Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5103949-71.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: ANA LUCIA DE SOUZA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO CESINI DE SALLES - SP295863-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANA LUCIA DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO CESINI DE SALLES - SP295863-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5103949-71.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: ANA LUCIA DE SOUZA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO CESINI DE SALLES - SP295863-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANA LUCIA DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO CESINI DE SALLES - SP295863-N

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à revisão de aposentadoria por tempo de contribuição.

A sentença acolheu o pedido exordial para enquadrar os períodos de 25/8/1987 a 30/11/1987, de 1º/4/1988 a 31/12/1989, de 1º/1/1990 a 31/12/1990 e de 1º/1/1991 a 22/7/1991 e determinar a revisão reclamada do pedido administrativo revisional, respeitada a prescrição quinquenal. Ademais, fixou os consectários e a sucumbência.

A parte autora recorreu, exorando os efeitos financeiros da DER original, com suspensão da prazo prescricional desde a provocação revisional.

Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual se insurge contra os enquadramentos efetuados. Por cautela, pugna por exclusão do período de auxílio doença como tempo especial e por ajustes no termo inicial. Prequestionou a matéria para fins de recursais.

Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5103949-71.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: ANA LUCIA DE SOUZA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO CESINI DE SALLES - SP295863-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANA LUCIA DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO CESINI DE SALLES - SP295863-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.

De início, o histórico laborativo da segurada não indica percepção de benefício por incapacidade, de modo que deixo de conhecer do pleito da autarquia de exclusão dos períodos como tempo especial.

Passo à análise das questões trazidas a julgamento.

Do enquadramento de período especial

Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:

"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:

(...)

§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.

§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."

Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.

Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.

Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008, DJe 7/4/2008.

Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.

Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.

Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.

Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.

Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).

Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.

Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).

Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).

Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.

Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.

Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.

Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.

A parte autora busca, fundamentalmente, o reconhecimento da natureza especial da atividade no segmento de beneficiamento de couros (curtumes), de 25/8/1987 a 30/11/1987, de 1º/4/1988 a 31/12/1989, de 1º/1/1990 a 31/12/1990 e de 1º/1/1991 a 22/7/1991.

Para tanto, trouxe à colação CTPS e PPP.

Durante a instrução, sobreveio laudo pericial por similaridade da confiança do Juízo, sob o contraditório.

No tocante aos vínculos reconhecidos, afigura-se pertinente o enquadramento da atividade em razão da exposição habitual a agentes químicos hidrocarbonetos deletérios à saúde humana, como tolueno, xileno e acetato de etila, durante o processo de beneficiamento de couro na empresa "Curtume Cadorna Ltda.", o que autoriza a inclusão nos códigos 1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 1.0.17 do anexo IV aos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999.

Anoto que os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa, senão qualitativa. Nesse sentido: TRF4, APELREEX 50611258620114047100/RS, Rel. (Auxílio Vânia) PAULO PAIM DA SILVA, Julgamento: 09/07/2014, 6T, Data de Publicação: D.E. 10/07/2014; TRF1, AC 00435736820104013300, Rel. JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA REG. PREVID. DA BAHIA, Data de Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P. 281.

Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas na profissiografia, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.

Em suma, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades suprarreferidas, cujos lapsos devem ser somados aos demais períodos incontroversos a permitir a revisão reclamada.

O termo inicial de revisão do benefício deve ser a data do requerimento administrativo (DER 25/3/2009), respeitada a prescrição quinquenal do ajuizamento da ação, porquanto os elementos apresentados naquele momento já permitiam o cômputo dos períodos reconhecidos nestes autos.

Nesse diapasão, com relação à prescrição, "nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação", à luz da Súmula n. 85 do Superior Tribunal de Justiça. (destaquei)

Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.

No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.

Diante do exposto, nego provimento ao apelo do INSS e dou parcial provimento ao recurso da parte autora para fixar o termo inicial de revisão do benefício no requerimento administrativo original (DER 25/3/2009), respeitada a prescrição quinquenal do ajuizamento desta ação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. SERVIÇOS GERAIS NO BENEFICIAMENTO DE CURTUMES. POSSIBILIDADE. AGENTES QUÍMICOS HIDROCARBONETOS. PPP. LAUDO PERICIAL POR SIMILARIDADE. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.

- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.

- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).

- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).

- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.

- No tocante aos vínculos reconhecidos, afigura-se pertinente o enquadramento da atividade em razão da exposição habitual a agentes químicos hidrocarbonetos deletérios à saúde humana, como tolueno, xileno e acetato de etila, durante o processo de beneficiamento de couro, o que autoriza a inclusão nos códigos 1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 1.0.17 do anexo IV aos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999.

- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa, senão qualitativa. Precedente.

- O termo inicial de revisão do benefício deve ser a data do requerimento administrativo, respeitada a prescrição quinquenal do ajuizamento da ação, porquanto os elementos apresentados naquele momento já permitiam o cômputo dos períodos reconhecidos nestes autos.

- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.

- Apelação da parte autora parcialmente provida.

- Apelação do INSS desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.