Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0003313-21.2021.4.03.6302

RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP

RECORRENTE: VERA LUCIA DE SOUZA

Advogado do(a) RECORRENTE: RODRIGO ANTONIO ALVES - SP160496

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0003313-21.2021.4.03.6302

RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP

RECORRENTE: VERA LUCIA DE SOUZA

Advogado do(a) RECORRENTE: RODRIGO ANTONIO ALVES - SP160496

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso interposto pela parte autora, ora Recorrente, em face da sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido para condenar o INSS a conceder o benefício assistencial de prestação continuada (LOAS Deficiente) em favor da parte autora.

Nas razões recursais, a parte autora requer a concessão do benefício pretendido, por entender estarem preenchidos os requisitos exigidos em lei para o benefício assistencial. Alega estar presente a deficiência de longa duração, bem como, a miserabilidade. Por estas razões, pretende a reforma da r. sentença ora recorrida.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0003313-21.2021.4.03.6302

RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP

RECORRENTE: VERA LUCIA DE SOUZA

Advogado do(a) RECORRENTE: RODRIGO ANTONIO ALVES - SP160496

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

A Constituição Federal, em seu art. 203, V, dispôs sobre “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Regulamentando a matéria, a Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis 9.720/98, 12.435/2011, 13.146/2015, 13.982/2020 e 14.176/2021 estipulou:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.                   (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)        (Vide Lei nº 13.985, de 2020)

§ 1o  Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.                     (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2o  Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.                       (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)         (Vigência)

§ 3º  Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.         (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)

(...)

§ 10.  Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos(Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

(...)

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. 

Portanto, o benefício assistencial pretendido pela parte autora requer dois pressupostos para a sua concessão: de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência ou idade avançada, e de outro lado, sob o aspecto objetivo, o estado de miserabilidade, caracterizado pela inexistência de meios de a pessoa portadora de deficiência ou do idoso prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Do Requisito Subjetivo: Deficiência:

No caso concreto, o conjunto probatório demonstrou não ter a parte autora preenchido o requisito subjetivo para a concessão do benefício, ou seja, não comprovou a sua deficiência para fins do recebimento do benefício assistencial.

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Realizada perícia médica, o perito constatou que a parte autora apresenta “cegueira em olho direito e 20/20 em olho esquerdo já com diagnóstico de lesão. Essa incapacidade gerada por essa lesão impossibilita de periciando conseguir exercer suas atividades habituais sem prejuízo.

Em sua conclusão, o perito afirmou que “periciando apresenta cegueira em olho direito devido a quadro de glaucoma agudo com primeiro laudo apresentado datado de 10/8/2018, já apresentando nessa data acuidade visual de ausência de percepção luminosa em olho direito. Lesão permanente sem perspectiva de melhora visual. Apesar de acuidade visual 2020 em olho esquerdo devido a monocularidade paciente apresenta prejuízo no exercício de suas atividades”.

Vale dizer: a incapacidade laboral da autora ocorre apenas para atividades que exigem visão estereoscópica, o que se dá para poucas profissões, como, por exemplo, para piloto de avião, motorista profissional, ourives, empilhadeirista e microcirurgião. A ausência de visão estereoscópica, entretanto, não impede a realização da maioria das atividades.

Por conseguinte, acolhendo o laudo do perito judicial, especialista em oftalmologia, o juiz entendeu que a autora não preenche o requisito da deficiência previsto no § 2º, do artigo 20, da Lei 8.742/93, estando apta a trabalhar respeitadas suas limitações.

No entanto, recentemente foi promulgada a Lei nº 14.126 de 23.03.2021, que classifica a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, prevendo o seguinte:

“Art. 1º. Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.

Parágrafo único. O previsto no § 2º, do art. 2º, da Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica-se à visão monocular, conforme o disposto no caput deste artigo.”

Assim, a citada lei passou a classificar a visão monocular como deficiência, o que pode ser estendido para o caso em concreto, que a parte autora apresenta deficiência visual, visto que apresenta ausência de percepção luminosa no olho direito e 20/20 no olho esquerdo.

Tanto é assim, que ao concluir o laudo pericial, o perito judicial afirma que as lesões apresentadas são permanentes e sem perspectiva de melhora visual. Apesar de acuidade visual 20/20 em olho esquerdo devido a monocularidade, paciente apresenta prejuízo no exercício de suas atividades; ou seja, há impedimento de natureza física, intelectual ou sensorial, que possa obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

Portanto, ao contrário das conclusões da r. sentença, entendo que restou preenchido o requisito da deficiência sensorial de longa duração (visto que a deficiência perdura há mais de 02 anos), nos termos do art. 20, § 2º, II, da Lei nº 8.742/93 combinado com o art. 1º da Lei nº 14.126 de 23.03.2021, restando claro que para fins do recebimento do benefício assistencial basta a comprovação da deficiência, não sendo o caso de se comprovar também a incapacidade laborativa.

Assim, considero comprovado o requisito subjetivo necessário à obtenção do benefício.

Passo a analisar o critério objetivo, de conteúdo econômico, previsto no artigo 20, §3º da Lei n. 8.742/93.

Do Requisito Objetivo: Miserabilidade

No caso dos autos, o estudo social aponta que a parte Autora (50 anos, solteira) reside com o filho, Natan Gabriel Aparecido de Oliveira (15 anos, estudante do 1º ano do ensino médio). Autora possui mais um filho, porém casado.

Residem em imóvel alugado de 5 cômodos: 01 sala, 01 cozinha,02 quartos e 01 banheiro. O teto é revestido com telha, as paredes são rebocadas e pintadas, o chão é revestido com cimento queimado.

Narra a autora ser portadora de visão monocular após crise de glaucoma agudo; refere enxergar apenas do olho esquerdo. Além da perda do olho direito, possui também diabetes. Faz acompanhamento no AME de Ituverava/SP, além de usar vários medicamentos.

A família adquire uma cesta básica mensal na Promoção Social Municipal.

Consta que trabalhou na função de copeira até dezembro de 2020, quando passou a receber seguro desemprego até junho de 2021 e, a partir de então não possui mais renda.

 

Vale ressaltar, que a renda familiar não deve ser o único critério a ser analisado, sendo certo que as demais circunstâncias familiares também merecem ser observadas no caso em concreto.

A perita consignou que o imóvel é localizado em bairro urbano, sendo asfaltado e possui rede de equipamentos públicos básicos.

As fotografias apresentadas (ID 213390031) permitem aferir que, se trata de imóvel simples (banheiro e cozinha aparentemente com infiltração), e guarnecida de móveis e eletrodomésticos essenciais, suprindo as necessidades básicas do cotidiano.

Com relação a renda familiar, após o mês de junho/2021 passou a ser zero; ou seja, não há mais renda formal declarada.

Assim, pela análise dos requisitos renda per capita inferior a meio salário mínimo, combinado com elementos sociais e de moradia, vislumbro, neste caso, a situação de miserabilidade.

Assim, negar o benefício à parte autora seria condená-la a permanecer o resto da vida em situação de vulnerabilidade e extrema pobreza, contrariando a ordem constitucional, mormente considerando tratar-se de pessoa deficiente, sem meios de prover sua própria subsistência.

Configurados, então, os dois requisitos exigidos em lei para a concessão do benefício, ora pleiteado, a r. sentença deve ser reformada, para fins de conceder o benefício assistencial à parte autora.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso da parte autora para o fim de condenar o INSS a implantar em favor da parte autora o benefício assistencial (LOAS IDOSO) no valor de um salário mínimo desde a DER.

Nos cálculos de liquidação, entre a data da distribuição da ação até a data da expedição do precatório/RPV deve ser aplicada a Resolução vigente do CJF, e, entre a data da expedição do precatório/RPV e o efetivo pagamento, deverá ser aplicada a correção monetária pelo IPCA-E, sendo os juros de mora pelo mesmo índice de remuneração da poupança, nos termos da decisão em repercussão geral do RE 870947 pelo STF (Tema 810 STF).

Tendo em vista a natureza alimentar do benefício e considerando o disposto no art. 43 da Lei nº 9.099/95 e no art. 497 do Código de Processo Civil, concedo tutela específica para determinar a implantação do benefício independentemente do trânsito em julgado.

Deixo de condenar a parte Recorrente ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, visto que somente o Recorrente vencido faz jus a tal condenação, nos termos do art. 55, caput, da Lei 9.099/95.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. VISÃO MONOCULAR. LEI 14.126/21 CONSIDERA DEFICIENTE. PRESENÇA MISERABILIDADE. REFORMA SENTENÇA

1. Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou improcedente o pedido, em razão da ausência da incapacidade da parte autora.

2. Laudo pericial constatou deficiência visual (cegueira olho direito), mas a sentença afastou incapacidade laboral.

3. Lei 14.126 de 23.03.2021 passou a classificar a visão monocular como deficiência.

4. Ausência de renda familiar e presença da miserabilidade.

5. Recurso da parte autora que se da provimento.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, vistos, relatados e discutido este processo, a Décima Quarta Turma Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região, Seção Judiciária de São Paulo decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto da Juíza Federal Relatora Fernanda Souza Hutzler, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.