Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001155-57.2020.4.03.6005

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: ALIETE DA SILVA CHAVES

Advogados do(a) APELANTE: LIAMARA DA SILVA CHAVES MARTINS - GO22867-A, LUCAS CUNHA RAMOS - GO38029-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, OPERAÇÃO CAVOK

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001155-57.2020.4.03.6005

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: ALIETE DA SILVA CHAVES

Advogados do(a) APELANTE: LIAMARA DA SILVA CHAVES MARTINS - GO22867-A, LUCAS CUNHA RAMOS - GO38029-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, OPERAÇÃO CAVOK

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação criminal interposta por Aliete da Silva Chaves contra a decisão de Id n. 193078022 que, em 13.05.21, acolheu a petição ministerial e determinou a alienação antecipada da aeronave Beech Aircraft, B36TC, 1989, prefixo PTLSY, registrada em nome da apelante.

Em razões recursais apresentadas na forma do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal, alega-se, em síntese, o seguinte:

a) trata-se, originalmente, de medida assecuratória de sequestro, deferida pelo Juízo Federal de Campo Grande, cuja constrição recai sobre aeronave de propriedade da apelante que foi apreendida nos Autos n. 5000503-40.2020.4.03.6005, relacionados à Ação Penal n. 5001601-60.2020.4.03.6005, que tramita em fase recursal no Tribunal Regional Federal da 3ª Região;

b) o Ministério Público Federal requereu a alienação antecipada do referido bem, que foi precocemente julgada, à míngua das diretrizes basilares do devido processo legal, identificando-se, precipuamente, três graves vícios procedimentais, consistentes na inocorrência de citação da parte requerida, ausência de fundamentação na sentença e inequívoca mitigação probatória;

c) “As vicissitudes defluem também na absoluta ausência de justa causa adequada a viabilizar a perniciosa e incongruente ambição expropriatória promovida pelo Ministério Público Federal, cujo anseio carece de substratos mínimos capazes de indicar que a aquisição do bem posto em alienação se deu em decorrência de atividades criminosas” (Id n. 214226505, p. 2);

d) a demanda em julgamento possui natureza satisfativa, visando à pretensão punitiva promovida e impulsionada pelo Ministério Público Federal, de modo que o procedimento adotado no âmbito das medidas cautelares dessa natureza deve assegurar aos participantes, especialmente ao réu, o amplo direito à defesa, a fim de garantir o pleno exercício do contraditório;

e) sob essa lógica, o processo é nulo, pois sequer foi citada a parte recorrente;

f) o bloqueio em tela deu-se em razão de decisão cautelar apensada aos Autos n. 5000255-39.2020.4.03.6005, cuja fundamentação baseia-se na vinculação dos bens constritos à prática criminosa, identificados como produto do delito;

g) “A decisão autorizativa da constrição não identifica os bens quanto ao seu concreto uso para os fins de cometimento dos delitos, compreendidos na norma penal antecedente, cuja capitulação avençou-se na denúncia. Nenhuma referência concreta instrumentaliza o pedido de alienação antecipada, bem assim a denúncia apresentada pelo MPF, inexistindo provas nas razões aduzidas, ofertadas na base de temerárias presunções. Não é só, a aquisição dos bens não é correspondente à prática dos delitos, tal como comprovado nesta reclamação” (Id n. 214226505, p. 3);

h) “No Brasil, (...) é comum encontrar justificação abstrata nos pedidos referentes à constrição patrimonial fruto da persecução penal, e por vezes desarrazoada quanto a possível utilidade da cautelar antecedente, sem que tivéssemos um medidor adequado para metrificar os efeitos dessa política de antecipação de confisco nos graus de melhoria da segurança pública. Vulnerar diretos fundamentais não parece qualificação suficiente para que o instituto seja usado adequadamente” (Id n. 214226505, p. 5);

i) a autorização de uso e a cautelar antecedente do confisco preveem indenização nos casos de reversão da decisão, o que resultará em dever de indenizar pelo Estado, e, se os bens sofrerem depreciação, o Estado deverá indenizar o proprietário, vide art. 140 do Código de Processo Penal;

j) a Diretiva 2014/42/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, prevê o dever de fundamentação das decisões de perda de bens e o respeito aos direitos fundamentais e princípios de um processo equitativo e justo;

k) no Brasil, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade de oposição de embargos de terceiro contra a decisão que decreta a medida cautelar de sequestro, mas não especifica o procedimento a ser adotado no julgamento, fazendo apenas a ressalva de que a defesa autônoma deverá ser apreciada após passar em julgado a sentença condenatória, nos termos do art. 130, parágrafo único, do Código de Processo Penal;

l) “a solução para tal laconismo deve ser buscada a partir de uma interpretação extensiva e aplicação analógica no campo do processo civil, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito, tal como preconizado no artigo 38 do CPP. Assim, por decorrência lógica da adoção do procedimento legal previsto pela legislação cível, deverão ser igualmente seguidos os recursos que a ela inerentes” (sic, Id n. 189969974, p. 6);

m) no caso concreto sequer fora intentada a citação da parte recorrente, a fim de lhe proporcionar o mínimo exercício do contraditório e da ampla defesa;

n) a premissa fática articulada pelo Ministério Público Federal está absolutamente equivocada, em dois aspectos, quais sejam, a presunção de titularidade do bem e o requisito normativo para o uso prévio à condenação, nos termos do art. 133-A do Código de Processo Penal;

o) Ministério Público Federal olvida, ou não chegou a admitir o âmbito de incidência do art. 120, §§ 4º e 5º, do Código de Processo Penal, e não há qualquer fato imputável à recorrente capaz de lhe atribuir configuração de inidoneidade;

p) não há contemporaneidade entre a aquisição dos bens e a instauração do procedimento inquisitorial que originou a ação penal;

q) a aeronave precede de negócio jurídico perfeito, com cadeias dominiais devidamente comprovadas, cujas propriedades diferem daqueles incursos na ação penal;

r) não bastassem os conhecidos pressupostos da cautelaridade, o ordenamento vigente exige, para a decretação do sequestro, a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens, nos termos do art. 126 do Código de Processo Penal;

s) no mesmo sentido, o caput e o § 2º do art. 61 da Lei n. 11.343/06 preconizam que a alienação deverá ser realizada em autos apartados e conter exposição sucinta do nexo de instrumentalidade entre o delito e o bem apreendido, a descrição e especificação dos objetos, as informações sobre quem os tiver sob custódia e o local em que se encontrem, e a interpretação literal do dispositivo não deixa dúvida de que a alienação antecipada se limita aos bens utilizados para a prática de crimes, o que não se evidencia no caso em julgamento;

t) ante a ausência de contemporaneidade entre a aquisição do bem constrito e a suposta prática do delito, e dada a ausência de nexo de instrumentalidade entre esse bem e o suposto crime, e considerando ainda que a propriedade e a posse da aeronave são absolutamente estranhas aos demandados na ação penal de origem, é inconcebível a manutenção do sequestro, e, principalmente, o perdimento do bem;

u) requer o conhecimento e o provimento do recurso, de modo a cassar a sentença recorrida, retornando-se o feito à origem para a fase saneadora, a fim de oportunizar a citação da corrente, seguida da ampla dilação e produção probatória;

v) subsidiariamente, requer a reforma da recorrida a fim de julgar improcedentes os pedidos iniciais, pois ausentes quaisquer indícios de que o bem derive de atividades criminosas (Id n. 214226505).

Registre-se que o recurso de apelação interposto foi distribuído de forma incidental, nos termos do art. 601, § 1º, do Código de Processo Penal, e por dependência aos Autos n. 5001140-88.2020.4.03.6000.

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Rosane Cima Campiotto, manifestou-se, preliminarmente, pela rejeição da preliminar de nulidade, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso de apelação (Id n. 233594754).

É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

 


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V O T O

 

 

 

Decisão recorrida. Os presentes autos versam sobre o sequestro da aeronave Beech Aircraft, B36TC, prefixo PTLSY, registrada em nome de Aliete da Silva Chaves, apreendida no Aeroporto de Anápolis (GO) por ocasião do cumprimento de mandado de busca e apreensão e sequestro expedido nos Autos n. 5000302-48.2020.4.03.6005 e relacionado ao Inquérito Policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005 (Operação Cavok) (Ids ns. 193077866, 193077867 e 193077870 a 193077873).

Ao comunicar ao Juízo o cumprimento do mandado de busca e apreensão, o Delegado de Polícia Federal informou que a aeronave se encontrava no Hangar 01, localizado na Avenida Francisco Valois, s/n, CMA, Anápolis (GO), e que Evimar Antônio da Silva fora nomeado depositário fiel do bem. Aduzindo que aeronaves são bens de valor elevado e que precisam de manutenção periódica, sob pena de deterioração, a Autoridade Policial sugeriu ao Juízo que fosse determinada a alienação antecipada do bem apreendido (Id n. 193077868).

Foi juntado aos autos o laudo pericial relativo à aeronave Beech Aircraft, B36TC, prefixo PTLSY, avaliando-a em R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) (Id n. 193077983).

Sobreveio decisão proferida no Inquérito Policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005 em 21.10.20 na qual o Juízo da 1ª Vara Federal de Ponta Porã (MS) reconheceu sua incompetência para processar e julgar crimes de lavagem de dinheiro, declinando de sua competência para os feitos conexos, incluindo-se o presente (Id n. 193077987).

Remetidos os autos à 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS), o Ministério Público Federal pugnou pela alienação antecipada da aeronave (Id n. 193077992).

Em 23.03.21 o Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS) determinou a intimação de Aliete da Silva Chaves, proprietária formal do bem, a respeito do pedido de alienação antecipada e valor da avaliação, no prazo de 5 (cinco) dias (Id n. 193077993).

Aliete da Silva Chaves manifestou-se de forma contrária à alienação antecipada da aeronave, alegando, em síntese, a desvinculação do bem a atividades criminosas, sua proveniência lícita e o lastro patrimonial existente para sua aquisição. Aduziu que o bem estava sendo conservado em perfeitas condições pelo fiel depositário, sem custos para a União, e que as aeronaves não costumavam perder valor de mercado com o passar do tempo. Quanto à avaliação do bem, alegou que estava abaixo do valor de mercado, que seria de aproximadamente R$ 900.000,00 (novecentos mil reais) (Id n. 193078020).

Em 13.05.21 o Juízo a quo homologou a avaliação da aeronave em R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) e determinou a alienação antecipada do bem, conforme o seguinte excerto da decisão:

 

A antecipada alienação de bens apreendidos foi prevista inicialmente na  Lei n. 11.343/2006, sendo expedido pelo  Conselho Nacional de Justiça a Recomendação n. 30, de 10 de fevereiro de 2010, para que a norma da lei especial fosse também aplicada em crimes de outra natureza, a fim de se evitar a depreciação dos bens pela falta de manutenção e ausência de condições de depósito que viabilizem sua preservação durante o curso do processo.

Igualmente, a alienação antecipada de bens é estimulada pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), para dar cumprimento aos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário.

A Lei n. 9.613/1998, alterada pela Lei n. 12.683/2012, também trouxe a previsão da alienação antecipada tornando mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro, a qual determina em seu art. 4º- A que:

 

“Art. 4º - A. A alienação antecipada para preservação de valor de bens sob constrição será decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou por solicitação da parte interessada, mediante petição autônoma, que será autuada em apartado e cujos autos terão tramitação em separado em relação ao processo principal.

§ 1o  O requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os detém e local onde se encontram.

§ 2o O juiz determinará a avaliação dos bens, nos autos apartados, e intimará o Ministério Público.

§ 3o Feita à avaliação, e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão ou pregão, preferencialmente eletrônicopor valor não inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da avaliação.”

 

Observa-se, ainda, que a Lei nº. 12.694/12, especificamente, em seu artigo 5º, acrescentou o artigo 144-A ao Código de Processo Penal, incluindo expressamente no codex processual criminal o instituto da alienação antecipada de bens, que já possuía previsão em diplomas como a Lei de Tóxicos e a Lei de Lavagem de Dinheiro, tendo como fundamento a preservação do valor dos bens, sendo os requisitos, sucessivamente: a) a existência de qualquer grau de deterioração ou depreciação, b) ou a existência de dificuldade na manutenção dos bens.

Observe-se que a norma fala em qualquer grau de deterioração ou depreciação, não sendo necessário que o risco de prejuízo seja elevado, o que deve ser considerado razoável, tanto para: a) assegurar a manutenção de patrimônio que será potencialmente convertido aos cofres públicos, como para b) minimizar os prejuízos ao acusado em caso de absolvição, os quais poderão ser buscados na forma do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Em síntese, seja qual for à hipótese, pretende-se, em última análise, a preservação do patrimônio público.

A Lei nº 11.343/06, recentemente alterada pelas Leis n. 13.840/2019 e 13.886/2019, passou a dispor a respeito da alienação nos seguintes termos:

 

Art. 61.  A apreensão de veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte e dos maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei será imediatamente comunicada pela autoridade de polícia judiciária responsável pela investigação ao juízo competente. (Redação dada pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 1º  O juiz, no prazo de 30 (trinta) dias contado da comunicação de que trata o caput , determinará a alienação dos bens apreendidos, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma da legislação específica. (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 2º  A alienação será realizada em autos apartados, dos quais constará a exposição sucinta do nexo de instrumentalidade entre o delito e os bens apreendidos, a descrição e especificação dos objetos, as informações sobre quem os tiver sob custódia e o local em que se encontrem. (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 3º  O juiz determinará a avaliação dos bens apreendidos, que será realizada por oficial de justiça, no prazo de 5 (cinco) dias a contar da autuação, ou, caso sejam necessários conhecimentos especializados, por avaliador nomeado pelo juiz, em prazo não superior a 10 (dez) dias. (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 4º  Feita a avaliação, o juiz intimará o órgão gestor do Funad, o Ministério Público e o interessado para se manifestarem no prazo de 5 (cinco) dias e, dirimidas eventuais divergências, homologará o valor atribuído aos bens. (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 5º  (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 6º (Revogado).     (Redação dada pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 7º (Revogado).      (Redação dada pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 8º (Revogado).       (Redação dada pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 9º O Ministério Público deve fiscalizar o cumprimento da regra estipulada no § 1º deste artigo.     (Incluído pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 10. Aplica-se a todos os tipos de bens confiscados a regra estabelecida no § 1º deste artigo.    (Incluído pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 11. Os bens móveis e imóveis devem ser vendidos por meio de hasta pública, preferencialmente por meio eletrônico, assegurada a venda pelo maior lance, por preço não inferior a 50% (cinquenta por cento) do valor da avaliação judicial.     (Incluído pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 12. O juiz ordenará às secretarias de fazenda e aos órgãos de registro e controle que efetuem as averbações necessárias, tão logo tenha conhecimento da apreensão.      (Incluído pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 13. Na alienação de veículos, embarcações ou aeronaves, a autoridade de trânsito ou o órgão congênere competente para o registro, bem como as secretarias de fazenda, devem proceder à regularização dos bens no prazo de 30 (trinta) dias, ficando o arrematante isento do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário.    (Incluído pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 14. Eventuais multas, encargos ou tributos pendentes de pagamento não podem ser cobrados do arrematante ou do órgão público alienante como condição para regularização dos bens.    (Incluído pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 15. Na hipótese de que trata o § 13 deste artigo, a autoridade de trânsito ou o órgão congênere competente para o registro poderá emitir novos identificadores dos bens.     (Incluído pela Lei nº 13.886, de 2019)

 

Também foi publicada a Lei n. 13.886, de 17 de outubro de 2019, que altera a Lei 7560/1986, tratando da venda de bens apreendidos de traficantes, dispondo que "qualquer bem de valor econômico, apreendido ou sequestrado em decorrência do tráfico de drogas de abuso, ou de qualquer forma utilizado em atividades ilícitas de produção ou comercialização de drogas abusivas, ou, ainda, que haja sido adquirido com recursos provenientes do referido tráfico, e perdido em favor da União, constitui recurso do Funad, ressalvados os direitos do lesado ou de terceiro de boa-fé (art. 4º).

A alienação antecipada, esta consolidada na jurisprudência pátria. Transcrevo as seguintes ementas:

 

RECURSO ESPECIAL. CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS. "OPERAÇÃO ICEBERG" DEFLAGRADA PELA POLÍCIA FEDERAL. APREENSÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. RESTITUIÇÃO DO BEM AO PROPRIETÁRIO MEDIANTE TERMO DE MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO  FIEL DEPOSITÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DA ORIGEM ILÍCITA DO BEM. ALEGAÇÃO DE DETERIORAÇÃO E DESVALORIZAÇÃO DO AUTOMÓVEL. ALIENAÇÃO ANTECIPADA. POSSIBILIDADE. ART. 4º, § 1º, DA LEI Nº 9.613/1998 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 12.683/2012). RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. 2. Esse interesse se dá tanto se o bem apreendido, de algum modo, servir para a elucidação do crime ou de sua autoria, como para assegurar eventual reparação do dano, em caso de condenação, ou quando foi obtido em razão da prática de crime. 3. Havendo indícios suficientes de que o veículo apreendido é produto de atividade criminosa, tendo, posteriormente, o seu proprietário sido denunciado pelo crime de lavagem de dinheiro, mostra-se inviável a sua restituição, ainda que mediante termo de fiel depositário, porquanto revela-se de todo incongruente devolver o produto do crime ao suposto criminoso. 4. Existindo risco de deterioração e desvalorização do automóvel, a solução mais adequada é promover a venda antecipada do bem, depositando o valor em conta vinculada ao Juízo Criminal, conforme inteligência do art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.613/1998 (com redação dada pela Lei nº 12.683/2012). 5. Recurso Especial provido. (STJ. REsp 1.134.460.  Quinta Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. Julg. 23/10/2012. DJE 30/10/2012).

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO INCIDENTE DE SEQUESTRO. ALIENAÇÃO ANTECIPADA DE VEÍCULO SEQUESTRADO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE DETERIORAÇÃO, DEPRECIAÇÃO OU DIFICULDADE NA MANUTENÇÃO DO BEM. OCORRÊNCIA. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO DE DEPÓSITO DO VALOR DA ALIENAÇÃO EM CONTA VINCULADA AO JUÍZO PENAL. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. O sequestro é medida assecuratória cujo deferimento acarreta a indisponibilidade dos bens móveis ou imóveis adquiridos pelo agente como proveito da infração penal ou produto indireto (fructus sceleris), cuja finalidade precípua é garantir a reparação do dano causado pelo delito e a perda do produto ou proveito auferido pelo agente com a prática do crime, evitando-se, pois, benefício decorrente da própria torpeza. 2. No contexto da implementação de medidas assecuratórias reais (CPP, arts. 125-144) ou de apreensão (CPP, art. 240, § 1º, b), os bens direitos ou valores constritos podem ser alienados antecipadamente, nos termos do art. 144-A, do Código de Processo Penal, caso o bem esteja sujeito a qualquer grau de deterioração ou depreciação ou houver dificuldade para a sua manutenção. Perceba-se que as medidas cautelares reais tem a finalidade de assegurar o confisco como efeito da condenação, a garantir indenização à vítima da infração penal, pagamento de despesas processuais e penas pecuniárias ao Estado e, paralelamente, obstar o locupletamento indevido do réu com a prática da infração penal. Por sua vez, a alienação antecipada é uma cautela da efetividade da medida assecuratória real decretada, com fim de manter a incolumidade do valor do bem constrito, e não o bem em si. Portanto, não se trata de garantia dos interesses do réu, mas sim dos bens jurídicos protegidos pela norma processual em questão, que são os interesses patrimoniais das eventuais vítimas, o patrimônio público, relativamente aos dispêndios estatais na persecução penal, e a idoneidade do sistema penal, desestimulando o criminoso a cometer crimes, tendo em vista a ausência de vantagem patrimonial decorrente (prevenção especial negativa). (...). (STJ. ROMS. 52537 2016.03.07436-0, Rel.: Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Dje Data: 22/09/2017 ).

 

PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DE ALIENAÇÃO ANTECIPADA DE BENS APREENDIDOS. VEÍCULO UTILIZADO NA PRÁTICA DE TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ART. 62, §4º, DA LEI 11.343/06. INOCORRÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADES CONSTITUCIONAIS. DEVIDO PROCESSO LEGAL ASSEGURADO. 1 - Recurso de apelação interposto em face de decisão que inadmitiu o processamento de medida cautelar de alienação antecipada de bem apreendido em processo instaurado para apuração de crime de tráfico de drogas. 2 - Legitimidade do Ministério Público para requerimento da medida cautelar. A legitimidade ministerial encontra previsão legal no art. 62, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. 3 - Não merece prosperar o fundamento lançado pelo Juízo a quo de que o Ministério Público Federal não possuiria legitimidade para promover a medida, uma vez que na qualidade de titular da ação penal pública incondicionada (art. 129, inc, I, CF), por arrastamento, detém a atribuição para a promoção dos meios acautelatórios, com vistas a assegurar o adequado ressarcimento dos prejuízos e penas acessórias que eventualmente possam vir a ser aplicadas na hipótese de procedência da ação. 4 - Inexistência de incompatibilidades constitucionais. A venda antecipada do bem apreendido, por si só, não constitui em perda da propriedade, valendo ressaltar que o desapossamento do veículo já ocorrera com a constrição e, portanto, os direitos inerentes à propriedade já se encontram reduzidos. 5 - A medida acautela não só o interesse público no ressarcimento ou perdimento do bem, mas também o interesse do proprietário, onde, na eventualidade de uma sentença absolutória perceberá o respectivo valor do veículo, sendo certo que na hipótese de manutenção da constrição, com a decorrente deterioração, o objeto poderá estar, inclusive, imprestável ao fim a que se destina e, portanto, ocasionando prejuízo ao proprietário, o que não se verificaria com a realização da venda antecipada. 6 - Resta assegurado o direito ao proprietário à percepção do valor do bem, não havendo que se falar em negação da propriedade, aplicação de pena antes do trânsito em julgado, tampouco efeito da sentença antes de sua prolação. 7 - Uma vez assegurado o contraditório no processamento do procedimento de venda antecipada, restará afastada qualquer ilação acerca de atentado ao devido processo legal. 8 - Apelação provida. (TRF3. ApCrim 0001943-40.2012.4.03.6005, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/07/2016.)

 

A venda dos bens apreendidos encontra o fundamento lógico sob o pálio de que se torna impossível a conservação dos bens, para a Justiça, por trazer sérios transtornos em razão de ausência de espaços adequados para guarda e/ou depósito dos bens em virtude do volume excessivo e por onerar ainda mais os cofres públicos, a dificuldade para fiscalização dos bens cedidos aos fiéis depositários, bem como pela própria polícia que não dispõe de meios para deles tomar conta ininterruptamente.

Acrescente-se, ainda, que bens da espécie (aeronaves) depreciam-se facilmente com o passar do tempo, desvalorizando-se sobremaneira, além de demandarem altas despesas mensais com a manutenção e hangaragem.

Torna-se impositiva a alienação dos bens apreendidos, depositando-se a quantia da arrematação em conta corrente vinculada a este juízo, devidamente atualizada, permitindo, em eventual reforma da sentença, o integral ressarcimento dos valores, encontrando-se a alienação antecipada para preservação de bens sujeitos à deterioração e/ou depreciação econômica guarida em diversos dispositivos legais.

Ressalta-se que por tratar-se de medida cautelar aplicada antes ou no curso da ação, a alienação antecipada não importa em antecipação da condenação de quaisquer dos acusados, já que seu objetivo não é satisfazer desde logo o Estado, mas, precipuamente, preservar o valor e manter a integridade dos bens apreendidos e sequestrados em detrimento do decurso do tempo até o deslinde dos autos, resguardando o interesse financeiro da parte a quem couber a propriedade dos bens constritos ao final do processo, quer seja o Estado, quer sejam os acusados, após absolvição.

De igual maneira resta evidente que o caráter cautelar da alienação antecipada não constitui, em nenhuma hipótese, antecipação da pena, mas tão-somente um meio de conferir efetividade às medidas assecuratórias e consequentemente à tutela jurisdicional, na forma dos princípios dispostos no bojo da Constituição da República.

Registre-se, por outro lado, que os bens apreendidos só podem ser liberados se comprovada à licitude de sua origem (art. 4º, § 2º). Portanto, para obter a liberação antes da sentença, ao investigado é que cabe fazer prova da origem lícita, e não ao Ministério Público, da origem ilícita.

No presente caso, conforme se extrai da denúncia já ofertada pelo Ministério Público Federal nos autos principais, após a deflagração da fase ostensiva da denominada“Operação Cavok”, a Polícia Federal reuniu elementos que indicam que indivíduos que figuram na cadeia dominial das aeronaves sequestradas são, de fato, interpostas pessoas em cujos nomes foram registrados os bens. Além disso, o aprofundamento das investigações revelou os vínculos dessas aeronaves com os indivíduos que vinham sendo investigados por tráfico de drogas. As análises decorrentes da quebra de sigilo fiscal dos investigados indicam que o fim ocultação das aeronaves em nome de terceiros não estava adstrito à ocultação de seu paradeiro de viagem e ao intento de ludibriar eventual ação policial (já que aeronaves funcionavam como instrumentos de crime), mas também para ocultar ou dissimular propriedade de bens que são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (aeronaves como proveitos de crime de tráfico internacional de entorpecentes e associação para o tráfico/organização criminosa transnacional).

Com efeito, o Parquet ofereceu denúncia em face de ILMAR DE SOUZA CHAVES como incurso nas penas dos crimes de associação para o tráfico transnacional de drogas, tráfico internacional de drogas e falsidade ideológica.

Importante ressaltar que a requerida, proprietária formal da aeronave, é esposa de ILMAR (com regime de comunhão universal de bens, conforme ela própria informou) e não possui habilitação para pilotar. Há indícios de que a aeronave vinha sendo utilizada para a prática de ilícitos, vez que operada por ILMAR mais de oitenta vezes, entre 11/01/2018 a 30/06/2019, conforme declarado à ANAC, bem como por outros investigados (MANFRED HENRIQUE KOHLER, MATHEUS PEREIRA, ANDERSON ORUÊ DE ANDRADE, JOÃO ANTÔNIO FIM BISPO DE JESUS, PAULO ROBERTO SANCHES CERVIERI e LUCAS ANTUNES) - ID 37040841 - p. 39, com reputada integração a grupo dedicado a narcotraficância internacional de drogas pelo modal aéreo.

Por fim, a requerida sequer comprovou a alegada origem lícita do bem, bem como a capacidade financeira/ lastro financeiro para a sua aquisição, motivo pelo qual é inviável a liberação da constrição.

Diante do exposto, determino que se promova a alienação antecipada da aeronave Beech Aircraft, B36TC, 1989, prefixo PTLSY, registrada em nome de ALIETE DA SILVA CHAVES (518.682.701-06).

Quanto ao valor da avaliação, apesar de a requerida afirmar que está abaixo do preço de mercado, não comprovou o alegado, seja por avaliação particular ou mesmo por pesquisa do valor referencial.

Assim, HOMOLOGO, para que produza seus legais efeitos, o valor da avaliação do bem em R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais).

Proceda a Secretaria aos expedientes necessários, junto à SENAD, para a realização do bem, com a urgência que o caso requer.

Intime-se. Ciência ao MPF.

 

CAMPO GRANDE, data da assinatura eletrônica. (Id n. 193078022, destaques do original)

 

Aliete da Silva Chaves interpôs embargos de declaração contra a sentença (Id n. 193078024), os quais foram rejeitados (Id n. 193078031).

Interposta a apelação, foi requerida a concessão de efeito suspensivo ao recurso e a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região para apresentação das razões recursais na forma do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal (Id n. 193078036).

O Juízo a quo deixou de receber o recurso no efeito suspensivo, consignando o seguinte:

 

Trata-se de medida cautelar de alienação antecipada da aeronave Beech Aircraft, B36TC, 1989, prefixo PTLSY, registrada em nome de ALIETE DA SILVA CHAVES (518.682.701-06), apreendida por ocasião da deflagração da Operação Cavok (inquérito policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005), ante os indícios de lavagem de dinheiro, com crime antecedente de tráfico transnacional de drogas, apontados pela investigação, com a utilização de interposta pessoa para ocultar a real propriedade da aeronave (ID 36964663, pgs. 10/11).

A presente medida está vinculada aos autos relacionados à Operação CAVOK (inquérito policial nº 5000225-39.2020.4.03.6005 e medida cautelar nº 5000302-48.2020.4.03.6005), que tramita neste Juízo, visando apurar a prática, em tese, lavagem de capitais.

Por oportuno, registre-se que a alienação judicial de bens apreendidos, antes do trânsito em julgado da ação penal, atende, conjuntamente, ao interesse público e ao do particular proprietário do bem, não havendo, para qualquer das partes, prejuízo com a alienação, considerando que o objeto da apreensão será convertido em pecúnia e depositado em conta judicial, sujeito a atualização monetária para preservar seu valor real, com posterior destinação a quem de direito ao final da ação penal.

Ademais, é cediço que bens da espécie (aeronaves) depreciam-se facilmente com o passar do tempo, desvalorizando-se sobremaneira, além de demandarem altas despesas mensais com a manutenção e hangaragem. Dessa maneira, não é prudente que o investigado eventualmente absolvido da imputação, o terceiro de boa-fé ou a União, receba, ao final do processo, um bem depreciado ou inservível.  

Assim, dada a própria natureza cautelar a alienação antecipada de bens (provimento de natureza cautelar real e patrimonial), deixo de receber o recurso no efeito suspensivo.

No mais, considerando a tempestividade, RECEBO O RECURSO DE APELAÇÃO interposto, nos termos do artigo 593, II, e 600, § 4º, ambos do Código de Processo Penal.

Intime-se a apelante a atender o contido no art. 601, § 1º, do Código de Processo Penal, devendo distribuir o recurso de forma incidental, na classe Petição Criminal, por dependência aos presentes autos, para remessa do recurso para instância superior.

Por fim, considerando que a apelante declarou que deseja arrazoar na superior instância, remetam-se os autos ao E. Tribunal Regional Federal, nos termos do art. 600, parágrafo 4º, do mesmo diploma legal.

Proceda a Secretaria aos expedientes necessários, junto à SENAD, para a realização do bem, com a urgência que o caso requer (ID 52780925).

Intime-se. Ciência ao MPF.

             

CAMPO GRANDE, data da assinatura eletrônica. (Id n. 193078037)

 

Sobreveio notícia de decisão liminar proferida na Cautelar Inominada Criminal n. 5019522-68.2021.4.0.3.0000 que deferiu o efeito suspensivo à apelação interposta no presente feito, tendo o Juízo a quo determinado a remessa ao Tribunal (Id n. 193078040).

A apelante apresentou as razões recursais (Id n. 214226505).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Rosane Cima Campiotto, manifestou-se, preliminarmente, pela rejeição da preliminar de nulidade, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso de apelação (Id n. 233594754).

Preliminares. A apelante alega, preliminarmente, vícios processuais relativos, em síntese, à ausência de citação da parte requerida, ausência de fase instrutória e falta de fundamentação da sentença.

Sem razão.

A determinação de alienação antecipada da aeronave foi suficientemente fundamentada, tendo sido determinada pelo Juízo a quo com base no art. 61 da Lei n. 11.343/06, na Recomendação n. 30, de 10.02.10, do Conselho Nacional de Justiça, no art. 4º-A da Lei n. 9.613/98, no art. 144-A do Código de Processo Penal e no art. 4º da Lei n. 7.560/86, bem como em precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça, ressaltando-se a aplicabilidade do instituto da alienação antecipada a fim de se preservar o valor dos bens, bastando que estejam sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, não sendo necessário que o risco de prejuízo seja elevado, de modo a assegurar a manutenção de patrimônio que será potencialmente convertido aos cofres públicos, bem como para minimizar os prejuízos ao acusado em caso de absolvição.

Também foram consideradas pela decisão recorrida as peculiaridades do caso concreto, ante o risco de depreciação e desvalorização da aeronave e as altas despesas para manutenção e hangaragem do bem. E, em relação aos fundamentos da contrição do bem, consignou o Juízo a quo que, nos termos do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.613/98, os bens apreendidos só podem ser liberados se comprovada a licitude de sua origem, e Ilmar de Souza Chaves, cônjuge de Aliete da Silva Chaves, foi denunciado como incurso nas penas dos crimes de associação para o tráfico transnacional de drogas, tráfico internacional de drogas e falsidade ideológica, ao passo que a apelante não possui habilitação para pilotar, havendo indícios de que a aeronave estava sendo utilizada para a prática de ilícitos, pois operada por Ilmar mais de oitenta vezes, conforme declarado à ANAC, bem como por outros investigados, com reputada integração a grupo dedicado à narcotraficância internacional por modal aéreo. Consignou, por fim, que as alegações de origem lícita do bem e capacidade financeira para sua aquisição não foram comprovadas, assim como não foi comprovado o alegado valor de mercado do bem.

Não prosperam as insurgências preliminares relativas à carência de fundamentação da sentença e falta de instrução probatória, pois a decisão recorrida – proferida em procedimento cautelar no qual não se aplicam as regras de instrução probatória próprias do procedimento previsto para a ação penal – tratou dos requisitos específicos para a alienação antecipada do bem sequestrado, o qual, por sua vez, teve sua constrição decretada nos Autos n. 5000302-48.2020.4.03.6005 por meio de decisão judicial que, com fundamento no art. 60 da Lei n. 11.343/06, deferiu a apreensão de bens incompatíveis com a capacidade econômica lícita declarada dos investigados.

Tratando-se de procedimento cautelar, com regramento próprio, também não são aplicáveis os arts. 357 e 360 do Código de Processo Penal, que disciplinam a citação para responder à ação penal, razão pela qual não prospera a alegação de nulidade por ausência de citação.

O art. 144-A do Código de Processo Penal não prevê prazo de intimação para manifestação dos interessados nem condiciona a alienação antecipada à prévia dilação probatória. De todo modo, a ora apelante, proprietária formal do bem, foi intimada para se manifestar em 5 (cinco) dias e apresentou manifestação nos autos.

Preliminares rejeitadas.

Mérito. No mérito, a apelação não merece ser provida.

Dispõem os arts. 4º e 4º-A da Lei n. 9.613/98 o seguinte:

 

Art. 4º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.             (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 1º Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.             (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal.             (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 3º Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1o.             (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 4º  Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas.             (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Art. 4º-A.  A alienação antecipada para preservação de valor de bens sob constrição será decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou por solicitação da parte interessada, mediante petição autônoma, que será autuada em apartado e cujos autos terão tramitação em separado em relação ao processo principal.              (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 1º O requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os detém e local onde se encontram.             (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 2º O juiz determinará a avaliação dos bens, nos autos apartados, e intimará o Ministério Público.              (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 3º Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão ou pregão, preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da avaliação.             (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

(...)

§ 9º Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo.             (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

(...)

§ 13. Os recursos decorrentes da alienação antecipada de bens, direitos e valores oriundos do crime de tráfico ilícito de drogas e que tenham sido objeto de dissimulação e ocultação nos termos desta Lei permanecem submetidos à disciplina definida em lei específica. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

 

Por sua vez, é a redação do art. 144-A do Código de Processo Penal:

 

Art. 144-A.  O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.                   (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

§ 1º O leilão far-se-á preferencialmente por meio eletrônico.                    (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

§ 2º Os bens deverão ser vendidos pelo valor fixado na avaliação judicial ou por valor maior. Não alcançado o valor estipulado pela administração judicial, será realizado novo leilão, em até 10 (dez) dias contados da realização do primeiro, podendo os bens ser alienados por valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do estipulado na avaliação judicial.                     (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

§ 3º O produto da alienação ficará depositado em conta vinculada ao juízo até a decisão final do processo, procedendo-se à sua conversão em renda para a União, Estado ou Distrito Federal, no caso de condenação, ou, no caso de absolvição, à sua devolução ao acusado.                      (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

§ 4º Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusive moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários ou cheques emitidos como ordem de pagamento, o juízo determinará a conversão do numerário apreendido em moeda nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial.                       (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

§ 5º No caso da alienação de veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do arrematante, ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário.                      (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

§ 6º O valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia, provada por certidão ou publicação no órgão oficial.                   (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

§ 7º (VETADO).                  (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)

 

Alega-se em sede recursal, em síntese, que não há qualquer fato imputável à recorrente, proprietária do bem, capaz de lhe atribuir condição de inidoneidade, e que não há contemporaneidade entre a aquisição da aeronave constrita e a suposta prática do delito, sendo que a propriedade decorre de negócio jurídico perfeito, com cadeia dominial devidamente comprovada. Afirma que o bem tem procedência lícita, não foi instrumento de crime e que a propriedade e a posse da aeronave são absolutamente estranhas aos demandados na ação penal de origem.

Sem razão.

O Código de Processo Penal autoriza a alienação antecipada na hipótese de os bens serem facilmente deterioráveis ou passíveis de depreciação, ou quando houver dificuldade para a sua manutenção (CPP, arts. 120, § 5º, e 144-A). Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça recomenda a alienação da coisa ou bem apreendido para preservar-lhe o respectivo valor, caso sua custódia, independentemente das providências normais de preservação, não impeça a perda de aptidão funcional ou para o uso adequado da coisa ou bem, perdendo assim equivalência com o valor real de que dispunha por ocasião da apreensão (Recomendação n. 30, de 10.02.10, do CNJ e, a partir de sua publicação, Resolução n. 356, de 27.11.20, também do CNJ). Essas normas indicam que a alienação antecipada é medida que se revela aconselhável no âmbito e para os fins da própria administração do Poder Judiciário no que se refere à preservação das coisas ou dos bens que lhe são confiados em decorrência de procedimento criminal.

É possível que a alienação antecipada prevista no art. 144-A do Código de Processo Penal recaia sobre bens lícitos que consistam, em tese, em proventos de infração penal.

No caso concreto, a constrição da aeronave restou fundamentada pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Ponta Porã (MS) nos indícios de sua origem ilícita, bem como no fato de ter sido operada por indivíduos investigados por suposta integração à organização criminosa especializada no tráfico internacional de drogas via transporte aéreo, destacando que a aeronave Beech Aircraft, B36TC, prefixo PTLSY estava registrada em nome de Aliete da Silva Chaves, esposa do investigado Ilmar de Souza Chaves, o qual havia declarado a ANAC ter voado na aeronave mais de 80 (oitenta) vezes em 2018 e 2019, sendo que a proprietária formal do bem não estava habilitada a pilotar aeronaves. Ademais, Ilmar de Souza Chaves, conforme apurado durante as investigações, já havia sido investigado e condenado por tráfico de drogas, e desde 1978 não possuía vínculo formal de emprego ou outra prova de trabalho formal, causando espécie o expressivo patrimônio de sua família, composto por bens de alto valor (Id n. 193077867).

Nesse sentido, ante apreensão e sequestro de aeronave, bem cuja manutenção é de alto custo, revela-se acertada a decisão de alienação antecipada do bem, tendo em vista ser medida prevista no ordenamento jurídico para a preservação do valor econômico dos ativos apreendidos, especificamente quando os bens constritos são de difícil manutenção ou estejam sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, possibilitando-se a recuperação do capital oriundo da prática criminosa, em eventual condenação, como também resguardando-se por meio da medida cautelar os direitos do acusado, caso seja absolvido, ou mesmo a restituição dos valores a terceiros de boa-fé.

No tocante à discussão a respeito da origem e propriedade do bem, reitero os fundamentos da decisão recorrida no sentido de que a apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar a origem lícita dos recursos empregados na aquisição da aeronave, nos termos do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.613/98.

Não foi demonstrada a origem lícita dos recursos para a aquisição do bem nem a movimentação financeira relativa à sua compra, realizada em fevereiro de 2017. Em que pese a alegação de cerceamento de defesa, não foi aduzida nos autos qualquer impossibilidade concreta de apresentação de documentos que demonstrassem a capacidade econômica da embargante no momento da aquisição do bem, e consta dos autos tão somente que a apelante é microempresária do ramo de vestuário (Id n. 193078021), não tendo sido demonstrada a compatibilidade entre eventual renda auferida – a qual não foi comprovada – e a aquisição da aeronave.

Cumpre destacar, ademais, que a presente constrição relaciona-se ao Inquérito Policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005, cujas investigações referem-se a suposta prática de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores, em trâmite perante a 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS), de modo que a propriedade de bens em nome de terceiros é também objeto de investigação.

Registre-se, por fim, que tanto a apreensão e o sequestro de bens quanto a alienação antecipada são medidas assecuratórias, sem caráter definitivo, não obstando o exercício do direito de defesa nos autos principais nem impedindo que os interessados se valham das medidas processuais cabíveis.

De rigor, portanto, o desprovimento da apelação.

Ante o exposto, REJEITO as preliminares arguidas e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação.

É o voto.

 



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. LEI N. 9.613/98. CPP, ART. 144-A. BENS APREENDIDOS. ALIENAÇÃO ANTECIPADA. AERONAVE. PRELIMINARES REJEITADAS. APELO DESPROVIDO.

1. Não prosperam as insurgências preliminares relativas à carência de fundamentação da sentença e falta de instrução probatória, pois a decisão recorrida – proferida em procedimento cautelar no qual não se aplicam as regras de instrução probatória próprias do procedimento previsto para a ação penal – tratou dos requisitos específicos para a alienação antecipada do bem sequestrado, o qual, por sua vez, teve sua constrição decretada nos Autos n. 5000302-48.2020.4.03.6005 por meio de decisão judicial que, com fundamento no art. 60 da Lei n. 11.343/06, deferiu a apreensão de bens incompatíveis com a capacidade econômica lícita declarada dos investigados.

2. Tratando-se de procedimento cautelar, com regramento próprio, também não são aplicáveis os arts. 357 e 360 do Código de Processo Penal, que disciplinam a citação para responder à ação penal, razão pela qual não prospera a alegação de nulidade por ausência de citação.

3. O Código de Processo Penal autoriza a alienação antecipada na hipótese de os bens serem facilmente deterioráveis ou passíveis de depreciação, ou quando houver dificuldade para a sua manutenção (CPP, arts. 120, § 5º, 144-A). Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça recomenda a alienação da coisa ou bem apreendido para preservar-lhe o respectivo valor, caso sua custódia, independentemente das providências normais de preservação, não impeça a perda de aptidão funcional ou para o uso adequado da coisa ou bem, perdendo assim equivalência com o valor real de que dispunha por ocasião da apreensão (Recomendação n. 30, de 10.02.10, do CNJ e, a partir de sua publicação, Resolução n. 356, de 27.11.20, também do CNJ). Essas normas indicam que a alienação antecipada é medida que se revela aconselhável no âmbito e para os fins da própria administração do Poder Judiciário no que se refere à preservação das coisas ou dos bens que lhe são confiados em decorrência de procedimento criminal.

4. Ante apreensão e sequestro de aeronave, bem cuja manutenção é de alto custo, revela-se acertada a decisão de alienação antecipada do bem, tendo em vista ser medida prevista no ordenamento jurídico para a preservação do valor econômico dos ativos apreendidos, especificamente quando os bens constritos são de difícil manutenção ou estejam sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, possibilitando-se a recuperação do capital oriundo da prática criminosa, em eventual condenação, como também resguardando-se por meio da medida cautelar os direitos do acusado, caso seja absolvido, ou mesmo a restituição dos valores a terceiros de boa-fé.

5. A apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar a origem lícita dos recursos empregados na aquisição da aeronave, nos termos do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.613/98.

6. A presente constrição relaciona-se a inquérito policial cujas investigações referem-se a suposta prática de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores, de modo que a propriedade de bens em nome de terceiros é também objeto de investigação.

7. Tanto a apreensão e o sequestro de bens quanto a alienação antecipada são medidas assecuratórias, sem caráter definitivo, não obstando o exercício do direito de defesa nos autos principais nem impedindo que os interessados se valham das medidas processuais cabíveis.

8. Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu, REJEITAR as preliminares arguidas e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.