gustavo Duran) para, no Uruguai, substituir outro membro da organização na implantação da empresa "Basevin", estabelecida em Montevidéu e responsável pelas exportações de frutas contendo droga.

Por isso, justifica-se a fixação da pena-base acima do mínimo legal.

No entanto, o montante fixado para a pena privativa de liberdade (dois terços acima do mínimo legal) mostra-se um tanto elevado, dado que o apelante, a despeito da gravidade concreta do crime e da culpabilidade, não tem registros criminais, de modo que a fração de exasperação deve ser reduzida para a metade acima do mínimo legal.

De outro lado, é entendimento da Turma de que a quantificação dos dias-multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade. Assim, a pena-base para a pena de multa deveria ter sido fixada em 1.050 (mil e cinquenta) dias-multa. Contudo, como não houve recurso da acusação, fica mantida tal como fixada na sentença.

Assim, acolho em parte, nesse ponto, o recurso e fixo a pena-base em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 800 (oitocentos) dias-multa.

Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes nem atenuantes, o que mantenho, não se alterando a pena intermediária.

Na terceira fase, o juízo não aplicou nenhuma causa de diminuição e aplicou a causa de aumento prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, na fração de um sexto (mínimo legal), o que confirmo, pois se comprovou se tratar de associação criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas.

Assim, elevada em um sexto, a pena definitiva deveria ser estabelecida em 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão e 933 (novecentos e trinta e três) dias-multa. Em relação a esta, no entanto, o juízo a quo fixou em 930 (novecentos e trinta) dias-multa e não houve recurso da acusação, de modo que o equívoco verificado não pode ser corrigido, sob pena de se incorrer em reformatio in pejus.

A pena definitiva, portanto, fica estabelecida em 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão e 930 (novecentos e trinta) dias-multa, mantido o valor unitário do dia-multa no mínimo legal.

O juízo fixou o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, considerando que, apesar de circunstâncias judiciais (CP, art. 59) serem desfavoráveis ao apelante, ele estava preso desde 24 de dezembro de 2018.

A defesa pede a alteração do regime inicial de cumprimento dessa pena para o aberto, sendo ela substituída por restritiva de direitos.

O art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal dispõe que "[o] tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade".

Considerando-se apenas a pena aplicada (ora revista) e que o apelante foi preso em 24 de dezembro de 2018, na data da sentença (22.04.2021) ele teria direito a início do cumprimento da pena em regime menos gravoso do que o fixado (semiaberto). Ocorre, porém, que, para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade não se deve considerar, única e exclusivamente, o quantum da pena aplicada, mas também os critérios previstos no art. 59 do Código Penal, conforme determina o § 3º do art. 33 desse Código.

Quanto a isso, o juízo foi provocado a se manifestar depois da oposição de embargos de declaração pela defesa, tendo decidido o seguinte:

Os embargos não merecem acolhimento.

Isso porque, inicialmente, à época do delito, sequer havia a previsão do artigo 387, §2º, do CPP. Assim sendo, se fosse aplicada a legislação vigente ao tempo do crime praticado, como pretende a Defesa, deveria ser aplicado o regime inicial fechado.

Ademais, este Juízo não promoveu a progressão de regime, mas tão somente aplicou regime inicial menos gravoso, considerando o período de pena cumprido em prisão cautelar.

Com efeito, a progressão de regime é matéria de competência do Juízo da execução criminal, que deve avaliar critérios objetivos e subjetivos para aplicação do benefício. Este Juízo do processo de conhecimento não tem como aferir se o acusado preenche os critérios subjetivos necessários para progressão de regime.

Acrescente-se, ainda, que é vedado pelo ordenamento jurídico vigente a chamada “progressão per saltum”, ou seja, que o apenado passe do regime fechado diretamente para o regime aberto, apenas em razão do cumprimento de mais de um terço da pena no regime mais gravoso.

Tal a matéria, ademais, encontra-se sumulada pelo STJ no verbete da Súmula 491 que dispõe que “é inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional”.

Assim sendo, é de rigor que o acusado cumpra pena em regime semiaberto antes de vislumbrar progressão ao regime mais benéfico.

Em face do explicitado, conheço e rejeito o recurso de embargos de declaração de ID 52367672, mantendo a r. sentença condenatória na íntegra.

De fato, embora a pena aplicada (5 anos e 10 meses pelo juízo, reduzida para 5 anos e 3 meses neste voto) permitisse, em princípio, a fixação do regime inicial semiaberto (CP, art. 33, § 2º, "b"), as circunstâncias judiciais consideradas negativas pelo juízo (culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime) - ora confirmadas - justificariam a fixação de regime inicial mais gravoso (o fechado), daí o juízo, descontado o tempo de prisão provisória, ter fixado, no caso, o regime semiaberto como o mais favorável ao acusado.

Tenho que esse raciocínio do juízo se justifica porque, dadas as circunstâncias judiciais negativas, seria possível a fixação do regime inicial fechado. Todavia, descontado o tempo de prisão provisória cumprido até a data da sentença, o acusado fazia jus a regime menos gravoso, o qual, dadas as específicas condições do caso concreto, era o regime semiaberto, que foi o fixado na sentença.

Por isso, rejeito a tese defensiva e mantenho o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, que não pode ser substituída por restritivas de direitos, ante a inexistência de requisito objetivo (CP, art. 44, I).

Quanto à manutenção da prisão do apelante, observo que, em princípio, o regime semiaberto fixado (e ora mantido) é incompatível com a prisão preventiva. Todavia, considerando-se que o apelante esteve foragido por largo tempo e que é cidadão colombiano, não seria recomendável a revogação da sua prisão cautelar, dado o considerável risco de fuga existente. Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. FECHADO. NATUREZA E QUANTIDADE EXACERBADA. FUNDAMENTOS IDÔNEOS. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 312, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NEGATIVA DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL D E S P R O V I D O .
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2. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que "[...] não há lógica em deferir ao condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu preso durante a persecução criminal, se persistem os motivos para a segregação preventiva" (RHC 98.304/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2018, DJe 29/08/2018).
3. A manutenção da custódia cautelar no momento da sentença condenatória, em hipóteses em que o acusado permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não requer fundamentação exaustiva, sendo suficiente, para a satisfação do art. 387, § 1.º, do Código de Processo Penal, declinar que permanecem inalterados os motivos que levaram à decretação da medida extrema em um primeiro momento, desde que estejam, de fato, preenchidos os requisitos legais do art. 312 do mesmo diploma. 
4. O direito de recorrer em liberdade foi negado com esteio em fundamentação concreta e idônea, porquanto foi demonstrada a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal, tendo em vista que o Acusado é estrangeiro, sem residência fixa no Brasil ou quaisquer laços no País, tendo aqui ingressado apenas para cometer crime grave, o que representa concreto risco de fuga, a fim de evitar o cumprimento da pena ou voltar a delinquir.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 1.697.713/RJ, Sexta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, j. 20.10.2020, DJe 29.10.2020)

Nada obstante, mesmo como preso provisório, o apelante tem os direitos de apenado previstos no Código Penal e na Lei de Execução Penal, inclusive a progressão de regime. Isso, porém, há de ser requerido perante o juízo da execução penal responsável pela custódia do apelante.

Posto isso, REJEITO AS QUESTÕES PRELIMINARES e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, para reduzir a pena-base, ficando a pena definitiva estabelecida em 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 930 (novecentos e trinta) dias-multa, nos termos da fundamentação supra.

Comunique-se o teor deste julgamento ao juízo da execução responsável, para as providências cabíveis.

É o voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO SÃO FRANCISCO. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. QUESTÕES PRELIMINARES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. BIS IN IDEM. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOSIMETRIA DA PENA.

1. A denúncia está adequada aos parâmetros do art. 41 do Código de Processo Penal, tendo narrado satisfatoriamente os fatos imputados ao acusado, descrevendo-os com todas as suas circunstâncias, o que possibilitou o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. Ademais, eventual inépcia da denúncia só poderia ser acolhida se houvesse inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa. Além disso, não há que se falar em inépcia da denúncia depois desta ter sido recebida, o feito processado e julgado o mérito, com condenação. Precedentes.

2. Neste caso, o apelante não foi condenado pelo tráfico mencionado, mas por associação para o tráfico (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), tipo penal diverso e situação mais ampla que aquela que levou à condenação do apelante no Uruguai, de modo que não há litispendência.

3. Se não houve utilização da prova produzida na Operação Granada, a não ser para demonstrar a ligação entre dois imputados, desnecessária era a juntada, nestes autos, de toda a investigação anteriormente feita em outra operação policial. O juiz, na presidência da instrução processual, deve zelar pelo bom andamento do feito, podendo, para tanto, indeferir a produção de provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (CPP, art. 400, § 1º). É o caso dos autos.

4. O deferimento e as prorrogações das interceptações telefônicas se deram de forma motivada e fundamentada e não havia necessidade da transcrição de todos os áudios interceptados, mas apenas daqueles que interessavam à investigação e ao processo como elementos probatórios. Ademais, as cópias de todas as mídias com as gravações das interceptações telefônicas foram entregues à defesa do apelante nos autos do Procedimento de Quebra de Sigilo nº 0008558-18.2003.403.6181 (ID 170763756), de modo que a ampla defesa e o contraditório foram estritamente observados.

5. Materialidade e autoria devidamente comprovadas nos autos. Vínculo estável e permanente entre o apelante e os demais acusados com o objetivo da prática do crime de tráfico transnacional de drogas.

6. A culpabilidade do agente, as circunstâncias e as consequências do crime devem ser consideradas acima do comum para esse tipo de crime, justificando a fixação da pena-base acima do mínimo legal. No entanto, o montante fixado para a pena privativa de liberdade mostra-se um tanto elevado, dado que o apelante, a despeito da gravidade concreta do crime e da culpabilidade, não tem registros criminais. Pena-base reduzida, porém mantida acima do mínimo legal.

7. Considerando-se apenas a pena aplicada (ora revista) e que o apelante foi preso em 24 de dezembro de 2018, na data da sentença (22.04.2021) ele teria direito a início do cumprimento da pena em regime menos gravoso do que o fixado (semiaberto). Ocorre, porém, que, para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade não se deve considerar, única e exclusivamente, o quantum da pena aplicada, mas também os critérios previstos no art. 59 do Código Penal, conforme determina o § 3º do art. 33 desse Código. Embora a pena aplicada permitisse, em princípio, a fixação do regime inicial semiaberto (CP, art. 33, § 2º, "b"), as circunstâncias judiciais consideradas negativas pelo juízo (culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime) - ora confirmadas - justificariam a fixação de regime inicial mais gravoso (o fechado), daí o juízo, descontado o tempo de prisão provisória, ter fixado, no caso, o regime semiaberto como o mais favorável ao acusado. Raciocínio mantido.

8. Em princípio, o regime semiaberto é incompatível com a prisão preventiva. Todavia, considerando-se que o apelante esteve foragido por largo tempo e que é cidadão colombiano, não seria recomendável a revogação da sua prisão cautelar, dado o considerável risco de fuga existente. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. Nada obstante, mesmo como preso provisório, o apelante tem os direitos de apenado previstos no Código Penal e na Lei de Execução Penal, inclusive a progressão de regime. Isso, porém, há de ser requerido perante o juízo da execução penal responsável pela sua custódia.

9. Apelação parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, POR UNANIMIDADE, decidiu REJEITAR AS QUESTÕES PRELIMINARES, nos termos do voto do DES. FED. RELATOR. Prosseguindo no julgamento, a Décima Primeira Turma, POR MAIORIA, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação, para reduzir a pena-base, ficando a pena definitiva estabelecida em 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 930 (novecentos e trinta) dias-multa, nos termos do voto do DES. FED. RELATOR, com quem votou o DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI. Vencido o DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS que NEGAVA PROVIMENTO ao recurso de Apelação. LAVRARÁ O ACÓRDÃO O DES. FED. RELATOR , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.