APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011073-45.2007.4.03.6000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, SERGIO SCHIABER
Advogados do(a) APELANTE: ISAURA AKIKO AOYAGUI - SP82285-A, NORIYO ENOMURA - SP56983-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, SERGIO SCHIABER, VALDEMIR DE MELO
Advogados do(a) APELADO: ISAURA AKIKO AOYAGUI - SP82285-A, NORIYO ENOMURA - SP56983-A
Advogados do(a) APELADO: ISAURA AKIKO AOYAGUI - SP82285-A, NORIYO ENOMURA - SP56983-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011073-45.2007.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, SERGIO SCHIABER Advogado do(a) APELANTE: NORIYO ENOMURA - SP56983-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, SERGIO SCHIABER, VALDEMIR DE MELO Advogado do(a) APELADO: NORIYO ENOMURA - SP56983-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por SÉRGIO SCHIABER (nascido em 13.05.1958), originadas de ação penal intentada em face deste acusado pela prática do crime do artigo 333 do Código Penal, e de VALDEMIR DE MELO (nascido em 21.08.1955) pela prática dos crimes previstos no artigo 304 do Código Penal e no artigo 2°, § 1°, da Lei n° 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, em concurso material. Recebida em 20.03.2010 (ID 165885597 - pág. 10), a denúncia narra que (ID 165885597 - pág. 3/9): 1. Infere-se dos elementos carreados ao incluso Inquérito Policial que, no dia 13 de novembro de 2007, policiais rodoviários federais, em fiscalização de rotina no Km 301, da Rodovia BR-262, nesta Capital, abordaram o veículo Fiat/Uno, placas KAT-8767, conduzido por SÉRGIO SCHIABER. 2. Questionado acerca dos motivos da viagem, SÉRGIO SCHIABER apresentou informações desconexas, o que levou ditos policiais a procederem a uma vistoria minuciosa no referido automóvel, logrando encontrar em compartimento conhecido como caixa de areia 44 (quarenta e quatro) barras de ouro totalizando 42.957,20 g (quarenta e dois mil, novecentos e cinquenta e sete gramas e vinte centésimos) - inseridas em quatro pacotes retangulares envoltos em fita adesiva, sem a devida documentação legal. 3. Diante de tal descoberta, SÉRGIO declarou estar transportando as barras do referido minério desde Cuiabá/MT, por determinação de seu empregador, VALDEMIR DE MELO, que seria proprietário de uma empresa que comercializaria ouro em São Paulo/SP, onde a mercadoria seria entregue. Disse, ainda, não estar de posse das notas fiscais necessárias a dar regularidade fiscal ao transporte do minério, alegando, contudo, possuí-las. 4. Ao ser informado de que iria ser conduzido à SR/DPF/ MS, juntamente com a mercadoria que estava transportando, para as providências cabíveis, SÉRGIO SCHIABER disse aos policiais rodoviários federais — Daniel Augusto Nepomuceno, Marcos Acosta da Silva, Luciano Valdir Schneider - que poderia fazer contato com seu patrão, o qual lhes daria um ‘agrado’ de forma a resolver aquela situação, tendo os policiais, em ato contínuo, dado voz de prisão a SÉRGIO pela prática do crime de corrupção ativa, encaminhando-o até a SR/DPF/MS. (...) 6. A empresa ‘Parmetal Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Lula’, por intermédio de seu procurador, solicitou à autoridade policial a devolução do ouro apreendido, apresentando, no dia 19 de novembro de 2007 (f. 46/47) - a fim de comprovar a alegada origem lícita do citado mineral - várias notas fiscais, constantes no Apenso I, Volume I, f. 19/146, por ela supostamente emitidas no dia 12 de novembro de 2007 (mesmo dia que SÉRGIO SCHIABER saiu de Cuiabá/MT com destino a São Paulo) - as quais, posteriormente, evidenciou-se serem ideologicamente falsas. Com base nas citadas notas fiscais, a autoridade policial expediu ofício ao Departamento Nacional de Produção Mineral — DNPM — solicitando que o órgão informasse quais daqueles supostos fornecedores de ouro (ao todo 120 pessoas, f. 91) possuíam autorização para realização de lavra garimpeira, tendo referido departamento informado que apenas duas eram possuidoras de dita Permissão, José Airton Aguiar de Castro e Laércio de Oliveira Botelho (f. 146/285). Realizada a oitiva de 10 (dez) supostos fornecedores do mineral apreendido no incluso apuratório, conforme as citadas notas fiscais, 8 (oito) pessoas negaram terem realizado qualquer venda de ouro para a empresa PARMETAL no final do ano de 2007, ou mesmo no dia 12.11.2007, quais sejam: Márcio Ney Maciel de Barros (f. 370), Iracema Amorim de Andrade (f. 382/383), Francisco Occiley Alves de Souza (f. 385/386), Gerislandia Fernandes (f. 388/389), Edson Vieira (f. 342/343) e Jailson Marques da Silva (f. 345). Registre-se que a empresa PARMETAL, em junho de 2008, também fez uso das malsinadas notas fiscais em juízo, 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, por ocasião de pedido de restituição das mencionadas barras de ouro, formulado nos autos n° 2008.60.00.006761-0 (f. 394/395). 7. Interrogado às f. 68/70 e 398/400, VALDEMIR DE MELO disse ser sócio gerente da empresa "Parmetal Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda", cujo objeto social declarou ser a realização de compra e venda de ouro, sendo tal produto adquirido, em regra, de garimpeiros nas cidades de Poconé/MT, Alta Floresta/MS, Cuiabá/MT, Porto Velho/RO, Itaituba/PA e Novo Progresso/MT. (...) 10. Ante ao exposto, conclui-se que VALDEMIR DE MELO, de forma consciente e dolosa, fez uso, perante a Superintendência da Polícia Federal e o Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande, de notas fiscais que sabia serem falsas, tendo, ainda, sem autorização legal, adquirido e transportado matéria-prima, pertencente à União, explorada indevidamente; por sua vez, SÉRGIO SCHIABER, de forma consciente e dolosa, ofereceu vantagem indevida a policiais rodoviários federais, a fim de que estes deixassem de praticar atos inerentes a seus ofícios. Isto posto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia a V. Exa. SÉRGIO SCHIABER pela conduta típica descrita nos artigo 333, caput, do Código Penal, e VALDEMIR DE MELO pela conduta típica prevista no art. 304 do Código Penal (duas incidências) e art. 2°, parágrafo 1°, da Lei n° 8.176/93, em concurso material de delitos, e requer que, após o recebimento e autuação desta denúncia, sejam os denunciados citados, para os termos da ação penal, que deverá prosseguir até prolação da sentença, julgando-se procedente o pedido condenatório. A r. sentença (ID 165885948 - pág. 214/244), publicada em 16.05.2016 (ID 165885948 - pág. 245), proferida pelo Exmo. Juiz Federal João Felipe Menezes Lopes (5ª Vara de Campo Grande/MS), julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, para: (i) Condenar SÉRGIO SCHIABER à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no artigo 333 do Código Penal. Aplicou a detração penal relativamente ao período de prisão entre 13.11.2007 a 28.11.2007, subtraindo da pena imposta a quantidade de 16 (dezesseis) dias, resultando na pena corporal a ser cumprida de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 14 (quatorze) dias de reclusão. A reprimenda corporal foi convertida em duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, em favor de entidades assistenciais, e em prestação pecuniária equivalente a 25 (vinte e cinco) salários mínimos no valor correspondente ao vigente à época dos fatos, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, durante o período de cumprimento da pena, facultado o parcelamento pelo Juízo da Execução Penal. (ii) Absolver VALDEMIR DE MELO da imputação da prática dos crimes previstos no artigo 304 do Código Penal e no artigo 2°, § 1°, da Lei n° 8.176/1991, com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal, por não estar provada a existência do fato imputado. Nas razões de Apelação (ID 165885948 - pág. 247/257), o Ministério Público pugna pela condenação de VALDEMIR DE MELO pelo cometimento do delito constante do artigo 2°, § 1°, da Lei n° 8.176/1991, afirmando restar comprovado o dolo direto do acusado por conhecer a origem ilícita do ouro adquirido e transportado, ou mesmo o dolo eventual pela frequente aquisição de ouro oriundo de garimpo irregular. Quanto à dosimetria penal, requer a fixação da pena-base em patamar superior ao mínimo legal, considerando desfavoráveis as circunstâncias e as consequências do crime. Também apela SÉRGIO SCHIABER (ID 165885948 - pág. 263/274), postulando a absolvição fundada na inexistência do oferecimento de vantagem para os Policiais Rodoviários Federais o livrarem do flagrante delito. Argumenta, ainda, com a impossibilidade de fazer prova negativa do não oferecimento da propina aos policiais. Caso mantida a condenação, pugna pela diminuição da pena de multa resultante do preceito secundário da infração penal e da sanção pecuniária imposta como pena alternativa, além da substituição do serviço comunitário por fornecimento de cestas básicas à entidade a ser indicada pelo Juizo da Execução Criminal. As Contrarrazões foram apresentadas pelo Parquet federal (ID 165885948 - pág. 291/300) e pela Defesa de VALDEMIR DE MELO (ID 165877814 - pág. 3/20). A Procuradoria Regional da República opinou pela extinção da punibilidade de SÉRGIO SCHIABER fundada na prescrição da pretensão punitiva retroativa, julgando prejudicada a Apelação defensiva, e pelo provimento da Apelação ministerial (ID 165877814 - pág. 23/32). É o relatório. À revisão.
Advogado do(a) APELADO: NORIYO ENOMURA - SP56983-A
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011073-45.2007.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, SERGIO SCHIABER Advogados do(a) APELANTE: ISAURA AKIKO AOYAGUI - SP82285-A, NORIYO ENOMURA - SP56983-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, SERGIO SCHIABER, VALDEMIR DE MELO Advogados do(a) APELADO: ISAURA AKIKO AOYAGUI - SP82285-A, NORIYO ENOMURA - SP56983-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por SÉRGIO SCHIABER, originadas de ação penal intentada em face deste acusado pela prática do crime do artigo 333 do Código Penal, e de VALDEMIR DE MELO pela prática dos crimes previstos no artigo 304 do Código Penal e no artigo 2°, § 1°, da Lei n° 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, em concurso material. A r. sentença (ID 165885948 - Pág. 214/244) julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, para: (i) Condenar SÉRGIO SCHIABER à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no artigo 333 do Código Penal. Aplicou a detração penal relativamente ao período de prisão entre 13.11.2007 a 28.11.2007, subtraindo da pena imposta a quantidade de 16 (dezesseis) dias, resultando na pena corporal a ser cumprida de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 14 (quatorze) dias de reclusão. A reprimenda corporal foi convertida em duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, em favor de entidades assistenciais, e em prestação pecuniária equivalente a 25 (vinte e cinco) salários mínimos no valor correspondente ao vigente à época dos fatos, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, durante o período de cumprimento da pena, facultado o parcelamento pelo Juízo da Execução Penal. (ii) Absolver VALDEMIR DE MELO da imputação da prática dos crimes previstos no artigo 304 do Código Penal e no artigo 2°, § 1°, da Lei n° 8.176/1991, com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal, por não estar provada a existência do fato imputado. Nas razões de Apelação (ID 165885948 - Pág. 247/257), o Ministério Público pugna pela condenação de VALDEMIR DE MELO pelo cometimento do delito constante do artigo 2°, § 1°, da Lei n° 8.176/1991, afirmando restar comprovado o dolo direto do acusado por conhecer a origem ilícita do ouro adquirido e transportado, ou mesmo o dolo eventual pela frequente aquisição de ouro oriundo de garimpo irregular. Quanto à dosimetria penal, requer a fixação da pena-base em patamar superior ao mínimo legal, considerando desfavoráveis as circunstâncias e as consequências do crime. Também apela SÉRGIO SCHIABER (ID 165885948 - Pág. 263/274), postulando a absolvição fundada na inexistência do oferecimento de vantagem para os Policiais Rodoviários Federais o livrarem do flagrante delito. Argumenta, ainda, com a impossibilidade de fazer prova negativa do não oferecimento da propina aos policiais. Caso mantida a condenação, pugna pela diminuição da pena de multa resultante do preceito secundário da infração penal e da sanção pecuniária imposta como pena alternativa, além da substituição do serviço comunitário por fornecimento de cestas básicas à entidade a ser indicada pelo Juízo da Execução Criminal. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA MODALIDADE RETROATIVA EM RELAÇÃO A SERGIO SCHIABER – PREJUDICADO O APELO DEFENSIVO A prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). O Código Penal prevê duas modalidades de prescrição: 1) prescrição da Pretensão Punitiva, a qual, de acordo com a doutrina, subdivide-se em: i) abstrata (regula-se pela pena máxima cominada in abstrato), ii) superveniente ou intercorrente (que, em tendo havido trânsito em julgado para a acusação, efetiva-se pela pena in concreto, sempre após a data em que foi publicada a sentença ou acórdão condenatórios) e iii) retroativa (que ocorre pela pena in concreto, mas "para trás", isto é, em relação aos lapsos entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia e entre este e a publicação da sentença condenatória. Atente-se que, após o advento da Lei nº 12.234/2010, de 05.05.2010, a qual, por sua vez, somente se aplica a fatos praticados a partir de sua vigência, não se há mais de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia ou queixa. 2) prescrição da Pretensão Executória, a qual se regula pela pena in concreto e após o trânsito em julgado para ambas as partes. Nos termos do art. 110, parágrafo 1º, do CP, em já tendo havido trânsito em julgado para a acusação (mesmo que ainda pendente o julgamento de recurso da defesa), o prazo prescricional a ser considerado regula-se pela pena concretamente aplicada. Na hipótese vertente, antes de se adentrar ao mérito propriamente dito, cumpre reconhecer a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa quanto à pena de 02 (dois) anos de reclusão imposta pela prática do crime do art. 333 do Código Penal a SÉRGIO SCHIABER, tendo em vista o transcurso de lapso temporal superior ao prazo de 04 (quatro) anos preconizado pelo art. 109, inc. V, do Código Penal. Com efeito, uma vez que a denúncia foi recebida em 20.03.2010 (ID 165885597 - Pág. 10), e a publicação da r. sentença ocorreu na data de 16.05.2016 (ID 165885948 - Pág. 245), nota-se que entre tais marcos prescricionais decorreu período de tempo superior ao prazo prescricional aplicável, de sorte a atingir a pretensão punitiva estatal (nos termos do art. 107, IV, c.c. os arts. 109, V, ambos do Código Penal, c.c. o art. 61 do CPP). Consequentemente, resta prejudicada a Apelação de SÉRGIO SCHIABER. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE USURPAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA PERTENCENTE À UNIÃO (ART. 2°, § 1º, DA LEI Nº 8.176/1991) A imputação que repousa sobre VALDEMIR DE MELO é regida pelo artigo 2°, § 1°, da Lei n° 8.176/1991, in verbis: Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo titulo autorizativo. Pena: detenção, de um a cinco anos e multa. § 1° Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo. Nos termos desse dispositivo, constitui crime contra o patrimônio público, na modalidade usurpação, explorar, sem autorização legal, matérias-primas pertencentes à União, as quais devem ser entendidas como substâncias em estado bruto, principal e essencial, com as quais algo pode ser fabricado ou, em outras palavras, substâncias destinadas à obtenção de produto técnico por meio de processo químico, físico ou biológico. Inserem-se, pois, no conceito de matérias-primas pertencentes à União, os recursos minerais em geral, inclusive os do subsolo (inteligência do art. 20, IX da CF), de modo que a exploração do ouro sem a necessária autorização legal caracterizará, em princípio, o delito previsto no art. 2º da Lei n.º 8.176/1991. Atente-se que, para a caracterização do delito em questão, a matéria-prima deve ter sido explorada em desacordo coma autorização do órgão competente à época dos fatos. A competência para a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no País (atualmente atribuída à Agência Nacional de Mineração, criada pela Lei nº 13.575/2017) era exercida à época dos fatos pelo extinto Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM, autarquia federal instituída pela Lei nº 8.876, de 02.05.1994, que, em seu art. 3º, estatuía: a autarquia DNPM terá como finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais, e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional, na forma do que dispõe o Código de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamentos e a legislação que os complementa, competindo-lhe, em especial: (...) III- acompanhar, analisar e divulgar o desempenho da economia mineral brasileira e internacional, mantendo serviços de estatística da produção e do comércio de bens minerais; VI - fiscalizar a pesquisa, a lavra, o beneficiamento e a comercialização dos bens minerais, podendo realizar vistorias, autuar infratores e impor as sanções cabíveis, na conformidade do disposto na legislação minerária; (...) IX - baixar normas e exercer fiscalização sobre a arrecadação da compensação financeira pela exploração de recursos minerais, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal (...). Regulamentando a Lei nº 13.575, de 26.12.2017, o Decreto nº 9.406, de 12.06.2018, estabelece os regimes de aproveitamento dos recursos minerais, preservando, a par da concessão e de licenciamento de lavra (art. 33 a 39. do Regulamento), a permissão para a lavra garimpeira exercida à época dos fatos (art. 40 do Regulamento), valendo reproduzir, em específico a legislação federal já citada pela r. sentença, que traça os contornos da aquisição de ouro pelo acusado: Decreto n° 98.812, de 09.01.1990 — Regulamenta a Lei n° 7.805, de 18 de julho de 1989 e dá outras providências (Revogado pelo Decreto nº 9.406, de 12 de junho de 2018) Art. 7° A Permissão de Lavra Garimpeira será outorgada a brasileiro ou a cooperativa de garimpeiros autorizada a funcionar como empresa de mineração, sob as seguintes condições: I - a permissão vigorará pelo prazo de ate cinco anos, sucessivamente renovável a critério do DNPM; II - o titulo é pessoal e, mediante anuência do DNPM, transmissivel a quem satisfaça os requisitos legais. Quando outorgado a cooperativa de garimpeiros, a transferência dependerá, ainda, de autorização expressa da respectiva assembléia geral; e III - a área da permissão não excederá cinqüenta hectares, salvo, excepcionalmente, quando outorgada a cooperativa de garimpeiros, a critério do DNPM. Instrução Normativa SRF N° 49, de 02 de maio de 2001 — Institui documentos fiscais para controle de operações com ouro, ativo financeiro ou instrumento cambial (Alterada pela Instrução Normativa RFB nº 1083, de 08 de novembro de 2010) O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 190 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal, aprovado pela Portaria MF n°227, de 3 de setembro de 1998, e tendo em vista o disposto na Lei n° 7.766, de II de maio de 1989, e considerando a necessidade de estabelecer normas para o controle fiscal das operações com ouro, ativo financeiro ou instrumento cambial, resolve: Art. 1° Instituir documentado fiscal para uso exclusivo nas operações com ouro, ativo financeiro ou instrumento cambial, e estabelecer normas para impressão, emissão e escrituração do referido documentário. (...) NOTA FISCAL DE AQUISIÇÃO DE OURO Art. 14. A Nota Fiscal de Aquisição de Ouro será emitida pela pessoa jurídica adquirente do ouro, ativo financeiro, no momento da aquisição e conterá as seguintes indicações mínimas: I - denominação "Nota Fiscal de Aquisição de Ouro"; II - número de ordem, série, subsérie e número da via; III - data da emissão; IV - nome, endereço e número de inscrição no CNPJ, relativos à adquirente; V - nome, endereço e número da carteira de identidade ou da matrícula e do Cadastro de Pessoa Física (CPF) do vendedor, pessoa fisica, e nome, endereço e número do CNPJ, no caso de vendedor pessoa jurídica; VI - número da Nota Fiscal de Remessa de Ouro ou da Guia de Trânsito de Ouro, Ativo Financeiro, e data de emissão, se for o caso; VII - especificação do ouro, unidade, quantidade e origem; VIII - espaço para indicação do peso bruto, em gramas, por extenso; IX - valores, unitário e total, do ouro e total da nota; X - alíquota e valor do imposto; XI - nome, endereço e número de inscrição do impressor no Cadastro Estadual e no CNPJ, data da impressão, quantidade impressa, números de ordem da primeira e última das notas impressas e respectivas série e subsérie, e número da autorização para impressão, bem como indicação do órgão da Secretaria da Receita Federal autorizante. Parágrafo único. As indicações dos incisos I, lI IV, X e XI - serão impressas. No caso em tela, VALDEMIR DE MELO assumiu a propriedade das 44 barras de ouro (42,957kg, com teor de ouro de 95% - conforme laudo de exame merceológico - 165885838 - Pág. 20), apreendidas em suposto flagrante delito no dia 13.11.2007 por estarem sendo transportadas sem qualquer documentação que comprovasse a regularidade da origem e do transporte (ID 165885838 - Pág. 7/19). O Parquet federal alega que a referida aquisição de ouro estaria maculada pelo fato de apenas duas das 120 pessoas constantes das notas fiscais apresentadas possuírem permissão para a lavra garimpeira (Ofício do DNPM -165885838 - Pág. 210), sendo que a irregularidade no transporte, desacompanhado das notas fiscais e camuflado em veículo de passeio, evidenciaria a inidoneidade da origem do ouro. Em que pese o contexto mencionado pelo Ministério Público Federal, importa salientar, de início, que transportar ouro sem o porte da respectiva nota fiscal não equivale necessariamente à inexistência da nota fiscal em si (este sim fato penalmente relevante), eis que o acusado, sustentando a aquisição idônea do ouro, aponta justamente para a veracidade das notas fiscas de compra (ID 165878576 - Pág. 21/147), as quais foram objeto material da imputação por falsidade ideológica julgada improcedente pelo r. juízo a quo no mesmo ato sentencial e não objeto de recurso ministerial. Inclusive, a empresa comandada pelo acusado (PARMETAL DISTRIBUIDORA DE TITULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA) logrou recuperar o nobre metal em incidente de restituição julgado procedente, à luz da comprovação das notas fiscais e do recolhimento de IOF, com a concordância do órgão ministerial (auto de apreensão – ID 165885838 - Pág. 21; deferimento da restituição trasladado no ID 165885947 - Pág. 124/125), conforme se denota pela decisão abaixo reproduzida: O pleito inicial procede. A requerente comprovou a contento a propriedade das barras de ouro. Os documentos de fls. 398/400 comprovam que foram expedidas as notas fiscais de remessa de ouro. As barras de ouro apreendidas não interessam à instrução da ação criminal n. 22007.60.00.011073-0, que apura a eventual prática do crime de corrupção ativa (art. 333, do CP). Assim, como bem ressaltou o parquet, não há óbice à restituição das barras de ouro apreendidas. Ante o exposto, defiro o pedido de restituição, na esfera criminal, das 44 (quarenta e quatro) barras de ouro apreendidas, à requerente. Por mais que as circunstâncias aventadas pelo órgão acusatório sejam indiciárias do crime sugerido, não se pode concluir que este fosse necessariamente o caso, sendo temerário descartar por completo a explicação dada pelo acusado, bem retratada pela r. sentença ao reproduzir o seu interrogatório judicial, no sentido de que o ouro foi adquirido em grande quantidade no sábado (dia 10.11.2007), de sorte que só foi pago na segunda feira, dia 12.11.2007, quando também foram emitidas as notas fiscais, que desacompanharam a remessa da filial de Cuiabá/MS para a sede em São Paulo/SP no dia da apreensão policial por descuido do funcionário Sérgio Schiaber (ID 165885948 - Pág. 231/232): Em seu interrogatório judicial, o réu Valdemir prestou as seguintes informações (CD de fl. 982): Não aconteceu isso, a sede da empresa é em São Paulo e tem uma filial em Cuiabá, o objeto social é compra e venda de ouro; em Cuiabá, compra de ouro direto da região garimpeira, não exploro diretamente a atividade, só adquiro; é uma filial, um escritório, só para compra; o cliente chega, é analisado o material, mediante a comprovação da origem do material, a partir do momento que comprova a origem fazemos a negociação; de onde é extraído o ouro, o próprio cliente diz onde foi extraído o material de uma área legalizada, por exemplo; na época não se exigia isso, atualmente a situação foi mudando e é feito algo além do que a lei exige, é feito cadastro, numeração do documento da pessoa, onde ela produz o ouro, mas na época, num período de transição, ainda não existia esse procedimento; na época a comprovação era feita pergunta para o vendedor do ouro; esse ouro foi adquirido na região de Porto Velho/RO, Itaituba/PA, Poconé/MT, esse ouro foi adquirido no dia 10/11, no sábado, foi no sábado essa aquisição, foi adquirido no sábado, esse ouro na realidade, na época, era muito comum as pessoas em algumas regiões virem no final de semana como material extraído, então chegava sábado não tinha mais recurso financeiro para comprar esse ouro, mas essas pessoas não queriam levar esse material pra casa em função do risco, como confiavam na gente, a gente já tinha esse relacionamento comercial aí, muita confiança, eles deixavam esse material conosco, nós já fechávamos negócio, emitíamos a nota fiscal na data de segunda-feira que seria o primeiro dia útil da semana, que até então não era um dia útil nem que tinha recurso financeiro, como eu ia pagar na segunda-feira, emitia a nota já na segunda-feira; eu aproveitei, em função da quantidade, nessa época houve um volume grande, em função desse volume grande eu aproveitei esse material, emiti uma nota de remessa com data do dia 12 e encaminhei pro destino Cuiabá, emiti uma nota fiscal de remessa do ouro, a nota fiscal de aquisição do ouro era emitida para o garimpeiro, para o explorador, essas vias, uma a gente encaminha sempre pra Receita Federal, a outra via acompanha o material e a outra é do garimpeiro, essa via do garimpeiro nos deixamos na loja, na gaveta, na segunda-feira na hora que ele viesse receber o pagamento, quando o banco estava aberto, então fazia o pagamento e entregava a via dele, era esse o procedimento; nesse caso todo procedimento foi cumprido, emiti a nota de aquisição, peguei essa nota de aquisição, quando foi no domingo emiti uma nota de remessa com data de segunda, a data de aquisição também com data de segunda e mandei transportar esse material pra Cuiabá; entreguei uma nota fiscal para cada um daqueles sem dúvida na aquisição e depois a nota de remessa que é obrigatório transportar ouro com a nota de remessa e essa remessa chegando em Cuiabá se juntou com de outras regiões e se emitiu a remessa para a matriz em São Paulo, esse era o procedimento na época; eu acredito que algumas pessoas negaram a venda porque é um pessoal humilde, que tá lá no campo, quando chega alguém da polícia atrás deles, eles ficam muito receosos imaginando que aquilo seria uma coisa de prisão, alguma coisa desse tipo, então preferem ocultar a situação do que falar a verdade, acredito que eles ficam com medo, por medo, por receio, não quiseram confessar que haviam vendido esse material; o Sérgio é funcionário da empresa, ele trabalhou um período em Cuiabá, aí foi transferido para São Paulo, ele tinha um imóvel em Cuiabá, então ele pediu pra vir resolver a questão do imóvel dele em Cuiabá, vindo a Cuiabá, como ele estava de carro, solicitei, em função da confiança, da honestidade dele, uma pessoa idônea, e transportasse esse ouro pra São Paulo, então foi acondicionado o ouro no carro e, na pressa, ele saiu e acabou esquecendo de levar a nota fiscal; o ouro foi colocado na longarina do carro por questão de segurança; ele saiu, nós na mente que ele levou a documentação, e ele na mente que tinha levado, porque ele tinha um envelope com documentos dele e achou que tava junto esse documento, e quando foi abordado pelos policiais julgava estar com a nota, aí ele procurou e se deu conta que tinha esquecido esse documento; hoje o ouro purificado tá valendo 150 reais a grama, 150.000 o quilo, na época esse carregamento não me recordo, mas o valor estava aquém do que é hoje, mercado interno baixo, trabalho há bastante tempo com ouro, hoje seria 150.000 o quilo, é mercadoria de alto valor sem dúvida; na época nós procuramos várias outra fontes para transportar, como empresas de transporte, carro forte, transporte de valores e não conseguimos uma que pudesse nos atender; quando tinha uma que dizia poder atender, o preço que eles cobravam não condizia com a realidade, nem cobria, era praticamente, totalmente inviável, por isso se faz transporte ora por via aérea, ora de carro, depende da necessidade do momento; o procedimento normalmente, semanalmente, mas não de carro semanalmente, às vezes uma vez por mês de carro, outras vezes era de avião, dependia da necessidade; Sérgio teria feito alguns serviços dessa natureza entre uma cidade e outra no interior que seria Poconé-Cuiabá; o ouro ia pra São Paulo e de lá seria emitida uma nota fiscal para a purificação desse ouro numa fundidora e depois destinado ao mercado, bolsa de valores, outras instituições financeiras como DTVM's ou aquele investidor final; com certeza a gente pedia dos vendedores o documento de autorização de lavra, mas nem todos conseguiam fornecer, a gente tinha esses arquivos na época, isso foi se perdendo no decorrer do tempo, mas sempre se procurava ter, muitos eram, não tinham assim, o garimpo, o cara não tem muito endereço fixo, então questão de endereço é bastante complicado na região; hoje tá bastante mais modernizada a situação; eu estava em Cuiabá, em coordenava de Cuiabá porque era um centro onde a gente fazia esse recebimento, a minha contabilidade ia tudo pra contabilidade, os postos onde a gente comprava que seria Porto Velho, Itaituba, Poconé, com certeza já tinha mantido negócios com essas pessoas, não entrei em contato com essas pessoas depois; se compra um percentual de um, de outro, um valor de um e de outro, são várias pesadas, ai se acondiciona uma única peça, aproximadamente 800 g ou 1 Kg, para facilitar o transporte, evitar perda e tudo mais, e isso se junta à documentação de todas elas e junta o material também em peças nesse tamanho, junta tantos quilos, emite a remessa daquela quantidade; ele chega no sábado, a gente faz a aquisição, emite a nota fiscal mesmo porque eu não posso guardar esse material dele sem ter um documento que comprove esse material, então essa nota fiscal juntamente com esse material, na segunda-feira, após os bancos começarem a funcionar, a gente saca o dinheiro e faz o pagamento de cada cliente, e automaticamente como nesse período teve um volume muito grande, foi um movimento bastante grande, nós tínhamos que rapidamente enviar esse material para processamento, para estar no posto de venda, porque se a gente fizesse o mais rapidamente o recurso pra também emitir novas compras; na segunda-feira é entregue a nota fiscal junto com o pagamento comprovando o valor devido a essa pessoa; na realidade, porque não era obrigado constar na nota fiscal o número da lavra garimpeira, então como não era obrigatório, se a pessoa citasse o número a gente colocava, do contrário não, mas também isso claramente era de origem legal, como é uma cadeia produtiva, muitas vezes são várias pessoas dentro da área onde eles estão trabalhando, que seria os parceiros dele, os operadores, mecânicos, fornecedores de petróleo, cozinheiro, bandeirinha, aquele que transfere exploração em rio, então todos eles, esses pagamentos, o produtor lá, o detentor dessa PLG, ele fazia os pagamentos na época em ouro, então como tava ligada a cadeia produtiva, se emitida nota para a pessoa correspondente aquela origem; eu quero dizer que a nossa empresa já existe há 40 anos, ela estão no mercado do ramo do ouro há mais de 25 anos, sempre atuamos dentro da mais lícita regularidade, obedecemos as normas, as regras, as leis, autorização para funcionamento, para adquirir o outro financiamento pelo Banco Central, autorizada pela Receita Federal, pelos órgão competentes, DNPM e demais órgãos que atuam na região e fazem parte, nós sempre trabalhamos dentro da legalidade, informamos diariamente à Receita Federal a produção de quem nos vendeu diariamente, na maior clareza e transparência, somos uma empresa idônea que tem um grupo de funcionários trabalhando com único objetivo de vir e praticar o bem, uma vez que muitas pessoas vivem lá na região garimpeira e dependem da exploração do ouro e precisam ter uma empresa legalizada pra vende esse ouro e nós somos essa empresa legalizada para atender essa produção; depois de 2008, 2009, nós mesmos procuramos os órgãos para esclarecer, sem eles exigissem que a gente fizesse isso. (destaquei). Em corroboração com o alegado pelo acusado, o resultado do laudo pericial sobre o automóvel concluiu (ID 165885838 - Pág. 156): “Não foram encontrados vestígios de compartimento adrede preparado, estranho à estrutura original do veículo examinado. Salienta-se que vários locais próprios do veículo poderiam ser utilizados para o transporte oculto de materiais.” Observando-se o contexto fático ora delineado e o marco legal da comercialização de ouro vigente à época dos fatos, não se mostra plausível asseverar que VALDEMIR DE MELO, através da empresa PARMETAL DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA, teria de fato desobedecido a legislação de regência e dolosamente adquirido ouro proveniente do garimpo ilegal. Demais disto, a conduta ora analisada remonta ao ano de 2007, anterior à vigência da Lei nº 12.844, de 19.07.2013, que incorporou novas exigências ao adquirente de ouro, de forma que a emissão de nota fiscal com identificação dos vendedores é conducente à presunção da boa-fé objetiva. Oportuno trazer à colação, assim, análise expendida pelo r. juízo sentenciante acerca da prova dos autos: No caso, verifico que as notas fiscais juntadas aos autos pelo acusado contêm as informações exigidas pela legislação que regia a aquisição de ouro ao tempo dos fatos que lhe são imputados. Quanto ao valor probatório desses documentos, foi aqui reconhecida, no capítulo anterior, a insuficiência de elementos probatórios capazes de apontar a falsidade das notas emitidas e juntadas aos autos com o fim de comprovar a origem dos minerais apreendidos. Por outro lado, observo que o acusado produziu farta prova testemunhal que, se não comprova cabalmente a ausência do dolo na prática do delito, impõe dúvidas fundadas sobre sua suposta intenção em adquirir ouro de origem ilegal. Diversos exploradores de atividades garimpeiras foram ouvidos nos autos e, em certa medida, comprovaram não apenas as negociações realizadas com a empresa do acusado, mas também a maneira informal e praticamente desregulada desse importante mercado. (Destaquei) Merece consideração, ainda, o argumento defensivo de que as duas pessoas identificadas como titulares de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) que constam nas notas fiscais, José Airton Aguiar de Castro e Laercio de Oliveira Botelha, contariam com o auxílio de colaboradores informais para a exploração do garimpo, os quais se valiam da prática de revender o ouro que lhes era dado em pagamento para empresas como a titularizada pelo ora acusado, não se tratando de ouro proveniente de garimpo ilegal. E, vale citar, somente mediante resposta à autoridade policial foi possível discriminar quais, dentre os indicados como vendedores do ouro, deteriam título autorizativo para garimpo (ID 165885838 - Pág. 147). Independentemente de tais nuances, porém, resulta clara a inexigibilidade de um dever de checar a autorização da lavra do ouro adquirido pelo ora acusado em relação à cadeia de produção aurífera, principalmente quando se discute os contornos criminais da comercialização ilegal. Nesse sentido, as exigências constantes dos arts. 38 e 39 da Leiº 12.844/2013, no sentido de que o transporte de ouro seja acompanhado do título autorizativo da lavra, devendo este indicativo também constar expressamente da nota fiscal, não devem retroagir para incriminar condutas pretéritas à tal obrigação acessória. A propósito, o próprio art. 40 do mencionado diploma legal é expresso em reputar como lícita qualquer aquisição de ouro documentada ou não por recibo, desde que haja a adequada identificação dos respectivos vendedores – art. 40, § 2º, da Lei: Art. 38. O transporte do ouro, dentro da circunscrição da região aurífera produtora, até 1 (uma) instituição legalmente autorizada a realizar a compra, será acompanhado por cópia do respectivo título autorizativo de lavra, não se exigindo outro documento. (...) Art. 39. A prova da regularidade da primeira aquisição de ouro produzido sob qualquer regime de aproveitamento será feita com base em: I - nota fiscal emitida por cooperativa ou, no caso de pessoa física, recibo de venda e declaração de origem do ouro emitido pelo vendedor identificando a área de lavra, o Estado ou Distrito Federal e o Município de origem do ouro, o número do processo administrativo no órgão gestor de recursos minerais e o número do título autorizativo de extração; e II - nota fiscal de aquisição emitida pela instituição autorizada pelo Banco Central do Brasil a realizar a compra do ouro. § 1º Para os efeitos deste artigo, a instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro deverá cadastrar os dados de identificação do vendedor, tais como nome, número de inscrição no Cadastro de Pessoa Física do Ministério da Fazenda - CPF ou Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do Ministério da Fazenda - CNPJ, e o número de registro no órgão de registro do comércio da sede do vendedor. § 2º O cadastro, a declaração de origem do ouro e a cópia da Carteira de Identidade - RG do vendedor deverão ser arquivados na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra do ouro, para fiscalização do órgão gestor de recursos minerais e da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pelo período de 10 (dez) anos, contados da compra e venda do ouro. § 3º É de responsabilidade do vendedor a veracidade das informações por ele prestadas no ato da compra e venda do ouro. § 4º Presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente quando as informações mencionadas neste artigo, prestadas pelo vendedor, estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro. Art. 40. A prova da regularidade da posse e do transporte de ouro para qualquer destino, após a primeira aquisição, será feita mediante a apresentação da respectiva nota fiscal, conforme o disposto no § 1º no art. 3º da Lei nº 7.766, de 11 de maio de 1989. (...) § 2º Para fins do disposto no art. 39 desta Lei, até a entrada em vigor da Portaria do órgão gestor de recursos minerais, serão consideradas regulares as aquisições de ouro, já efetuadas por instituição legalmente autorizada a realizar a compra do ouro, anteriores à publicação desta Lei, documentadas ou não por meio dos recibos em modelos disponíveis no comércio em geral, desde que haja a adequada identificação dos respectivos vendedores. (Destaquei) Com efeito, o Direito Penal, enquanto última instância repressiva do Estado, é cercado pelos princípios da legalidade estrita e da culpabilidade, de modo que não se deve criminalizar conduta não proibida expressamente em lei, bem como tampouco se pode cogitar de responsabilização objetiva, pela mera existência de suposto vício quanto à licença dos garimpeiros fornecedores do ouro que o acusado adquiriu. A pretensão acusatória impingiria, assim, insuportável insegurança jurídica sobre relações jurídicas relevantes, não sendo lícito transferir a responsabilidade fiscalizatória do Estado sobre a atividade garimpeira para o particular sem que haja exigência legal – como de fato foi incrementado posteriormente à conduta ora analisada. Assim, deveria a acusação provar que o acusado quis adquirir ouro sabidamente ilegal, não se evidenciando com clareza, contudo, o caráter espúrio do garimpo e tampouco a ciência acerca da ilegalidade suposta. Rememore-se neste ponto que a empresa comandada pelo acusado, em Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, obteve a liberação do material apreendido em sentença transitada em julgado. Nestes termos, em conclusão, deve ser mantida a absolvição de VALDEMIR DE MELO por não restar comprovado o fato delituoso (art. 386, inc. II, do CPP). DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por julgar prejudicada a Apelação de SÉRGIO SCHIABER, diante do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa quanto ao crime do art. 333 do Código Penal, nos termos do art. 107, IV, c.c. os arts. 109, V, ambos do Código Penal, c.c. o art. 61 do CPP, bem como por negar provimento à Apelação do Ministério Público Federal, mantendo a absolvição de VALDEMIR DE MELO relativamente ao crime do artigo 2°, § 1°, da Lei n° 8.176/1991, por não restar comprovado o fato delituoso (art. 386, inc. II, do CPP).
Advogados do(a) APELADO: ISAURA AKIKO AOYAGUI - SP82285-A, NORIYO ENOMURA - SP56983-A
E M E N T A
APELAÇÕES CRIMINAIS. PREJUDICADA A APELAÇÃO DEFENSIVA QUANTO AO CORRÉU SENTENCIADO COMO INCURSO NAS PENAS DO CRIME DO ARTIGO 333 DO CÓDIGO PENAL, DIANTE DO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA MODALIDADE RETROATIVA. APELAÇÃO DO ÓRGÃO MINISTERIAL DESPROVIDA, COM MANUTENÇÃO DO DECRETO ABSOLUTÓRIO QUANTO À IMPUTAÇÃO PELO CRIME DO ARTIGO 2°, § 1°, DA LEI N° 8.176/1991, DIANTE DA NÃO COMPROVAÇÃO DO CARÁTER ILÍCITO DA AQUISIÇÃO DE OURO PELO ACUSADO.
01. Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por SÉRGIO SCHIABER, decorrentes da condenação deste acusado pela prática do crime do artigo 333 do Código Penal, e da absolvição de VALDEMIR DE MELO pela prática dos crimes previstos no artigo 304 do Código Penal e no artigo 2°, § 1°, da Lei n° 8.176, de 8 de fevereiro de 1991.
02. Reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa quanto à pena de 02 (dois) anos de reclusão imposta pela prática do crime do art. 333 do Código Penal a SÉRGIO SCHIABER, tendo em vista o transcurso de lapso temporal superior ao prazo de 04 (quatro) anos preconizado pelo art. 109, inc. V, do Código Penal, entre os marcos prescricionais do recebimento da denúncia e da publicação da sentença, de sorte a atingir a pretensão punitiva estatal (nos termos do art. 107, IV, c.c. os arts. 109, V, ambos do Código Penal, c.c. o art. 61 do CPP). Prejudicada a Apelação de SÉRGIO SCHIABER.
03. Não caracterização do crime de usurpação de matéria-prima pertencente à União (art. 2°, § 1º, da Lei nº 8.176/1991).
04. Observando-se o contexto fático e o marco legal da comercialização de ouro vigente à época dos fatos, não se mostra plausível asseverar que VALDEMIR DE MELO, através da empresa PARMETAL DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA, teria de fato desobedecido a legislação de regência e dolosamente adquirido ouro proveniente do garimpo ilegal. Demais disto, a conduta ora analisada remonta ao ano de 2007, anterior à vigência da Lei nº 12.844, de 19.07.2013, que incorporou novas exigências ao adquirente de ouro, de forma que a emissão de nota fiscal com identificação dos vendedores é conducente à presunção da boa-fé objetiva.
05. As exigências constantes da Leiº 12.844/2013, no sentido de que o transporte de ouro seja acompanhado do título autorizativo da lavra, devendo este indicativo também constar expressamente da nota fiscal, não devem retroagir para incriminar condutas pretéritas à tal obrigação acessória. A propósito, o próprio art. 40, § 2º, do mencionado diploma legal é expresso em reputar como lícita qualquer aquisição de ouro documentada ou não por recibo, desde que haja a adequada identificação dos respectivos vendedores.
06. O Direito Penal, enquanto última instância repressiva do Estado, é cercado pelos princípios da legalidade estrita e da culpabilidade, de modo que não se deve criminalizar conduta não proibida expressamente em lei, tampouco se pode cogitar de responsabilização objetiva, pela mera existência de suposto vício quanto à licença dos garimpeiros fornecedores do ouro que o acusado adquiriu.
07. Deveria a acusação provar que o acusado quis adquirir ouro sabidamente ilegal, não se evidenciando com clareza, contudo, o caráter espúrio do garimpo e tampouco a ciência acerca da ilegalidade suposta. Rememore-se neste ponto que a empresa comandada pelo acusado, em Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, obteve a liberação do material apreendido em sentença transitada em julgado.
08. Absolvição de VALDEMIR DE MELO mantida, por não restar comprovado o fato delituoso (art. 386, inc. II, do CPP). Apelação do Ministério Público Federal desprovida.