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RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0009872-91.2017.4.03.6315 RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RECORRIDO: MARIA IRIAS DOS REIS PEREIRA Advogado do(a) RECORRIDO: MARILIA APARECIDA DE OLIVEIRA ROSA - SP190733 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA: Trata-se de ação movida por MARIA IRIAS DOS REIS PEREIRA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com o objetivo de obter o benefício de APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA, a partir da data de entrada do requerimento administrativo, em 19/04/2017, mediante o cômputo de atividade rural exercida no período de 01/01/1973 a 30/12/1995. A sentença julgou procedente o pedido, condenando o réu a (i) implantar o benefício de aposentadoria por idade híbrida, com DIB na DER (19/04/2017); e (ii) pagar as prestações vencidas, corrigidas monetariamente pelo INPC e com juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009. O réu recorre, sustentando, genericamente, que a autora não comprovou o exercício de atividade rural nos períodos postulados. Sustenta, ainda, que que o § 3º do art. 48 da Lei nº 8.213/91 aplica-se tão somente aos trabalhadores rurais e deveria a autora comprovar o recolhimento de contribuições no período de trabalho rural. Requer, por isso, a improcedência da ação. Todavia, para o caso de ser mantido o benefício, pleiteia que a data de início seja fixada na data da citação. A autora ofereceu contrarrazões. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0009872-91.2017.4.03.6315 RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RECORRIDO: MARIA IRIAS DOS REIS PEREIRA Advogado do(a) RECORRIDO: MARILIA APARECIDA DE OLIVEIRA ROSA - SP190733 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA (RELATOR): Alegações genéricas De início, não conheço do recurso na parte que somente traz alegações genéricas sobre a comprovação da atividade rural exercida pela parte autora, tendo em vista que o teor genérico das razões inviabiliza sua apreciação. Nos termos do art. 42, caput, da Lei nº 9.099/95 e do art. 514, inciso II, do Código de Processo Civil, o recurso deve conter “as razões e o pedido do recorrente”, assim como “os fundamentos de fato e de direito” da irresignação. Por conseguinte, não se admite recurso genérico, nem alegações abstratas, que deixem ao juízo a atribuição de cotejar as teses formuladas pelo recorrente com os dados do caso concreto para determinar quais delas comportam análise e quais não comportam análise. Com efeito, tal procedimento não se coaduna com os princípios do contraditório, da ampla defesa e da inércia da jurisdição, que exigem da parte interessada a iniciativa de tornar claro o objeto de sua irresignação, a fim de que a outra parte possa se defender adequadamente e o juízo preservar a devida equidistância e imparcialidade. Nesse sentido: “Com efeito, o conhecimento do recurso deve ser pautado pela argumentação concreta apresentada, razão pela qual em processo individualizado, no qual são debatidas inclusive questões de fato, não cabe ao recorrente formular impugnação em abstrato, limitando-se a tecer narrativas de teses e um histórico da legislação, ao arrepio do princípio ‘iuri novit curia’, sem impugnar o caso concreto” (Autos nº 00454634020094036301, JUIZ FEDERAL PETER DE PAULA PIRES, 5ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, eDJF3 Judicial 29/06/2012). Aposentadoria híbrida Nos termos dos arts. 39, inciso I, 48 e 143 da Lei nº 8.213/91, a concessão de aposentadoria por idade ao trabalhador rural dispensa o recolhimento de contribuições para a Previdência Social, mas requer a prova do exercício de atividade rural em período “imediatamente anterior” à data do requerimento administrativo. A jurisprudência dominante tem considerado admissível que no lugar do “requerimento administrativo” seja adotada como marco temporal a data do implemento do requisito etário, mas, de qualquer sorte, trata-se de requisito inarredável: ou o segurado comprova que a atividade foi exercida em período imediatamente anterior à data em que implementou a idade mínima, ou não pode computá-la sem que comprove as contribuições correspondentes. Importante notar, ainda, que o art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.666/2003 não se aplica a esses casos de dispensa de contribuição, visto que tal dispositivo afasta o requisito da qualidade de segurado para a concessão da aposentadoria por idade tão somente para o segurado que “conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício”. Assim, caso a parte autora contasse somente com o tempo de serviço rural, de fato não lhe assistiria o direito à aposentadoria pretendida. Ocorre, no entanto, que a parte autora conta também com tempo de serviço urbano recente e, em razão desse perfil contributivo híbrido, aplica-se-lhe, por questão de isonomia, a exceção prevista no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei n.º 8.213/91, combinado com o art. 3º, inciso I, da Lei n.º 11.718/2008, verbis (grifos meus): “Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. § 1º. Os limites fixados no ‘caput’ são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. § 2º. Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. § 3º. Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. § 4º. Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do ‘caput’ do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social.” “Art. 3º. Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural, em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I – até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991; (...)” O art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a que faz referência o art. 3º da Lei n.º 11.718/2008, acima transcrito, estabelece regra de carência “ficta” aplicável ao tempo de serviço rural anterior a 25/07/1991. Nos termos desse dispositivo, a carência da aposentadoria por idade pode ser substituída pela comprovação de “exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício”. A contrapartida, nesse caso, é a limitação da aposentadoria a um salário mínimo, conforme resulta do “caput” do já citado art. 3º. O que decorre das normas acima citadas é, em suma, o seguinte: a) se o trabalhador rural contar, para efeito de carência, períodos de contribuição sob outras categorias de segurado, mas sem computar períodos de atividade rural não contributivos, aposenta-se sem a redução do requisito etário, mas com salário de benefício calculado nos termos do art. 29, caput, inciso II, da Lei n.º 8.213/91, isto é, pela “média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo”; e b) se o trabalhador rural contar, para efeito, de carência, períodos de contribuição sob outras categorias de segurado e precisar computar também períodos de atividade rural não contributivos, além de se aposentar sem a redução do requisito etário, a renda mensal de seu benefício fica limitada a um salário-mínimo. Ora, se a regra mencionada no item “b” vale para o segurado trabalhador rural que apresenta, em seu histórico contributivo, períodos de atividade urbana, não há razão para que tal regra não se aplique também, por questão de isonomia, ao trabalhador urbano que tenha exercido atividade rural. Do contrário, chegar-se-ia à seguinte inconsistência: o trabalhador que tivesse exercido atividade rural por um só dia, na véspera do requerimento da aposentadoria, poderia computar, para efeito de carência, todo o seu período de atividade, urbana ou rural, contributiva ou não, ainda que seu histórico profissional e perfil contributivo fosse predominantemente urbano, ao passo que outro trabalhador, com histórico profissional e perfil contributivo predominantemente rural, mas que tivesse exercido um só dia de atividade urbana na véspera do pedido de aposentadoria, já não poderia beneficiar-se da mesma regra. Antes das alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019 e pelo Decreto nº 10.410, de 30 de junho de 2020, esse entendimento havia sido acolhido pelo Regulamento da Previdência Social, conforme se extrai do § 4º do art. 51 do Decreto nº 3.048/99: “Art. 51 [...] [...] § 2º Os trabalhadores rurais de que trata o caput que não atendam ao disposto no § 1º, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos, se mulher. § 3º Para efeito do § 2º, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado na forma do disposto no inciso II do caput do art. 32, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo do salário-de-contribuição da previdência social. § 4º Aplica-se o disposto nos §§ 2º e 3º ainda que na oportunidade do requerimento da aposentadoria o segurado não se enquadre como trabalhador rural.” Note-se que o período de atividade rural anterior à Lei nº 8.213/91 não está sendo computado para fins de carência, mas no lugar da carência do benefício, conforme autoriza expressamente o § 2º do já citado art. 48. Por fim, não se desconhece do precedente da TNU (Tema nº 168). Todavia, o STJ, último intérprete da lei federal, tem entendimento em sentido contrário, eis que permite o cômputo de tempo de trabalho rural não contributivo e anterior à Lei nº 8.213/91 para a concessão da aposentadoria por idade híbrida, conforme o RREEsp 1674221/SP e 1788404/PR (Tema nº 1.007). Termo inicial da aposentadoria A respeito do termo inicial da aposentadoria por idade, diz o art. 49 da Lei nº 8.213/91, verbis: “Art. 49. A aposentadoria por idade será devida: I - ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir: a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou b) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo previsto na alínea “a”; II - para os demais segurados, da data da entrada do requerimento.” Portanto, havendo requerimento administrativo, esse é o marco legal para a determinação do termo inicial da aposentadoria, ainda que o direito ao benefício seja comprovado apenas em juízo. Nesse sentido é a Súmula nº 33 da Turma Nacional de Uniformização: “Súmula 33 - Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para concessão da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta data será o termo inicial da concessão do benefício.” Em recente julgado, a TNU explicou que esse entendimento vale inclusive nos casos em que a prova do direito ao benefício não foi realizada no processo administrativo: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TERMO INICIAL DA OBRIGAÇÃO. SÚMULA 33 TNU. PROVAS APRESENTADAS APENAS NO PROCESSO JUDICIAL. PRÉ-EXISTÊNCIA DO DIREITO. BENEFÍCIO DEVIDO DESDE O REQUERIMENTO. INCIDENTE IMPROVIDO. 1. Comprovada a similitude e a divergência entre o acórdão recorrido e o paradigma, oriundos de Turmas Recursais de diferentes Regiões, com indicação da fonte (Processo 00118688620054036302, 1ª Turma Recursal – SP, Rel. Juíza Federal Kyu Soon Lee, DJF3 30/06/2011), tem cabimento o incidente de uniformização. 2. Esta Turma Nacional já sumulou entendimento no sentido de que, “Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para concessão da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta data será o termo inicial da concessão do benefício” (Enunciado nº 33). A redação da súmula, entretanto, não esclarece se a orientação nela exposta também se aplica aos casos em que a prova do direito ao benefício não foi realizada no processo administrativo. 3. Para a análise do direito ao benefício, é indiferente saber se as provas apresentadas na ação judicial constaram do processo administrativo. Com efeito, se é certo que a avaliação realizada no processo administrativo levou em consideração o conjunto probatório então existente, e que a autarquia previdenciária não poderia conceder o benefício com base em provas que não haviam sido apresentadas naquele momento, é não menos certo que a ação judicial julga não apenas a correção e legalidade do ato administrativo de indeferimento, mas o próprio direito ao benefício postulado. Pensar de forma contrária (que a ação judicial julga apenas se o ato de indeferimento foi praticado corretamente, de acordo com as provas apresentadas no processo administrativo) implicaria reconhecer que eventual sentença de improcedência jamais faria coisa julgada material, pois a sentença avaliaria apenas a legalidade daquele ato específico (NB), não obstando que o autor formulasse outros requerimentos administrativos, tantos quantos desejasse, e sempre pudesse propor novas ações judiciais para avaliar a legalidade destes novos atos de indeferimento. 4. Mas não é assim. A sentença que julga pretensão a determinado benefício previdenciário avalia a existência do próprio direito ao benefício, com base em todos os fatos alegados como causa de pedir e provas que vierem a ser apresentadas, e não apenas se as provas existentes no processo administrativo eram suficientes para o seu deferimento. A sentença assim prolatada formará, inclusive, coisa julgada material, a impedir a propositura de ação idêntica, com base nos mesmos fatos (mesmo tempo de contribuição), ainda que a parte apresente provas diversas daquelas apresentadas na ação anterior, pois provas não são elementos identificadores da ação (art. 301, § 2º do CPC). 5. Ademais, a sentença judicial não constitui o direito do autor, apenas declara um direito pré-existente e condena o réu a satisfazê-lo. Com efeito, não se deve confundir a existência de um direito com a prova da sua existência. Se a parte comprova o direito ao benefício previdenciário apenas durante a ação judicial, mas demonstra que o direito já existia desde a época do requerimento administrativo – apenas não havia sido provado - nada obsta o reconhecimento do direito e a condenação ao pagamento das prestações devidas desde aquela data. 6. A condenação da autarquia ao pagamento de prestações vencidas antes da ação não deve ser interpretada como uma sanção ou censura à conduta administrativa de indeferimento. A sanção prevista em lei para o atraso são os juros moratórios – que, nesse caso, não são devidos. O pagamento das prestações anteriores à ação é mera satisfação de um direito, sem qualquer juízo sobre culpa ou responsabilidade pela não satisfação anterior, que pode até ser do próprio segurado. 7. Incidente de Uniformização conhecido e desprovido. (PEDILEF 50095171520124047003, JUIZ FEDERAL ANDRÉ CARVALHO MONTEIRO, TNU, DOU 21/06/2013 pág. 105/162.) Revela-se, portanto, infundada a fixação do termo inicial do benefício em qualquer outra data senão naquela prevista no art. 49 da Lei nº 8.213/91. Diante do exposto, não conheço do recurso da parte ré quanto a parte genérica e, na parte remanescente, nego-lhe provimento. Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil e do art. 55 da Lei nº 9.099/95, considerando a baixa complexidade do tema. É o voto.
E M E N T A
Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001.