Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002853-14.2018.4.03.6181

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, SIDNEI BATISTA SFACIOTI, ANTONIO LIMA

Advogado do(a) APELANTE: DAVI FERREIRA DOS SANTOS - SP388471-A
Advogado do(a) APELANTE: DAVI FERREIRA DOS SANTOS - SP388471-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002853-14.2018.4.03.6181

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, SIDNEI BATISTA SFACIOTI, ANTONIO LIMA

Advogado do(a) APELANTE: DAVI FERREIRA DOS SANTOS - SP388471-A
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APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Trata-se de apelações criminais interpostas por PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, SIDNEI BATISTA SFACIOTI e ANTONIO LIMA em face da sentença proferida pelo Juízo da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo.

Narra a denúncia (ID 197565082 – pag. 4/18):

 

“Consta do inquérito policial em anexo que no dia 14 de janeiro de 2017, em atendimento à denúncia formulada pelo COPOM, policiais militares ambientais deslocaram-se a um bar localizado na Rua João Lourenço de Araújo, no 222, no bairro Freguesia do ó, em São Paulo/SP onde ocorria uma ‘cantoria de pássaros’ e, em situação de flagrância, encontraram 7 (sete) aves silvestres no imóvel, pertencentes a 6 (seis) proprietários diferentes, ora denunciados, em situação irregular, vez que eram mantidas sem a respectiva autorização do IBAMA (em desacordo com a IN IBAMA nº 10/2011), conforme boletins de ocorrência ambiental de fls. 10/21 e 34/42. A procedência irregular das referidas aves é comprovada, pois, dos 7 (sete) animais apreendidos, 6 (seis) portavam anilhas falsas e 1 (um) portava anilha recreativa, ou seja, incapaz de legitimar a posse de uma ave silvestre nos termos da legislação.

Convém salientar que a anilha é um documento federal materializador de um sinal público, emitido pelo IBAMA, semelhante a um anel de metal, preso à pata do animal, cujo objetivo é a identificação de passeriformes silvestres para controle do IBAMA nos termos da legislação vigente (IN 10/2011). Toda ave silvestre pertencente a criador passeriforme registrado no IBAMA deve portar referido sinal público fornecido pelo IBAMA, utilizado para comprovar que o animal que a ostenta está devidamente regularizado perante o referido órgão.

As aves silvestres apreendidas na diligência acima mencionada, realizada em 14 de janeiro de 2017 em um bar, onde ocorria uma ‘cantoria de pássaros’, pertenciam a seis proprietários diferentes, a saber, os, ora denunciados: PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, SIDNEI BATISTA SFACIOTI BRUNO FRANCISCO DE LIMA, LEANDRO FARIAS MOURA, ANTONIO LIMA e JOSÉ RODRIGUES ARAUJO. Após esta primeira apreensão, o juízo deferiu pedido de busca e apreensão na casa dos investigados, e foram cumpridos os mandados de busca e apreensão em desfavor de PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, SIDNEI BATISTA SFACIOTI, BRUNO FRANCISCO DE LIMA e LEANDRO FARIAS MOURA. Foram encontrados animais silvestres em situação irregular na residência de todos os denunciados acima mencionados, com exceção da residência do denunciado PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, na qual nenhum animal silvestre em situação irregular foi encontrado, como será minuciosamente descrito nesta denúncia. Não foi possível o cumprimento do mandado de busca e apreensão na residência dos denunciados ANTONIO LIMA e JOSÉ RODRIGUES ARAUJO, já que estes aparentemente mudaram de endereço.

[...] ANTONIO LIMA incorreu nos crimes previstos nos art. 29, § 1º, III da Lei n0 9.605/98 c.c. art. 32 da Lei n0 9.605/98 e art. 296, § 1º, III do Código Penal, em concurso material de condutas. [...] JOSÉ RODRIGUES ARAUJO incorreu no crime previsto no art. 29, § 1º, III da Lei n0 9.605/98. [...] PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES incorreu nos crimes previstos nos art. 29, § 1º, III da Lei n0 9.605/98 e art. 296, § 1º, IIII do Código Penal, em concurso material de condutas. [...] o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia SIDNEI BATISTA SFACIOTI como incurso nos art. 296, § 1º, III do Código Penal, art. 29 § 1º, inciso III c.c. § 4º, inciso I e art. 32 da Lei n0 9.605/98, em concurso material de condutas. [...] o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia BRUNO FRANCISCO DE LIMA como incurso nos art. 296, § 1º, III do Código Penal, art. 29, § 1º, inciso III e art. 32 da Lei n0 9.605/98, em concurso material de condutas. [...] o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia LEANDRO FARIAS MOURA como incurso nos art. 296, § 1º, III do Código Penal, art. 29, § 1º, inciso III c.c. art. 32 da Lei n0 9.605/98, em concurso material de condutas”.

 

Denúncia recebida em 03/09/2018 (ID 197565082 – pag. 19/24).

Extinção da punibilidade de José Rodrigues Araújo com fundamento no art. 89, §5º da Lei 9.099/95 (ID 197565181).

Os réus Leandro Farias Moura e Bruno Francisco de Lima aceitaram o acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP). Os acusados Sidnei e Paulo recusaram a proposta de ANPP (ID 197565136).

Após regular instrução, o Juízo da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo proferiu a sentença ID 197565194, publicada em 18/08/2021, por meio da qual:

i) condenou Antonio Lima pela prática dos crimes previstos no art. 29, §1º, III, da Lei nº 9.605/98, no art. 32 da Lei nº 9.605/98 e no art. 296, §1º, III, do CP, c.c. 69 do CP, à pena de 02 anos de reclusão e 09 meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 30 dias multa no valor unitário mínimo legal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo;

ii) condenou Sidnei Batista Sfacioti pela prática dos crimes previstos no art. 29, §1º, III, c.c. §4º, I, da Lei nº 9.605/98, art. 32 da Lei nº 9.605/98 e art. 296, §1º, III, do CP, c.c. 69 do CP, à pena de 02 anos, 06 meses e 15 dias de reclusão e 01 ano, 03 meses e 07 dias de detenção, em regime inicial aberto, além do pagamento de 40 dias multa no valor unitário mínimo legal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 02 salários mínimos. O réu foi condenado ao pagamento das custas processuais;

iii) condenou Paulo Eduardo da Silva Gomes pela prática dos crimes previstos no art. 296, §1º, III, do Código Penal e no art. 29, §1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98 c.c. 69, do CP, à pena de 02 anos de reclusão e 06 meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias multa no valor unitário mínimo legal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo. O réu foi condenado ao pagamento das custas processuais.

A Defensoria Pública da União interpôs apelação em favor de Antonio Lima. Pede a absolvição em relação ao crime do art. 296, §1º, III do CP por não restar demonstrado o dolo, uma vez que o réu desconhecia a falsidade das anilhas. Pugna pela absolvição quanto ao crime do art. 32 da Lei 9.605/98, diante da ausência de provas de autoria em relação aos maus tratos. Pede a absolvição do crime do art. 29, §1º, III da Lei 9.605/98 por ausência de prova do elemento subjetivo do tipo penal, ao menos em relação à ave cadastrada no plantel do acusado. Por fim, pede a aplicação do perdão judicial previsto no art. 29, §2º da Lei 9.605/98 (ID 197565207).

A defesa de Paulo Eduardo interpôs apelação (ID 197565208). Em suas razões recursais, pleiteia a aplicação do princípio da insignificância. Pede a absolvição quanto aos crimes do art. 296, §1º, III do CP e art. 29, §1º, III da Lei 9605/98 por ausência de dolo, uma vez que o réu desconhecia a falsificação das anilhas. Sustenta a ocorrência de erro de tipo. Subsidiariamente, pugna pela aplicação do princípio da consunção, para que o delito de falsificação seja absorvido pelo crime do art. 29, §1º, III da lei 9.605/98. Por derradeiro, pede a aplicação do perdão judicial previsto no art. 29, §2º da lei 9.625/98 (ID 197565221).

A defesa de Sidnei Batista interpôs apelação (ID 197565209). Nas razões recursais apresentadas no ID 197565222, pede a aplicação do princípio da insignificância. Pugna pela absolvição quanto aos crimes do art. 296, §1º, III do CP e art. 29, §1º, III da Lei 9605/98 por ausência de dolo, uma vez que o réu desconhecia a falsificação das anilhas. Sustenta a ocorrência de erro de tipo. Alega, ainda, a configuração do crime impossível, tendo em vista que o réu não possuía registro no SISPASS, de modo que “de nada adiantaria utilizar-se de anilhas falsificadas ou adulteradas, posto que, para a criação das aves é obrigatório o cadastro no IBAMA”. Pleiteia a absolvição quanto ao crime de maus tratos, alegando que não ficou comprovado que as lesões identificadas nas aves foram causadas pelo acusado. Por derradeiro, pede a aplicação do perdão judicial previsto no art. 29, §2º da lei 9.625/98 (ID 197565222).

Contrarrazões pelo desprovimento das apelações (ID 197565226).

Em parecer, a Procuradoria Regional da república opinou pelo não provimento das apelações (ID 203796946).

É o relatório.

À revisão.

 

 


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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002853-14.2018.4.03.6181

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APELANTE: PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, SIDNEI BATISTA SFACIOTI, ANTONIO LIMA

Advogado do(a) APELANTE: DAVI FERREIRA DOS SANTOS - SP388471-A
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V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço das apelações interpostas por PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, SIDNEI BATISTA SFACIOTI e ANTONIO LIMA.

I - Antonio Lima - art. 29, §1º, III da Lei nº 9.605/98; art. 32 da Lei nº 9.605/98 e art. 296, §1º, III, do CP.

O apelante Antonio Lima foi condenado pela prática dos seguintes crimes:

 

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas:

[...] III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

 

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:      

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

 

Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:

I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;

II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 1º - Incorre nas mesmas penas:

I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado;

II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.

III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública

 

A materialidade e a autoria dos crimes previstos no art. 296, §1º, I do CP; no art. 29, §1º, III da Lei nº 9.605/98 e no art. 32 da Lei nº 9.605/98 estão demonstradas através do auto de apreensão (ID 197564429 – pag. 13); auto de infração ambiental (ID 197564429 – pag. 26/27); boletim de ocorrência ambiental (ID 197564429 – pag. 43); laudo de perícia criminal federal nº 2596/2017 (ID 197564429 – pag. 52/68); parecer técnico do Centro de Recuperação de Animas Silvestres do Parque Ecológico do Tietê (ID 197564429 – pag. 96/97); consulta SISPASS de Antonio Lima (ID 197564429 – pag. 161/197); ficha de controle de entrada de animais do Centro de Recuperação de Animais Silvestres – CRAS/PET, de 16/01/2017 (ID 197564429 pag. 10) e prova testemunhal produzida na fase investigativa e em juízo.

No tocante ao delito do art. 296, §1º, III do CP, deve ser aplicado o instituto da emendatio libelli para que o réu seja condenado pela prática do delito do art. 296, §1º, I do CP, uma vez que o conjunto probatório demonstra que o réu fez uso indevido de selo ou sinal falsificado. Com efeito, não há comprovação de que o acusado foi o autor da falsificação, mas apenas que fez uso de selo ou sinal falso.

Aliás, a denúncia descreve expressamente que o acusado utilizou indevidamente anilhas falsas, como se verifica a seguir: “A procedência irregular das referidas aves é comprovada, pois, além de tais aves não estarem cadastradas no plantel do denunciado no sistema SISPASS do IBAMA, ambas as aves portavam anilhas falsas, alteradas, falsificadas, e utilizadas indevidamente por ANTONIO LIMA”.

Assim é perfeitamente cabível a modificação da classificação jurídica neste momento processual, considerando que o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica.

Ademais, não há óbice em relação à aplicação da emendatio libelli em segundo grau, ainda que em exame de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitado o montante final da pena fixada no édito recorrido, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, e em linha com a prescrição do artigo 617 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, cito precedentes do STJ:

 

PROCESSO PENAL - HABEAS CORPUS - EMENDATIO LIBELLI - POSSIBILIDADE NA SEGUNDA INSTÂNCIA, DESDE QUE OBEDECIDO O LIMITE IMPOSTO NO ARTIGO 617 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, EM SE TRATANDO DE RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA - NOVA CAPITULAÇÃO QUE PARTIU DE PENA MÍNIMA CONSISTENTE EM QUANTITATIVO NO DOBRO DA PENA MÍNIMA ANTERIOR - IMPOSSIBILIDADE - PENA FINAL QUE RESULTOU NO DOBRO DA PENA DEVIDA - ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR A EMENDATIO LIBELLI E REESTRUTAR A PENA IMPOSTA. É possível, por ocasião da sentença, dar aos fatos narrados na denúncia nova capitulação, mesmo que esta venha a resultar em pena mais grave, pois a defesa é feita quanto aos fatos, logo, não ocorre quebra do princípio da correlação entre a acusação e a sentença. É possível ao tribunal efetuar a emendatio libelli, mas o legislador lhe impôs, em caso de recurso exclusivo da defesa, uma limitação: a pena não pode ser agravada. Se feita a emendatio libelli em segunda instância, a pena mínima do novo crime é o dobro daquela prevista na capitulação contida na sentença e se o acórdão modifica o entendimento quanto à análise das circunstâncias judiciais, considerando-as totalmente favoráveis ao réu, fixando-lhe pena mínima, impossível efetuar-se a emendatio, pois resultará em pena maior que a devida em face do novo entendimento sobre tais circunstâncias. Ordem concedida para restabelecer a capitulação feita na sentença e reestruturar a pena conforme a análise das circunstâncias judiciais feita pelo tribunal a quo.  (HC 200802323085, JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:02/03/2009 ..DTPB:.)

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. ALTERAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI. ART. 383 DO CPP. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. I - O réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória e não da capitulação jurídica dada na denúncia. II - Assim sendo, a adequação típica pode ser alterada tanto pela sentença quanto em segundo grau, via emendatio libelli. III - Mesmo havendo recurso exclusivo da defesa, não causa prejuízos ao réu o fato de o tribunal adequar a capitulação para o delito de roubo majorado tentado, tendo o réu sido condenado em primeira instância por roubo majorado consumado. Recurso provido.  (RESP 200702533828, FELIX FISCHER, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:20/10/2008 ..DTPB:.)

 

Postos os fundamentos acima, e de ofício, procedo à emendatio libelli no que tange à imputação de prática do crime de uso de selo ou sinal público falso, recapitulando-a para o artigo 296, §1º, I do CP.

Pois bem.

O criador amador ANTONIO LIMA (CTF n. 385101), de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro, 02 (dois) pássaros silvestres, por ele adquiridos de terceiro de identidade e paradeiro ignorados, consistentes em 02 (dois) trinca-ferro ou picharro (Saltator similis), portando anilhas adulteradas (anilha IBAMA OA 3,5 278442 adulterada por alargamento e anilha IBAMA OA 3,5 561235 falsa por contrafação), em nítido desacordo com eventual licença, permissão ou autorização obtida junto ao órgão ambiental competente, nos termos do artigo 32, inciso II, da Instrução Normativa IBAMA n. 10/2011, condutas que se amoldam ao art. 296, §1º, I do CP e art. 29, §1º, III da Lei 9.605/98.

Além disso, a perícia constatou que a ave vinculada à anilha IBAMA OA 3,5 278442 apresentou lesões rostrais e mobilidade da articulação intertarsal. Já a ave com a anilha IBAMA OA 3,5 561235 apresentou baixo índice corporal; lesão de ponta de asa, lesões rostrais e calo ósseo no tibiotarso, estando configurado o delito do art. 32 da Lei 9.605/98.  De acordo com a perícia, os animais apresentaram sinais compatíveis com a captura por meio de arapucas, por exemplo, as lesões rostrais, lesão de ponta de asa e lesões lineares de dorso ou nuca. Também foram identificados sinais de que os pássaros foram anilhados incorretamente, em idade adulta (mobilidade da articulação intertarsal, calo ósseo no tibiotarso, calo ósseo no metatarso).

Os pássaros foram apreendidos por policiais militares ambientais, no dia 14/01/2017, em um bar situado na Rua João Lourenço de Araujo, nº 222, bairro Freguesia do Ó, em São Paulo/SP. Os policiais dirigiram-se ao local onde ocorria uma “competição de canto”. Naquela ocasião, além das duas aves pertencentes a Antonio Lima, foram apreendidos outros cinco pássaros silvestres.

Perante a autoridade policial Antonio Lima declarou: é criado amador cadastrado no IBAMA (CTF 385101); nunca comercializou aves, apenas realizou transferências, sendo que todas as operações foram cadastradas no SISPASS; no dia da apreensão policial, estava em um bar, com outros criadores de pássaros; uma das aves apreendidas em seu poder estava cadastrada em seu plantel; as duas aves haviam sido adquiridas de uma pessoa de Presidente Prudente/SP, que não se recorda o nome; recebeu os pássaros com as respectivas anilhas; não sabe dizer se as anilhas eram autênticas ou foram adulteradas; cria pássaros há muito tempo, por “hobby”; gosta muito dos animais, por isso os mantém em cativeiro; possuía outros picharros devidamente registrados; as aves eram bem tratadas (ID 197564429 – pag. 39).

Em juízo, Antonio Lima declarou que havia se reunido em um bar para um churrasco. Alguém fez uma denúncia. No local, foram apreendidos dois picharros de sua propriedade. Tinha autorização. É cadastrado no IBAMA. Não sabe se as anilhas estavam adulteradas. Adquiriu os pássaros com as anilhas, em Presidente Prudente, no ano de 2015. Possuía esses pássaros há 02 anos. Acreditava que a transferência havia sido regular. Pagou R$600,00 por cada pássaro. Suas aves eram bem cuidadas. As gaiolas de seus pássaros possuíam o gancho dourado. As gaiolas com as aves apreendidas no bar foram colocadas na carroceria da viatura, uma ao lado da outra, o que pode ter causado as lesões. Seus pássaros não tinham lesão alguma. Nunca levou os pássaros ao veterinário. É criador amador desde pouco antes de 2005 (ID 197565159).

Em juízo, foram ouvidas as testemunhas Diego Armando de Ataide Tavares, Natanael Américo da Silva, Gabriel Diniz, Ronaldo José da Silva e Jorge Nunes de Oliveira Junior (ID 197565136). As testemunhas confirmaram a apreensão das aves silvestres em situação irregular e o encaminhamento dos pássaros ao Centro de Recolhimento no Parque Tietê.

Muito embora algumas testemunhas tenham declarado que no momento da diligência não foi possível identificar lesões nos pássaros silvestres, o crime de maus tratos está suficientemente comprovado através da prova pericial. Nesse particular, ressalte-se que, apesar da experiência no ramo, os policiais não possuem o conhecimento técnico específico, já que não são peritos, além do que, no momento da diligência, os pássaros não são analisados individualmente e com a minúcia necessária para a constatação de eventuais ferimentos. Acrescento, ainda, que a perícia identificou lesões comumente causadas pelo uso indevido de anilhas, como calos e problemas na articulação, o que afasta a alegação da defesa, no sentido de que os ferimentos foram causados durante o transporte realizado pela polícia. Nessa esteira, a autoria está demonstrada.

O dolo do acusado está evidenciado especialmente em razão da experiência como criador amador de passeriformes cadastrado no IBAMA desde 2013, salientando-se que, em seu interrogatório, Antonio declarou que desde o ano de 2005 se dedica a essa atividade. Os dois pássaros pertencentes ao réu, que foram apreendidos durante a competição de cantoria, possuíam anilhas adulteradas e nas respectivas aves foram identificadas lesões compatíveis com a utilização indevida de anilhas. Outrossim, o denunciado apenas alega, sem, contudo, comprovar, que recebeu de boa-fé os pássaros anilhados de um indivíduo em Presidente Prudente. O fato de que a anilha IBAMA OA 3,5 278442 estava cadastrada no plantel de Antonio Lima não afasta o dolo da conduta, uma vez que o alargamento do sinal identificador permite que a anilha seja utilizada indevidamente em outros pássaros. A adulteração da anilha pode ser identificada em uma análise mais detida, especialmente por quem possui expertise no ramo, como é o caso do apelante. Acrescento que as testemunhas Gabriel Huerte Diniz e Jorge Nunes de Oliveira Júnior, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, declararam que havia sinais de adulteração das anilhas. In casu, a falsificação das anilhas não passaria despercebida por um experiente criador de passeriformes.

Destarte, restam suficientemente comprovadas a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, no mínimo eventual, em relação à prática dos delitos previstos no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98 e no art. 32 da Lei 9.605/98, em concurso material entre si, não se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos penalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre), à míngua de qualquer das causas de absolvição previstas no artigo 386 do Código de Processo Penal.

A propósito, não se vislumbra nos autos eventual incidência do princípio da insignificância, em relação a qualquer dos delitos ora imputados, ainda que abrangendo a apreensão de apenas 02 (dois) espécimes de pássaros silvestres (portando na ocasião anilhas do IBAMA sabida e comprovadamente adulteradas em seus respectivos tarsos), uma vez que os bens jurídicos penalmente tutelados não se limitam à proteção daqueles exemplares individualmente considerados, mas da própria fé pública e do ecossistema como um todo, sob a perspectiva do direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, no interesse das presentes e futuras gerações, nos termos do artigo 225, caput, da Constituição Federal.

Nessa linha, colaciono aresto desta E. Corte (grifos nossos):

 

PENAL - CRIME CONTRA A FAUNA - ARTIGO 29, § PRIMEIRO, INCISO III DA LEI 9.605/98 - ARTIGO 306 DO CÓDIGO PENAL - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS DEMONSTRADAS - ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL OBSERVADO - DOSIMETRIA DA PENA CORRETA - RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA. 1. A materialidade restou comprovada por meio do Auto de Prisão em Flagrante Delito de fls. 02/11, pelo Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação de fls. 15/20, pelo Laudo de Constatação Preliminar de fls. 44/46 e pelo Laudo de Exame Documentoscópico (Autenticidade Documental) de fls. 117/123. [...] 4. O bem juridicamente tutelado não se resume na proteção de alguns espécimes, mas sim ao ecossistema, como um todo, que está ligado, intimamente, à política de proteção ao meio ambiente, como direito fundamental do ser humano, direito de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Na verdade, a lei cuida, não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade hodierna, como também das futuras gerações, em obediência ao princípio da solidariedade em relação aos que estão por vir, previsto no artigo 225 da Carta Magna (direito fundamental de terceira geração). 5. Assim, conclui-se que o direito ao meio ambiente equilibrado é assegurado pela Constituição Federal como um direito fundamental de terceira geração, que está diretamente relacionado com o direito à vida das presentes e das futuras gerações, não podendo o judiciário violar a intenção do legislador, expressa na lei, que teve como substrato a obrigatoriedade da proteção ambiental, estampado no artigo 225, da Constituição Federal, ao proclamar que o Poder Público e a coletividade devem assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. Princípio da insignificância inaplicável. [...] 9. Recurso da defesa desprovido. Sentença mantida. (TRF3, Apelação Criminal 0009304-04.2009.4.03.6106/SP, 5ª Turma, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 31/03/2014).

 

Tampouco há de se cogitar erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável, seja evitável) ou sobre os elementos do tipo, ou mesmo eventual excludente de culpabilidade, incompatível com o presente contexto delitivo, sobretudo por se tratar de experiente criador amador de passeriformes cadastrado no IBAMA. Ademais, diante das circunstâncias do caso concreto, em que além da guarda em cativeiro sem autorização da autoridade competente foram identificados maus tratos aos pássaros e uso de anilhas identificadoras falsificadas, não se mostra cabível a concessão do perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98.

II - Paulo Eduardo da Silva Gomes - art. 29, §1º, III da Lei nº 9.605/98 e art. 296, §1º, III, do CP.

O apelante Paulo Eduardo da Silva Gomes foi condenado pela prática dos seguintes crimes: art. 296, §1º, III, do Código Penal e no art. 29, §1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98 c.c. 69, do CP.

De início, não há de se falar em conflito aparente de normas, como alega a defesa, entre os tipos penais descritos no artigo 296, § 1º, I do Código Penal (uso de anilhas do IBAMA/SISPASS falsas ou adulteradas) e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito-fim).

Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção.

A respeito da inaplicabilidade do princípio da consunção em face de condutas delitivas análogas àquelas ora imputadas, em concurso material, na presente ação penal, colaciono aresto deste E-TRF3 :

 

PENAL. CRIMES AMBIENTAIS. FALSIDADE DE SELO OU SINAL PÚBLICO. CRIMES CONTRA A FAUNA. PÁSSAROS SILVESTRES EM CATIVEIRO SEM A NECESSÁRIA LICENÇA E COM ANILHAS ADULTERADAS. PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. NULIDADE DA PERÍCIA TÉCNICA. INEXISTENTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DESCABIMENTO. DOLO CONFIGURADO. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA. 1. Policiais federais e agentes do IBAMA estiveram na residência do apelante e deram cumprimento a mandado de busca e apreensão, ali encontrando 12 pássaros da fauna silvestre nacional de diversas espécies com anilhas, em doze gaiolas, cinco das quais incompatíveis com as características dos pássaros que ali se encontravam. Além disso, encontraram um papagaio sem qualquer identificação. 2. No tocante a alegação de imprestabilidade da prova pericial, como bem ressalvado pelo eminente juízo de primeiro grau por ocasião da sentença, a acusação não é de falsificação das anilhas para identificação de aves, mas sim, do uso de anilhas falsificadas, e ainda, não obstante constar a ausência de lacre quando do recebimento do material a ser periciado, o fato é que não há divergência em relação às anilhas apreendidas na residência do réu. 3. De qualquer forma, a prova técnica se baseou na elaboração de laudo documentoscópico e foi objeto de impugnação posterior pela defesa do apelante no curso da ação penal, sendo que durante o exercício regular do contraditório nenhuma prova foi capaz de elidi-la, sendo descabida a pretensão recursal neste tópico. 4. O apelante detinha licença da autoridade competente para a guarda de aves, porém, tal licença expirou em 31 de julho de 2008, ou seja, mais de um ano antes da data dos fatos. Todas as aves, portanto, estavam em situação irregular. A autoria é inconteste, sendo certo que os pássaros foram encontrados na residência do réu, configurando situação de flagrante delito, e o apelante não logrou êxito em provar que os pássaros apreendidos já foram adquiridos com as respectivas anilhas. Observo que o ora apelante é criador de pássaros e possuía familiaridade com os trâmites e procedimentos para a regularização da guarda das aves perante o IBAMA, não restando dúvida quanto à sua responsabilização, restando devidamente demonstrado o elemento subjetivo do tipo (dolo). 5. O apelante invoca em seu favor a aplicação do princípio da consunção, sob o argumento de que o delito previsto no artigo 296, § 1º, inciso III, do CP, constitui meio para a consecução do crime previsto no artigo 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98. Contudo, não há que se falar em absorção de um delito por outro. Os crimes pelos quais o apelante foi condenado tutelam bens jurídicos diversos e decorrem de ações diversas. A adulteração de anilhas não é crime de passagem para a consumação do delito de guarda ilegal de pássaros. As condutas são autônomas, sendo, portanto, inaplicável o princípio da consunção ao caso concreto em exame. 6. Apelação do réu desprovida. (ACR 0009303-19.2009.4.03.6106, 2ª Turma - TRF3, Rel. Juiz Convocado Fernão Pompêo, e-DJF3 Judicial 1 18/12/2013, g.n.)

 

Portanto, fica devidamente afastada a incidência do princípio da consunção no caso em apreço.

A materialidade e a autoria dos crimes previstos no art. 296, §1º, I do CP e no art. 29, §1º, III da Lei nº 9.605/98 estão demonstradas através do auto de apreensão (ID 197564429 – pag. 13); auto de infração ambiental (ID 197564429 – pag. 24/25); boletim de ocorrência ambiental (ID 197564429 – pag. 43); laudo de perícia criminal federal nº 2596/2017 (ID 197564429 – pag. 52/68); parecer técnico do Centro de Recuperação de Animas Silvestres do Parque Ecológico do Tietê (ID 197564429 – pag. 96/97); consulta SISPASS de Paulo Eduardo (ID 197564429 – pag. 144/160); ficha de controle de entrada de animais do Centro de Recuperação de Animais Silvestres – CRAS/PET, de 16/01/2017 (ID 197564429 pag. 10) e prova testemunhal produzida na fase investigativa e em juízo.

No tocante ao delito do art. 296, §1º, III do CP, deve ser aplicado o instituto da emendatio libelli para que o réu seja condenado pela prática do delito do art. 296, §1º, I do CP, uma vez que o conjunto probatório demonstra que o réu fez uso indevido de selo ou sinal falsificado. Com efeito, não há comprovação de que o acusado foi o autor da falsificação, mas apenas que fez uso de selo ou sinal falso.

Aliás, a denúncia descreve expressamente que o acusado utilizou indevidamente anilhas falsas, como se verifica a seguir: “A procedência irregular da referida ave é comprovada, pois, além de tal ave não estar cadastrada no plantel do denunciado no sistema SISPASS do IBAMA (fis. 120 -verso), tal ave portava anilha falsa, alterada, falsificada e utilizada indevidamente por PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES”.

Assim é perfeitamente cabível a modificação da classificação jurídica neste momento processual, considerando que o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica.

Ademais, não há óbice em relação à aplicação da emendatio libelli em segundo grau, ainda que em exame de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitado o montante final da pena fixada no édito recorrido, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, e em linha com a prescrição do artigo 617 do Código de Processo Penal.

Postos os fundamentos acima, e de ofício, procedo à emendatio libelli no que tange à imputação de prática do crime de uso de selo ou sinal público falso, recapitulando-a para o artigo 296, §1º, I do CP.

O criador amador de passeriformes PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, cadastrado no IBAMA desde 16/07/2011, de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro, 01 pássaro silvestre, por ele adquirido, consistente em 01 coleirinha (Sporophila caeruslescens) portando anilha adulterada (anilha IBAMA 05-06 2,2 087115 falsa por contrafação - cortada), em nítido desacordo com eventual licença, permissão ou autorização obtida junto ao órgão ambiental competente, nos termos do artigo 32, inciso II, da Instrução Normativa IBAMA n. 10/2011, condutas que se amoldam ao art. 296, §1º, I do CP e art. 29, §1º, III da Lei 9.605/98.

O pássaro foi apreendido por policiais militares ambientais, no dia 14/01/2017, em um bar situado na Rua João Lourenço de Araujo, nº 222, bairro Freguesia do Ó, em São Paulo/SP. Os policiais dirigiram-se ao local onde ocorria uma “competição de canto”. Naquela ocasião, além da ave pertencente a Paulo Eduardo, foram apreendidos outros seis pássaros silvestres.

Perante a autoridade policial Paulo Eduardo declarou: é criador amador desde 2011; não comercializa pássaros, apenas transferências registradas no SISPASS; reuniu-se no dia 14/01/2017 na casa de uma pessoa chamada José, para ouvir os pássaros cantarem; possuía apenas um coleirinha, em sua gaiola individual; a polícia ambiental apreendeu aves silvestres; recebeu seu pássaro uma semana antes, como doação de Bruno, que lhe disse que a ave estava regular e a transferência seria realizada no SISPASS; recebeu a ave anilhada; não sabia se a anilha era verdadeira ou falsificada; cria pássaros por hobby, e por isso os mantem em cativeiro; cuida bem de seus pássaros (ID 197564429 – pag. 73).

Em seu interrogatório judicial, Paulo Eduardo declarou que havia sido convidado para uma cantoria. Com a chegada dos policiais, algumas pessoas fugiram. Permaneceu no local porque seu pássaro estava regularizado. É criador registrado desde 2011. Na época dos fatos, possuía um trinca-ferro e dois passarinhos com nota fiscal. A polícia federal esteve em sua residência no ano de 2018 e nada de ilegal foi encontrado. Foi convidado para participar da cantoria e levou o passarinho que havia recebido de doação. Existiam mais de 20 pessoas no bar. Conhece Sidnei e Antonio. Seus pássaros eram tratados de forma adequada. Algumas pessoas abandonaram pássaros com a chegada dos policiais. As aves foram levadas “amontoadas”. A nota fiscal, que é diferente do SISPASS, permite transitar com o passarinho (ID 197565165).

As testemunhas ouvidas em juízo confirmaram a apreensão da ave em situação irregular.

O dolo está evidenciado especialmente em razão da natureza da adulteração – corte – e o fato de que o acusado, na época dos fatos, possuía larga experiência como criador amador. Sem dúvida, o corte no sinal identificador do pássaro é facilmente perceptível, o que revela o dolo do apelante, conhecedor das normas para criação de passeriformes. Ademais, o pássaro não estava cadastrado em seu plantel. Desse modo, o réu manteve em cativeiro animal silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente e ainda fez uso de sinal identificador falso.

Destarte, restam suficientemente comprovadas a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu em relação à prática dos delitos previstos no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, em concurso material entre si, não se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos penalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre), à míngua de qualquer das causas de absolvição previstas no artigo 386 do Código de Processo Penal.

A propósito, não se vislumbra nos autos eventual incidência do princípio da insignificância, em relação a qualquer dos delitos ora imputados, uma vez que os bens jurídicos penalmente tutelados não se limitam à proteção daquele exemplar individualmente considerado, mas da própria fé pública e do ecossistema como um todo, sob a perspectiva do direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, no interesse das presentes e futuras gerações, nos termos do artigo 225, caput, da Constituição Federal.

Tampouco há de se cogitar erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável, seja evitável) ou sobre os elementos do tipo, ou mesmo eventual excludente de culpabilidade, incompatível com o presente contexto delitivo, sobretudo por se tratar de experiente criador amador de passeriformes cadastrado no IBAMA. Ademais, diante das circunstâncias do caso concreto, em que além da guarda em cativeiro sem autorização da autoridade competente, foi utilizada anilha identificadora falsificada, não se mostra cabível a concessão do perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98.

III – Sidnei Batista Sfacioti - art. 29, §1º, III, c.c. §4º, I, da Lei nº 9.605/98; art. 32 da Lei nº 9.605/98 e art. 296, §1º, III, do CP.

A materialidade e a autoria dos crimes previstos no art. 296, §1º, I do CP; no art. 29, §1º, III da Lei nº 9.605/98 e no art. 32 da Lei nº 9.605/98 praticados em 14/01/2017 estão demonstradas através do auto de apreensão (ID 197564429 – pag. 13); auto de infração ambiental (ID 197564429 – pag. 20/21); boletim de ocorrência ambiental (ID 197564429 – pag. 43); laudo de perícia criminal federal nº 2596/2017 (ID 197564429 – pag. 52/68); parecer técnico do Centro de Recuperação de Animas Silvestres do Parque Ecológico do Tietê (ID 197564429 – pag. 96/97); ficha de controle de entrada de animais do Centro de Recuperação de Animais Silvestres – CRAS/PET, de 16/01/2017 (ID 197564429 pag. 10) e prova testemunhal produzida na fase investigativa e em juízo.

A materialidade e autoria dos crimes praticados em 15/06/2018 (art. 296, §1º, I do CP; no art. 29, §1º, III c/c §4º, I da Lei nº 9.605/98 e no art. 32 da Lei nº 9.605/98) estão comprovadas por meio do mandado de busca e apreensão cumprido na residência de Sidnei (ID 197564430 – pag. 69), auto circunstanciado (ID 197564430 – pag. 70/72); auto de apreensão (ID 197564430 – pag. 73); Auto de Infração Ambiental, de 15/06/2018 (ID 197564431 – pag. 02); Boletim de Ocorrência Ambiental (ID 197564431 – pag. 13); laudo de perícia criminal federal (ID 197564431 – pag. 48/75) e prova testemunhal produzida na fase investigativa e em juízo.

No tocante ao delito do art. 296, §1º, III do CP, deve ser aplicado o instituto da emendatio libelli para que o réu seja condenado pela prática do delito do art. 296, §1º, I do CP, uma vez que o conjunto probatório demonstra que o réu fez uso indevido de selo ou sinal falsificado. Não há comprovação de que o acusado foi o autor da falsificação, mas apenas que fez uso de selo ou sinal falso.

Aliás, a denúncia descreve expressamente que o acusado utilizou indevidamente anilhas falsas. Assim é perfeitamente cabível a modificação da classificação jurídica neste momento processual, considerando que o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica.

Ademais, como já dito, não há óbice em relação à aplicação da emendatio libelli em segundo grau, ainda que em exame de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitado o montante final da pena fixada no édito recorrido, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, e em linha com a prescrição do artigo 617 do Código de Processo Penal.

Postos os fundamentos acima, e de ofício, procedo à emendatio libelli no que tange à imputação de prática do crime de uso de selo ou sinal público falso, recapitulando-a para o artigo 296, §1º, I do CP.

SIDNEI BATISTA SFACIOTI, que não possuía registro no SISPASS, de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro, 17 (dezessete) pássaros silvestres, por ele adquiridos de terceiro de identidade e paradeiro ignorados, consistentes em:

- 01 trinca-ferro ou picharro (Saltator similis) apreendido dia 14/01/2017, portando anilha IBAMA OA 3,5 266859 adulterada por alargamento;

- 03 trinca-ferro ou picharro (Saltator similis) apreendidos dia 15/06/2018, portando anilhas IBAMA OA 3,5 485536 (falsa por adulteração – alargamento); SISPASS 3,5 SP/A 096895 (falsa por adulteração – corte); SISPASS 3,5 SP/A 055473 (falsa por adulteração – corte) e SISPASS 3,5 SP/A 025419 (falsa por adulteração – corte),

- 02 tico-tico (Zonotrichia capensis) sem anilha;

- 01 curió (Sporophila angolensis) sem anilha;

- 03 baianos (Sporophila nigricollis), apenas um com anilha IBAMA OA 2,2 173141 (falsa por contrafação);

- 06 coleirinhas (Sporophila caerulescens), apenas três com anilhas 1 ACB 1628 26 (inadequada para identificação individual de aves); IBAMA OA 2,2 322570 (falsa por contrafação) e 07 006 99 (inadequada para identificação individual de aves).

A ave curió (Sporophila angolensis) é de espécie citada nas listas oficiais de animais em extinção, considerando as atuais listas nacional (Portaria MMA nº 444, de 17/12/2014), do estado de São Paulo (Decreto Estadual de São Paulo nº 60133 de 07/02/2014) e o Tratado Internacional CITES (tornado vigente no Brasil pelo Decreto Federal no 3.607, de 21/09/2000).

Tais condutas se amoldam ao art. 296, §1º, I do CP e art. 29, §1º, III c/c §4º, I da Lei 9.605/98.

Além disso, a perícia constatou que dentre os dezessete pássaros apreendidos, treze apresentavam sinais de maus-tratos, “especificadamente sintomas ligados à captura com arapuca (cicatriz de lesões rostrais, lesões lineares dorsais, lesões na asa) e ao anilhamento incorreto em idade adulta (mobilidade da articulação intertarsal e calo ósseo no tibiotarso)”, estando configurado o delito do art. 32 da Lei 9.605/98.

No dia 14/01/2017, policiais ambientais dirigiram-se a um bar situado na Rua João Lourenço de Araujo, nº 222, bairro Freguesia do Ó, em São Paulo/SP para averiguação de denúncia anônima de maus tratos de aves. No local ocorria uma “competição de canto”. Naquela ocasião, além de uma trinca-ferro pertencente a Sidnei, foram apreendidos outros seis pássaros silvestres.

Posteriormente, no dia 15/06/2018, em cumprimento ao mandado de busca e apreensão, foram encontrados na residência de Sidnei 16 pássaros silvestres, sendo um deles ameaçado de extinção (curió).

Perante a autoridade policial Sidnei declarou: não possui cadastro no IBAMA/SISPASS para criação de passeriformes; os pássaros trinca-ferro foram adquiridos com as respectivas anilhas; desconhece adulteração das anilhas; os demais pássaros não possuíam anilhas; aprisionou o tico-tico em seu quintal; as demais aves foram adquiridas em feiras do rolo e não se recorda de quem; desconhecia a ilegalidade de sua conduta (ID 197564430 – pag. 101).

Em seu interrogatório judicial, Sidnei declarou que havia adquirido alguns pássaros, que foram mantidos em gaiolas em sua residência. Começou a procurar pessoas que criavam pássaros. Foi à cantoria no dia 14/01/2017 por indicação. Conheceu passarinheiros, que lhe orientaram a realizar o cadastro no IBAMA. Fez um cadastro no IBAMA, mas não para a criação de pássaros. Tentou modificar seu cadastro, mas não conseguiu. Não regularizou seu plantel de pássaros. No dia da cantoria estava no local com um trinca-ferro na gaiola. Posteriormente, houve busca e apreensão em sua residência. Apreenderam coleirinhas, trinca-ferro, tico-tico e curió. Cuidava bem de seus pássaros, na medida do possível. Suas gaiolas eram grandes para os pássaros ficarem à vontade. Tinha mais de 10 pássaros, cada em uma gaiola individual. Nunca levou os pássaros ao veterinário. No dia da cantoria, os pássaros foram transportados todos próximos. Começou a criar pássaros aproximadamente um ano antes da primeira apreensão. Os primeiros pássaros foram adquiridos em feiras. Tentou regularizar a criação, mas não conseguiu. Não possui cadastro no SISPASS. Não tinha documentação dos pássaros. Tentou fazer o cadastro no IBAMA antes da primeira apreensão. Devia ter tomado uma atitude antes. Errou em não regularizar o plantel. No dia da apreensão no bar, não ficou sabendo que a anilha era falsa. Depois da primeira apreensão policial, continuou a criar os pássaros em sua residência mesmo sem possuir autorização (ID 197565156).

Em juízo, foram ouvidas as testemunhas Diego Armando de Ataide Tavares, Natanael Américo da Silva, Gabriel Diniz, Ronaldo José da Silva e Jorge Nunes de Oliveira Junior (ID 197565136), que confirmaram a apreensão das aves.

Muito embora algumas testemunhas tenham declarado que no momento da diligência não foi possível identificar lesões nos pássaros silvestres, o crime de maus tratos está suficientemente comprovado através da prova pericial. Nesse particular, ressalte-se que, apesar da experiência no ramo, os policiais não possuem o conhecimento técnico específico, já que não são peritos, além do que, no momento da diligência, os pássaros não são analisados individualmente e com a minúcia necessária para a constatação de eventuais ferimentos. Acrescento, ainda, que a perícia identificou lesões comumente causadas pelo uso indevido de anilhas, como calos e problemas na articulação, o que afasta a alegação da defesa, no sentido de que os ferimentos foram causados durante o transporte realizado pela polícia. Nessa esteira, a autoria está demonstrada.

O dolo do acusado está evidenciado. Após a apreensão ocorrida no dia 14/01/2017, Sidnei foi surpreendido novamente mantendo em cativeiro aves silvestres sem autorização da autoridade competente. Apesar de não ser criador amador de passeriformes cadastrado no IBAMA, Sidnei tinha plena ciência acerca da necessidade de regularização de seu plantel junto ao órgão ambiental, e, portanto, da ilegalidade de sua conduta, mas optou por manter as aves em cativeiro sem a devida autorização. O dolo quanto ao crime de uso de anilhas falsas também demonstrado. Os pássaros foram adquiridos em feiras do rolo com as respectivas anilhas adulteradas, muitas delas com cortes visíveis a olho nu, o que não passaria despercebido pelo criador. Aliás, o próprio réu afirmou que antes da primeira apreensão já vinha criando pássaros há mais de um ano, sendo que nesse período manteve contato com outros criadores.

Destarte, restam suficientemente comprovadas a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, no mínimo eventual, em relação à prática dos delitos previstos no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal, no artigo 29, § 1º, III, c/c art. 4º, I da Lei 9.605/98 e no art. 32 da Lei 9.605/98, em concurso material entre si.

Não há de se falar em conflito aparente de normas, como alega a defesa, entre os tipos penais descritos no artigo 296, § 1º, I do Código Penal (uso de anilhas do IBAMA/SISPASS falsas ou adulteradas) e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito-fim).

Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção.

A propósito, não se vislumbra nos autos eventual incidência do princípio da insignificância, em relação a qualquer dos delitos ora imputados, uma vez que os bens jurídicos penalmente tutelados não se limitam à proteção daqueles exemplares individualmente considerados, mas da própria fé pública e do ecossistema como um todo, sob a perspectiva do direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, no interesse das presentes e futuras gerações, nos termos do artigo 225, caput, da Constituição Federal.

Tampouco há de se cogitar erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável, seja evitável) ou sobre os elementos do tipo, ou mesmo eventual excludente de culpabilidade, incompatível com o presente contexto delitivo, sobretudo por se tratar criador ciente da obrigatoriedade de regularização do plantel junto ao IBAMA, que aliás, mesmo após a primeira apreensão realizada pela polícia ambiental, foi novamente surpreendido na prática de idênticos delitos alguns meses depois. Ademais, diante das circunstâncias do caso concreto, em que além da guarda em cativeiro sem autorização da autoridade competente foram identificados maus tratos aos pássaros e uso de anilhas identificadoras falsificadas, não se mostra cabível a concessão do perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98.

Afasto, por fim, a alegação de crime impossível, sob a alegação de que Sidnei não possuía cadastro no SISPASS, e, segundo a defesa, “de nada adiantaria utilizar-se de anilhas falsificadas ou adulteradas, posto que, para a criação das aves é obrigatório o cadastro no IBAMA”. Isso porque o delito do art. 296, §1º, I do CP não é crime próprio e, portanto, consuma-se independentemente do cadastro do criador dos pássaros no IBAMA, uma vez que a fé pública é o bem jurídico tutelado pela norma penal em comento e que foi efetivamente atingido pela conduta praticada pelo apelante.

Da dosimetria

A dosimetria não foi objeto de impugnação pelos acusados. Ademais, não há qualquer incorreção ou ilegalidade a ser corrigida de ofício.

I - PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES (artigo 29, §1º, inciso III, da Lei n. 9605/98 e art. 296, §1º, inciso I, do CP)

Na primeira fase, a pena-base de ambos os delitos foi fixada no mínimo legal.

Na segunda fase, não incidiram circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Na terceira fase, sem causas de diminuição e de aumento.

Por força do concurso material (art. 69 do CP), somadas, as penas totalizam 2 anos reclusão e 06 meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias multa no valor unitário mínimo legal. Fica mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo, nos termos da sentença.

II - ANTONIO LIMA (artigo 29, §1º, inciso III e art. 32, ambos da Lei n. 9605/98 e art. 296, §1º, inciso I, do CP)

Na primeira fase, a pena-base dos delitos foi fixada no mínimo legal.

Na segunda fase, não incidiram circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Na terceira fase, sem causas de diminuição e de aumento.

Por força do concurso material (art. 69 do CP), somadas, as penas totalizam 2 anos de reclusão e 09 meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 30 dias multa no valor unitário mínimo legal. Fica mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo, nos termos da sentença.

III - SIDNEI BATISTA SFACIOTI (artigos 29, §1º, inciso III c.c. §4º, inciso I, e art. 32, ambos da Lei n. 9605/98 e art. 296, §1º, inciso I, do CP)

Na primeira fase, a pena-base dos delitos foi fixada um pouco acima do mínimo legal, pelos seguintes fundamentos:

“Na primeira fase da aplicação da pena, de acordo com o artigo 68 e atento às diretrizes do artigo 59², ambos do Código Penal, observo, que o acusado é primário (ID 36916129), e o dolo manteve-se dentro dos padrões de normalidade para delitos da mesma espécie. Contudo, majoro a pena em 1/11, diante das circunstâncias dos crimes praticados, envolvendo considerável número de passeriformes irregulares e em situação de maus-tratos, bem como um grande número de anilhas falsificadas. Além destas circunstâncias do crime, não vislumbro nenhuma outro elemento exasperante nesta fase e que não pudesse configurar bis in idem, motivo pelo qual fixo a pena-base em 06 (seis) meses e 16 (dezesseis) dias de detenção e pagamento de 10 (dez) dias-multa para o crime previsto no art. 29, §1º, III, da Lei nº 9.605/98, 03 (três) meses  e 08 (oito) dias de detenção e pagamento de 10 (dez) dias-multa para o crime previsto no art. 32 da Lei nº 9.605/98 e 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 05 (cinco) dias de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa para o crime previsto no artigo 296, §1º, III, do Código Penal”.

 

A exasperação da pena-base dos crimes previstos no art. 29, §1º, inciso III c.c. §4º, inciso I da Lei 9605/98, art. 32 da Lei n. 9605/98 e art. 296, §1º, inciso I, do CP foi devidamente fundamentada, considerando o número de pássaros apreendidos em situação irregular, a quantidade de anilhas falsas e o número de passeriformes que sofreram maus-tratos. Assim, mantenho a pena-base fixada na sentença.

Na segunda etapa, não incidiram circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Na terceira fase, presente a causa de aumento prevista no §4º, I do art. 29 da Lei 9.605/98, uma vez que um dos pássaros apreendidos se trata de espécie ameaçada de extinção. Desse modo, a pena do delito do art. 29, §1º, III c/c §4º, I resta fixada em 09 meses e 24 dias de detenção, além de 15 dias multa.

Quanto aos demais delitos não há causas de aumento ou diminuição, de modo que as penas restam fixadas em 03 meses e 08 dias de detenção e 10 dias multa (art. 32 da Lei 9.605/98) e 02 anos, 02 meses e 05 dias de reclusão e 10 dias multa (art. 296, §1º, I do CP).

Os crimes foram praticados em continuidade delitiva, nos dias 14/01/2017 e 15/06/2018, na forma do art. 71 do CP, incidindo a fração de aumento de 1/6. Extrai-se da sentença:

 

“Considerando ainda que, em relação ao acusado SIDNEI  BATISTA SFACIOTI, os três crimes foram praticados em duas datas distintas, 14/01/2017 e 15/06/2018, porém em condições similares, aplico o estabelecido no artigo 71 do Código Penal, majorando a pena de cada um dos delitos em 1/6, considerando-se serem idênticos. Resta, assim, as penas fixadas em  11 (onze) meses e 13 (treze) dias de detenção e pagamento de 18 (dezoito) dias-multa para o crime previsto no art. 29 e parágrafos da Lei nº 9.605/98; 03 (três) meses e 24 (vinte e quatro) dias de detenção e pagamento de 11 (onze) dias-multa para o crime previsto no art. 32 da Lei nº 9.605/98 e 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias-multa para o crime previsto no artigo 296, §1º, III, do Código Penal”.

 

Por fim, deve ser aplicada a regra do concurso material, nos termos do art. 69 do CP, de modo que, somadas, as penas totalizam 2 anos, 6 meses e 15 dias de reclusão e 01 ano, 03 meses e 07 dias de detenção, em regime inicial aberto, além de 40 dias multa no valor unitário mínimo legal.

Fica mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 02 salários mínimos, nos termos da sentença.

Dispositivo

Pelo exposto, nego provimento às apelações interpostas por PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES,  SIDNEI BATISTA SFACIOTI e ANTONIO LIMA e, de ofício, aplico o instituto da emendatio libelli no tocante à condenação pela prática do delito do art. 296, §1º, III do CP, para que os réus sejam condenados pela prática do delito do art. 296, §1º, I do CP.

É o voto.



E M E N T A

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 296, §1º, I DO CP. ART. 29, §1º, III E ART. 32, AMBOS DA LEI 9.605/98. APREENSÃO DE PÁSSAROS SILVESTRES IRREGULARMENTE MANTIDOS EM CATIVEIRO. USO INDEVIDO DE ANILHAS DO SISPASS/IBAMA ADULTERADAS. MAUS TRATOS. EMENDATIO LIBELLI. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO NÃO APLICÁVEL NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE CONFLITO APARENTE DE NORMAS. NÃO CABIMENTO DE PERDÃO JUDICIAL. DOLO EVIDENCIADO. CONDENAÇÕES MANTIDAS.

Os pássaros foram apreendidos por policiais militares ambientais, no dia 14/01/2017, em um bar onde ocorria uma “competição de canto”. Naquela ocasião, foram apreendidos sete pássaros silvestres. Posteriormente, no dia 15/06/2018, em cumprimento ao mandado de busca e apreensão, foram encontrados na residência de S.B.S 16 pássaros silvestres, sendo um deles ameaçado de extinção (curió).

No tocante ao delito do art. 296, §1º, III do CP, deve ser aplicado o instituto da emendatio libelli para que os réus sejam condenados pela prática do delito do art. 296, §1º, I do CP, uma vez que o conjunto probatório demonstra que fizeram uso indevido de selo ou sinal falsificado. A denúncia descreve expressamente que os acusados utilizaram  indevidamente anilhas falsas.

Réu A.L condenado pela prática dos crimes previstos no art. 296, §1º, I do CP; no art. 29, §1º, III da Lei nº 9.605/98 e no art. 32 da Lei nº 9.605/98. Réu P.E.S.G condenado pela prática dos seguintes crimes: art. 296, §1º, I, do Código Penal e no art. 29, §1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98 c.c. 69, do CP. Réu S.B.S condenado pela prática dos crimes do art. 29, §1º, III, c.c. §4º, I, da Lei nº 9.605/98; art. 32 da Lei nº 9.605/98 e art. 296, §1º, I, do CP.

Não se vislumbra nos autos eventual incidência do princípio da insignificância, em relação a qualquer dos delitos ora imputados, uma vez que os bens jurídicos penalmente tutelados não se limitam à proteção daqueles exemplares individualmente considerados, mas da própria fé pública e do ecossistema como um todo, sob a perspectiva do direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, no interesse das presentes e futuras gerações, nos termos do artigo 225, caput, da Constituição Federal.

Não há de se falar em conflito aparente de normas entre os tipos penais descritos no artigo 296, § 1º, I do Código Penal (uso de anilhas do IBAMA/SISPASS falsas ou adulteradas) e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito-fim). Os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção.

Diante das circunstâncias do caso concreto, em que além da guarda em cativeiro sem autorização da autoridade competente foram utilizadas anilhas identificadoras falsificadas, não se mostra cabível a concessão do perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98.

Apelações desprovidas.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento às apelações interpostas por PAULO EDUARDO DA SILVA GOMES, SIDNEI BATISTA SFACIOTI e ANTONIO LIMA e, de ofício, aplicar o instituto da emendatio libelli no tocante à condenação pela prática do delito do art. 296, §1º, III do CP, para que os réus sejam condenados pela prática do delito do art. 296, §1º, I do CP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.