Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0005585-88.2017.4.03.6120

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: ALESSANDRA TORTORA DA SILVA, CLEIDE PALOMBO DA SILVA

Advogados do(a) APELADO: MARCOS CESAR GARRIDO - SP96924-A, RAFAEL MATEUS VIANA DE SOUZA - SP274714-A
Advogados do(a) APELADO: MARCOS CESAR GARRIDO - SP96924-A, RAFAEL MATEUS VIANA DE SOUZA - SP274714-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0005585-88.2017.4.03.6120

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: ALESSANDRA TORTORA DA SILVA, CLEIDE PALOMBO DA SILVA

Advogados do(a) APELADO: MARCOS CESAR GARRIDO - SP96924-A, RAFAEL MATEUS VIANA DE SOUZA - SP274714-A
Advogados do(a) APELADO: MARCOS CESAR GARRIDO - SP96924-A, RAFAEL MATEUS VIANA DE SOUZA - SP274714-A

 

 R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal em face da sentença que absolveu as acusadas Alessandra Tortora da Silva e Cleide Palombo da Silva da prática do delito do art. 171, § 3º, c. c. o art. 71, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal (Id n. 193063836, pp. 25-35).

O Ministério Público Federal recorre com os seguintes argumentos:

a) a prova dos autos demonstra, satisfatoriamente, a prática delitiva, também assinalada no decisum impugnado, ao argumento de que “foi realizado um contrato de arrendamento falso, o qual foi utilizado dolosamente para adquirir, indevidamente, a DAP em nome de ALESSANDRA, não podendo se falar em ausência de dolo” (destaques originais, Id n. 193063836, p. 40);

b) foi confirmado que as recorridas Cleide e Alessandra e seus esposos formavam um ente familiar único, sendo que suas declarações no sentido de que apenas Alessandra passou a produzir sozinha, separadamente, na propriedade, não encontra respaldo em nenhum elemento dos autos;

c) foi comprovado que “eram Renato e CLEIDE quem de fato cultivava a terra, trabalhando e morando no sítio e vivendo com o que ali se plantava; ALESSANDRA e seu marido poderiam até auxiliar nesta atividade rural aos fins de semana, mas moravam e trabalhavam mesmo no perímetro urbano (tanto que ALESSANDRA foi contratada formalmente pela fábrica LUPO); por isso mesmo, a entrega dos produtos à prefeitura ficava a cargo de Renato e CLEIDE, pois eram eles os verdadeiros agricultores” (destaques originais, Id n. 193063836, pp. 42-43);

d) restou evidente que o contrato de arrendamento era falso, pois não haveria motivos para desmembrar uma parte da terra para Alessandra trabalhar separadamente, já que quem, de fato, cultivava a propriedade eram os seus sogros, sendo a atividade de Alessandra limitada a pequenos auxílios aos finais de semana;

e) “tal contrato de fls. 33/34 só serviu para que a recorrida ALESSANDRA conseguisse a DAP autônoma, de forma indevida, com o objetivo de fraudar o limite dos programas federais, pois ela sabia que não estava arrendando nenhum terreno e que não era considerada nem mesmo uma agricultora de fato, já que morava e trabalhava na cidade” (destaques originais, Id n. 193063836, p. 43);

f) as versões dos fatos apresentadas pelas recorridas em Juízo é contraditória;

g) está claro que não existia, de fato, arrendamento para Alessandra cultivar sozinha a terra objeto do contrato, na medida em que havia uma única entidade familiar e um único sítio cultivado principalmente pelo casal Renato e Cleide, de modo que os familiares não poderiam obter a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP de forma separada, como se fossem produtores autônomos, tampouco poderiam entregar alimentos para o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA de forma individual;

h) tais fatos são incontroversos, tendo o MM. Juízo a quo, ao sentenciar, admitido que o contrato de arrendamento não existiu na prática, apenas formalmente, “feito unicamente para viabilizar a emissão indevida da DAP em nome de ALESSANDRA” (destaques originais, Id n. 193063836, p. 43);

i) está demonstrado que o contrato de arrendamento falso foi utilizado perante órgão público a fim de se obter, indevidamente, a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP, em nome de Alessandra, a fim de que a família pudesse entregar alimentos para o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, além dos limites permitidos em Lei;

j) “no mínimo, houve uso de documento falso, o qual está devidamente descrito na inicial, podendo até mesmo ensejar a emendatio libelli, já que tais fatos estão robustamente comprovados, tanto que reconhecidos pelo Juízo em sua sentença absolutória” (destaques originais, Id n. 193063836, p. 44), porém o Parquet entende que “houve estelionato qualificado, pois a DAP adquirida indevidamente por meio de contrato de arrendamento falso foi utilizada para superar os limites do PAA, havendo claro prejuízo para o programa e vantagem indevida para as recorridas” (destaques originais, Id n. 193063836, p. 44);

k) no mesmo ano em que Renato e Cleide forneceram produtos à prefeitura, por meio da Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP de Alessandra, também entregaram alimentos, por meio do uso de DAP da irmã de Cleide, Lucelena Palombo Malta, o que originou a Ação Penal n. 0010126-72.2014.403.6120 e, embora não seja objeto da denúncia destes autos, demonstra que não era a primeira vez que as recorridas forjavam contrato de arrendamento para emissão de DAP autônoma para um integrante do grupo familiar, de modo que está comprovado o dolo;

l) ainda que no ano de 2013 não tenha ocorrido vendas por meio da Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP titularizada por Renato e Cleide, tal não afasta a fraude perpetrada pelas recorridas ao utilizarem-se de contrato de arrendamento falso a fim de lograrem emissão de DAP extra em nome de Alessandra;

m) o dolo das recorridas também se extrai do fato de perderem o interesse na atividade produtiva quando a prefeitura suspendeu a compra pelos programas, em razão da deflagração da Operação Schistosoma, em agosto de 2013;

n) o prejuízo encontra-se igualmente demonstrado, na medida em que o objetivo primordial dos programas federais era o de incentivar e fomentar a agricultura familiar, beneficiando o maior número possível de famílias e, sendo assim, ao entregar além do limite permitido, a família das recorridas beneficiou-se da ausência de licitação para vender de forma garantida e direta, em detrimento de outras famílias que preenchiam os requisitos para realizar a entrega;

o) ficou comprovado que as recorridas Cleide e Alessandra, a despeito de estarem inscritas no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF como agricultoras autônomas, compunham uma única unidade familiar, produzindo e comercializando seus produtos de maneira conjunta, o que lhes garantiria a obtenção de apenas uma Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP autônoma/principal, submetendo-se ao limite de vendas de cada programa, na época dos fatos;

p) a prova dos autos não deixa dúvidas de que as recorridas tinham conhecimento de que deveriam ser respeitadas cotas por unidade familiar e forjaram contrato de arrendamento com o objetivo de simular a existência de 2 (duas) unidades familiares autônomas e, desse modo, duplicar a cota de fornecimento a que fariam jus, infringindo, assim, os arts. 1º e 3º, ambos da Portaria MDA 17/2010;

q) requer-se a reforma da sentença apelada a fim de se condenar Alessandra Tortora da Silva e Cleide Palombo da Silva pela prática do delito do art. 171, § 3º, c. c. o art. 71, ambos do Código Penal;

r) subsidiariamente, requer-se a aplicação da emendatio libelli, a fim de ser reconhecida a prática do delito de uso de documento falso, previsto no art. 304, c. c. o art. 299, c. c. o art. 71 (por três vezes), todos do Código Penal (Id n. 193063836, pp. 38-47).

Foram apresentadas contrarrazões recursais pela defesa das acusadas Alessandra Tortora da Silva e Cleide Palombo da Silva (Id n. 193063836, pp. 50-56).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Paulo Taubemblatt, manifestou-se pelo provimento do recurso de apelação ministerial (Id n. 201479071).

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0005585-88.2017.4.03.6120

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: ALESSANDRA TORTORA DA SILVA, CLEIDE PALOMBO DA SILVA

Advogados do(a) APELADO: MARCOS CESAR GARRIDO - SP96924-A, RAFAEL MATEUS VIANA DE SOUZA - SP274714-A
Advogados do(a) APELADO: MARCOS CESAR GARRIDO - SP96924-A, RAFAEL MATEUS VIANA DE SOUZA - SP274714-A

 

 V O T O

 

Imputação. Alessandra Tortora da Silva, Cleide Palombo da Silva e Renato Antônio da Silva foram denunciados pela prática do delito do art. 171, § 3º, c. c. o art. 71, ambos do Código Penal, pelos seguintes fatos:

 

I - BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS - PAA

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi um dos primeiros programas federais voltados à segurança alimentar e nutricional, no contexto da iniciativa "Fome Zero". No âmbito federal, o órgão gestor era o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Desenvolvimento Agrário.

Além de buscar garantir alimentação adequada a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, visava também estimular a agricultura familiar, destinando verbas para a aquisição direta (sem licitação) de alimentos cultivados por agricultores familiares, que necessariamente estivessem enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, conforme redação original do art. 19 da Lei nº 10.696/2003, que criou o programa.

Em 2011, a redação do art. 19 foi alterada pela Lei no 12.512/2011, a qual relegou às normas infralegais disciplinar as exigências e regras para o fornecimento ao programa. Ainda assim, reiterou os objetivos do PAA como política de incentivo à agricultura familiar, promovendo a sua inclusão econômica e social, com fomento à produção com sustentabilidade, ao processamento de alimentos e industrialização e à geração de renda, bem como incentivo à criação de cooperativas e demais organizações formais da agricultura familiar.

Os fatos investigados deram-se sob a égide das regras estabelecidas em dois Decretos presidenciais, que regulamentaram o disposto no art. 19 da Lei 10.696/2003.

O art. 5º do Decreto 6.447/2008, vigente até 05/07/2012, estabelecia as modalidades de execução do programa, bem como o limite máximo de compras permitido de cada agricultor familiar.

Com a edição da Lei 12.512/2011, posteriormente regulamentada pelo Decreto 7.775/2012, o PAA foi aprimorado. Foram mantidos, no entanto, os limites de aquisição por núcleo familiar, bem como a obrigatoriedade de que a aquisição fosse feita de agricultores familiares, ainda que organizados sob a forma de cooperativas ou associações, cujas regras foram então expressamente previstas.

O agricultor familiar, ou empreendedor familiar rural, é aquele que reúne, simultaneamente, as seguintes características: 1) proprietário/possuidor de pequena porção de terras; 2) exploração direta, com apoio da família; 3) dependência econômica, ainda que parcial, do empreendimento; 4) gestor do próprio negócio. Além disto, o enquadramento como agricultor familiar deve ser comprovado por meio da Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP).

Segundo a legislação regulamentadora, notadamente a Portaria MDA 17, de 23 de março de 2010, a DAP é o instrumento que identifica os agricultores familiares e/ou suas formas associativas organizadas em pessoas jurídicas, aptos a realizarem operações de crédito rural ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF.

Nos moldes da citada Portaria, cada grupo familiar pode ter apenas uma DAP válida, sendo vedada a emissão de uma DAP autônoma a mais de um indivíduo de uma mesma família produtora.

Outra peculiaridade do PAA refere-se à obrigatoriedade da aquisição de alimentos diretamente do agricultor familiar com dispensa de licitação. As verbas do programa, então, somente podem ser utilizadas na forma especificada pela legislação, isto é, para compra direta de agricultor familiar ou associação/cooperativa de agricultores familiares (e somente até o limite estabelecido). Sendo assim, ou se realiza a compra direta nas condições previstas ou não se cumpre o objetivo do programa, sendo incabível a realização de licitação.

II - DOS FATOS RELATIVOS AO PRESENTE IPL

CLEIDE PALOMBO DA SILVA, RENATO ANTONIO DA SILVA e ALESSANDRA TORTORA DA SILVA, agindo de forma livre, consciente e com unidade de desígnios, obtiveram, para si e para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo da União e do município de Araraquara, SP, induzindo-os e mantendo-os em erro, mediante utilização de artifício fraudulento empregado para burlar o PAA.

Em 26.06.2012, ALESSANDRA firmou com seu sogro RENATO (marido de CLEIDE) o contrato de fls. 33/34, em que consta o arrendamento de um hectare de terra da propriedade rural "Sítio Boa Vista", situada em Araraquara, SP, e pertencente ao casal. Ocorre que o negócio jurídico entabulado é fictício, sendo o contrato ideologicamente falso, elaborado para aparentar que ALESSANDRA fosse produtora rural.

Por meio deste contrato, foi possível a inscrição de ALESSANDRA no PRONAF, como "agricultora familiar", obtendo, por isso, em 12.07.2012, uma DAP autônoma (fls. 48 e 52), mesmo já fazendo parte da unidade familiar de seus sogros.

A DAP (assim como o contrato de arrendamento) é ideologicamente falsa, obtida de maneira fraudulenta, pois ALESSANDRA não era, de fato, agricultora familiar. Ainda que o fosse, não poderia ter uma DAP individual, uma vez que já fazia parte do núcleo familiar de seus sogros CLEIDE e RENATO (já providos de DAP). Frise-se que a legislação preconiza que apenas uma DAP deve ser concedida a cada unidade familiar.

Pois a DAP autônoma de ALESSANDRA permitiu que CLEIDE e RENATO viabilizassem a venda de gêneros alimentícios de sua propriedade rural ao Município de Araraquara, acima do limite estabelecido pelo PAA, burlando o regramento legal do Programa.

As notas fiscais relativas aos alimentos advindos da cota de ALESSANDRA foram emitidas em julho de 2013 (fls. 55/62). Anote-se que, antes disso, em fevereiro de 2013, a denunciada ALESSANDRA havia sido admitida na empresa Lupo (fls. 03/04 do Apenso I).

Desta feita, CLEIDE e RENATO forneceram seus produtos agrícolas para o Município de Araraquara, valendo-se da DAP ideologicamente falsa de ALESSANDRA (“agricultora familiar fictícia"), com o fim de vender além da cota permitida pelo PAA, auferindo vantagem ilícita em prejuízo do Programa, nos seguintes montantes e datas:

NF

DATA DE EMISSÃO

VALOR DA NF

002

10.07.2013

R$ 1.550,47

003

12.07.2013

R$ 1.280,20

004

15.07.2013

R$ 1.593,16

005

15.07.2013

R$ 76,13

TOTAL: R$ 4.499,96

A materialidade e autoria delitivas estão efetivamente comprovadas por meio dos depoimentos dos denunciados (fis. 03/04 do Apenso I e fls. 24/30 dos autos principais), do contrato de arrendamento (fls. 33/34), DAP (fl. 48 e 52), notas fiscais (fls. 55/63), relatório circunstanciado da Polícia Federal (fls. 67/70) e pelos demais documentos que compõem o presente inquérito policial.

III - CAPITULAÇÃO

Assim agindo, CLEIDE PALOMBO DA SILVA, RENATO ANTONIO DA SILVA e ALESSANDRA TORTORA DA SILVA incorreram na conduta delitiva prevista no art. 171, §3º, c/c art. 71 (por 3 vezes - dias 10, 12 e 15.07.2013), do Código Penal.

III - REQUERIMENTO

Pelo exposto, o Ministério Público Federal requer seja recebida a denúncia, citando-se os denunciados para resposta, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, com o posterior prosseguimento do feito até a final condenação, ouvindo-se as testemunhas abaixo arroladas.

Requer, ainda, que seja fixado valor mínimo para reparação dos danos causados, em valor não inferior à vantagem auferida, que totaliza a quantia de R$ 4.499,96, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal. (destaques originais, Id n. 193063835, pp. 3-8)

 

Do processo. Os autos foram desmembrados em relação ao corréu Renato Antonio da Silva, para instauração de incidente de insanidade mental (Id n. 193063835, pp. 93-94).

Materialidade. Foram acostados aos autos os seguintes documentos:

a) contrato particular de arrendamento, por meio do qual Renato Antonio da Silva (arrendador), proprietário do Sítio Boa Vista, localizado na zona rural de Araraquara (SP), arrendou área de aproximadamente 1,5 Ha (um e meio hectare) à Alessandra Tortora da Silva (arrendatária), para a exploração de cultivo de produtos hortifruti (laranja, manga, verduras e legumes), por prazo indeterminado, com início em 26.06.12, mediante o pagamento mensal de R$ 100,00 (cem reais), reajustados anualmente, sendo estabelecido que a arrendatária ficaria autorizada a inscrever-se como Produtora Rural no Posto Fiscal Estadual de Araraquara (cláusula sétima) (Id n. 193063834, pp. 48-49);

b) Cadastro do Produtor Familiar no Programa de Aquisição de Alimentos – PAA da Prefeitura do Município de Araraquara (SP) e Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP, em nome de Alessandra Tortora da Silva, esta com data de 16.07.12 (Id n. 193063834, pp. 63-65);

c) Notas Fiscais de Produtor, todas em nome de Alessandra Tortora da Silva, emitidas em 10.07.13, 12.07.13 e 15.07.13, somando R$ 4.499,96 (quatro mil, quatrocentos e noventa e nove reais e noventa e seis centavos) (Id n. 193063834, pp. 72-80);

d) Relatório circunstanciado n. 121/2018, por intermédio do qual, realizadas diligências na região do Sítio Boa Vista, antes pertencente a Renato Antonio da Silva e Cleide Palombo da Silva, Sérgio Luiz Tél e Valdir Fernando Monteiro, atual proprietário do Sítio Boa Vista, hoje denominado Sítio Olga, e arrendatário do Sítio Olga, respectivamente, disseram que desconhecem o fato de que Alessandra Tortora da Silva teria auxiliado o casal Cleide e Renato em qualquer atividade agrícola, nos anos de 2012 e 2013 (Id n. 193063834, pp. 84-87);

e) anotação em CTPS de vínculo empregatício de Alessandra Tortora da Silva com a Lupo S/A, na qualidade de ajudante de produção, com data de admissão 06.02.13 e dispensa em 20.10.13 (Id n. 193063835, p. 20);

f) escritura de doação, com reserva de usufruto, datada de 1.03.12, lavrada no 3º Tabelião de Notas e Protesto de Letras e Títulos de Araraquara (SP), por intermédio da qual Renato Antonio da Silva e Cleide Palombo da Silva doaram ao seu filho Emerson Antonio da Silva, casado com Alessandra Tortora da Silva, a área “B4” do desmembramento da área “B” do imóvel agrícola denominado “Sítio Boa Vista” (Id n. 193063835, pp. 77-80), bem como escritura de venda e compra do mesmo imóvel, datada de 5.08.13, perante o mesmo Tabelionato, por intermédio da qual Emerson Antonio da Silva, com o consentimento de sua esposa Alessandra Tortora da Silva, bem como Renato Antonio da Silva e sua esposa Cleide Palombo da Silva, venderam-no a Sérgio Luiz Tél, casado com Iara Sueli Dias (Id n. 193063835, pp. 81-86);

g) prestação de contas relativas ao Convênio 88/2009 para a aquisição de alimentos por compra direta local da agricultura familiar firmado no âmbito do Município de Araraquara (SP) (Id n. 193063841 a 193063857).

Autoria. Em Juízo, Cleide Palombo da Silva disse que, na época em que Alessandra obteve a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP, ela e seu esposo Renato estavam doentes e não tinham mais condições de saúde de prosseguir com o cultivo de gêneros agrícolas no sítio em que residiam. Nessa época, uma parte do sítio já tinha sido vendida para Sérgio Luiz Tél, que permitiu que continuassem residindo no local, onde se encontram até hoje. Atualmente, apenas residem no local. Na mesma época, ficou acordado que seu filho Emerson e a esposa Alessandra entregariam a produção do sítio à Prefeitura de Araraquara (SP), já que haviam recebido o sítio em doação dela e de Renato. Alessandra trabalhava na propriedade. Em determinada época, Alessandra trabalhou na Lupo. Alessandra trabalhava todo sábado e domingo no sítio, no cultivo de laranjas, bananas e verduras. Alessandra entregou produtos do sítio apenas um ano, quando nem ela, nem seu esposo Renato realizavam mais entregas, por questões de saúde. Alessandra pagava R$ 100,00 (cem reais) mensais pelo arrendamento da propriedade, sendo que não havia demarcação da área por ela explorada. Enquanto Alessandra trabalhou na Lupo, ela trabalhou, concomitantemente, no sítio, nos dias de folga e aos finais de semana. Alessandra trabalhou muito pouco tempo na Lupo, por causa das demandas dos filhos pequenos. Foi elaborado contrato de arrendamento por sugestão da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI. Aos domingos, seu filho também ajudava no trabalho na propriedade, assim como seu esposo Renato (Id n. 193063836, p. 2 e Id n. 193063867).

Ouvida na Polícia, Cleide Palombo da Silva declarou que o sítio Boa Vista, que era de sua propriedade, foi vendido. No ano de 2004, foram feitas DAPs, em seu nome e no de seu marido, mas conjuntas. No ano de 2010, foi feita DAP em nome de Lucelene, sua irmã, falecida no ano de 2017. Posteriormente, em ano que não se recorda, foi feita DAP em nome de Alessandra, sua nora, tendo em vista que foi feita cessão da nua propriedade do referido sítio ao filho Emerson. A celebração de contrato de arrendamento deu-se em razão de orientação recebida da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI. As mercadorias vendidas relacionadas com a emissão de notas no ano de 2013 não foram pagas até a presente data (Id n. 193063834, pp. 36-37 e Id n. 193063861).

Em Juízo, Alessandra Tortora da Silva declarou que é atualmente dona de casa. Trabalhou poucos meses registrada, na Lupo. É casada e tem filhos. Foi elaborado o contrato de arrendamento para viabilizar a obtenção da sua Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP, já que a propriedade do sítio havia sido transferida para ela e seu marido. Ela e seu marido trabalhavam no sítio aos finais de semana, até mesmo seus filhos trabalhavam no local, desde pequenos. Havia produção de verduras e frutas. Recebeu da Prefeitura de Araraquara (SP) os valores relativos à produção que entregou por intermédio da DAP emitida em seu nome, no ano de 2013. Os valores recebidos destinaram-se à manutenção do sítio. Não pagava pelo arrendamento formalizado em contrato. Desde 1996, quando se casou com seu marido, ajudava no trabalho de agricultura realizado no sítio. Como nos anos de 2012 e 2013 Cleide e Renato estavam doentes, concordou, conjuntamente com Emerson, de efetuar as entregas da produção por via de DAP, emitida em seu próprio nome, porque eles é que passariam a ser responsáveis pela exploração agrícola do sítio. Não houve entrega em seu nome e em nome de seus sogros no mesmo período. A DAP foi elaborada por orientação da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI. Na maioria das vezes, as entregas eram realizadas pelos seus sogros. Mesmo enquanto trabalhou na Lupo, trabalhou também no sítio, aos finais de semana. Havia uma demarcação da terra arrendada para sua exploração. Depois de um tempo desistiram da produção agrícola no sítio, pois a atividade não propiciava o retorno esperado, a manutenção do cultivo tinha um custo e a Prefeitura demorava para pagar (Id n. 193063836, p. 2 e Id n. 193063868).

Na Polícia, Alessandra Tortora da Silva afirmou que, juntamente com Cleide, Renato e Emerson, dirigiu-se à Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI, para obtenção da sua Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP, o que sucedeu no ano de 2012. O contrato de arrendamento foi elaborado seguindo orientação da CATI. Foi elaborada DAP em seu nome em razão de o sítio dos seus sogros ter sido doado para seu ela e seu esposo, local onde exploravam o cultivo de gêneros agrícolas. Foi feita DAP também para Lucilena, irmã de Cleide, para ajudá-la. Antes de 2012, auxiliava no sítio aos finais de semana, sendo os rendimentos da produção destinados a Cleide e Renato, sendo Cleide quem os administrava. No ano de 2013, seus sogros já não trabalhavam mais na agricultura. Os valores constantes das notas fiscais descritas na denúncia foram efetivamente recebidos. A partir do ano de 2013, foi utilizada a DAP emitida em seu nome, considerando que o sítio foi doado para ela e seu esposo e que seus sogros encontravam-se impossibilitados de prosseguir com o trabalho na agricultura, por motivos de saúde. O produto da venda da produção era reinvestido no sítio, o que beneficiava a ela, seu esposo e seus sogros, constituindo todos uma mesma unidade familiar (Id n. 193063834, pp. 42-43 e Id n. 193063859).

Em Juízo, Renato Antonio da Silva disse que não se recorda das datas em que foram emitidas as Declarações de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAPs, em seu nome e no de Lucilena. No ano de 2013, o sítio foi doado para seu filho Emerson e a esposa dele, Alessandra, para que eles prosseguissem com o cultivo de gêneros agrícolas. Ele e sua esposa Cleide estavam doentes nessa época de 2013 e não tinham condições de continuar trabalhando na agricultura. O valor de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) referente às notas emitidas no ano de 2013 não foi pago pela Prefeitura de Araraquara (SP). Recebiam os valores das notas os titulares das respectivas DAPs (Id n. 193063836, p. 2 e Id n. 193063863).

Na Polícia, Renato Antonio da Silva aduziu que sua DAP e a da sua esposa foram feitas no ano de 2004 ou 2007. No ano de 2013, foi feita DAP por Alessandra. Apresentou muita dificuldade em relatar os fatos com clareza, por problemas de memória (Id n. 193063834, p. 39).

Na fase judicial, Emerson Antonio da Silva declarou que é motorista de terraplanagem. Foi assessor de Ronaldo Napeloso, na Câmara Municipal de Araraquara (SP), entre 2009 e 2010. Após, trabalhou no assentamento, operando máquinas, como comissionado. No ano de 2004, foram feitas Declarações de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAPs, em nome de seus pais Cleide e Renato. Após, foi feita DAP para sua tia Lucilena para ajudá-la, pois não tinha rendimentos. Compareceu à Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI, juntamente com sua esposa Alessandra, para obter DAP em nome dela, após a doação do sítio pertencente aos seus pais a ele e à Alessandra, para que prosseguissem com a exploração da agricultura no local. Na época, trabalhava na área urbana, enquanto Alessandra já havia se desligado do seu trabalho na Lupo. Foram feitas diversas DAPs para integrantes da mesma família, residentes no mesmo sítio, em razão da elevada quantidade da produção. Nunca foi feita nenhuma objeção à entrega dos produtos agrícolas produzidos no sítio, em nome de sua esposa Alessandra. As notas emitidas em 2013 correspondem às vendas realizadas no ano de 2012. Todo o procedimento adotado seguiu orientação da CATI, que sabia da situação da venda em nome de diversos integrantes da mesma família, moradores do mesmo sítio. Cada um recebia pelos produtos vendidos em seu nome, não se encontrando a percepção dos rendimentos concentrada na pessoa de sua mãe Cleide (Id n. 193063862).

Inquirido perante a Autoridade Policial, Emerson Antonio da Silva disse que, entre 2009 e 2010, foi assessor de Ronaldo Napeloso, na Câmara Municipal de Araraquara (SP). Após, trabalhou como motorista dele, contratado pela Prefeitura. Posteriomente, assumiu cargo comissionado, prestando serviços como motorista de máquina niveladora de solo. A Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – DAP de Alessandra foi elaborada seguindo as orientações obtidas na Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI. Foram feitas outras DAPs em razão da grande quantidade de produtos que tinham no sítio, para que pudessem fazer a entrega à Prefeitura de Araraquara (SP). Nas entregas, iam também seu pai e Alessandra. Não soube dizer se Hélio e Cristiano conheciam seu pai e esposa como seus familiares. As notas emitidas no ano de 2013 referem-se a produtos entregues em 2012. Procurou saber a razão do não pagamento, no prazo, sendo informado, na Secretaria da Agricultura, que dependia de alguma deliberação junto ao Governo Federal (Id n. 193063834, pp. 45-46).

Em Juízo, Sérgio Luiz Tél afirmou que é proprietário do sítio Aparecida, que adquiriu de Renato Antonio da Silva, que nele residia, no ano de 2013. Renato e Cleide viveram a vida inteira na região e há muitos anos nessa mesma propriedade. A produção do sítio provém da cana de açúcar, área arrendada à usina, e de pequena horta. Em 2013, Renato e Cleide vendiam a produção da horta do sítio. Nesse mesmo ano, dirigiu-se à propriedade apenas aos finais de semana, não assumindo os cuidados com a produção agrícola imediatamente após a sua aquisição. Presenciou a nora e o filho do casal Cleide e Renato, que tinham recebido o sítio em doação, cuidando da horta aos finais de semana, no ano de 2013. Ainda no mesmo ano, após a compra do imóvel, esteve pouquíssimas vezes no local durante a semana, avistando mais o casal Cleide e Renato trabalhando na horta nessas situações (Id n. 193063836, p. 1 e Id n. 193063865).

Na fase judicial, Valdir Fernando Monteiro disse que arrendou parte da propriedade de sítio vizinho ao que era habitado pelo casal Cleide e Renato. Nos anos de 2012 e 2013, o casal vendia frutas, principalmente laranjas e mangas. A propriedade era trabalhada pelo casal Cleide e Renato, bem como pelos filhos do casal e também pela nora Alessandra (Id n. 193063836, p. 1 e Id n. 193063866).

Houve desistência da oitiva judicial das testemunhas José Ricardo Almeida Cardoso, Isaira Aparecida de Oliveira e Elzo do Carmo Palomo (Id n. 193063835, p. 94).

A presente ação penal é desdobramento da denominada Operação Schistosoma, investigação policial que apurou irregularidades na execução de programas de aquisição direta de alimentos de agricultores familiares, desvelando que agentes públicos vinculados à Secretaria de Agricultura de Araraquara (SP) articularam-se com terceiros para fraudar os programas governamentais de incentivo à agricultura familiar executados em Araraquara (SP), sendo as fraudes consistentes na obtenção de Declaração de Aptidão ao PRONAF – DAPs ideologicamente falsas, por indivíduos que não se enquadravam no conceito de agricultor familiar ou que revendiam produtos que não eram por eles cultivados, bem como no uso de DAPs e notas fiscais de outros produtores para venda acima dos limites legais e, ainda, no uso de DAPs autônomas de membros de uma mesma família, que lhes permitia comercializar além dos limites legais, como produtores independentes.

De acordo com a denúncia, o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA foi um dos primeiros programas federais voltados à segurança alimentar e nutricional, no contexto da iniciativa "Fome Zero", visando estimular a agricultura familiar mediante a destinação de verbas para a aquisição direta, sem licitação, de alimentos cultivados por agricultores familiares, que necessariamente estivessem enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, conforme redação original do art. 19 da Lei n. 10.696/2003, que criou o programa, alterada pela Lei n. 12.512/2011, a qual relegou às normas infralegais disciplinar as exigências e regras para o fornecimento ao programa.

Narra que os fatos investigados deram-se sob a égide das regras estabelecidas em 2 (dois) Decretos presidenciais, que regulamentaram o disposto no art. 19 da Lei n. 10.696/2003. O art. 5º do Decreto 6.447/2008, vigente até 05.07.12, estabelecia as modalidades de execução do programa, bem como o limite máximo de compras permitido de cada agricultor familiar e, com a edição da Lei 12.512/2011, posteriormente regulamentada pelo Decreto 7.775/2012, foram mantidos os limites de aquisição por núcleo familiar.

Assinala que o agricultor familiar, ou empreendedor familiar rural, é aquele que reúne, simultaneamente, as seguintes características: 1) proprietário/possuidor de pequena porção de terras; 2) exploração direta, com apoio da família; 3) dependência econômica, ainda que parcial, do empreendimento; 4) gestor do próprio negócio. Além disso, o enquadramento como agricultor familiar deve ser comprovado por meio da Declaração de Aptidão ao PRONAF – DAP.

Consigna que, de acordo com a legislação regulamentadora, notadamente a Portaria MDA 17, de 23.03.10, a DAP é o instrumento que identifica os agricultores familiares e/ou suas formas associativas organizadas em pessoas jurídicas, aptos a realizarem operações de crédito rural, ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF. E, nos moldes da citada Portaria, cada grupo familiar pode ter apenas uma DAP válida, sendo vedada a emissão de uma DAP autônoma a mais de um indivíduo de uma mesma família produtora.

Alessandra Tortora da Silva e Cleide Palombo da Silva foram denunciadas pela prática do delito do art. 171, § 3º, c. c. o art. 71 (por três vezes), ambos do Código Penal, tendo em vista que teriam, em tese, obtido vantagem ilícita em prejuízo da União Federal, titular das verbas do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, bem como do Município de Araraquara, mediante a utilização de meio fraudulento, consistente na utilização de contrato de arrendamento ideologicamente falso para inscrição de Alessandra Tortoro do Silva no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, a fim de obter Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP em seu nome, o que lhes permitiu vender gêneros agrícolas acima da cota a que teriam direito, como integrantes de uma mesma unidade familiar.

Extrai-se que estaria proibida a emissão de Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP para mais integrantes de uma mesma unidade familiar, salvo nos casos de efetivo parcelamento do lote, com exploração autônoma e independente, conforme assinalado na sentença, em alusão ao caderno de perguntas e respostas sobre a DAP, expedido no ano de 2016, pelo então Ministério do Desenvolvimento Agrário:

 

48 - Quando que um(a) jovem filho(a) pode ter uma DAP – Principal? Somente quando constituir uma UFPR independente (mesmo na condição de solteiro(a)), ou seja, ter a gestão da terra sob seu domínio ou posse (mesmo que seja resultado de divisão do estabelecimento da UFPR de sua origem), e atender as demais exigências legais pera identificação de uma UFPR (Id n. 193063836, p. 32)

 

No caso, as recorridas Alessandra Tortora da Silva e Cleide Palombo da Silva aduziram, em uníssono, que o contrato de arrendamento foi elaborado apenas para viabilizar a emissão de Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP, em nome de Alessandra, justificando, de modo convergente, que tal medida devia-se ao gradativo afastamento de Cleide e de seu esposo Renato do trabalho de cultivo de gêneros agrícolas realizado no “Sítio Boa Vista”, por problemas de saúde, com o envolvimento maior do filho do casal Emerson e de sua esposa Alessandra, que sempre auxiliaram no trabalho com as plantações do sítio, ainda que esta não fosse a ocupação principal, nem a residência do casal.

Como assinalou a sentença, considerando que não foi demonstrado que a recorrida Alessandra administrasse a propriedade rural denominada “Sítio Boa Vista”, ou uma parcela dela, de forma autônoma e independente, ao tempo dos fatos, não faria jus à DAP autônoma, emitida em julho de 2012, apenas à DAP acessória, vinculada ao documento titularizado pela recorrida Cleide e seu esposo Renato, obtido no ano de 2004, havendo de se diferenciar, no caso, a existência de mera irregularidade que pode ser creditada à inexperiência do beneficiário do documento, da situação de empréstimo de DAP ou de talão de notas com o dolo de causar prejuízo à execução do programa de aquisição direta de alimentos do agricultor familiar.

De fato, é comum ao depoimento de todos os integrantes da unidade familiar a afirmação de que foi elaborado contrato de arrendamento por orientação obtida na Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI, ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, por se tratar de formalidade exigida para a expedição de DAP em favor de Alessandra, que se fazia necessária, à vista da cessação gradativa das atividades agrícolas por Cleide e Renato. No entanto, merece destaque o fato de que, ao tempo da emissão da DAP de Alessandra, em julho de 2012, ela e seu esposo Emerson, já haviam recebido a referida propriedade rural em doação de Cleide e Renato, em março de 2012, tudo a denotar entendimento precário de todos eles quanto à efetiva necessidade e utilidade do contrato de arrendamento em apreço.

Além disso, a sentença registra, com pertinência, que não foram realizados pagamentos concomitantes para ambas as recorridas Alessandra e Cleide, bem como que o limite de aquisições da unidade familiar composta pelas recorridas não foi ultrapassado no ano de 2013:

 

Na resposta à denúncia a Defesa sustentou que "... no período em que foram realizados pagamentos para a acusada Alessandra através do PAA não houve nenhum pagamento realizado para os réus [CLEIDE e Renato] e os valores pagos aquela ficam bem abaixo do disposto no artigo 24 da Resolução/CD/FNDE nº 38". A afirmação de que as vendas feitas por meio do talão de ALESSANDRA ficaram bem abaixo do teto não se sustenta, uma vez que em 2013 o limite para vendas no âmbito do PAA era de R$ 5.500,00 - a Resolução/CD/FNDE nº 38 estabelece limite de venda de R$ 20 mil por família, mas essa regra se aplica apenas às vendas no âmbito do PNAE. Porém, a alegação de que em 2013 não houve vendas em nome de CLEIDE e Renato não foi refutada na instrução. Tanto é assim que, apesar de insistir com a tese de que a DAP de ALESSANDRA viabilizou a comercialização de produtos acima do teto a que a família Silva teria direito, os memoriais do MPF não informam qual foi o montante que sobejou o teto de R$ 5.500,00 vigente em 2013.(Id n. 193063836, p. 33)

 

Com efeito, constata-se que o talão de notas em nome da recorrida Alessandra só foi utilizado para vendas no ano de 2013, somando R$ 4.499,96 (quatro mil, quatrocentos e noventa e nove reais e noventa e seis centavos), valor inferior ao limite de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) então vigente, bem como que, nesse mesmo ano, não houve entregas por meio do talão de notas de Renato Antônio da Silva, titular da DAP expedida em seu nome e no da recorrida Cleide, o que infirma a existência de vantagem indevida sustentada pelo Parquet (Id n. 193063834, p. 80).

Por derradeiro, o uso de DAP da irmã da recorrida Cleide, Lucelena Palombo Malta é objeto da Ação Penal n. 0010126-72.2014.403.6120. Sobre referido fato, ressalte-se que a sentença recorrida assinalou que “no ano de 2013 o talão de Lucelena foi utilizado para vendas em montante módico, que somaram R$ 860,52 (...) mesmo que consideradas nesta ação penal as vendas efetuadas por meio do talão de Lucelena, o total de vendas da família Silva no ano de 2013 não superaria o teto de R$ 5.500,00, estabelecido pelo Decreto 8.026 de 6 de junho de 2013” (Id n. 193063836, p. 34), não cabendo sua valoração nestes autos de qualquer modo.

Assim, seja pela não demonstração do dolo de fraudar a execução do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, seja pela não demonstração de efetivo prejuízo em detrimento da União Federal e do Município de Araraquara (SP), impõe-se a manutenção da sentença absolutória proferida em favor de Alessandra Tortora da Silva e Cleide Palombo da Silva, com relação à prática do delito do art. 171, § 3º, do Código Penal, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal, sendo descabida, tampouco, sua condenação pela prática do delito do art. 304 do Código Penal, considerando que as recorridas não detinham o completo entendimento da necessidade e da utilidade do contrato de arrendamento firmado, não se entrevendo consciência da ilicitude na sua utilização, na medida em que acreditavam tratar-se de documento idôneo, de formalidade exigida por orientação técnica da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público Federal, mantendo-se integralmente a sentença absolutória recorrida.

Em atenção à consulta formulada pelo Diretor de Subsecretaria (Id n. 195870488), proceda-se às cautelas de praxe para que o presente feito tramite em segredo de justiça (sigilo de documentos), anotando-se.

É o voto.



E M E N T A

 

 

PENAL. DELITO DO ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. FRAUDE AO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS – PAA EXECUTADO NO MUNICÍPIO DE ARARAQUARA (SP). DOLO E VANTAGEM INDEVIDA NÃO DEMONSTRADOS. PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO DELITO DO ART. 304 DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE ENTENDIMENTO QUANTO AO CARÁTER ILÍCITO DO FATO.

1. As recorridas Alessandra Tortora da Silva e Cleide Palombo da Silva aduziram, em uníssono, que o contrato de arrendamento foi elaborado apenas para viabilizar a emissão de Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP, em nome de Alessandra, justificando, de modo convergente, que tal medida devia-se ao gradativo afastamento de Cleide e de seu esposo Renato do trabalho de cultivo de gêneros agrícolas realizado no “Sítio Boa Vista”, por problemas de saúde, com o envolvimento maior do filho do casal Emerson e de sua esposa Alessandra, que sempre auxiliaram no trabalho com as plantações do sítio, ainda que esta não fosse a ocupação principal, nem a residência do casal.

2. Como assinalou a sentença, considerando que não foi demonstrado que a recorrida Alessandra administrasse a propriedade rural denominada “Sítio Boa Vista”, ou uma parcela dela, de forma autônoma e independente, ao tempo dos fatos, não faria jus à DAP autônoma, emitida em julho de 2012, apenas à DAP acessória, vinculada ao documento titularizado pela recorrida Cleide e seu esposo Renato, obtido no ano de 2004, havendo de se diferenciar, no caso, a existência de mera irregularidade que pode ser creditada à inexperiência do beneficiário do documento, da situação de empréstimo de DAP ou de talão de notas com o dolo de causar prejuízo à execução do programa de aquisição direta de alimentos do agricultor familiar.

3. É comum ao depoimento de todos os integrantes da unidade familiar a afirmação de que foi elaborado contrato de arrendamento por orientação obtida na Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI, ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, por se tratar de formalidade exigida para a expedição de DAP em favor de Alessandra, que se fazia necessária, à vista da cessação gradativa das atividades agrícolas por Cleide e Renato. No entanto, merece destaque o fato de que, ao tempo da emissão da DAP de Alessandra, em julho de 2012, ela e seu esposo Emerson, já haviam recebido a referida propriedade rural em doação de Cleide e Renato, em março de 2012, tudo a denotar entendimento precário de todos eles quanto à efetiva necessidade e utilidade do contrato de arrendamento em apreço.

4. Não foram realizados pagamentos concomitantes para ambas as recorridas Alessandra e Cleide, bem como o limite de aquisições da unidade familiar composta pelas recorridas não foi ultrapassado no ano de 2013:

5. O talão de notas em nome da recorrida Alessandra só foi utilizado para vendas no ano de 2013, somando R$ 4.499,96 (quatro mil, quatrocentos e noventa e nove reais e noventa e seis centavos), valor inferior ao limite de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) então vigente, bem como, nesse mesmo ano, não houve entregas por meio do talão de notas de Renato Antônio da Silva, titular da DAP expedida em seu nome e no da recorrida Cleide, o que infirma a existência de vantagem indevida sustentada pelo Parquet (Id n. 193063834, p. 80).

6. O uso de DAP da irmã da recorrida Cleide, Lucelena Palombo Malta é objeto da Ação Penal n. 0010126-72.2014.403.6120. Sobre referido fato, ressalte-se que a sentença recorrida assinalou que “no ano de 2013 o talão de Lucelena foi utilizado para vendas em montante módico, que somaram R$ 860,52 (...) mesmo que consideradas nesta ação penal as vendas efetuadas por meio do talão de Lucelena, o total de vendas da família Silva no ano de 2013 não superaria o teto de R$ 5.500,00, estabelecido pelo Decreto 8.026 de 6 de junho de 2013” (Id n. 193063836, p. 34), não cabendo sua valoração nestes autos de qualquer modo.

7. Seja pela não demonstração do dolo de fraudar a execução do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, seja pela não demonstração de efetivo prejuízo em detrimento da União Federal e do Município de Araraquara (SP), impõe-se a manutenção da sentença absolutória proferida em favor de Alessandra Tortora da Silva e Cleide Palombo da Silva, com relação à prática do delito do art. 171, § 3º, do Código Penal, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal, sendo descabida, tampouco, sua condenação pela prática do delito do art. 304 do Código Penal, considerando que as recorridas não detinham o completo entendimento da necessidade e da utilidade do contrato de arrendamento firmado, não se entrevendo consciência da ilicitude na sua utilização, na medida em que acreditavam tratar-se de documento idôneo, de formalidade exigida por orientação técnica da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI.

8. Recurso de apelação ministerial desprovido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público Federal, mantendo-se integralmente a sentença absolutória recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.