Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003691-89.2020.4.03.6183

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: CARLOS MARTINS DOS SANTOS

Advogado do(a) APELADO: VALERIA SCHETTINI LACERDA - SP350022-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003691-89.2020.4.03.6183

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: CARLOS MARTINS DOS SANTOS

Advogado do(a) APELADO: VALERIA SCHETTINI LACERDA - SP350022-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­R E L A T Ó R I O

 

 

Demanda proposta objetivando o reconhecimento de tempo de serviço comum registrado em CTPS e não computado pelo INSS e, como especial, dos períodos laborados em condições insalubres, para fins de concessão de aposentadoria especial ou de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a DER (13/8/2018). Subsidiariamente, requer a reafirmação da DER (Id. 164875259).

O juízo a quo julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, o pedido de cômputo dos períodos de 25/6/1974 a 26/7/1974 e de 8/8/1983 a 4/10/1983, como em atividade comum, e julgou parcialmente procedentes os demais pedidos deduzidos para os fins de condenar o INSS a reconhecer o período de 2/11/1974 a 8/11/1974, em Karibe S/A, como em atividades comuns, e os períodos especiais laborados de 13/9/1978 a 7/6/1979, 6/2/1991 a 10/7/1992, 09/04/1995 a 17/02/1997 e 28/04/1998 a 04/02/2000, bem como conceder a aposentadoria por tempo de contribuição, pela regra da Lei 13.183/2015, a partir da data do requerimento administrativo (20/4/2018). Antecipados os efeitos da tutela (Id. 164875276).

O INSS apela, pleiteando a parcial reforma da sentença, no tocante ao enquadramento como especial das atividades realizadas nos períodos de 6/2/1991 a 10/7/1992, 9/4/1995 a 17/2/1997 e 28/4/1998 a 4/2/2000. Sustenta, em síntese, a impossibilidade do enquadramento pela categoria profissional do vigia, a não comprovação da sujeição a agentes nocivos de forma habitual e permanente, a impossibilidade de reconhecimento da atividade perigosa como especial após 1995 e a ausência de prévia fonte de custeio. Prequestiona a matéria para fins recursais (Id. 164875782).

Com contrarrazões (Id. 164875785), subiram os autos.

É o relatório.

 

 

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003691-89.2020.4.03.6183

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: CARLOS MARTINS DOS SANTOS

Advogado do(a) APELADO: VALERIA SCHETTINI LACERDA - SP350022-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­V O T O

 

 

Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame das insurgências propriamente ditas, considerando-se a matéria objeto de devolução.

A controvérsia restringe-se ao reconhecimento do vínculo mantido nos períodos de 6/2/1991 a 10/7/1992, 9/4/1995 a 17/2/1997 e 28/4/1998 a 4/2/2000.

Os períodos de 9/4/1995 a 17/2/1997 e 28/4/1998 a 4/2/2000, trabalhados nas empresas e Estrela Azul Serviços de Vigilância Ltda. e Servilus Segurança e Vigilância Ltda. (Id. 164875259, pp. 185-186) foram enquadrados como especiais com base em PPPs emitido pelo Sindicato dos Empregadores em Empresas em Vigilância, Segurança e Similares de São Paulo, que registra no documento a seguinte observação:

 

Declaramos para todos os fins de direito, que as informações prestadas neste documento foram extraídas dos documentos fornecidos pelo segurado e das declarações verbais do mesmo. A empresa ESTRELA AZUL SERV DE VIG E SEG LTDA. teve o seu alvará de funcionamento cancelado pela Polícia Federal, estando em local desconhecido e incerto. Declaramos também que inexiste qualquer vínculo da empresa supra identificada com esta entidade sindical, bem como, não foi outorgado poderes para nenhum membro desta entidade sindical que a autorize ao fornecimento de qualquer documento em seu nome. O referido documento foi expedido unicamente para suprir a ausência da empresa e do seu fornecimento pela mesma.

 

O mesmo teor tem a observação constante do PPP em nome da empresa Servilus Segurança e Vigilância Ltda..

O subscritor não é, portanto, pessoa habilitada para emitir o documento.

Tendo em vista a inconsistência do documento acostado ao autos, mostra-se imprescindível, para viabilizar a análise do pedido de concessão do benefício vindicado, a realização da perícia técnica para a comprovação do efetivo exercício de atividade em condições agressivas, idôneas a ocasionar danos à saúde ou à integridade física do trabalhador.

O juiz é o destinatário da prova e se entender que o conjunto probatório é insuficiente, pode determinar a produção daquelas necessárias à formação de seu convencimento, nos termos do art. 370 do CPC.

Nesse sentido:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO REGRESSIVA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA.

(...)

2. É firme a compreensão desta Corte no sentido de que, "sendo o juiz o destinatário da prova, cabe a ele, com base em seu livre convencimento, avaliar a necessidade desta, podendo determinar a sua produção até mesmo de ofício, conforme prevê o art. 130 do Código de Processo Civil' (AgRg no Ag 1.114.441/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 4/2/2011).

(...)

(AgRg no AREsp 512821/CE - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2014/0106400-1 - Ministro OG FERNANDES – SEGUNDA TURMA – Julgado em 18.06.2014 – Publicado no DJe de 25.06.2014)

 

Ademais, a jurisprudência tem admitido a utilização de perícia por similaridade, realizada em empresa com características semelhantes àquela em que se deu a prestação do serviço, quando impossível sua realização no próprio ambiente de trabalho do segurado.

Nesse sentido, é o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. SÚMULA 284/STF. CÔMPUTO DE TEMPO ESPECIAL. PROVA TÉCNICA. PERÍCIA POR SIMILARIDADE. CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E NESSA PARTE PROVIDO.

(...)

2. A tese central do recurso especial gira em torno do cabimento da produção de prova técnica por similaridade, nos termos do art. 429 do CPC e do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991.

3. A prova pericial é o meio adequado e necessário para atestar a sujeição do trabalhador a agentes nocivos à saúde para seu enquadramento legal em atividade especial. Diante do caráter social da previdência, o trabalhador segurado não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção da prova técnica.

4. Quanto ao tema, a Segunda Turma já teve a oportunidade de se manifestar, reconhecendo nos autos do Recurso Especial 1.397.415/RS, de Relatoria do Ministro Humberto Martins, a possibilidade de o trabalhador se utilizar de perícia produzida de modo indireto, em empresa similar àquela em que trabalhou, quando não houver meio de reconstituir as condições físicas do local onde efetivamente prestou seus serviços.

5. É exatamente na busca da verdade real/material que deve ser admitida a prova técnica por similaridade. A aferição indireta das circunstâncias de labor, quando impossível a realização de perícia no próprio ambiente de trabalho do segurado é medida que se impõe.

6. A perícia indireta ou por similaridade é um critério jurídico de aferição que se vale do argumento da primazia da realidade, em que o julgador faz uma opção entre os aspectos formais e fáticos da relação jurídica sub judice, para os fins da jurisdição.

7. O processo no Estado contemporâneo tem de ser estruturado não apenas consoante as necessidades do direito material, mas também dando ao juiz e à parte a oportunidade de se ajustarem às particularidades do caso concreto.

8. Recurso especial conhecido em parte e nessa parte provido.

(REsp nº 1.370.229-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, v.u., j. 25/02/14, DJe 11/03/14)

 

PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO. PERÍCIA INDIRETA EM EMPRESA SIMILAR. LOCAL DE TRABALHO ORIGINÁRIO INEXISTENTE. POSSIBILIDADE.

1. “Mostra-se legítima a produção de perícia indireta, em empresa similar, ante a impossibilidade de obter os dados necessários à comprovação de atividade especial, visto que, diante do caráter eminentemente social atribuído à Previdência, onde sua finalidade primeira é amparar o segurado, o trabalhador não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção, no local de trabalho, de prova, mesmo que seja de perícia técnica”. (REsp 1.397.415/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20.11.2013).

2. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no REsp nº 1.422.399-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, v.u., j. 18/03/14, DJe 27/03/14)

 

Da mesma forma, tem se decidido no âmbito desta Corte (ApCiv - 0029745-54.2015.4.03.9999, Oitava Turma, Rel. Des. Fed. LUIZ DE LIMA STEFANINI, julgado em 09/09/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/09/2019; AI - 5012457-90.2019.4.03.0000, Décima Turma, Rel. Des. Fed. SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 29/08/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/09/2019;  ApCiv - 5772349-59.2019.4.03.9999, Sétima Turma, Rel. Des. Fed. TORU YAMAMOTO, julgado em 20/05/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 26/05/2020; ApCiv - 5006310-12.2018.4.03.6102, Oitava Turma, Rel. Des. Fed. TANIA REGINA MARANGONI, julgado em 25/03/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/03/2019; ApCiv - 0004884-60.2012.4.03.6102, Nona Turma, Rel. Des. Fed. GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 20/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 24/03/2020; e  ApCiv - 0011401-20.2018.4.03.9999,  Sétima Turma, Rel. Des. Fed. PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 01/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/06/2020).

Em específico, a posição prevalecente e atual nesta 8.ª Turma:

 

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO.

I- O inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal dispõe que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

II - O princípio constitucional do devido processo legal impõe que se conceda aos litigantes o direito à produção de provas, devendo facultar-se amplos meios para que se possa comprovar os fatos que amparam o direito disputado em juízo. Segundo Eduardo Couture, "A lei instituidora de uma forma de processo não pode privar o indivíduo de razoável oportunidade de fazer valer seu direito, sob pena de ser acoimada de inconstitucional" (BARACHO, José Alfredo de Oliveira; Teoria Geral do Processo Constitucional in Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 62, p. 135, Jan/2008).

III- impositiva a anulação da r. sentença, para que seja produzida a prova pericial nas respectivas empregadoras ou em empresas similares, caso as primeiras não estejam mais em funcionamento, a fim de aferir o caráter especial das atividades desenvolvidas nos períodos de 01/11/1978 a 16/01/1979, 01/06/1979 a 13/03/1980, 02/06/1980 a 15/09/1981, 04/01/1982 a Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos 04/04/1983, 01/07/1983 a 24/11/1983, 21/02/1984 a 18/10/1985, 06/11/1985 a 20/02/1987,13/03/1987 a 25/03/1988, 01/08/1988 a 01/10/1988, 02/01/1989 a 12/06/1990, 01/04/1991 a 30/04/1991, 01/07/1991 a 20/07/1993, 19/08/1993 a 28/04/1995.

IV – Sentença anulada, de ofício. Recurso do INSS prejudicado.

(ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 0001682-71.2014.4.03.6113, Relator Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, Data do Julgamento 22/07/2020, Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 24/07/2020)

 

A realização da perícia judicial é, portanto, indispensável ao julgamento da pretensão formulada, a fim de se aferir a insalubridade ou não da atividade desenvolvida no período pleiteado.

Registre-se que a perícia deve ser realizada por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos termos do art. 58, § 1.º, da Lei n.º 8.213/91, com o objetivo de apurar a efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos no ambiente laborado.

Assim, a falta de oportunidade para a realização da prova pericial, requerida pela parte na exordial e reiterada na réplica à contestação (Id. 155820771), implica cerceamento de defesa e ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal, impondo a nulidade parcial do feito, a partir da eiva verificada.

Necessária a realização de perícia por similaridade em relação aos períodos trabalhados nas empresas Estrela Azul Serviços de Vigilância Ltda. e Servilus Segurança e Vigilância Ltda.

Embora pendente a perícia indireta, a verossimilhança da alegação se faz presente, a justificar a manutenção da tutela de urgência concedida.

Até a data que antecede a promulgação da Lei n.º 9.032/95, em 28/4/1995, presume-se a especialidade do labor pelo exercício da atividade que se enquadre em uma das categorias profissionais previstas nos anexos dos regulamentos.

E a atividade de vigilante/vigia é equiparada à de guarda, nos termos do item 2.5.7, do Anexo III, do Decreto n.º 53.831/64, que classifica como perigoso o trabalho de bombeiros, investigadores e guardas, exercido nas ocupações de “extinção de fogo e de guarda”.

Suficiente, ademais, a mera indicação, na carteira de trabalho, da função desempenhada, consoante se observa de diversos julgados desta Corte: (8ª Turma, ApCiv 5002664-82.2018.4.03.6105, Rel. Des. Fed. NEWTON DE LUCCA, julgado em 11/11/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 16/11/2020; 8ª Turma, ApelRemNec 0003183-44.2014.4.03.6183, Rel. Des. Fed. LUIZ STEFANINI, julgado em 22/07/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/08/2019; ApelReex 0011307-27.2012.4.03.6105, Rel. Des. Fed. DAVID DANTAS, decisão monocrática de 22/02/2016, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA: 28/03/2016; 9ª Turma, ApCiv 5002371-18.2018.4.03.6104, Rel. Des. Fed. DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 18/06/2020, Intimação via sistema DATA: 19/06/2020; 7ª Turma, ApCiv 0012890-42.2015.4.03.6105, Rel. Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 17/11/2020, Intimação via sistema DATA: 20/11/2020).

Para essa equiparação, vinha entendendo pelo enquadramento da atividade de vigilante como especial, somente com a comprovação da exposição a perigo, mediante a utilização de arma de fogo.

No entanto, ressalvando entendimento pessoal a respeito do assunto em discussão, passo a acompanhar a posição majoritária do E. STJ (REsp 1.491.551-RS; REsp 1.470.138-SP; PUIL 1437-2019/0191500-9) e desta C. Corte (EI 0003799-39.2002.4.03.6183/SP; EI 0006211-47.2006.4.03.6103/SP; ApCiv 5002664-82.2018.4.03.6105; ApCiv 5006789-65.2019.4.03.6103; ApCiv 5001546-47.2018.4.03.6113; ApCiv 5002371-18.2018.4.03.6104; ApCiv 0012890-42.2015.4.03.6105), que reconhecem a especialidade da atividade de vigilante/vigia, exercida até 28/4/1995, por equiparação à função de guarda, independentemente da demonstração do uso de arma, em razão da periculosidade inerente à atividade profissional.

O posicionamento em questão advém da compreensão de que a Lei n.º 12.740/12, que alterou o art. 193, da CLT, considera perigosa a atividade que, por sua natureza, implique em risco acentuado em face da exposição, no caso do vigilante, a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

Também, porquanto a periculosidade da referida atividade está prevista na NR-16, aprovada pela Portaria MTB n.º 3.214/78, com alterações posteriores, não fazendo menção ao porte de arma.

De igual modo, inexistente previsão legislativa relacionada à exigência da presença da arma, para fins de caracterização da periculosidade e reconhecimento como especial da atividade de vigilante.

Ressalte-se, outrossim, que, para fins previdenciários, não se exige a apresentação da prova de habilitação técnica a que se refere a Lei n.º 7.102/83.

Convém não olvidar, quanto à possibilidade de enquadramento como especial da atividade de vigilante, após a edição da Lei n.º 9.032/1995 e do Decreto n.º 2.172/1997, que excluíram as atividades perigosas dos agentes considerados nocivos ao trabalhador, as balizas conferidas pelo Superior Tribunal de Justiça por conta do término do julgamento do REsp n.º 1.831.371-SP, em 9/12/2020, de relatoria do Excelentíssimo Senhor Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, sob a sistemática de recursos repetitivos, admitindo-se a possibilidade do reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, mesmo depois da Lei n.º 9.032/1995 e do Decreto n.º 2.172/1997, com ou sem o uso de arma de fogo, desde que comprovada a exposição a atividade nociva que coloque em risco a integridade física do trabalhador.

Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão publicado, que inclui, em destaque abaixo sublinhado, a tese firmada nessa ocasião:

 

I. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SISTEMÁTICA DE RECURSOS REPETITIVOS. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE, COM OU SEM O USO DE ARMA DE FOGO.

II. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO PELA VIA DA JURISDIÇ]ÃO, COM APOIO PROCESSUAL EM QUALQUER MEIO PROBATÓRIO MORALMENTE LEGÍTIMO, APÓS O ADVENTO DA LEI 9.032/1995, QUE ABOLIU A PRÉ-CLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA O EFEITO DE RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE NOCIVIDADE OU RISCO À SAÚDE DO TRABALHADOR, EM FACE DA ATIVIDADE LABORAL. SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 57 E 58 DA LEI 8.213/1991.

III. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO, DADA A INESGOTABILDIADE REAL DA RELAÇÃO DESSES FATORES. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS NA REGRA POSITIVA ENUNCIATIVA. REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA NOCIVIDADE. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM INTERMITENTE A FATORES DE RISCO (ART. 57, § 3o., DA LEI 8.213/1991).

IV. RECURSO ESPECIAL DO INSS PARCIALMENTE CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO À PARTE CONHECIDA.

1. É certo que no período de vigência dos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979 a especialidade da atividade se dava por presunção legal, de modo que bastava a informação acerca da profissão do Segurado para lhe assegurar a contagem de tempo diferenciada. Contudo, mesmo em tal período se admitia o reconhecimento de atividade especial em razão de outras profissões não previstas nestes decretos, exigindo-se, nessas hipóteses provas cabais de que a atividade nociva era exercida com a exposição aos agentes nocivos ali descritos.

2. Neste cenário, até a edição da Lei 9.032/1995, nos termos dos Decretos 53.080/1979 e 83.080/1979, admite-se que a atividade de Vigilante, com ou sem arma de fogo, seja considerada especial, por equiparação à de Guarda.

3. A partir da vigência da Lei 9.032/1995, o legislador suprimiu a possibilidade de reconhecimento de condição especial de trabalho por presunção de periculosidade decorrente do enquadramento na categoria profissional de Vigilante. Contudo, deve-se entender que a vedação do reconhecimento por enquadramento legal não impede a comprovação da especialidade por outros meios de prova. Aliás, se fosse proclamada tal vedação, se estaria impedindo os julgadores de proferir julgamentos e, na verdade, implantando na jurisdição a rotina burocrática de apenas reproduzir com fidelidade o que a regra positiva contivesse. Isso liquidaria a jurisdição previdenciária e impediria, definitivamente, as avaliações judiciais sobre a justiça do caso concreto.

4. Desse modo, admite-se o reconhecimento da atividade especial de Vigilante após a edição da Lei 9.032/1995, desde que apresentadas provas da permanente exposição do Trabalhador à atividade nociva, independentemente do uso de arma de fogo ou não.

5. Com o advento do Decreto 2.172/1997, a aposentadoria especial sofre nova alteração, pois o novo texto não mais enumera ocupações, passando a listar apenas os agentes considerados nocivos ao Trabalhador, e os agentes assim considerados seriam, tão-somente, aqueles classificados como químicos, físicos ou biológicos. Não traz o texto qualquer referência a atividades perigosas, o que à primeira vista, poderia ao entendimento de que está excluída da legislação a aposentadoria especial pela via da periculosidade. Essa conclusão, porém, seria a negação da realidade e dos perigos da vida, por se fundar na crença – nunca confirmada – de que as regras escritas podem mudar o mundo e as vicissitudes do trabalho, os infortúnios e os acidentes, podem ser controlados pelos enunciados normativos.

6. Contudo, o art. 57 da Lei 8.213/1991 assegura, de modo expresso, o direito à aposentadoria especial ao Segurado que exerça sua atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, dando impulso aos termos dos arts. 201, § 1o. e 202, II da Constituição Federal. A interpretação da Lei Previdenciária não pode fugir dessas diretrizes constitucionais, sob pena de eliminar do Direito Previdenciário o que ele tem de específico, próprio e típico, que é a primazia dos Direitos Humanos e a garantia jurídica dos bens da vida digna, como inalienáveis Direitos Fundamentais.

7. Assim, o fato de os decretos não mais contemplarem os agentes perigosos não significa que eles – os agentes perigosos – tenham sido banidos das relações de trabalho, da vida laboral ou que a sua eficácia agressiva da saúde do Trabalhador tenha sido eliminada. Também não se pode intuir que não seja mais possível o reconhecimento judicial da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico-constitucional, hierarquicamente superior, traz a garantia de proteção à integridade física e à saúde do Trabalhador. 8. Corroborando tal assertiva, a Primeira Seção desta Corte, no julgamento do 1.306.113/SC, fixou a orientação de que a despeito da supressão do agente nocivo eletricidade, pelo Decreto 2.172/1997, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade submetida a tal agente perigoso, desde que comprovada a exposição do Trabalhador de forma permanente, não ocasional, nem intermitente. Esse julgamento deu amplitude e efetividade à função de julgar e a entendeu como apta a dispensar proteções e garantias, máxime nos casos em que a legislação alheou-se às poderosas e invencíveis realidades da vida.

9. Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a possibilidade de caracterização da atividade de Vigilante como especial, com ou sem o uso de arma de fogo, mesmo após 5.3.1997, desde que comprovada a exposição do Trabalhador à atividade nociva, de forma permanente, não ocasional, nem intermitente, com a devida e oportuna comprovação do risco à integridade física do Trabalhador.

10. Firma-se a seguinte tese: é admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado.

11. Análise do caso concreto: No caso dos autos, o Tribunal reconhece haver comprovação da especialidade da atividade, a partir do conjunto probatório formado nos autos, especialmente o perfil profissiográfico do Segurado. Nesse cenário, não é possível acolher a pretensão do recursal do INSS que defende a necessidade de comprovação do uso de arma de fogo para caracterização do tempo especial.

12. Recurso Especial do INSS parcialmente conhecido, para, na parte conhecida, se negar provimento.

 

Em seu voto, o Ministro Relator ressaltou que o art. 57 da Lei n.º 8.213/1991 assegura expressamente o direito à aposentadoria especial ao segurado que exerça sua atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, em harmonia com o texto dos arts. 201, § 1.º, e 202, inciso II, da Constituição Federal.

Oportuna a menção, igualmente, a excerto do voto-vista proferido pela Excelentíssima Senhora Ministra Assusete Magalhães, já no exame do caso concreto objeto do recurso especial decidido pela E. Corte Superior, versando sobre casuística posterior à Lei n.º 9.032/95, ao asseverar que “as alegações do INSS não podem prosperar, pois, em consonância com a tese ora firmada, o reconhecimento da atividade especial de vigilante não está condicionada ao uso de arma de fogo, bastando a comprovação de efetiva exposição, de maneira permanente, não ocasional, nem intermitente, a situação prejudicial à integridade física – o que ocorreu, no caso –, tendo registrado a decisão monocrática da Relatora, em 2º Grau, mantida pelo acórdão recorrido, que "o autor juntou cópia de Perfil Profissiográfico Previdenciário (fls. 15/16), dando conta de que trabalhou nas funções de Vigilante (29/04/1995 a 31/12/2003), auxiliar caixa forte (01/01/2004 a 31/12/2005) e assistente de operações PI (01/01/2006 a 06/06/2006), nos setores Vigilância e Apoio/Administr/Assessoria, com exposição a ruído de 73dB (10/10/2003 a 10/10/2005), ruído (11/10/2005 a 06/06/2006) e calor de 22,5 IBUTG (11/10/2005 a 06/06/2006). A atividade é enquadrada como especial no interregno em que trabalhou como vigilante, isto é, de 29/04/1995 a 31/12/2003" (fl. 262e)”.

Assim, nos casos que envolvem o reconhecimento da especialidade do trabalho de vigilante/vigia após 28/4/1995, com ou sem uso de arma de fogo, é necessária a comprovação da efetiva nocividade da atividade.

O autor possui registros em CTPS como vigilante nas referidas empresas, especializadas em serviços de vigilância (Id. 164875259, pp. 73 e 88).

Trouxe PPP relativos aos períodos de 9/4/1995 a 17/2/1997 e 28/4/1998 a 4/2/2000, atestando que no desempenho da atividade de vigilante fazia uso de arma de fogo.

Ainda que dispensada a prova de uso de arma de fogo para permitir o enquadramento, pendente, em relação aos períodos de 9/4/1995 a 17/2/1997 e 28/4/1998 a 4/2/2000, apenas a comprovação por meio de prova apta da nocividade da atividade.

Assim, configurada a probabilidade do direito, tem-se que, reconhecidas as condições especiais das atividades desenvolvidas em tais períodos, o autor contaria com mais de 35 anos de tempo de contribuição, suficientes para a implantação da aposentadoria por tempo de contribuição na data da DER (20/4/2018).

Dessa forma, mantenho a tutela provisória de urgência, nos termos dos arts. 300, caput, 302, inciso I, 536, caput, e 537, todos do Código de Processo Civil, observando-se os efeitos do decidido no âmbito do Recurso Especial n.° 1.734.685 – SP (2018/0082173-0), tendo em vista a idade avançada da parte autora e o caráter alimentar do benefício.

Posto isto, de ofício, reconheço o cerceamento de defesa e, de ofício, anulo parcialmente a sentença proferida, determinando o retorno dos autos à vara de origem, para a realização de perícia técnica por similaridade em relação ao período trabalhado nas empresas Estrela Azul Serviços de Vigilância Ltda. e Servilus Segurança e Vigilância Ltda.. Julgo prejudicada a apelação. Mantida a tutela de urgência concedida.

É o voto.

 

 

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS.  NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA.

- A falta de oportunidade para a realização da prova pericial, requerida pela parte, implica cerceamento de defesa e ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal, impondo a nulidade do feito, a partir da eiva verificada.

- A jurisprudência tem admitido a utilização de perícia por similaridade, realizada em empresa com características semelhantes àquela em que se deu a prestação do serviço, quando impossível sua realização no próprio ambiente de trabalho do segurado.

- Manutenção da tutela provisória de urgência, nos termos dos arts. 300, caput, 302, inciso I, 536, caput, e 537, todos do Código de Processo Civil, observando-se o REsp n.° 1.734.685 – SP.

- Sentença anulada de ofício. Retorno dos autos à vara de origem, para produção de prova pericial. Prejudicada a apelação. 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, reconhecer o cerceamento de defesa e, de ofício, anular parcialmente a sentença proferida, determinando o retorno dos autos à vara de origem, julgando prejudicada a apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.