Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001466-55.2020.4.03.6322

RELATOR: 45º Juiz Federal da 15ª TR SP

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RECORRIDO: AMELIA RAYMUNDA NAVES

Advogado do(a) RECORRIDO: VICTOR JUN ITSI HAYASHI - SP395301-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001466-55.2020.4.03.6322

RELATOR: 45º Juiz Federal da 15ª TR SP

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

RECORRIDO: AMELIA RAYMUNDA NAVES

Advogado do(a) RECORRIDO: VICTOR JUN ITSI HAYASHI - SP395301-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

A parte autora ajuizou a presente ação na qual objetiva a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, previsto na Lei 8.742/93.

O juízo singular proferiu sentença e julgou parcialmente procedente o pedido.

Inconformada, a autarquia ré interpôs o presente recurso. Postulou a ampla reforma da sentença.

Contrarrazões pela parte autora.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001466-55.2020.4.03.6322

RELATOR: 45º Juiz Federal da 15ª TR SP

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

RECORRIDO: AMELIA RAYMUNDA NAVES

Advogado do(a) RECORRIDO: VICTOR JUN ITSI HAYASHI - SP395301-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

Inicialmente, nego efeito suspensivo ao recurso, pois não restou demonstrado o risco de dano irreparável a que se refere o art. 43 da Lei n.9.099/95.

Passo à análise do recurso.

Observo que o benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela Constituição Federal nos seguintes termos:

“Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Apesar de a Lei 10.741/2003 considerar idoso o indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos (art. 1º), estabeleceu como idade mínima para o recebimento desse benefício assistencial 65 anos (art. 34, caput), requisito também previsto no art. 20, caput, da Lei 8.742/1993, com redação dada pela Lei 12.435/2011.

No caso concreto, o requisito etário foi atendido na DER (25/09/2020, não contestada pelo INSS), pois a autora nasceu em 31/05/1952 (ID 181806447, p. 26).

Quanto à hipossuficiência econômica, a Lei 8.742/1993 instituiu um critério objetivo, considerando incapaz de prover a própria manutenção a pessoa portadora de deficiência ou idosa pertencente a família cuja renda mensal per capita seja a inferior a ¼ do salário mínimo.

O Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pela possibilidade de utilização de outros critérios para a aferição da miserabilidade do postulante. Em julgamento de recurso especial repetitivo, fixou a seguinte tese:

“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo” (STJ, 3ª Seção, REsp 1.112.557/MG, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/2009, public. 20/11/2009, Tema 185).

Anos mais tarde, o Pretório Excelso alterou sua posição a respeito do critério legal de miserabilidade, firmando a seguinte tese de repercussão geral:

“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição” (STF, Plenário, RE 567.985/MT, rel. min. Marco Aurélio, rel. para acórdão  min. Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 2/10/2013, Tema 27).

Para melhor compreensão desse entendimento, transcrevo trecho da ementa (grifo no original):

“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.

A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.

Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo’.

O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.

Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.

Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.

O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.

Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.

5. Recurso extraordinário a que se nega provimento”.

Tratando-se de decisão proferida em controle concreto de constitucionalidade, a eficácia se restringe ao caso analisado e ao campo dos precedentes judiciais, não tendo o condão de retirar o dispositivo legal do ordenamento jurídico, tal como se dá no controle abstrato (art. 102, § 2º, da CF). De toda forma, apesar de o Pretório Excelso ter declarado a inconstitucionalidade parcial do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993, não lhe aplicou a sanção de nulidade.

Como relata Frederico Amado (“Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 57), tentou-se modular a eficácia da decisão para 31/12/2015, a fim de que o Congresso Nacional tivesse tempo de alterar a Lei Orgânica da Assistência Social, porém não foi alcançado o quórum de 2/3. 

A posição do STF foi encampada pelo legislador em 2015, quando da edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que acrescentou o § 11 ao art. 20 da Lei 8.742/1993, in verbis:

“§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”. 

Como se nota, o critério da renda mensal inferior a 1/4 do salário-mínimo continua em vigor no ordenamento jurídico, mas deve ser analisado em conjunto com outros elementos para que se possa detectar a hipossuficiência econômica do requerente. Para tanto, nos termos da Súmula 79 da TNU, aprovada em 15/4/2015:

“Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal”.

A conclusão acima é chancelada pela Turma Nacional de Uniformização, que, em julgamento de recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese:

“O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova” (TNU, PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002, rel. juiz federal Daniel Machado da Rocha, j. 14/4/2016, public. 15/4/2016, Tema 122).

Sem embargo dessas constatações, proliferaram no território nacional inúmeras decisões em Ações Civis Públicas que passaram a impor ao INSS adoção de critérios regionais e diferenciados para a concessão do benefício.

Esse fato contribuiu para nova e recente alteração legislativa a respeito do tema (Lei 14.176/21) que deu a seguinte redação ao §11 do artigo 20 da Lei 8.472/93

O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.  

.....................................................................................................................” (NR)

Art. 20-B.  Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:      

 I – o grau da deficiência;

II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e

III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.

§ 1º  A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento.

§ 2º  Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo.

§ 3º  O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei.

§ 4º  O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.”

 

Nestes termos, o deferimento da prestação deverá observar a existência dessas situações que permitem a superação do limite de ¼ de salário mínimo como renda per capita no núcleo familiar.

Por último, anoto que o STJ, no julgamento do Tema 640 ampliou o alcance da norma que consta do artigo 34 do Estatuto do Idoso. Eis a decisão do Tribunal:

STJ – Tema 640 (Recursos Repetitivos) – Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.

 

Dessa forma, nos casos de núcleos familiares compostos simultaneamente por idosos e deficientes, o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não e computado no cálculo da renda per capita.

No que tange ao grupo familiar, assinalo que com o advento da Lei 12.435/2011, a família é integrada pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Em relação a esse ponto, não se pode perder de vista o princípio da subsidiariedade, pelo qual a atuação do Estado só se justifica quando o indivíduo e os grupos sociais intermediários são incapazes de resolver determinado problema.

Apesar de a Constituição Federal não empregar essa expressão, a norma jurídica pode ser extraída, no campo da assistência social, tanto do art. 203, V, quanto de outros dispositivos analisados de forma sistemática.

Segundo o art. 193, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

Dentro do Título VIII (“Da Ordem Social”) está o capítulo relativo à seguridade social, que se divide em três subsistemas: saúde, previdência e assistência social (art. 194, caput).

O Capítulo VII do mesmo Título, por sua vez, trata da família, criança, adolescente, jovem e idoso. O art. 226 reconhece a família como base da sociedade e lhe assegura especial proteção do Estado. O art. 229 contempla o princípio da solidariedade familiar, assim expresso: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Do exposto, pode-se afirmar que o indivíduo é o principal responsável pelo atendimento de suas necessidades. Caso enfrente situação que não lhe permita prover o seu sustento, deverá ser amparado por sua família, nos termos da lei de regência (art. 5º, II, da CF). Na hipótese de os familiares legalmente obrigados a colaborar com o sustento do membro carente também não terem condições de fazê-lo, aí sim o indivíduo poderá acionar o Estado, para deste receber assistência social.

Vê-se, portanto, que o BPC-LOAS não é instrumento para afastar o dever de prestar alimentos de modo a “socializar” os gastos da família com seus idosos e dependentes portadores de deficiência. Além disso, não tem por finalidade complementar a renda familiar ou proporcionar maior conforto à parte interessada, mas amparar a pessoa deficiente ou idosa em efetivo estado de miserabilidade.

Estabelecidas essas premissas, sublinho que, no caso concreto, do exame do estudo socioeconômico, constata-se que há situação de miserabilidade a ser tutelada.

Nos termos do § 1º do art. 20 da Lei 8.742/1993, o grupo familiar é composto por quatro pessoas: a autora, seu esposo (idoso) e duas filhas, maiores de idade, sendo que uma delas é pessoa com deficiência.

A renda mensal da família provém exclusivamente da aposentadoria por invalidez concedida ao esposo da autora, no valor aproximado de R$ 1550,00, ou seja, valor pouco superior ao salário mínimo vigente na data da perícia socioeconômica (18/08/2020), nos termos da Lei n. 14.013/2020.

Por conseguinte, a renda per capita é inferior à metade do salário mínimo, fato que, por si só, denota a miserabilidade da autora.

Embora o imóvel em que vivem seja alugado, consiste em uma habitação modesta e o valor gasto com aluguel consome boa parte da renda familiar. A residência encontra-se guarnecida de móveis e eletrodomésticos apenas essenciais, que não destoam da alegada condição de miserabilidade, conforme demonstra também o acervo fotográfico acostado ao laudo socioeconômico (ID 181806466).

Acrescento, por fim, que a autora é analfabeta, não recebe nenhum tipo de benefício e possui outros dois filhos, os quais, além de não residirem com o casal, possuem suas próprias famílias e despesas. Não há quaisquer elementos que permitam concluir que possam arcar com as despesas básicas da mãe idosa, sem prejuízo do próprio sustento.  

Não obstante, a existência de uma filha com deficiência e as condições de saúde do casal idoso acabam por retirar a capacidade laborativa da outra filha.

No ponto, assim restou fundamentada a sentença:

“O laudo de avaliação social informa que ela reside em imóvel pertencente ao programa habitacional do governo, alugado. Não há transporte público. Móveis simples, bem conservados. Não há televisor. A descrição é condizente com as fotos (seq 21). O ambiente, pequenino, juntamente com os móveis que o compõem, é limpo, organizado, mas extremamente modesto. O grupo familiar é composto por quatro pessoas: a autora, o esposo, ambos idosos, doentes, baixa instrução escolar, e duas filhas, maiores. Há ainda dois filhos, que constituíram as respectivas famílias e residem em endereços diversos. Não colaboram para a manutenção da autora. A autora, analfabeta, e suas filhas não participam do orçamento familiar. Foi rurícola e juntou aos autos inúmeros comprovantes médicos de que ela e o marido não gozam de boa saúde. Uma das filhas estudou na APAE e é pessoa com deficiência mental, o que afasta a alegação da ré no sentido de que detém capacidade laboral. É incontroverso que a renda familiar é proveniente da aposentadoria por invalidez percebida pelo marido desde 11/2018 (extrato seq 47, fl. 78), no valor de R$ 1.520,04 (04/2019 - fl. 67), motivo do indeferimento administrativo. Os valores das despesas comprovados à assistente social são razoáveis, porque em compasso com o que ordinariamente se observa. A esse respeito, destaco que o valor dispendido a título de moradia consome boa parcela da receita e, sem dúvida, para a autora, é de valor elevado. Boa parte dos medicamentos é obtido através de farmácia pública, mas há também nos autos comprovantes de gastos (seq 65, fl. 43). A perita aponta, em mais de uma passagem do laudo, que o valor obtido com a aposentadoria é insuficiente para cobrir todas as despesas da família. Não há informações no CNIS acerca de vínculos empregatícios ou exercício de atividade remunerada por quaisquer dos membros do grupo familiar, especialmente pela filha Joana, que, em tese, quem detém condições de prover as despesas do lar. A esta, apontou-se, suas tarefas são circunscritas não apenas às tarefas domésticas, mas também aos cuidados com os pais e com a irmã. Não obstante a aposentadoria seja pouco superior ao limite legal, impõe-se repetir que a renda per capita deve ser conjugada aos demais elementos dos autos, não podendo ser isoladamente considerado um critério seguro para afastar o direito à percepção do benefício. Logo, levando-se em conta as condições humildes de subsistência e bem-estar social, bem como a renda familiar, resta evidenciada a situação de vulnerabilidade social. A autora preencheu, portanto, os requisitos exigidos à concessão do benefício assistencial. (...)”

 

A partir dos elementos que dos autos constam, conclui-se que a autora é idosa e não tem condições de prover seu sustento. Não há familiares que possam ajudá-la sem prejuízo de sua subsistência ou de seus dependentes. Nesse cenário, justifica-se a intervenção do Poder Público por meio do pagamento do BPC-LOAS.

Preenchidos os requisitos legais, o benefício assistencial deve ser deferido.

Nessa esteira, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei 9.099/1995. Destaco que o Supremo Tribunal Federal, sob a sistemática da repercussão geral, chancelou essa prática, fixando a seguinte tese:

“Não afronta a exigência constitucional de motivação dos atos decisórios a decisão de Turma Recursal de Juizados Especiais que, em consonância com a Lei 9.099/1995, adota como razões de decidir os fundamentos contidos na sentença recorrida” (STF, Plenário Virtual, RE 635.729 RG/SP, rel. min. Dias Toffoli, j. 30/6/2011, DJe 23/8/2011, Tema 451). 

Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso da parte ré, nos termos da fundamentação acima.

Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (ou da causa, na ausência daquela), devidos pela parte recorrente vencida. A parte ré ficará dispensada desse pagamento se a parte autora não for assistida por advogado ou for assistida pela DPU (Súmula 421 STJ). Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98 do CPC – Lei nº 13.105/15.

Dispensada a elaboração de ementa na forma da lei.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. IDOSA. 68 ANOS. REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO NA DER. RENDA FAMILIAR PER CAPITA INFERIOR À METADE DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE. RENDA EXCLUSIVAMENTE PROVENIENTE DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DO MARIDO IDOSO EM VALOR POUCO SUPERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE. CASA ALUGADA MODESTA QUE CONSOME BOA PARTE DA RENDA. FILHA MAIOR DE IDADE COM DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE COMPROVADA. BENEFÍCIO CONCEDIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quinta Turma Recursal de São Paulo decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos termos do voto da Relatora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.