Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
8ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0002482-77.2020.4.03.6311

RELATOR: 22º Juiz Federal da 8ª TR SP

RECORRENTE: N. R. D. S.
REPRESENTANTE: PRISCILLA RAMOS DA CRUZ

Advogados do(a) RECORRENTE: ERICK IAN NASCIMENTO LEE - SP417087-A, ALEX SANDRO LEITE - SP338523-N,

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0002482-77.2020.4.03.6311

RELATOR: 22º Juiz Federal da 8ª TR SP

RECORRENTE: N. R. D. S.
REPRESENTANTE: PRISCILLA RAMOS DA CRUZ

Advogados do(a) RECORRENTE: ERICK IAN NASCIMENTO LEE - SP417087-A, ALEX SANDRO LEITE - SP338523-N,

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de recurso inominado interposto por NICOLE RAMOS DOS SANTOS contra a sentença, que julgou improcedente o pedido de concessão de pensão especial à criança com Síndrome Congênita do Zika Vírus, nos termos da Lei nº 13.985/2020.

É o relatório.

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0002482-77.2020.4.03.6311

RELATOR: 22º Juiz Federal da 8ª TR SP

RECORRENTE: N. R. D. S.
REPRESENTANTE: PRISCILLA RAMOS DA CRUZ

Advogados do(a) RECORRENTE: ERICK IAN NASCIMENTO LEE - SP417087-A, ALEX SANDRO LEITE - SP338523-N,

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

Não assiste razão à recorrente.

 

A ação foi julgada, em primeiro grau de jurisdição, nos seguintes termos:

 

“(...)

Nos termos da atual legislação de regência da matéria, para a concessão da Pensão Especial a crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus, conforme pleiteado, é necessário cumprir as seguintes exigências:

LEI Nº 13.985, DE 7 DE ABRIL DE 2020

Art. 1º Fica instituída a pensão especial destinada a crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus, nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019, beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC) de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

§ 1º A pensão especial será mensal, vitalícia e intransferível e terá o valor de um salário mínimo.

§ 2º A pensão especial não poderá ser acumulada com indenizações pagas pela União em razão de decisão judicial sobre os mesmos fatos ou com o BPC de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

§ 3º O reconhecimento da pensão especial ficará condicionado à desistência de ação judicial que tenha por objeto pedido idêntico sobre o qual versa o processo administrativo.

§ 4º A pensão especial será devida a partir do dia posterior à cessação do BPC ou dos benefícios referidos no § 2º deste artigo, que não poderão ser acumulados com a pensão.

§ 5º A pensão especial não gerará direito a abono ou a pensão por morte.

Art. 2º O requerimento da pensão especial de que trata esta Lei será realizado no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Parágrafo único. Será realizado exame pericial por perito médico federal para constatar a relação entre a síndrome congênita adquirida e a contaminação pelo vírus da zika.

Assim, a autora deve cumprir os seguintes requisitos para concessão da pensão especial: a) ser portadora da Síndrome Congênita do Zika Vírus, b) ter nascido entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019, c) ser beneficiária do benefício de prestação continuada.

O requisito da idade foi preenchido visto que a autora nasceu em 10 de dezembro de 2015. De acordo com o laudo médico, restou constatada a Síndrome

(...)

Por fim, não restou comprovado que a autora é beneficiária de benefício assistencial ao deficiente, tampouco que teria condições de ter tal benefício concedido.

Conforme análise do estudo sócio-econômico elaborado pela assistente social do Juízo, não restou evidenciada a circunstancial hipossuficiência.

Vejamos o teor do estudo sócio-econômico

(...)

No que se refere ao cumprimento do requisito hipossuficiência, ressalto que para efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 12.435/11, “a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais, e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto".

No caso dos autos, a entidade familiar é composta pela autora, seus genitores e um irmão com 05 anos de idade. A renda da família advém do salário do genitor da autora, o qual no mês de fevereiro de 2021 recebeu o valor de R$6.215,61 (seis mil duzentos e quinze reais e sessenta e um centavos), conforme pesquisa no sistema cnis. A mãe da autora também informou que, durante a pandemia recebeu auxílio-emergencial no valor de R$600,00 (seiscentos reais).

Assim, o conjunto probatório demonstra que não há hipossuficiência da parte autora, o que lhe impede de ser beneficiária de benefício assistencial.

Desse modo, forçoso é reconhecer que a parte autora não faz jus à concessão do benefício de pensão especial.

Ante o exposto e tudo o mais que dos autos consta, extingo o processo com resolução de mérito, a teor do art. 487, I, do CPC, e julgo improcedente o pedido formulado na presente ação.

(...)”

 

A sentença não merece reparos.

A pensão especial instituída pela Lei nº 13.985/2020 é destinada às crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus, nascidas entre 01.01.2015 e 31.12.2019, desde que beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

No presente caso, embora nascida em 10.12.2015 e portadora Microcefalia decorrente de infecção pelo Zika Virus, a autora não é beneficiária de Benefício de Prestação Continuada, tampouco integra o grupo social ao qual é destinado o benefício assistencial instituída na LOAS, de modo que não tem direito à pensão especial instituída pela Lei nº 13.985/2020.   

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 203, caput, estabelece que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”, assegurando, nos termos do inciso V, “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Referido comando constitucional foi regulamentado pela Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social e instituiu o Benefício de Prestação Continuada. A LOAS – Lei de Organização da Assistência Social (Lei nº 8.742/93), em seu artigo 20, § 3º, inciso I, considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal “per capita” seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo.

O E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 567.985, ao qual atribuiu repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronuncia de nulidade, do dispositivo legal destacado no parágrafo anterior, observando a proliferação “de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais”.

A flexibilização, por parte da Suprema Corte, do requisito objetivo estampado na LOAS relativo ao limite da renda per capita familiar para a concessão do Benefício de Amparo Social, surgiu da necessidade de melhor adequá-lo à realidade social do país e garantir a efetividade do comando estampado no artigo 203, inciso V, da Constituição da República,  e está fundamentada na edição de leis que instituíram novos benefícios assistenciais, como a Lei n.º 9.533/97, que instituiu o programa federal de garantia de renda mínima, ou a Lei n.º 10.2019/2001, regulada pelo Decreto n.º 4.313/2002, que criou o programa “Bolsa Escola”, que adotaram o critério de renda mensal per capita inferior a ½ (meio) salário-mínimo para definir seu público alvo.      

Nesse sentido:

 

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E AO DEFICIENTE – ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 

2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quatro) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.

5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(STF, Tribunal Pleno, RE 567.985/MT, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator para Acórdão Ministro Gilmar Mendes, julgado em 18/04/2013, DJe de 03/10/2013).

 

No mesmo sentido a Súmula nº 21 da Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região: “Súmula 21Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo, gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo”.

Cabe ressaltar, no entanto, que como bem destacado na supracitada Súmula nº 21 da TRU3, a presunção de miserabilidade conferida pelo preenchimento do critério objetivo estendido (renda per capita inferior a ½ salário-mínimo) é apenas relativa, podendo ser infirmada quando haja elementos comprobatórios de que a parte autora possui meios de prover de maneira digna, ainda que minimamente, suas necessidades básicas.

É exatamente o que estabelece o § 11 do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 ao dispor que “poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade”.

Em outras palavras: mesmo quando comprovado que a renda per capita do núcleo familiar não ultrapasse a metade do salário-mínimo, o Benefício Assistencial de Prestação Continuada de Amparo ao Idoso e ao Deficiente não será devido quando a aferição das reais condições socioeconômicas indicar de maneira segura que o postulante ao benefício não se encontra em situação de extrema vulnerabilidade social.

Vale ressaltar, ainda, a Súmula nº 23 da Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região: “Súmula 23O benefício de prestação continuada (LOAS) é subsidiário e para sua concessão não se prescinde da análise do dever legal de prestar alimentos previsto no Código Civil”.

Há precedentes do Supremo Tribunal Federal nesse sentido. Vejamos:

 

EMENTA Agravos regimentais em reclamação. Perfil constitucional da reclamação. Ausência dos requisitos. Recursos não providos. 1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões (art. 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação de súmula vinculante (art. 103-A, § 3º, CF/88). 2. A jurisprudência desta Corte desenvolveu parâmetros para a utilização dessa figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF. 3. A definição dos critérios a serem observados para a concessão do benefício assistencial depende de apurado estudo e deve ser verificada de acordo com as reais condições sociais e econômicas de cada candidato à beneficiário, não sendo o critério objetivo de renda per capta o único legítimo para se aferir a condição de miserabilidade. Precedente (Rcl nº 4.374/PE) 4. Agravos regimentais não providos.

(STF – Supremo Tribunal Federal; Rcl-AgR 4154; Relator Ministro DIAS TOFFOLI; Plenário, 19.09.2013) (grifo nosso)

 

No caso concreto, o conjunto probatório constituído nos autos demonstra de forma efetiva, plena e satisfatória que a parte autora NÃO se encontra em situação de miserabilidade e vulnerabilidade social que ampare e justifique a concessão do benefício assistencial de prestação continuada instituído na LOAS – Lei de Organização da Assistência Social (Lei nº 8.742/93), na medida em que possui familiares capazes de prover de maneira digna, ainda que minimamente, suas necessidades básicas.

Consta no laudo socioeconômico um núcleo familiar composto por 4 (quatro) indivíduos: a autora; seu pai André Luiz Passos (37 anos de idade); sua mãe Priscilla Ramos da Cruz (31 anos de idade); e seu irmão Nicolas Ramos dos Santos (5 anos de idade). A renda é composta pelo salário aferido pelo pai da autora em razão de seu vínculo formal de trabalho, na condição de empregado, com SGS do Brasil Ltda.

Em consulta ao CNIS – Cadastro Nacional de informações Sociais no dia 29.11.2021, este Relator constatou que o pai da autora, Sr. André Luiz Passos, recebeu as seguintes remunerações: 01/2021 = R$ 4.782,19; 02/2021 = R$ 6.215,61; 03/2021 = R$ 2.450,77; 04/2021 = R$ 2.962,50; 05/2021 = R$ 1.395,34; 06/2021 = R$ 2.717,10; 07/2021 = R$ 2.860,30; 08/2021 = R$ 3.443,25; 09/2021 = 3.831,69; e 10/2021 = R$ 2.512,65). À época da visita domiciliar, realizada no dia 17.10.2020, recebeu as seguintes remunerações: 07/2020 = R$ 3.038,54; 08/2020 = R$ 3.060,47; 09/2020 = 1.986,41; e 10/2020 = R$ 2.267,61.

Duas são as conclusões: 1ª) a parte autora faltou com a verdade na perícia socioeconômica quando afirmou que o Sr. André Luiz Passos recebia salário mensal de R$ 1.500,00; 2ª) a remuneração do pai dividida pelas quatro pessoas que compõem o grupo familiar resulta uma renda per capita superior à metade do salário-mínimo, de modo que a autora não preenche o critério objetivo de renda estipulado para a concessão do BPC, mesmo quando considerado o critério mais elástico de ½ salário-mínimo.

Lembrando que a apuração da renda per capita deve ser realizada considerando a renda bruta e sem a dedução dos gastos mensais (ora, a renda serve justamente para custear esses gastos), de modo que a tabela apresentada pela parte autora em seu recurso inominado mostra-se absolutamente equivocada. Aliás, as despesas declaradas no laudo socioeconômico são inferiores à renda mensal do núcleo familiar.

Extrai-se do laudo socioeconômico, ainda, que o grupo familiar reside em imóvel de alvenaria, em excelente estado de conservação, higiene e habitabilidade, localizado em bairro urbanizado em com toda a infraestrutura (energia elétrica, água e esgoto, coleta de lixo, transporte e iluminação públicos, etc.), guarnecido com eletrodomésticos, móveis e utensílios que lhe proporcionam relativo conforto. As fotos anexadas ao laudo socioeconômico são indicativas de condição econômica absolutamente incompatível com o estado de miserabilidade necessário para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada. Com efeito, não foi verificada situação de insegurança alimentar, falta de moradia, de vestuário, dificuldade de acesso a atendimento médico, tampouco fatores de riscos ambientais.

Pobreza e miséria são conceitos absolutamente distintos e que não se confundem. Enquanto a pessoa pobre, embora não viva numa situação ideal, possui meios de prover suas necessidades básicas, a pessoa miserável sobrevive em condições subumanas, desprovida de alimentação, moradia digna, saneamento básico. Este Relator não duvida que a autora seja pessoa pobre, mas certamente não está em situação de miserabilidade e de vulnerabilidade social.

Apenas a miserabilidade, que não se verifica no caso concreto, justificaria a concessão do benefício assistencial de prestação continuada. Conceder o benefício nas condições verificadas nestes autos seria desvirtuar completamente o seu propósito, que é o de amparar pessoas em condições socioeconômicas verdadeiramente subumanas, cujo grau de vulnerabilidade é incomparavelmente mais acentuado que o da parte autora.

O BPC não tem por finalidade complementar a renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário. Destina-se exclusivamente àquelas pessoas (idosos ou deficientes) que se encontram absolutamente desamparadas, em estado de penúria e gravíssima vulnerabilidade social, sem meios de prover as necessidades mais básicas do ser humano, como alimentação e moradia, e que não possuem familiares capazes de provê-las, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo daqueles que realmente necessitam. Definitivamente, não me parece ser o caso da parte autora, que embora tenha uma vida simples, e decerto enfrente dificuldades, possui familiares capazes de prover de maneira digna, ainda que minimamente, suas necessidades básicas.

 

A generosidade estatal desenfreada, conquanto vazada em decisões judiciais, tem um elevado custo social: alimenta sem justa causa o déficit orçamentário previdenciário, o qual, por sua vez, ou se transforma em vetor inflacionário ou em elevação da carga tributária. Qualquer desses resultados atinge negativamente a todos, mas principalmente aos menos favorecidos, que passam a viver num país em que viceja a mentalidade de “encostar no Estado”, em detrimento do dinamismo econômico (que não precisa ser sinônimo de injustiça social). Não se está a dizer que o Estado não deve assistir os desvalidos. Muito ao contrário: deve fazê-lo, e de uma forma muito melhor do que a atual. Mas muito diferente disto é distribuir benefícios sem maior critério ou elastecendo além da conta juridicamente possível seus requisitos. A concessão indiscriminada prejudica justamente os mais necessitados, que recebem uma assistência minguada e de baixa qualidade”. (André Mendes – Procurador da República)

 

A Constituição Federal e a legislação processual garantem ao Juiz a liberdade de firmar sua convicção sem que esteja adstrito a parâmetros pré-determinados, podendo ele atribuir às provas que lhe são apresentadas o valor que entender apropriado. No caso dos autos, entendo que a parte autora não se enquadra no grupo social ao qual se destina o Benefício Assistencial de Prestação Continuada de Amparo ao Deficiente e, por conseguinte, NÃO TEM DIREITO À PENSÃO ESPECIAL À CRIANÇA COM SÍNDROME CONGÊNITA DO ZIKA VÍRUS ESTABELECIDA NA LEI Nº 13.985/2020, de modo que a improcedência do pedido é, de fato, medida que se impõe.

Pela leitura e análise da sentença recorrida, verifico que a questão discutida nos autos foi decidida em conformidade com as provas produzidas e, ainda, segundo critérios previstos em Lei, na Constituição Federal e na jurisprudência pacificada no âmbito de nossos Tribunais.

Assim sendo, por estar em perfeita consonância com o entendimento deste relator em julgamentos análogos, adoto os mesmos fundamentos do aresto recorrido, nos termos do que dispõe o artigo 46, da Lei nº 9.099/1995, c/c o artigo 1º, da Lei nº 10.259/2001.

Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA e mantenho integralmente a sentença recorrida.

Condeno a parte autora, na condição de recorrente vencido, ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 55, “caput”, segunda parte, da Lei nº 9.099/1995, combinado com o artigo 1º da Lei 10.259/2001. 

No entanto, na hipótese de ser beneficiário(a) da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, a teor do disposto no artigo 98, § 3º do Código de Processo Civil de 2015.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

Dispensada a ementa por interpretação extensiva do artigo 46 da Lei nº 9.099/95, segunda parte.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.