RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000123-24.2021.4.03.6343
RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: TIAGO MIRANDA DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: LAERCIO LEMOS LACERDA - SP254923-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000123-24.2021.4.03.6343 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: TIAGO MIRANDA DA SILVA Advogado do(a) RECORRENTE: LAERCIO LEMOS LACERDA - SP254923-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso inominado interposto pela parte Autora contra a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão/restabelecimento de benefício por incapacidade. Em suas razões recursais, a parte autora sustenta que houve cerceamento de defesa e que se faz necessária “nova perícia multidisciplinar, médica e socioeconômica, realizada por médico especialista e cotejada com equipe conjunta de assistente social, e especialista em recursos humanos/segurança do trabalho”. No mérito, alega que o laudo pericial produzido contraria os demais documentos médicos apresentados e que suas condições o qualificam como pessoa deficiente. Requer, assim, a nulidade/reforma da sentença, para que lhe seja concedido o benefício de aposentadoria por invalidez. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000123-24.2021.4.03.6343 RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: TIAGO MIRANDA DA SILVA Advogado do(a) RECORRENTE: LAERCIO LEMOS LACERDA - SP254923-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Da arguição de cerceamento de provas. De saída, indefiro os pedidos de designação de perícia social e de perícia no ambiente de trabalho, bem como de produção de laudo pericial médico para avaliar o grau de eventual deficiência com base no conceito de funcionalidade disposto na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, da Organização Mundial de Saúde. A questão de fato objeto da presente demanda se refere à verificação de possível incapacidade, para análise dos demais requisitos para a concessão ou não de benefício por incapacidade. De um lado, não se trata nestes autos de verificação da miserabilidade para análise da viabilidade ou não da concessão do benefício, cujo requisito é exigido em benefício de prestação continuada ao idoso ou ao deficiente, tampouco se trata de pedido de aposentadoria da pessoa com deficiência prevista na lei complementar 142/2013, em que se faria necessário diferenciar se há deficiência grave, moderada ou leve. De outro lado, tratando-se de pedido de concessão de benefício por incapacidade, basta ser constatada a incapacidade, pretérita ou atual, haver qualidade de segurado, o preenchimento do requisito carência, dentre outras questões, que não a análise da miserabilidade ou das especificidades do ambiente de trabalho ou de eventual deficiência. Ademais, o laudo pericial médico produzido no Juizado Especial Federal analisou as repercussões do quadro clínico da parte autora à luz da profissão por ela declarada, qual seja, motorista de táxi autônomo. Prosseguindo, quanto à necessidade de realização de nova perícia com médico especialista, é certo que a perícia médica não precisa ser necessariamente realizada por “médico especialista”, já que, para o diagnóstico de incapacidade laboral ou realização de perícias médicas não é exigível, em regra, a especialização do profissional da medicina, sendo descabida a nomeação de médico especialista para cada sintoma descrito pela parte, exceto se a moléstia narrada for demasiadamente específica e comportar peculiaridades imperceptíveis à qualquer outro profissional médico como entendo ser o caso da psiquiatria. A função primordial do médico perito é avaliar a capacidade ou incapacidade laborativa do segurado, e não realizar tratamento da patologia - hipótese em que a maior especialização e maior qualificação faz toda a diferença no sucesso da terapia - é perfeitamente possível que no caso em concreto, a perícia seja feita por médico especialista em clínica geral ou qualquer outra especialidade afeta a predominância das moléstias elencadas, desde que aborde todas as patologias descritas pelo autor e sobre as quais se verifique documentos médicos que demonstrem seu diagnóstico, tais como atestados médicos, receituários etc. Registre-se a decisão da Turma Nacional de Uniformização que afastou a obrigatoriedade de que perícia seja realizada apenas por especialistas: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. REQUERIMENTO DE SEGUNDA PERÍCIA, POR MÉDICO ESPECIALISTA. DESNECESSIDADE. 1. O artigo 437 do Código de Processo Civil, a respeito, estatui que O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não Ihe parecer suficientemente esclarecida. A regra parte do princípio do livre convencimento: somente determinará a realização de segunda perícia o juiz que não se considerar esclarecido, de maneira segura, pelo primeiro laudo oferecido. A insegurança pode se manifestar até em grau de recurso, o que demandará a anulação da sentença, para fins de elaboração de um segundo exame pericial. 2. É inegável que, em determinadas situações, faz-se mesmo necessário um segundo exame, o que ocorre quando, v.g., é o primeiro laudo insuficiente ou lacônico. A realização de um segundo exame por outro médico, por seu turno, pode se afigurar recomendável quando o próprio perito, em seu laudo, demonstrar insegurança ou sugerir o encaminhamento do periciando a um especialista. Pode-se acrescentar a tais hipóteses as situações em que, dada a natureza da especialidade, não se poderia mesmo cogitar da realização do exame pelo médico designado: na existência de problemas psiquiátricos, exempli gratia, a perícia não poderia ser realizada por um ortopedista. 3. No caso dos autos, não houve hesitação ou sinal de insegurança por parte do perito, o qual se baseou em atestados, em relatórios de exames apresentados pelo autor, bem como no próprio relato deste. Foi afirmado pelo experto, inclusive, que no momento não necessita de outros exames para o laudo pericial atual. Dispensável, portanto, a realização de segunda perícia. 4. Pedido de Uniformização não provido. (PEDIDO 200872510031462, JUÍZA FEDERAL JOANA CAROLINA LINS PEREIRA, DJ 09/08/2010.) Em tal sentido também é o teor do enunciado nº 112 do FONAJEF, o qual dispõe que não se exige médico especialista para realização de perícias judiciais. Aqui, vale mencionar trecho do parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo - CREMESP na resposta à consulta n. 51.337/06, em que se indagava se qualquer médico está apto a realizar perícias médicas: “Qualquer médico está apto a praticar qualquer ato médico e, por isso, qualquer profissional médico pode realizar qualquer perícia médica de qualquer especialidade médica. Não há divisão de perícia em esta ou aquela especialidade. Vale lembrar que a responsabilidade médica é intransferível, cabendo ao profissional que realiza a perícia assumir esta responsabilidade. (Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php? id=8600>. Acesso em: 10 ago. 2012.)” Acresço, por oportuno, que o laudo médico foi produzido em Juízo por médico neurologista, especialidade adequada para avaliar eventuais repercussões funcionais decorrentes de traumatismo cranioencefálico. O laudo médico se mostrou completo e suficiente, tendo o perito analisado as condições clínicas da parte autora, conforme já dito, de acordo com a documentação médica por ela própria apresentada e pelas informações por ela prestadas no momento da perícia, tendo sido a alegada e não demonstrada incapacidade total analisada à luz da ocupação habitual do autor informada nos autos, respondendo a todos os quesitos apresentados pelo Juízo e pelas partes, de forma adequada e permitindo a prolação de sentença, não tendo sido afirmada pelo perito em qualquer momento a insuficiência da prova ou a necessidade de realização de nova perícia com médico de outra especialidade. Assim, está correta a sentença quanto ao indeferimento do requerimento de provas. Ao julgador cabe decidir sobre a utilidade, ou necessidade das provas, indeferindo as diligências inúteis, ou meramente protelatórias. Nesse sentido colaciono o entendimento E. STJ: “STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AREsp 594106 MG 2014/0255925-3 (STJ) .Data de publicação: 10/03/2015 Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO QUE DECIDIU A LIDE COM APOIO NAS PROVAS E FATOS COLIGIDOS NOS AUTOS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. . "Entendendo o julgador que há elementos suficientes para o julgamento da lide, em razão das provas já produzidas no processo, não há que se falar em cerceamento de defesa, pelo indeferimento de prova pericial, a teor do art. 420, parágrafo único do CPC (Precedentes: REsp n.º 215.011/BA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJU de 05/09/2005)" 2. Nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil, cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias, sempre em busca de seu convencimento racional. 3. O juízo acerca da produção da prova compete soberanamente às instâncias ordinárias e o seu reexame, na estreita via do recurso especial, encontra óbice Súmula n° 7 do STJ. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido.” Afasto, portanto, a arguição de nulidade da sentença. Passo ao exame do mérito. O artigo 1.013 do Código de Processo Civil preconiza que o recurso devolve à instância recursal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas desde que relativas ao capítulo impugnado. O benefício do auxílio doença tem previsão legal no artigo 59 da Lei 8.213/1991, exigindo o preenchimento de três requisitos: i) manutenção da qualidade de segurado; ii) incapacidade total e temporária para o exercício da atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos; e iii) cumprimento do período de carência exigido pela lei. Por sua vez, o benefício de aposentadoria por invalidez tem previsão nos artigos 42 a 47 da Lei 8.213/1991, e também exige o preenchimento de três requisitos: i) manutenção da qualidade de segurado; ii) incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a subsistência; e iii) cumprimento do período de carência exigido pela lei. Por fim, o benefício de auxílio acidente tem previsão legal no artigo 18, I, h e § 1º bem como no artigo 86 da Lei 8.213/91, sendo concedido, apenas aos segurados empregados, avulsos e especiais, como indenização, ao segurado que, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, permanecer com seqüelas que impliquem na redução da capacidade para o trabalho que anteriormente exercia. Para fazer jus a este benefício, igualmente é necessária a qualidade de segurado, não existindo, no entanto, qualquer carência a ser cumprida (art. 26, I da Lei 8.213/91). Caso concreto. De saída, observo ter restado incontroverso nos autos que a parte autora não têm direito à concessão de benefício de auxílio-acidente em razão de suas contribuições como contribuinte individual. Apenas em complementação, à data do acidente narrado nos autos, a parte autora já era contribuinte individual e, portanto, a ela não se aplicava mais o regime dos empregados, lembrando que os benefícios previdenciários são regidos pelo princípio do tempus regit actum. Por fim, a questão foi julgada pela TNU, em feito de minha relatoria, Tema 201, sendo definida a seguinte tese: O contribuinte individual não faz jus ao auxílio-acidente, diante de expressa exclusão legal. O feito transitou em julgado em 28/07/2020. Assim, passo a julgar o pedido de concessão de benefício de aposentadoria por invalidez. A parte autora, 35 anos, ensino médio, taxista autônomo, foi submetida a perícia na especialidade de NEUROLOGIA em 16/03/2021, que concluiu pela incapacidade parcial e permanente para o trabalho, mas podendo exercer sua atividade habitual mediante uso de carro adaptado. Vejamos o que disse o laudo, em síntese: “(...) I. Qualificação do autor Nome: Tiago Miranda da Silva Estado civil: Casado Sexo: Masculino Data de Nascimento: 03/10/1986 CPF: (...) Escolaridade: Ensino médio Profissão / formação técnica: Ajudante geral, auxiliar de sala de mistura. Autônomo como taxista. (...) IV. Resultados O periciando solicita o benefício por relatar ter suas condições laborativas restringidas por não ter força na mão esquerda e apresentar espasmos ipsilateral. Refere que seu quadro é decorrência de traumatismo cranioencefálico por acidente motociclístico não relacionado ao trabalho. Sumário de alta é de 15/11/2017 e admissão ocorreu em 19/10/2017. Não disponibilizou exames de imagem, somente laudos. Há escassez de documentos médicos referente à sua evolução clínica após alta de 2017. Não há documentos médicos informando seu quadro clínico após 2017. Exame físico Periciando alerta, orientado no tempo e espaço. Linguagem com compreensão e expressão normais. Periciando interage de maneira adequada com o examinador. Praxias e gnosias normais. Equilíbrio estático e dinâmico: marcha levemente parética à esquerda. Encurva-se, levanta-se e senta-se sem dificuldades. Força grau 4/5 em membro inferior esquerdo. (0=plegia, 5=força normal) Coordenação axial e apendicular normais. Não foram identificadas amiotrofias, retrações tendíneas. Motricidade automática e passiva normais. Reflexos miotáticos fásicos mais facilmente obtidos à esquerda. Sensibilidade superficial normal. Não foram observadas alterações autonômicas. Teste de estiramento nervoso bilateral negativo. Nervos cranianos normais. V. Análise e discussão: Com base na documentação disponibilizada e dados obtidos no exame físico e exame clínico, verifico que o periciando apresenta leve paresia de membro inferior esquerdo decorrente de traumatismo craniano ocorrido em 20/10/2017. Tal condição impõe limitações ao exercício de suas atividades laborativas como taxista em carro comum não adaptado. VI. Com base nos elementos expostos e analisados, conclui-se: Foi constatada incapacidade parcial e permanente. (...) 2. Qual a profissão declarada pela parte autora? R. Motorista de táxi autônomo. 3. O periciando é portador de doença ou lesão? R. Sim. 3.1. A doença ou lesão decorre de doença profissional ou acidente de trabalho? R. Não. 3.2. O periciando comprova estar realizando tratamento? R. Sim. 4. Em caso afirmativo, esta doença ou lesão o incapacita para seu trabalho ou sua atividade habitual? Discorra sobre a lesão incapacitante tais como origem, forma de manifestação, limitações e possibilidades terapêuticas. Esclarecer se há relação da patologia com o trabalho declarado, bem como a origem da enfermidade. Informar se foi apresentado algum exame complementar, descrevendo-o. R. Foi constatada incapacidade parcial e permanente. Quadro clínico descrito nos itens IV e V. Não há correlação com o trabalho declarado. 5. Caso a incapacidade decorra de doença, é possível determinar a data de início da doença? R. 19/10/2017. 6. Informe o senhor perito quais as características gerais (causas e consequências) das patologias encontradas na parte autora? Qual o grau de intensidade das patologias, inclusive no tocante à possibilidade de controle e tratamento do quadro. Conclua o Senhor Perito se as patologias conduzem a um quadro de: A) capacidade para o trabalho; B) incapacidade total para o trabalho ; C) incapacidade parcial, estando apta a exercer suas atividades habituais; D) incapacidade parcial, não estando apta a exercer suas atividades habituais; E) no caso de ser constatada incapacidade parcial e permanente (redução de capacidade) R. E. 7. Constatada a incapacidade, é possível determinar se esta decorreu de agravamento ou progressão de doença ou lesão? R. Não. 7.1. Caso a resposta seja afirmativa, é possível estimar a data e em que se baseou para fixar a data do agravamento ou progressão. R. Não se aplica. 8. É possível determinar a data de início da incapacidade? Informar ao juízo os critérios utilizados para a fixação desta data, esclarecendo quais exames foram apresentados pelo autor quando examinado e em quais exames baseou-se para concluir pela incapacidade e as razões pelas quais agiu assim. R. 19/10/2017, data do traumatismo cranioencefálico. 9. Constatada incapacidade, esta impede totalmente ou parcialmente o periciando de praticar sua atividade habitual? R. Foi constatada incapacidade parcial e permanente. 10. Caso a incapacidade seja parcial, informar se o periciando teve redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, se as atividades são realizadas com maior grau de dificuldade e que limitações enfrenta. R. Apresenta necessidade de uso de carro adapatado. 11. Em caso de incapacidade parcial, informar que tipo de atividade o periciando está apto a exercer, indicando quais as limitações do periciando. R. As mesmas atividades habituais com necessidade de carro adaptado. (...)” Quanto à menção de incapacidade parcial, é preciso destacar que o próprio perito, que é neurologista, afirmou que a parte autora pode realizar “As mesmas atividades habituais com necessidade de carro adaptado”. Segundo o laudo, a parte autora apresenta leve paresia de membro inferior esquerdo, marcha levemente parética à esquerda e força grau 4 (sendo 5 o normal). Todavia, ainda segundo o laudo, ela pode desempenhar as mesmas atividades habituais. O autor apresenta linguagem com compreensão e expressão normais, sensibilidade superficial normal e movimentos de encurvar-se, levantar-se e sentar-se sem dificuldades. Pois bem. Para essa leve limitação na perna esquerda, entendo que a adaptação necessária se resume ao uso de veículo com troca automática de marchas. Se a parte autora está apta para realizar sua atividade habitual de motorista de táxi autônomo com adaptação comum e disponível na maioria dos veículos comercializados no Brasil, em todas as faixas de preço, não há que se falar em reabilitação. Assim, a despeito de a parte autora apresentar incapacidade parcial para o desempenho de suas atividades em alguns veículos, a prova dos autos é conclusiva no sentido de que a parte autora pode realizar sua atividade habitual em veículo automático, compatível com suas restrições. E se não há incapacidade para o trabalho habitual em veículo que não exija o uso da perna esquerda para sua operação, fica prejudicada a análise de outros pressupostos, requisitos e exigência, quedando o pedido manifestamente improcedente, pois a parte autora não atende as exigências da Lei 8.213/91, arts.42, art. 59. Na esteira, não se pode afastar o laudo pericial senão com argumentos técnicos, que demonstrem equívocos de constatação ou erros de avaliação médica. Vale ressaltar que a prova pericial realizada judicialmente é soberana a todas as outras provas para a avaliação da capacidade ou não da parte autora. Vale dizer ainda, que o perito judicial tem fé pública e ao realizar a perícia e elaborar o laudo, analisa todos os documentos médicos juntados aos autos e os porventura trazidos na perícia. As conclusões do médico do Detran, descritas nas razões recursais, não infirmam a conclusão do laudo judicial. A parte autora não apresentou nenhum documento do órgão de trânsito que lhe negasse a possibilidade de condução profissional de veículo adaptado. Ademais, o suposto exame fora realizado em 02/03/2021, portanto antes da perícia no Juizado Especial Federal (16/03/2021), mas não influenciou nas conclusões do laudo judicial, o qual nem sequer foi impugnado pela parte recorrente no prazo concedido pelo juízo a quo. Observe-se, por oportuno, que o próprio laudo médico que instrui a inicial limita-se a descrever as sequelas do autor, sem informar nenhum grau de incapacidade laboral. De qualquer modo, o laudo pericial não merece reparo, pois suficientemente claro, conclusivo e fundado em elementos objetivos extraídos da documentação médica e do exame clínico da parte autora. As razões oferecidas pela recorrente não possuem o condão de afastá-lo. Estas não apresentam informações ou fatos novos que justifiquem a desconsideração do laudo apresentado, a realização de novas perícias, ou ainda o retorno dos autos ao perito para esclarecimentos. O perito judicial que elaborou o laudo em referência é imparcial e de confiança deste juízo e o laudo por ele elaborado encontra-se claro e bem fundamentado. Com efeito, não obstante o artigo 42, §1º, da lei n. 8213/91 seja cristalino ao exigir a prova de tal incapacidade mediante a realização de “exame médico-pericial” na via administrativa, na via judicial é de conhecimento notório a existência dos princípios da liberdade de provas (artigo 369, do NCPC) e do livre convencimento motivado do magistrado (artigo 371, do NCPC), o que abre, inicialmente, a possibilidade de reconhecimento da existência de incapacidade laboral por outros meios de prova que não a pericial. Destaque-se que, embora o magistrado não esteja adstrito ao laudo elaborado pelo perito judicial, é certo que, não havendo elementos nos autos que sejam aptos a afastar suas conclusões, tal prova deverá ser prestigiada, posto que equidistante do interesse de ambas as partes. A perícia médica tem por escopo não somente analisar os exames e relatórios médicos apresentados pela parte como também validar, pelo exame clínico, os resultados e impressões dos médicos da parte autora em conjunto com a profissão por ela exercida. Digo inicialmente porque, se é inegável que o sistema de produção probatória firmado pelo Código de Processo Civil não é tarifado, também é cristalino que a comprovação da incapacidade laboral, sempre fundada em doença ou lesão, tem na prova pericial médica seu mais importante e poderoso instrumento. Isso porque tal constatação depende de conhecimentos técnicos na área da Medicina, o que aponta exatamente para a necessidade de realização de prova pericial, a cargo do perito como auxiliar de confiança do juízo. Tal conclusão decorre inexoravelmente do prescrito pelos artigos 149 e 156, do Novo Código de Processo Civil: “Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias. (...) Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico. § 1o Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. § 2o Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados. § 3o Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, a atualização do conhecimento e a experiência dos peritos interessados. § 4o Para verificação de eventual impedimento ou motivo de suspeição, nos termos dos arts. 148 e 467, o órgão técnico ou científico nomeado para realização da perícia informará ao juiz os nomes e os dados de qualificação dos profissionais que participarão da atividade. § 5o Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia.” No concernente à realização em si da prova pericial e suas formalidades e exigências, a primeira constatação decorre do prescrito pelo artigo 465, caput, do NCPC, que exige que o perito seja “especializado no objeto da perícia”. Outrossim, o artigo 473, do NCPC traz os elementos que deverão constar no corpo dos laudos periciais, a saber: i) a exposição do objeto da perícia; ii) a análise técnica ou científica realizada pelo perito; iii) a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou; iv) resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo Órgão do Ministério Público. Por fim, o artigo 477, §2º, do NCPC arrola as duas hipóteses nas quais cabe o esclarecimento, pelo perito, de pontos levantados pelas partes: i) sobre o qual exista divergência ou dúvida de qualquer das partes, do juiz ou do órgão do ministério Público; ii) divergente apresentado no parecer do assistente técnico da parte. De todo o exposto, verifico que, cumpridos os requisitos legais apontados pelos artigos 465 e 473, do NCPC, o laudo pericial é idôneo, somente sendo admissível sua impugnação em dois casos: i) quando levantada divergência pelo assistente técnico da parte; ii) quando apontada divergência ou dúvida pela própria parte. Por evidente que tais divergências e/ou dúvidas deverão estar devidamente fundamentadas, de forma pormenorizada e individualizada, além de dizer respeito a fatos ou contradições existentes no corpo do laudo pericial, não cabendo insurgências em termos de não aceitação das conclusões lançadas ou a envolver matéria de direito. Tratando-se de perícia médica na área da saúde, sem a presença de patologia complexa e incomum, basta que seja designado profissional capacitado para tanto e regularmente inscrito no respectivo conselho de fiscalização, prescindindo-se da especialização correspondente à enfermidade alegada. No caso em tela, restou incontroversa a impossibilidade de concessão de auxílio-acidente. Realizada a perícia médica, restou comprovada, de forma peremptória, a capacidade laboral da parte autora para sua atividade habitual de motorista de táxi, mediante uso de carro com troca automática de marchas. Impõe-se observar, ainda, que no próprio laudo não se nega a existência de enfermidades ou redução parcial da capacidade para o trabalho. O que nele se deixa assente é que inexiste incapacidade para o trabalho habitual caso ele seja realizado em veículo adaptado de fácil aquisição a custo acessível no mercado nacional. Impende salientar que o requisito legal para a concessão do benefício é a incapacidade (permanente para a aposentadoria por invalidez e temporária para o auxílio-doença) e não meramente a enfermidade, a qual, por si só, desvinculada daquela, não engendra direito à percepção. A lide é fruto da discordância entre os fatos alegados e documentos médicos trazidos pela parte autora e o parecer igualmente médico do perito do INSS. É justamente pela contrariedade de dois pareceres unilaterais - o da parte e o do INSS, acerca da mesma situação que surge a necessidade de produção da prova médica em Juízo. Em que pese a isenção que se espera de cada uma das partes envolvidas (requerente e INSS), o meio idôneo para dirimir a controvérsia é através da perícia judicial feita a cargo de médico de confiança do Juízo, perícia esta que também prevalece, para fins previdenciários, sobre eventuais conclusões de médicos de órgão de trânsito. Assim, como não se pode dar ganho de causa a ambas as partes o resultado da demanda não é outro senão a contrariedade de um dos arcabouços de documentos médicos produzidos. Do espírito legislativo dos benefícios por incapacidade. Na sentença, o magistrado fez uma análise minuciosa das provas e concluiu pela inexistência de incapacidade total decorrente das moléstias apresentadas. Restou incontroverso o não cabimento de auxílio-acidente. O cotejo das provas considerou o espírito da legislação que previu a concessão de benefícios previdenciários como substitutivo de renda (no caso, aposentadoria por invalidez e auxílio-doença) e não para amparo a velhice para o qual está prevista a aposentadoria por idade. De fato, a proteção previdenciária pelo risco idade avançada ou os benefícios para a aposentadoria da pessoa com deficiência não se confundem com a proteção previdenciária pelo risco incapacidade laborativa. A proteção previdenciária ao risco incapacidade laborativa está amparada pela aposentadoria por invalidez e pelo auxílio-doença, cujos requisitos necessários para a concessão constam da sentença. A proteção previdenciária ao risco da idade avançada tem amparo na aposentadoria por idade que será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida em lei, completar 65 anos de idade, se homem, e 60, se mulher (LBOS, at. 48, “caput”). A aferição da incapacidade laborativa somente do ponto de vista socioeconômico ou etário, desconsiderando-se por completo o estado clínico do segurado, fere a natureza da perícia médica que visa constatar a existência de limitação funcional para o exercício da atividade laboral para a qual aquele segurado esteja habilitado. Portanto, não havendo incapacidade para o trabalho, desde que se utilize veículo com troca automática de marchas, conclusão que emerge da prova dos autos, a análise da condição socioeconômica da parte autora resta prejudicada, nos termos da súmula 77 da TNU. Esta análise só seria pertinente em caso de constatação de incapacidade laborativa total e temporária ou parcial e permanente, a fim de verificar se, diante do caso concreto, os fatores pessoais indicam a impossibilidade ou a grande dificuldade de reinserção do segurado no mercado de trabalho, cabendo ao juiz ponderar e conceder o benefício adequado. De qualquer modo, observo que as condições pessoais não conduzem à concessão de aposentadoria por invalidez. O autor é muito jovem (35 anos). Possui escolaridade (ensino médio) e experiência adequada para o exercício da atividade de motorista de táxi autônomo. Não foi apresentado nenhum documento médico que infirme a conclusão de que ele pode dirigir profissionalmente veículo adaptado. Sua sequela na perna esquerda é leve e compatível com a condução de veículo com troca automática de marchas. Trata-se de veículo comumente encontrado no mercado em todas as faixas de preço de veículos utilizados por taxistas. Assim, a sentença não merece reforma, pois em consonância com a Súmula 77 da TNU “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.” Do Princípio in Dubio pro Misero Os princípios que informam e norteiam o direito previdenciário sob o ponto de vista da integração da norma (exegese), devem ser aplicado sempre que haja dúvida na aplicação do direito ao caso concreto. No caso dos autos, a condição de parcos recursos da parte autora ou de retração do mercado de trabalho não afasta a conclusão de que está capaz para o exercício de sua atividade de motorista autônomo de táxi, não demandando necessidade de integração da norma. Do princípio da dignidade da pessoa humana Não há que se falar em malferimento do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que a decisão que negou o benefício face o não preenchimento dos seus requisitos não atingiu direitos personalíssimos e está de acordo com a legislação vigente e as garantias constitucionalmente previstas. Assim, ante a falta de comprovação da incapacidade, a parte autora não faz jus ao benefício pleiteado e a sentença deve ser mantida. Posto isso, nego provimento ao recurso. Condeno o(a) recorrente Autor(a) vencido(a) ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. Para o beneficiário da gratuidade de justiça, o pagamento da verba honorária se sujeita ao disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil. É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO DESFAVORÁVEL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. SÚMULA 77/TNU. PREVALÊNCIA DO LAUDO JUDICIAL EM RELAÇÃO AS DEMAIS PROVAS. IMPARCIALIDADE.
1. A incapacidade para o exercício de atividade laborativa deve ser comprovada nos autos, por prova técnica, para que a parte possa fazer jus à percepção de qualquer benefício por incapacidade, não bastando a existência de doença.
2. Caso em que a perícia realizada, que levou em consideração a documentação juntada nos autos e o exame clínico presencial, não constatou incapacidade para o exercício da atividade de motorista de táxi autônomo em veículo adaptado.
3. Uma vez inexistente incapacidade, não há falar em análise de condições pessoais e socioeconômicas para a concessão de benefício. Inteligência da Súmula 77/TNU.
4. Recurso a que se nega provimento.