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RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000253-92.2021.4.03.6317 RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RECORRIDO: CARLOS ANTONIO RODRIGUES VIEIRA Advogados do(a) RECORRIDO: GERALDO THOMAZ FERREIRA - SP125713-A, JULIANA GARCIA FERREIRA - SP212271-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA: Trata-se de ação movida por CARLOS ANTONIO RODRIGUES VIEIRA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, que tem por objeto a concessão do benefício de salário-maternidade ao autor, em função da adoção do menor Fernando Henrique Machado Cardoso, então com 12 anos de idade, cuja guarda foi concedida nos autos da ação nº 0024481-26.2020.8.26.0002, que tramitou perante a Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional II - Santo Amaro, da Comarca de São Paulo/SP. Narra a inicial que a autora formulou requerimento de obtenção do benefício de salário-maternidade em 03/12/2020, o qual foi indeferido pela justificativa de que o adotado tinha idade igual ou superior a oito anos na data do fato gerador. Alega, em síntese, ser inconstitucional o disposto no art. 93-A do Decreto nº 3.048/999, com a redação dada pelo Decreto nº 10.410/2020, que condiciona o pagamento do benefício à idade da criança ou adolescente adotado, visto que tais regramentos ferem o direito constitucional à igualdade entre os filhos biológicos e adotivos. Afirma, ainda, que a referida regra representa um grave prejuízo ao sistema brasileiro de adoção. A sentença julgou procedente o pedido formulado na inicial para: a) declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da limitação etária insculpida no art. 71-A da Lei n. 8.213/1991 e no art. 93-A do Decreto n. 3.048/1999, que apenas admite a concessão do benefício previdenciário de salário-maternidade na hipótese de o segurado(a) adotar menor de idade qualificado(a) como criança (pessoa até 12 anos de idade incompletos) e, por conseguinte, impede a concessão do citado benefício quando o(a) adotado(a) menor for qualificado(a) como adolescente (pessoa entre 12 e 18 anos de idade incompletos), por violação ao art. 5º, caput e inciso LIV, e ao art. 227, caput e § 6º, da Constituição Federal; b) condenar o INSS à concessão do benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71-A da Lei n. 8.213/1991), em favor do autor, em razão da obtenção, em 16.11.2020, da guarda para fins de adoção, concedida nos autos do Processo n. 0024481-26.2020.8.26.0002 da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional II – Santo Amaro, da Comarca de São Paulo - SP, fixando a data de início do benefício (DIB) em 16.11.2020; c) ratificar a tutela de urgência concedida em caráter liminar, convolando a tutela provisória em definitiva, deixando, contudo, de condenar a autarquia previdenciária ao pagamento de valores na via judicial (RPV ou Precatório), tendo em vista que, devido à implantação do benefício em cumprimento à decisão liminar, todas as parcelas do salário-maternidade foram solvidas na via administrativa (anexos n. 52/53). O INSS recorre, sustentando, em síntese, que é indevida a concessão do benefício em função de o adotado ter mais de oito anos idade na data da adoção. Requer, assim, a reforma da sentença para que o pedido formulado na inicial seja julgado improcedente. É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000253-92.2021.4.03.6317 RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RECORRIDO: CARLOS ANTONIO RODRIGUES VIEIRA Advogados do(a) RECORRIDO: GERALDO THOMAZ FERREIRA - SP125713-A, JULIANA GARCIA FERREIRA - SP212271-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA (RELATOR): A questão em debate é exclusivamente de direito e já foi enfrentada adequadamente enfrentada na sentença, pelo que apenas me reporto aos fundamentos ali lançados, os quais adoto como razão de decidir: [...] 1) Salário-maternidade para o(a) segurado(a) que adote ou obtenha guarda, para fins de adoção, de menor de idade. Conforme destacado na decisão liminar proferida em 05/02/2021 (anexo n. 06), o benefício postulado pela parte autora vem delineado no art. 71-A da LBPS (Lei n. 8.213/1991) e no art. 93-A do RPS (Decreto n. 3.048/1999), a seguir transcritos: [...] Como visto, as normas citadas apenas admitem a concessão do benefício quando o adotado for criança. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/1990), traz o conceito jurídico de criança e de adolescente no seu art. 2º, estabelecendo que se considera criança a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos. Vejamos: Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. No caso concreto, o menor F.H.M.C possuía 12 (doze) anos completos na data do fato gerador, qual seja, a concessão de sua guarda para fins de adoção aos cônjuges CARLOS ANTÔNIO RODRIGUES VIEIRA e RICARDO LEITE DE MATOS. Logo, o menor F.H.M.C já não era criança, e sim adolescente, na referida oportunidade, razão pela qual os requisitos previstos no art. 71-A da LBPS e no art. 93-A do RPS não restaram integralmente atendidos. Como consabido, em função do princípio da separação dos poderes, não cabe ao julgador substituir-se ao legislador e ao administrador público, sob pena de grave e indevida usurpação de competências. Assim, as leis e os atos normativos criados, respectivamente, pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo, dentro da margem de discricionariedade conferida pela Constituição Federal, não podem ser desconsiderados pelo Poder Judiciário (princípio da deferência), sob pena de incorrer em indevido ativismo judicial, violando o princípio constitucional da separação dos poderes. Por outro lado, não é menos correto afirmar que incumbe ao Poder Judiciário, no exercício de sua competência constitucionalmente traçada, afastar a aplicação de lei ou ato normativo que vulnerem a Constituição Federal. Nesse sentido, transcreve-se o magistério do eminente Ministro ROBERTO BARROSO: “Em todo ato de concretização do direito infraconstitucional estará envolvida, de forma explícita ou não, uma operação mental de controle de constitucionalidade. A razão é simples de demonstrar. Quando uma pretensão jurídica funda-se em uma norma que não integra a Constituição – uma lei ordinária, por exemplo -, o intérprete, antes de aplicá-la, deverá certificar-se de que ela é constitucional. Se não for, não poderá fazê-la incidir, porque no conflito entre uma norma ordinária e a Constituição é esta que deverá prevalecer. Aplicar uma norma inconstitucional significar deixar de aplicar a Constituição.” (LUÍS ROBERTO BARROSO, O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 8ª edição, São Paulo: Saraiva, 2019, p. 23) Isso posto, é mister salientar que, ao contrário do que uma leitura mais açodada do texto legal possa dar a entender, o benefício de salário-maternidade tem por destinatário principal a própria criança ou adolescente adotado e, apenas, em caráter secundário, as mães, os pais e guardiões (para fins de adoção). Com efeito, a teleologia da norma visa a propiciar que a criança ou adolescente adotado possa contar com o máximo de suporte e atenção de seus pais nos primeiros momentos de sua integração e adaptação ao novo núcleo familiar. Não é preciso profunda elucubração para perceber que, nos casos de adoção tardia - em que o menor possui maior compreensão e consciência de sua situação e, por conseguinte, maiores traumas emocionais decorrentes do próprio estado de abando e do esfacelamento de seu núcleo familiar originário – é ainda mais importante e necessário o intenso convívio do adotado com seus genitores (adotantes) para que ele possa se sentir seguro, amado e respeitado, e, assim, fortalecer os laços afetivos e o vínculo familiar que estão sendo criados. Partindo da premissa de que o principal destinatário do salário-maternidade é sempre o menor, a norma que faz diferenciação entre filhos menores, concedendo o benefício ao menor adotado com menos de 12 anos (criança) e denegando-o ao menor adotado com idade superior (adolescente), além de ser desprovido de qualquer fundamentação empírica, viola manifestamente diversas regras e princípios constitucionais. Sob o aspecto empírico, a citada diferenciação não tem qualquer lastro na realidade, não havendo base para afirmar que apenas a criança adotada carece de constante atenção dos pais; pelo contrário, conforme demonstram as regras da experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (art. 375 do CPC), os casos de adoção tardia são ainda mais desafiadores e exigem não só maior presença dos pais, como, também, maior sabedoria e sensibilidade dos adotantes para saber lidar de forma adequada com os sentimentos e reações do menor adotado em idade avançada, no momento de sua introdução em seu novo lar. Nesse sentido, não se pode deixar de destacar excerto do lapidar e antológico voto proferido pelo Exmo. Sr. Ministro ROBERTO BARROSO, eminente relator do Recurso Extraordinário n. 778.889/PE: “44. Crianças adotadas, não raro, têm em seu histórico: experiências pré-natais adversas à saúde, períodos prolongados em unidades neonatais, cuidados inadequados, abuso físico, psíquico ou sexual, perdas e separações. Esses fatores, a privação do contato do menor com a mãe nos primeiros meses de vida, ou em momentos críticos de seu desenvolvimento, e a institucionalização por períodos prolongados (que, infelizmente, ainda é uma realidade no Brasil), podem produzir efeitos altamente comprometedores da capacidade da criança de estabelecer laços afetivos saudáveis com os pais adotivos e de adaptar-se à nova família. 45. Estudos internacionais dão conta de que quanto maior é o tempo de institucionalização de uma criança, mais difícil costuma ser a adaptação à família adotiva. Por outro lado, indicam também que o fator mais relevante para a recuperação dessas crianças e para a superação de tais dificuldades é a presença, a disponibilidade e a afetividade dos pais adotivos, que precisam apresentar um intenso comprometimento com o menor (“agressive attachment behavior”) no início de seu convívio. 46. Tais estudos noticiam, ainda, que crianças adotadas têm maior probabilidade – em alguns casos, o dobro da probabilidade – de demandar cuidados especiais quanto à saúde, quando comparadas com crianças não adotadas. E, eventualmente, este aspecto só é identificado com a sua chegada à nova família, quando se descobrem que os menores são portadores de patologias para as quais não foram testados ou até de patologias para as quais foram testados e supostamente tiveram resultados negativos. 47. Portanto, a adaptação de uma criança adotada a uma nova família e os primeiros meses de convívio demandam tempo, paciência e disponibilidade da parte dos pais. O menor chega de um ambiente inóspito a um “espaço entranho”. Precisa sentir-se aceito e amado para considerar-se parte daquela família. Muitas crianças temem uma nova rejeição, um novo abandono e, após um período inicial, passam a “testar” os pais adotivos, com comportamentos inadequados, com o propósito (inconsciente) de se assegurar de seu amor e de sua aceitação e, então, novos obstáculos devem ser superados para a construção de um vínculo seguro. 48. Não há nada na realidade das adoções, muito menos na realidade das adoções tardias, que indique que crianças mais velhas precisam de menos cuidado ou de menos atenção do que bebês. Pelo contrário, a plena adaptação nas adoções tardias é um desafio ainda maior, já que crianças mais velhas possivelmente foram expostas por tempo maior a cuidados inadequados, traumas e institucionalizações. 49. É preciso ter em conta igualmente que casais inférteis geralmente buscam adotar bebês ou crianças muito novas, que lhes permitam vivenciar todas as etapas da maternidade biológica. A dificuldade de adoção de crianças com mais de 3 anos de idade é muito maior. De acordo com dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, através do Cadastro Nacional de Adoção, do total dos atuais pretendentes à adoção, 68,35% desejam adotar crianças de até 3 anos, sendo que estas representam aproximadamente 4,23% do total de crianças disponíveis para a adoção. 95, 76% das crianças disponíveis têm idade superior a 3 anos e grande parte delas encontram-se em instituições. 50. Ora, se, para filhos biológicos, conectados às suas mães desde o útero, jamais negligenciados, jamais abusados, jamais feridos, há necessidade de uma licença mínima de 120 dias, violaria o direito dos filhos adotados à igualdade e à proporcionalidade, em sua vertente de vedação à proteção deficiente, pretender que crianças em condições muito mais gravosas gozem de período inferior de convívio com as mães.” Por certo, a concepção de Estado de Direito, de rule of law, tem por pressuposto lógico que a lei não seja arbitrária, mormente quando ela veicular hipótese restritiva de direito, como no caso em apreço. Nesta senda, revela-se oportuna a transcrição do magistério de CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO e de DANIEL SARMENTO, acerca dos diferentes significados da razoabilidade na jurisprudência constitucional brasileira: “Em nossa jurisprudência constitucional, colhem-se alguns significados atribuídos ao princípio da razoabilidade. Um deles é o da vedação à arbitrariedade: devem existir motivos objetivos e racionais subjacentes aos atos estatais, sobretudo os que restringirem direitos. [...] A razoabilidade é empregada também para exigir a presença de uma relação de pertinência entre a medida prevista pelo legislador e os critérios adotados por ele para definir os seus destinatários. Em geral, este parâmetro é empregado em conjugação com o princípio da isonomia, para obstar diferenciações injustificadas entre pessoas e situações. Isto, porque, como se sabe, o princípio da igualdade não bane toda e qualquer distinção, mas antes impõe que as desequiparações legais baseiem-se em critérios razoáveis, sendo os discrimens adotados logicamente relacionados à diferença de tratamento dispensada aos destinatários da norma.” (CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO e DANIEL SARMENTO, Direito Constitucional – Teoria, história e métodos de trabalho, 2ª edição, 5ª reimpressão, Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 490) Na mesma senda, cita-se a doutrina de HUMBERTO ÁVILA a respeito do princípio da razoabilidade (tratado em sua obra como “postulado”), em que o citado princípio é decomposto em três acepções distintas: razoabilidade como equidade, como congruência e como equivalência. Ao discorrer sobre a razoabilidade como congruência, o ilustre professor assim preleciona: “Razoabilidade como congruência – No segundo grupo de casos o postulado da razoabilidade exige a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação. [...] Os princípios constitucionais do Estado de Direito (art. 1º) e do devido processo legal (art. 5º, LIV) impedem a utilização de razões arbitrárias e a subversão dos procedimentos institucionais utilizados. Desvincular-se da realidade é violar os princípios do Estado de Direito e do devido processo legal. (...) Em segundo lugar, a razoabilidade exige uma relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada. (...) Somente uma razão de ser plausível e aceitável justifica a distinção. (...) À eficácia dos princípios constitucionais do Estado de Direito (art. 1º) e do devido processo legal (art. 5º, LIV) soma-se a eficácia do princípio da igualdade (art. 5º, caput), que impede a utilização de critérios distintivos inadequados. Diferenciar sem razão é violar o princípio da igualdade.” (HUMBERTO ÁVILA, Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 19ª edição, São Paulo: Malheiros, 2019, p. 199/202) Assim, pelas razões expostas, verifica-se que a restrição etária imposta no art. 71-A da Lei n. 8.213/1991 e no art. 93-A do Decreto n. 3.048/1999, admitindo a concessão do benefício previdenciário de salário-maternidade apenas quando o(a) segurado adotar menor de idade qualificado como criança (pessoa até 12 anos de idade incompletos) e, por conseguinte, vedando a concessão do aludido benefício quando o menor de idade a ser adotado for qualificado como adolescente (pessoa entre 12 anos completos e 18 anos incompletos) é completamente desprovida de fundamento lógico e empírico, motivo pelo qual não pode prevalecer, devendo ser afastada por atentar contra o princípio constitucional implícito da razoabilidade, decorrente do due process of law em sua vertente substantiva (art. 5º, inciso LIV, da CF). Além disso, a referida instituição de tratamento diferenciado entre menores adotados, a depender de sua qualificação como crianças ou adolescentes, viola, a mais não poder, a ratio do princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF), insculpido de forma qualificada no §6º do art. 227 da Constituição Federal, que tem por inequívoco desiderato a proibição de distinção entre filhos. Por imprescindível, transcreve-se a norma constitucional em comento: [...] Como referido, é inquestionável que a razão de ser da citada norma constitucional finca-se em vedar qualquer forma de discriminação entre filhos. Logo, a norma que se extrai de seu texto, em realidade, vai nitidamente além da literalidade de seu enunciado. Nesse diapasão, é necessário perceber que a verdadeira norma que se extrai do aludido dispositivo legal é justamente a seguinte: "é vedada qualquer forma de tratamento discriminatório entre filhos". A alusão a filhos "havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção" apenas exemplifica práticas discriminatórias que se visa a proibir, mormente em razão de que algumas dessas formas de tratamento discriminatório como, por exemplo, a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, outrora encontraram eco no ordenamento jurídico pátrio, notadamente na redação original do Código Civil de 1916, e perduraram por décadas até serem erradicadas. Todavia, é necessário repisar que, por se tratar de referência exemplificativa, a alusão feita a filhos havidos ou não dentro do matrimônio, e aos filhos adotados (em contraposição aos naturais), não exaurem as formas de discriminação que a norma insculpida no §6º do art. 227 da Constituição Federal pretendeu terminantemente abolir. Como efeito, aqui se tem típico exemplo em que o enunciado (texto) ficou aquém da norma que dele se extrai, a qual inelutavelmente possui maior abrangência e tem por fito vedar qualquer forma de tratamento discriminatório entre filhos de qualquer origem. Seguindo essa linha de raciocínio, se é inquestionável que nosso ordenamento jurídico não mais consente com qualquer forma de tratamento diferenciado entre filhos naturais ou, ainda, entre filhos naturais e adotivos, denota-se, com redobradas razões, ser igualmente intolerável qualquer forma de discriminação entre filhos menores adotados - caso dos autos - pois tal prática redundaria em violação ao princípio da isonomia que, em um Estado Democrático de Direito, irradia seus efeitos sobre todas as áreas do ordenamento jurídico, de forma a evitar a criação de qualquer forma de tratamento diferenciado que não possua justificativa e fundamento na concretização e promoção de valores albergados pelo texto constitucional. Em outras palavras: a Constituição Federal apenas admite o tratamento diferenciado entre concidadãos quando essa diferenciação seja necessária para a promoção e afirmação de valores consagrados em nível constitucional e/ou decantados da noção ínsita de res publica. Não tolera, a Lei Maior, a instituição de distinções arbitrárias, despidas de razoabilidade ou que não se coadunem com as finalidades perseguidas pelo Estado Democrático de Direito. Cumpre destacar, ainda, que a restrição etária imposta no art. 71-A da Lei n. 8.213/1991 e no art. 93-A do Decreto n. 3.048/1999 também confronta a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), aprovada pela Resolução 44-25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989, ratificada pelo Brasil em 24.09.1990, e promulgada pelo Presidente da República por meio do Decreto n. 99.710, de 21.11.1990, que considera como criança todo ser humano com menos de 18 (dezoito) anos. Confira-se: Artigo 1 Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes. Artigo 2 1. Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais. 2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição, das atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes legais ou familiares. Artigo 3 1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. 2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas. Isso posto, não demanda hercúleo esforço hermenêutico constatar que a limitação etária introduzida no art. 71-A da Lei n. 8.213/1991 e no art. 93-A do Decreto n. 3.048/1999, conferindo o direito ao salário-maternidade apenas ao adotante de filho menor de 12 anos e, por conseguinte, denegando-o ao adotante de menor com idade igual ou superior a 12 anos, não tem razão de ser e não se alinha com qualquer finalidade perseguida pela Constituição da República. Pelo contrário, a instituição de tal forma de tratamento na concessão do benefício do salário-maternidade ao adotante é manifestamente desarrazoada, porquanto culmina por colocar empecilhos e desestimular a adoção de menores em idade mais avançada, situação também denominada de "adoção tardia", que justamente constituem as hipóteses mais raras e difíceis de adoção, na medida em que, sabida e infelizmente, a preferência quase absoluta por adoções recai sobre recém-nascidos ou crianças que ainda se encontram nos seus primeiros anos de vida. Assim sendo, não há qualquer exagero ao se afirmar que, a cada ano que passa, as chances de adoção de uma criança albergada diminui drástica e exponencialmente, de modo que, ao entrarem na adolescência, tais menores possuem pouca ou nenhuma chance de encontrarem um lar antes de atingirem a maioridade e serem desligados da tutela do Estado. Logo, é de todo incompreensível do ponto de vista lógico - e insustentável do ponto de vista jurídico - que a lei, ao invés de incentivar a adoção tardia, crie obstáculos e desestímulos para sua concretização. A bem da verdade, dando-se o devido enfoque à questão, chega-se inclusive à conclusão de que haveria justificativa plausível, lastreada em base empírica e alinhada com as finalidades traçadas pela Carta Magna, para instituir tratamento diferenciado em favor das adoções tardias como medida de contrabalancear a natural preferência pela adoção de recém-nascidos ou crianças em seus anos iniciais de vida; porém, jamais o contrário. Lado outro, partindo-se da premissa de que o benefício de salário-maternidade se destina a atender primordialmente os interesses do menor, não há como chancelar a distinção de direitos entre menores adotados. Pontue-se, nessa esteira, que o art. 227 da Constituição Federal, que constitui o fundamento normativo de todo o arcabouço de proteção ao menor, não faz qualquer distinção ou gradação entre crianças e adolescentes no que diz respeito ao dever estatal de estimular o "acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado" (art. 227, §3º, inciso VI, da CF). Tendo em vista que uma das principais funções das normas constitucionais é servir de vetor interpretativo de toda a legislação infraconstitucional, percebe-se nitidamente que não se pode dar guarida à lei ou ato normativo cuja aplicação prática culmine por gerar efeito que manifestamente colida com o desiderato da norma constitucional que lhe serve de fundamento de validade. Assim, no que tange ao benefício de salário-maternidade, é inconstitucional privar apenas o adolescente adotado de usufruir tal direito, que, ao fim e ao cabo, se traduz na possibilidade de ser amparado e ter o máximo de contato e envolvimento com os pais adotivos, no momento de seu ingresso em sua nova estrutura familiar. Nesta senda, note-se que o eminente Ministro EDSON FACHIN, ao proferir voto no já citado Recurso Extraordinário n. 778.889/PE, embora se referindo ao instituto trabalhista da licença-maternidade, em mais de uma passagem demonstra que o núcleo de sua argumentação é de que a(o) adotante e, principalmente, o(a) adotado(a) – seja ele(a) criança ou adolescente – devem ter assegurado o direito à convivência e ao fortalecimento dos vínculos afetivos, especialmente no momento em que o adotado passa a integrar seu novo grupo familiar. Eis o voto de Sua Excelência: “Quando se considera que o vínculo inicial entre mãe e filho é bem jurídico a ser protegido pelo ordenamento jurídico, uma vez que a Constituição erigiu o afeto como liame ressignificador das relações familiares, mostra-se necessária a extensão da licença-maternidade à mãe adotante, de modo que ela goze do mesmo tempo da mãe biológica, para conviver com a criança ou o adolescente, e fortalecer o vínculo que deverá uni-las durante a vida. Ora, a necessidade de que a mãe adotante estabeleça uma relação parental com a criança ou o adolescente a ser adotado consiste em justificativa para um tratamento isonômico entre ambas as situações. É evidente que a mãe biológica passa por situações que a mãe adotante não experimentará. No entanto, a tarefa de integrar uma criança à família, seja de que idade for, de acostumá-lo à rotina da casa, de compreender seus medos, de auxiliá-lo a enfrentar as dores do abandono, a aceitar as alegrias de um novo lar, de despertar, enfim, nessa criança ou nesse adolescente, o amor de filho e de despertar, também em si mesma, o amor de mãe, essas tarefas não podem ser tidas como menores, a ponto de não necessitarem de período razoável de adaptação, como sustentou o acórdão recorrido (...) Ainda, a Constituição introduz o princípio do melhor interesse da criança, o qual deflui do conteúdo normativo do artigo 227 do texto constitucional. Essa ótica não permite que o texto normativo infraconstitucional possa desconsiderar toda a principiologia da Constituição, estabelecendo prazo reduzido de convivência integral do menor com a mãe adotante, com base na idade do adotando, em completa desconsideração à condição de fragilidade daquele que ingressará pela primeira vez naquele seio familiar. Todo o arcabouço de proteção à criança e ao adolescente, inaugurada em 1988, fica relegado à pequenez, se não se garantir ao adotando um período de íntimo e intenso convívio com os pais que a lei lhe concedeu, período esse determinante para a constituição da nova família enquanto locus privilegiado de desenvolvimento pleno de sua personalidade” A argumentação jurídica brilhantemente desenvolvida pelo eminente Min. EDSON FACHI à luz do art. 227 da Constituição Federal, como visto, é completamente aplicável ao caso vertente, já que a razão ontológica da licença-maternidade (instituto trabalhista) e do salário-maternidade (benefício previdenciário) repousam sobre o mesmo fundamento e finalidade: a proteção do menor. Assim sendo, deve ser garantida a concessão de salário-maternidade ao segurado, homem ou mulher, que adotar ou obtiver a guarda para adoção de criança ou adolescente. Nessa esteira, transcreve-se precedente do Egrégio TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, tendo por relator o culto Desembargador Federal CARLOS DELGADO: [...] 2) Requisitos para a obtenção do benefício de salário-maternidade A obtenção da guarda do menor F.H.M.C, para fins de adoção, restou demonstrada pela decisão e Termo de Guarda e Responsabilidade constantes nas fls. 39 e 43/44 do Processo n. 0024481-26.2020.8.26.0002 da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional II – Santo Amaro, da Comarca de São Paulo (anexo n. 02 – fls. 08/10). Analisando o CNIS da parte autora (anexo n. 09), verifica-se que o demandante possui vínculo empregatício com a empresa NÚCLEO EDUCACIONAL RENIL DO BRASIL EIRELI desde 18.01.2017, circunstância corroborada pela cópia de sua CTPS (anexo n. 02, fl. 12). Logo, presente a qualidade de segurado, na forma do art. 11, inciso I, alínea “a”, da LBPS, na data do fato gerador (16.11.2020), qual seja, a obtenção da guarda do menor F.H.M.C, para fins de adoção, pelo autor e seu cônjuge. Lado outro, tratando-se o autor de segurado empregado, resta dispensado o requisito da carência (art. 26, inciso V, da LBPS). Ainda, extrai-se do CNIS (anexo n. 08), que o cônjuge do autor, Sr. RICARDO LEITE DE MATOS, também é segurado do Regime Geral de Previdência Social, possuindo vínculo empregatício com a empresa CENTRO EDUCACIONAL GUAIAUNENSE EIRELI, desde 23.09.2019, não havendo registro de requerimento administrativo de salário-maternidade por ele apresentado, pelo que se verifica a observância das normas constantes no art. 71-A, §2º, da LBPS e no art. 93-A, §7º, do RPS. De outra banda, saliente-se que a alegação do INSS de que o autor recebe salário-maternidade, a partir de 17/11/2020, na empresa onde se encontra empregado (anexo n. 07 – fl. 15), além de incorreto, em nada infirma o direito do autor, mas antes o confirma. Primeiro, cumpre esclarecer que o segurado se encontra em gozo de licença-maternidade ou “licença-adoção” (anexo n. 02 – fl. 13), instituto jurídico afeto Direito do Trabalho, e não de salário-maternidade, benefício previdenciário que foi postulado pelo autor perante o INSS (NB 80/199.155.310-0), porém, restou indeferido. Em segundo lugar, vem à calha destacar que, nos termos do art. 71-A, §1º, da LBPS e do art. 93-A, §6º, do RPS, o pagamento do salário-maternidade, no caso concreto, cabe diretamente ao INSS. Enfim, no caso concreto, a parte autora faz jus à concessão do benefício de salário-maternidade previsto no art. 71-A da LBPS, a partir 16.11.2020. Ante o exposto, nego provimento ao recurso da parte ré. Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil e do art. 55 da Lei nº 9.099/95, considerando a baixa complexidade do tema. É o voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.