Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001343-79.2019.4.03.6326

RELATOR: 42º Juiz Federal da 14ª TR SP

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RECORRIDO: MARIA ALVES DE ALMEIDA

Advogados do(a) RECORRIDO: RAFAEL CARDOSO DE CAMARGO - SP407659-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001343-79.2019.4.03.6326

RELATOR: 42º Juiz Federal da 14ª TR SP

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

RECORRIDO: MARIA ALVES DE ALMEIDA

Advogados do(a) RECORRIDO: RAFAEL CARDOSO DE CAMARGO - SP407659-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

Tratam-se de recursos interpostos contra sentença que reconheceu o período de atividade rural entre 27/11/1967 A 31/12/1972. Não foi determinada a concessão de aposentadoria.

O INSS alega a impossibilidade do reconhecimento do período rural descrito na sentença, por insuficiência probatória.

Já a parte autora recorre para que seja reconhecido todo o período de atividade rural entre 24/01/1962 e 31/12/1985, com a concessão de aposentadoria por idade híbrida.

A parte autora apresentou contrarrazões.

É o breve relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0001343-79.2019.4.03.6326

RELATOR: 42º Juiz Federal da 14ª TR SP

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

RECORRIDO: MARIA ALVES DE ALMEIDA

Advogados do(a) RECORRIDO: RAFAEL CARDOSO DE CAMARGO - SP407659-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

Da atividade rural

Inicialmente, cabe salientar que a aposentadoria por idade é devida ao trabalhador urbano ou rural que, cumprida a carência legal do benefício, tenha completado 65 anos de idade, se homem, ou 60 anos, se mulher, no caso da aposentadoria por idade urbana e 60 anos, se homem, ou 55 anos de idade, se mulher, no caso da aposentadoria por idade rural, tudo nos termos do art. 48 e §1º da Lei n.º 8.213/91.

A carência legal, em regra, é de 180 (cento e oitenta) meses, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/91. Todavia, o art. 142 da mesma lei reduz o prazo em questão, para os trabalhadores inscritos na Previdência Social Urbana até 24/07/1991, de acordo com a tabela nele prevista.

Há que se ressaltar ainda que não se exige a concomitância dos requisitos para a concessão do benefício, bastando que se comprove a carência necessária correspondente ao ano em que o segurado completa a idade mínima.

Nesse sentido, a norma do art. 3º, § 1º, da Lei 10.666/2003, segundo a qual, “na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício”.

Assim, não há que se falar na aplicação da regra do art. 24, parágrafo único, da Lei 8.213/91, que impõe o recolhimento de no mínimo um terço do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência, quando verificada a perda da qualidade de segurado que, pois a lei dispensou a demonstração desta quando o segurado tenha atingido a idade exigida e a quantidade de meses de contribuição necessários para a carência relativa ao ano de implementação da idade.

Trabalhador rural, nos termos do §1º acima citado, são aqueles referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11, ou seja, trabalhador rural empregado, contribuinte individual, trabalhador avulso ou segurado especial. 

Para tanto, o §2º do mesmo dispositivo legal exigia que o segurado comprovasse o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido.

Porém, posteriormente, a Lei 11.718/2008, alterando a redação da lei, introduziu o §3º, o qual passou a prever que “os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher”, instituindo assim o que se passou a denominar de aposentadoria por idade híbrida.     

Assim, a aposentadoria por idade passou a ser disciplinada da seguinte forma:

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.  

§ 2o  Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período  a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.   

§ 3o  Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.    

§ 4o  Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto  no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. 

 

Com a nova regra do §3º, atentou-se o legislador a uma realidade muito comum no nosso país, em que boa parte dos trabalhadores rurais deixaram o campo para migrarem para os grandes centros urbanos, permitindo que houvesse o cômputo do tempo de exercício de atividade rural juntamente com o tempo de atividade urbana para fins de cumprimento da carência exigível para a concessão do benefício de Aposentadoria por Idade, observando, com isso, os princípios constitucionais da universalidade da cobertura e atendimento e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais.

Administrativamente, o INSS sustenta a impossibilidade de o trabalhador urbano obter os benefícios do cômputo de carência híbrida previsto no §3º do art. 48 da LBPs, argumentando que a novel norma explicitamente aduziu apenas a “trabalhadores rurais” que não disponham de todo o período necessário para o adimplemento da carência exigida pelo benefício em tempo exclusivamente rural, partindo, portanto, de uma interpretação literal do citado dispositivo legal, a excluir da sua incidência os trabalhadores rurais que passaram a ser urbanos na época do requerimento.

Entendo, porém, que a interpretação do §3º do art. 48 da LBPS não deve ser literal, mas sim teleológica e atenta à mens legis na qual se baseou a gênese do citado dispositivo legal, ou seja, o notório fato de que vários trabalhadores rurais perderam essa condição em razão do êxodo rural para os centros urbanos ocorrido nas últimas décadas.

De outra forma, não faria qualquer sentido a alteração legislativa, estaria o legislador a punir duramente os segurados que optaram pela busca da melhoria de vida no cenário urbano, acarretando, desse modo, a impossibilidade de usufruir da contagem híbrida prevista no §3º do art. 48 da LBPS, como pretende a autarquia previdenciária.

Ademais, caso mantida tal interpretação, acabaríamos por impor a muitos trabalhadores urbanos - que já há muito deixaram o vínculo com a terra - terem que fazer o caminho inverso, ou seja, migrarem para a zona rural para exercerem novamente o labor campesino, por pelo menos um dia, para que possam ser qualificados novamente como trabalhadores rurais para só então, a partir daí, requererem as suas aposentadorias por idade com a utilização da contagem híbrida para fins de carência, incentivando, ademais, fraudes.

Resta claro, portanto, que a exigência de que o segurado seja trabalhador rural quando do requerimento administrativo para a concessão da aposentadoria por idade híbrida prevista no §3º do art. 48 da LBPS atenta contra os fins sociais a que a norma se dirige, bem como viola as exigências do bem comum, que devem guiar o intérprete da lei. 

Poder-se-ia invocar ainda a norma do art. 55, §2º da Lei 8.213/91, que impede a contagem do tempo em que não houve recolhimento de contribuições para efeito de carência, in verbis:

 

 “O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência”, conforme dispuser o regulamento.”

 

Porém, penso que esta não pode se sobrepor à novel redação do art. 48, §§ 3º e 4º da referida lei, que criou nova modalidade de aposentadoria permitindo aqueles que somassem tempo de serviço urbano e rural pudessem computar no prazo da carência o período rural, independente do recolhimento de contribuições.

Nesses casos, porém, não se aplica o redutor da idade rural, mas mantém-se a idade da aposentadoria urbana, de 65 e 60 anos para homens e mulheres, respectivamente.

No mesmo sentido da possibilidade de concessão da aposentadoria por idade híbrida, independente do exercício de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício já decidiu a TNU:

 

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 17 DO RITNU). PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA HÍBRIDA POR IDADE. ARTIGO 48, § 3º, LEI 8.213/91. ATIVIDADE RURAL OU URBANA ANTES DO REQUISITO ETÁRIO OU REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INDIFERENÇA. IDADE MÍNIMA A SER CONSIDERADA – A MESMA EXIGIDA PARA A APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO TEMPO RURAL ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 8.213/91, PARA FINS DE CARÊNCIA, SEM RECOLHIMENTOS. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO STJ. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. QUESTÃO DE ORDEM 20/TNU. (...) 4. Assim, o autor interpôs o presente incidente de uniformização, alegando divergência do acórdão hostilizado com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e da TNU, no sentido de que cabível a concessão da aposentadoria por idade híbrida ou mista, não importando a natureza da atividade do segurado ao tempo do requerimento administrativo ou cumprimento do requisito etário. Como paradigmas, citou o REsp 1.367.479/RS e PEDILEF 5000957-33.2012.4.04.7214. (...) 13. Em face do exposto, CONHEÇO E DOU PARCIAL PROVIMENTO ao incidente para, com fulcro na Questão de Ordem 20 desta TNU, anular a sentença e acórdão, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para novo julgamento, com adequação ao seguinte entendimento: (a) a Lei n.º 11.718/2008, ao alterar o art. 48 da Lei n.º 8.213/91, conferiu ao segurado o direito à aposentadoria híbrida por idade, possibilitando, na apuração do tempo de serviço, a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano; (b) para fins do aludido benefício, irrelevante a natureza do trabalho exercido no momento anterior ao cumprimento da idade mínima ou requerimento da aposentadoria (rural ou urbano); (c) o tempo de serviço rural anterior ao advento da Lei n. 8.213/91 – objeto de discussão e exame no presente feito - pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições. (d) para a aposentadoria híbrida, o requisito etário é o mesmo exigido para a aposentadoria por idade urbana, ou seja, 65 (sessenta e cinco) anos para o homem e 60 (sessenta) para a mulher, não havendo a redução de idade em cinco anos, prevista para a aposentadoria por idade rural. 14. Incidente julgado como representativo de controvérsia, nos termos do art. 17, VII, do Regimento Interno da TNU, aprovado pela Resolução CJF-RES-2015/00345, de 02/06/2015. (PEDILEF Nº 5009416-32.2013.4.04.7200. Relatora: Juíza Federal Ângela Cristina Monteiro. DJ: 20/1016).

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA MISTA OU HÍBRIDA. CONTAGEM DE TEMPO RURAL PARA APOSENTADORIA URBANA. APLICAÇÃO EXTENSIVA DO ATUAL DO ARTIGO 48, § 3º E 4O. DA LEI DE BENEFÍCIOS. DIRETRIZ FIXADA PELA SEGUNDA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNA DE JUSTIÇA NO RECURSO ESPECIAL 1.407.613. ISONOMIA DO TRABALHADOR RURAL COM O URBANO. APOSENTADORIA POR IDADE NA FORMA HÍBRIDA PERMITIDA TAMBÉM PARA O URBANO QUANDO HOUVER, ALÉM DA IDADE, CUMPRIDO A CARÊNCIA EXIGIDA COM CONSIDERAÇÃO DOS PERÍODOS DE TRABALHO RURAL.PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. (PEDILEF 50009573320124047214. Relator: Juiz Federal Bruno Carrá. DOU: 19/12/2014).  7. Como se vê, a sentença e o acórdão recorrido encontram-se dissonantes do posicionamento consolidado desta Corte Uniformizadora, razão pela qual devem ser anulados para novo julgamento. 8. Incidente conhecido e parcialmente provido para reafirmar a tese no sentido de que: (a) a Lei n.º 11.718/2008, ao alterar o art. 48 da Lei n.º 8.213/91, conferiu ao segurado o direito à aposentadoria híbrida por idade, possibilitando, na apuração do tempo de serviço, a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano; (b) para fins do aludido benefício, irrelevante a natureza do trabalho exercido no momento anterior ao cumprimento da idade mínima ou requerimento da aposentadoria (rural ou urbano); (c) o tempo de serviço rural anterior ao advento da Lei n. 8.213/91 pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições. (d) para a aposentadoria híbrida, o requisito etário é o mesmo exigido para a aposentadoria por idade urbana, ou seja, 65 (sessenta e cinco) anos para o homem e 60 (sessenta) para a mulher, não havendo a redução de idade em cinco anos, prevista para a aposentadoria por idade rural. Nos termos da Questão de Ordem nº 20 da TNU, anulação da sentença e do acórdão, determinando-se o retorno dos autos à origem para que seja proferido novo julgamento, conforme a tese jurídica fixada por esta Corte.

 

Assim, para concessão da aposentadoria por idade híbrida, com a aplicação do disposto no §3º do art. 48 da LBPS, deve o homem ter a idade de 65 (sessenta e cinco) anos de idade e a mulher 60 (sessenta), devendo a renda mensal do benefício ser calculada, nesta hipótese, com a observância da regra do inciso II do art. 29 da LBPS, computando-se no período de atividade rural, para efeito de salário-de-contribuição, o valor de um salário mínimo nos termos do §4º do art. 48 da LBPS.

Em reforço a essa conclusão, cabe também registrar a redação do §4º do art. 51 do Decreto n.º 3.048/99, incluído pelo Decreto n.º 6.722/2008, que veio regulamentar o novo preceito legal:

 

Art. 51.

(...)

§ 2º Os trabalhadores rurais de que trata o caput que não atendam ao disposto no § 1o, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos, se mulher.

§ 3º Para efeito do § 2º, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado na forma do disposto no inciso II do caput do art. 32, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo do salário-de-contribuição da previdência social.

§ 4º Aplica-se o disposto nos §§ 2º e 3º ainda que na oportunidade do requerimento da aposentadoria o segurado não se enquadre como trabalhador rural. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008). (destaque em negrito nosso)

 

Como se vê, o Regulamento da Previdência Social admitiu expressamente a possibilidade da soma de tempo urbano com rural, inclusive quando o segurado não mais se enquadre como trabalhador rural no momento do requerimento da benesse, como aqui defendido.

Por essas razões, entendo que o respectivo dispositivo legal deve ser interpretado a fim de permitir que qualquer segurado que tenha sido trabalhador rural possa computar para efeito de carência o tempo de atividade rural juntamente com o tempo de atividade urbana.

Nos termos do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e de acordo com a jurisprudência consubstanciada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, é possível a comprovação do trabalho rural mediante a apresentação de início de prova documental, devendo esta, quando insuficiente, ser complementada por prova testemunhal.

Início de prova material, conforme a própria expressão traduz, não indica completude, mas sim começo de prova, elemento indicativo que permita o reconhecimento da situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios.

O art. 106 da Lei 8.213/91 dispõe sobre a forma de comprovação do exercício da atividade rural. Contudo, o rol de documentos a que alude o art. 106 da mesma Lei nº 8.213/91 não é taxativo, cedendo passo ao exame das provas coligidas aos autos segundo o prudente arbítrio do juiz, a teor do que dispõe o artigo 131 do Código de Processo Civil.

Ademais, se é certo que a prova material deve ser contemporânea aos fatos (Súmula 34 da TNU) que se pretende provar, não se afigura razoável o estabelecimento a priori de um período com relação ao qual a prova documental - natureza mais comum da prova material - tenha eficácia, seja tal período de um mês, um semestre ou um ano, como tem se orientado a autarquia.

Ou seja, a existência de início de prova material e o período com relação ao qual esta produz efeitos deve ser avaliado em concreto, considerando-se o conjunto probatório integralmente.

Em razão da dificuldade de se obter provas para a comprovação da atividade rural, entendo que qualquer documento confeccionado na época abrangida pelo pedido pode servir de início de prova material, desde que hábil e idôneo que, quando integrado às demais provas dos autos leve à convicção de que houve a prestação de serviço. Ressalto ainda que os documentos em nome dos genitores ou cônjuges e companheiros(as) aproveitam ao requerente, pois desenvolvido o trabalho em regime de economia familiar, os atos negociais, em regra, são formalizados em regra pelo seu chefe de família, em regra o pai. A jurisprudência pátria, a propósito, é tranquila quanto à aceitação de documentos em nome do pai como início de prova material a comprovar trabalho rural (Precedentes do STJ e TNU).

Havendo prova material idônea, corroborada pelos depoimentos das testemunhas, deve ser reconhecido o tempo de serviço rural a partir de 12 anos, entendendo que a Constituição de 1967, em seu art. 158, X, admitiu, ainda que tacitamente, que o menor com 12 anos completos possuía aptidão física para o trabalho, uma vez que vedou apenas o trabalho do menor de 12 anos.

No mesmo sentido a súmula 5 da TNU, que permite o reconhecimento do tempo rural comprovado a partir de 12 anos para fins previdenciários.

Assim, ainda que haja documentos que indiquem que a família do segurado vivia na roça e se dedicava ao trabalho rural, não é possível reconhecer como trabalho rural o trabalho do menor de 12 anos de idade, que não tem força e estrutura corporal para exercício regular de trabalho tão pesado. Poderia até ajudar os pais em serviços eventuais, mas caracterizar tal período como tempo rural efetivamente trabalhado, para fins de aposentadoria, é inviável, conforme jurisprudência de nossos tribunais.

Passo ao caso concreto.

Para melhor visualização das questões recursais, transcrevo trechos da sentença relativos ao período de atividade rural:

“No presente feito, a autora Maria Alves de Almeida requer a concessão de aposentadoria por idade híbrida, sustentando, em síntese, ter iniciado seu labor rural aos 09 (nove) anos de idade (anexo 01 – petição inicial). Informa o trabalho juntamente com os genitores, no Sítio São Domingos, e, após o casamento, continuou laborando em sítios diversos, até o ano de 1985.

Ao final, requer: (i) o reconhecimento do período de 24/01/1962 a 31/12/1985 como trabalho rural; (ii) a concessão de aposentadoria por idade híbrida, a contar da DER.

Em relação ao alegado exercício de atividade rural em regime de economia familiar, para fins de comprovação do quanto a alegado, a autora juntou documentos no anexo 02, valendo destacar a certidão de casamento com Geraldo Inácio de Almeida, em 27/11/1967, indicando o cônjuge como lavrador (anexo 02, fl. 09).

Admite-se a prova juntada como início de prova material. Contudo, tendo em vista a data da celebração do casamento (27/11/1967), não é possível admitir o reconhecimento de período pretérito (24/01/1962 a 26/11/1967).

Realizada audiência de instrução, foram ouvidas testemunha e informante apresentadas pela autora.

Em síntese, o informante João Farias Filho afirmou (anexo 14):

desde 9 anos de idade trabalhava junto com a autora na colheita de café em propriedades alheias; a autora residia no Sítio São Domingo de Cima, de propriedade do genitor, destinada à plantação de banana, arroz, milho, feijão; no período de colheita de café, ia trabalhar em propriedades maiores; a autora trabalhou em diversas fazendas; depois do casamento, continuou trabalhando até se mudar para Piracicaba (SP); o informante mudou-se para Piracicaba em 1972, não sabendo informar o ano em que a autora se mudou, destacando apenas que foi depois dele; teve filhos após o casamento, mas não sabe informar se a autora parou de trabalhar durante esse período; ninguém da família da autora trabalhou no meio urbano.

Já a testemunha Emília Gomes de Moura acrescentou (anexo 15):

a autora morava em uma propriedade rural, não sabendo informar o tamanho ou o proprietário; não conseguiu identificar quem morava com a autora nessa propriedade rural, acreditando ser familiares; a autora trabalhava juntamente com os pais na plantação de milho, feijão, arroz e café; a requerente trabalhava em outras propriedades, inclusive com “troca de dia”; a testemunha veio para o Estado de São Paulo em 1983, acreditando que a requerente veio antes, sem identificar o ano; conhece o cônjuge da autora, não lembrando a data do casamento; depois do casamento, continuou trabalhando em atividades rurais; o produto da plantação era para despesas.

Pelas informações prestadas através da prova oral, restou demonstrado que, após o casamento, a requerente manteve o exercício de atividade laboral, especialmente em propriedades de terceiros. Contudo, não foi possível comprovar com exatidão o ano de saída do meio rural para a cidade de Piracicaba ( SP). Nesse ponto, o informante João Farias Filho declarou sua saída do meio rural em 1972, antes da requerente.

Pelo conjunto probatório (prova documental e testemunhal), é possível reconhecer como exercício de atividade rural em regime de economia familiar o período de 27/11/1967 até 31/12/1972.

Quanto ao reconhecimento dos períodos com registro em CTPS (anexo 02, fls. 15/62) e de contribuição como facultativo (anexo 02, fls. 12/14 – CNIS), todos foram reconhecidos pelo INSS, administrativamente, conforme contagem de tempo de contribuição (anexo 02, fl. 107).

Feitas tais considerações, verifico que a autora não faz jus ao benefício, uma vez que na data da DER (11/12/2018), havia implementado apenas 109 meses de carência, quando o necessário para o ano em que completou 60 anos seria de 174 meses (planilha anexa). (destaquei)

A despeito das alegações recursais, observo que a matéria ventilada em sede recursal foi devidamente analisada pelo juízo de primeiro grau e não merece reparo, restando confirmada pelos próprios fundamentos.

Conquanto seja possível, em tese, o reconhecimento de período de atividade anterior ao início de prova material constato que não existem, no caso concreto, elementos para estender o período de atividade rural.

Sobre o período anterior ao casamento, nenhum documento foi apresentado, mesmo se tratando de propriedade rural do genitor na própria autora.

Sobre a data de saída, tanto o testemunha ouvida quando o informante não foram claros, sendo possível reconhecer apenas no período em que a prova oral coincide.

O conjunto probatório é mínimo, permite o reconhecimento do período descrito na sentença, mas não além dele.

Ante o exposto, nego provimento aos recursos.

Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, tendo em vista a sucumbência recursal recíproca.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA OU MISTA. CONCESSÃO. PÉRÍODO DE ATIVIDADE RURAL COMPROVADO PARCIALMENTE. RECURSOS IMPROVIDOS.

1. Tratam-se de recursos interpostos contra sentença que reconheceu o período de atividade rural entre 27/11/1967 A 31/12/1972. Não foi determinada a concessão de aposentadoria.

2.O INSS alega a impossibilidade do reconhecimento do período rural descrito na sentença, por insuficiência probatória.

3.Já a parte autora recorre para que seja reconhecido todo o período de atividade rural entre 24/01/1962 e 31/12/1985, com a concessão de aposentadoria por idade híbrida.

4. Conquanto seja possível, em tese, o reconhecimento de período de atividade anterior ao início de prova material constato que não existem, no caso concreto, elementos para estender o período de atividade rural.

5.O conjunto probatório é mínimo, permite o reconhecimento do período descrito na sentença, mas não além dele.

6. Recursos não providos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Quarta Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região, Seção Judiciária do Estado de São Paulo, por unanimidade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.