Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5014696-11.2020.4.03.6183

RELATOR: 45º Juiz Federal da 15ª TR SP

RECORRENTE: M. A. D. C.
REPRESENTANTE: FABIO ALVES DOS SANTOS

Advogado do(a) RECORRENTE: EMERSON VIEIRA DA ROCHA - SP208218-A,

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5014696-11.2020.4.03.6183

RELATOR: 45º Juiz Federal da 15ª TR SP

RECORRENTE: M. A. D. C.
REPRESENTANTE: FABIO ALVES DOS SANTOS

Advogado do(a) RECORRENTE: EMERSON VIEIRA DA ROCHA - SP208218-A,

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

A parte autora ajuizou a presente ação na qual objetiva a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, previsto na Lei 8.742/1993.

O juízo singular proferiu sentença e julgou improcedente o pedido.

Inconformado, o demandante apresentou o presente recurso. Postulou a ampla reforma da sentença.

Sem Contrarrazões.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5014696-11.2020.4.03.6183

RELATOR: 45º Juiz Federal da 15ª TR SP

RECORRENTE: M. A. D. C.
REPRESENTANTE: FABIO ALVES DOS SANTOS

Advogado do(a) RECORRENTE: EMERSON VIEIRA DA ROCHA - SP208218-A,

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

Passo à análise do recurso.

O benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela Constituição Federal nos seguintes termos:

“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...]

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, consolidado sob a sistemática da repercussão geral, o benefício em questão também pode ser concedido a estrangeiros residentes no Brasil:

“Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais” (STF, Plenário, RE 587.970/SP, rel. min. Marco Aurélio, j. 20/4/2017, DJe 21/9/2017, Tema 173).

A Lei n° 8.742, de 07.12.93, adotada pela Autarquia previdenciária na análise da concessão da prestação na esfera administrativa, define o portador de deficiência nos seguintes termos:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

...

§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

 

Comparando-se a definição atual com a anterior, percebe-se que, atualmente, não mais é necessária a interação do impedimento de longo prazo com diversas barreiras, bastando apenas uma, desde que obstrua a participação do indivíduo na sociedade em igualdade de condições (AMADO, Frederico. “Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 65 e 66).

 

A lei define o que deve ser entendido por impedimento de longo prazo nos seguintes termos:

§ 10.  Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.” (NR)

 

O Critério de aferição do lapso de dois anos foi objeto de uniformização pela TNU que a respeito do ponto editou a Tese 173, com o seguinte teor:

 

“Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação (tese alterada em sede de embargos de declaração).”

 

A condição de pessoa com deficiência deve ser verificada de maneira holística, analisando-se fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais, ou seja, o indivíduo inserido na realidade, e não à parte dela. Para tanto, o art. 20, § 6º, da Lei 8.742/1993 determina:

§ 6º  A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)”.

A esse respeito, em 15/4/2015, a Turma Nacional de Uniformização aprovou a Súmula 80, in verbis:

“Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei 12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a efetiva condição vivida no meio social pelo requerente”.

No caso em análise, a perícia médica, realizada no dia 15/06/2021, por especialista em Medicina Legal e Perícia Médica, concluiu que o demandante, nascida em 11/05/2014 (7 anos na data do exame), possui quadro de Transtorno do Espetro Autista com disfunção comportamental e cognitiva, o que lhe acarreta incapacidade total e temporária para suas atividades habituais. Pontuou o perito que o autor deve ser reavaliado ao completar 16 (dezesseis) anos.

Por fim, fixou a DII no nascimento. Eis a conclusão do perito judicial:

 “(...) Discussão

Periciando com histórico de atraso na linguagem e alterações comportamentais compatíveis com transtorno de espectro autista a partir dos dois anos de idade. O autismo infantil é uma síndrome geralmente diagnosticada entre os 2 e 3 anos de idade, que é caracterizada por problemas na comunicação, na socialização e no comportamento, que faz com a criança apresente algumas características específicas, como dificuldade na fala e em expressar ideias e sentimentos, mal-estar em meio aos outros e pouco contato visual, além de padrões repetitivos e movimentos estereotipados, como ficar muito tempo sentado balançando o corpo para frente e para trás. O isolamento social levou Bruno Bettelheim a falar em “fortaleza vazia”, uma espécie de muro que o autista constrói para manter fora dele os horrores que o habitam. Para este psicólogo, o autismo é essencialmente uma perturbação da capacidade de “sair de si” e explorar o mundo. Em 1979, Lorna Wing realizou um estudo epidemiológico que permitiu concluir que todas as crianças diagnosticadas com autismo apresentavam uma tríade de características muito específicas: dificuldade de comunicação, quase incapacidade de interação social e redução do poder de utilização da capacidade imaginativa e da fantasia da criança. Geralmente consideram-se três as possíveis explicações de ordem neurobiológicas do espectro do autismo: a primeira provém de alterações no desenvolvimento do lobo temporal que provocam sintomas semelhantes às lesões cerebrais. A segunda tem a ver com a morte seletiva de células cerebelares. A terceira refere-se a alterações nos circuitos fronto-estriados que ocasionam sintomas neurológicos semelhantes às discernias, distonias, transtornos na marcha, assimetrias faciais e outros problemas psicomotores, os quais apresentam similitude com comportamentos estereotipados dos autistas. O tratamento para o autismo se baseia em medidas psicopedagógicas, fonoaudiológicas e fisioterápicas, associadas a tratamento medicamentoso para agitação, caso presente. Os autistas requerem vigilância constante por conta das alterações de comportamento.

No caso em questão, nem todos as características típicas do autismo estão presentes, sendo a baixa interação social e o déficit na linguagem os mais evidentes. Em função da idade, medidas fonoaudiológicas e psicopedagégicas adequadas podem minimizar as alterações observadas e favorecer a inclusão social.

Diante do exposto, fica caracterizada a deficiência nos termos da Lei até que o Autor complete 16 anos e sejam reavaliadas as habilidades conquistadas no período.

Conclusão

Presença de deficiência nos termos da Lei.

(...)”

 

Levando-se em conta a data de início da incapacidade e o prognóstico da demandante, considero que o impedimento da requerente deve ser reputado de longo prazo, nos termos do § 10 do art. 20 da Lei 8.742/1993 e do Tema 173 da TNU. Assim, considero que estão presentes todos os requisitos do § 2º para se considerar a parte autora pessoa com deficiência.

O fato de o postulante ter incapacidade ainda não considerada totalmente definitiva não afasta a possibilidade de concessão do benefício ao deficiente, desde que a situação exija uma assistência consideravelmente maior do que aquela que os filhos menores, por si, já necessitam de seus pais.

Conforme ressaltado pela perícia judicial, o autor possui 7 (sete) anos de idade, mas exige cuidados maiores do que o habitual para sua faixa etária, o que por si só já denota o grau da deficiência.

Nessa esteira, o expert ressaltou que a parte autora necessita de cuidados especiais que impedem que o seu cuidador/responsável exerça atividade laborativa remunerada.

Com efeito, nestas situações excepcionais, não se pode olvidar que o comprometimento da evolução do menor deficiente acaba por retirar a capacidade laborativa plena de pelo menos um de seus genitores ou responsáveis.

Partindo dessas premissas, tenho por satisfeito o requisito da deficiência no caso sub examine.

Quanto à hipossuficiência econômica, a Lei 8.742/1993 instituiu um critério objetivo, considerando incapaz de prover a própria manutenção a pessoa portadora de deficiência ou idosa pertencente a família cuja renda mensal per capita seja a inferior a ¼ do salário mínimo.

Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o critério supracitado (ADI 1.232, j. 27/8/1998).

O Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pela possibilidade de utilização de outros critérios para a aferição da miserabilidade do postulante. Em julgamento de recurso especial repetitivo, fixou a seguinte tese:

“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo” (STJ, 3ª Seção, REsp 1.112.557/MG, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/2009, public. 20/11/2009, Tema 185).

Anos mais tarde, o Pretório Excelso alterou sua posição a respeito do critério legal de miserabilidade, firmando a seguinte tese de repercussão geral:

“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição” (STF, Plenário, RE 567.985/MT, rel. min. Marco Aurélio, rel. para acórdão  min. Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 2/10/2013, Tema 27).

Para melhor compreensão desse entendimento, transcrevo trecho da ementa (grifo no original):

“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.

A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.

Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo’.

O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.

Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.

Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.

O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.

Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.

5. Recurso extraordinário a que se nega provimento”.

Tratando-se de decisão proferida em controle concreto de constitucionalidade, a eficácia se restringe ao caso analisado e ao campo dos precedentes judiciais, não tendo o condão de retirar o dispositivo legal do ordenamento jurídico, tal como se dá no controle abstrato (art. 102, § 2º, da CF). De toda forma, apesar de o Pretório Excelso ter declarado a inconstitucionalidade parcial do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993, não lhe aplicou a sanção de nulidade.

Como relata Frederico Amado (“Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 57), tentou-se modular a eficácia da decisão para 31/12/2015, a fim de que o Congresso Nacional tivesse tempo de alterar a Lei Orgânica da Assistência Social, porém não foi alcançado o quórum de 2/3. 

A posição do STF foi encampada pelo legislador em 2015, quando da edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que acrescentou o § 11 ao art. 20 da Lei 8.742/1993, in verbis:

“§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”. 

Como se nota, o critério da renda mensal inferior a 1/4 do salário-mínimo continua em vigor no ordenamento jurídico, mas deve ser analisado em conjunto com outros elementos para que se possa detectar a hipossuficiência econômica do requerente. Para tanto, nos termos da Súmula 79 da TNU, aprovada em 15/4/2015:

“Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal”.

A conclusão acima é chancelada pela Turma Nacional de Uniformização, que, em julgamento de recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese:

“O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova” (TNU, PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002, rel. juiz federal Daniel Machado da Rocha, j. 14/4/2016, public. 15/4/2016, Tema 122).

Sem embargo dessas constatações, proliferaram no território nacional inúmeras decisões em Ações Civis Públicas que passaram a impor ao INSS adoção de critérios regionais e diferenciados para a concessão do benefício.

Esse fato contribuiu para nova e recente alteração legislativa a respeito do tema (Lei 14.176/21) que deu a seguinte redação ao §11 do artigo 20 da Lei 8.472/93

O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.  

.....................................................................................................................” (NR)

Art. 20-B.  Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:      

 I – o grau da deficiência;

II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e

III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.

§ 1º  A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento.

§ 2º  Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo.

§ 3º  O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei.

§ 4º  O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.”

 

Nestes termos, o deferimento da prestação deverá observar a existência dessas situações que permitem a superação do limite de ¼ de salário mínimo como renda per capita no núcleo familiar.

Por último, anoto que o STJ, no julgamento do Tema 640 ampliou o alcance da norma que consta do artigo 34 do Estatuto do Idoso. Eis a decisão do Tribunal:

STJ – Tema 640 (Recursos Repetitivos) – Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.

 

Dessa forma, nos casos de núcleos familiares compostos simultaneamente por idosos e deficientes, o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não e computado no cálculo da renda per capita.

No que tange ao grupo familiar, assinalo que com o advento da Lei 12.435/2011, a família é integrada pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Em relação a esse ponto, não se pode perder de vista o princípio da subsidiariedade, pelo qual a atuação do Estado só se justifica quando o indivíduo e os grupos sociais intermediários são incapazes de resolver determinado problema.

Apesar de a Constituição Federal não empregar essa expressão, a norma jurídica pode ser extraída, no campo da assistência social, tanto do art. 203, V, quanto de outros dispositivos analisados de forma sistemática.

Segundo o art. 193, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

Dentro do Título VIII (“Da Ordem Social”) está o capítulo relativo à seguridade social, que se divide em três subsistemas: saúde, previdência e assistência social (art. 194, caput).

O Capítulo VII do mesmo Título, por sua vez, trata da família, criança, adolescente, jovem e idoso. O art. 226 reconhece a família como base da sociedade e lhe assegura especial proteção do Estado. O art. 229 contempla o princípio da solidariedade familiar, assim expresso: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Do exposto, pode-se afirmar que o indivíduo é o principal responsável pelo atendimento de suas necessidades. Caso enfrente situação que não lhe permita prover o seu sustento, deverá ser amparado por sua família, nos termos da lei de regência (art. 5º, II, da CF). Na hipótese de os familiares legalmente obrigados a colaborar com o sustento do membro carente também não terem condições de fazê-lo, aí sim o indivíduo poderá acionar o Estado, para deste receber assistência social.

Vê-se, portanto, que o BPC-LOAS não é instrumento para afastar o dever de prestar alimentos de modo a “socializar” os gastos da família com seus idosos e dependentes portadores de deficiência. Além disso, não tem por finalidade complementar a renda familiar ou proporcionar maior conforto à parte interessada, mas amparar a pessoa deficiente ou idosa em efetivo estado de miserabilidade.

No caso concreto, o laudo social indicou que, nos termos do § 1º do art. 20 da Lei 8.742/1993, o grupo familiar é composto por três pessoas: o autor e seus genitores.

A renda mensal da família provém exclusivamente do trabalho informal do pai do demandante, auferindo salário mensal aproximado de R$ 700,00 e do auxílio financeiro esporádico prestado pelo avô paterno, que não vive no mesmo imóvel.

Na data da realização da perícia socioeconômica (22/06/2021), o salário mínimo estava no patamar de R$ 1.100,00, nos termos do Decreto 14.158/2021. Por conseguinte, a renda per capita na família analisada não atingia sequer metade do salário mínimo vigente. Além disso, trata-se de renda proveniente da economia informal que é variável.

Outrossim, há notícia nos autos de que o grupo familiar vive em imóvel cedido, em área periférica, em condições simples. A residência é guarnecida de moveis apenas essenciais, que não destoam da condição de miserabilidade alegada pelo demandante.

Além de se enquadrar no critério legal de miserabilidade (art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993), a precária situação econômica da família é corroborada pelas fotos anexas ao laudo social (evento 22), que mostram a simplicidade da casa. No mais, a situação do grupo familiar foi assim descrita pela assistente social:

“(...) VII – CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÃO

Tendo em vista o resultado da observação e da pesquisa de campo, apresentamos nossa análise técnica seguida de conclusão.

Investigamos através de estudo social, as condições socioeconômicas do autor MURILO ALVES DOS SANTOS no contexto das relações familiares, sociais e comunitárias.

Com base nas informações coletadas através dos documentos apresentados e de nossa observação durante a visita domiciliar em 22/06/2021, da entrevista, da análise de documentos apresentados durante o processo pericial, constatamos que o grupo familiar do autor é composto por três pessoas: o autor e seus pais.

O grupo familiar do autor, reside em imóvel cedido, o imóvel em bom estado, pouco espaço, pouco ventilado, os móveis são conservados, o bairro dispõe de comércio popular, transporte coletivo, unidade de saúde, escolas e igrejas.

O grupo familiar do autor, sobrevive da atividade informal do senhor Fabio Alves dos Santos, com renda de R$ 700,00 (setecentos reais), auxílio emergencial e bolsa família, no total de R$ 600,00 (seiscentos reais), assistência do avô senhor Jose Alves dos Santos.

VIII - CONCLUSÃO

Concluindo a perícia social, tecnicamente, podemos afirmar que o autor O autor MURILO ALVES DA COSTA necessita de encaminhamento para serviços no âmbito das Políticas Públicas de Assistência Social.

(...)” (destaquei)

 

Ressalto, ainda, que os valores recebidos a título de auxílio emergencial são evidentemente temporários, motivo pelo qual não devem ser computados no cálculo da renda per capita, embora possam ser descontados do benefício assistencial pago em concomitância.

Por fim, importante repisar que tanto o laudo pericial quanto o laudo socioeconômico constataram necessidade de supervisão e atenção em tempo integral em relação ao autor, o que evidentemente impede a genitora de desenvolver atividade laborativa que atenda plenamente as necessidades básicas do filho.

A partir dos elementos que dos autos constam, conclui-se que a parte autora é pessoa com deficiência, requerendo, por isso mesmo, cuidados adicionais por parte da genitora e auxílio em tempo integral de terceiros. Não há familiares que possam ajudar a demandante sem prejuízo de sua subsistência ou de seus dependentes. Nesse cenário, justifica-se a intervenção do Poder Público por meio da concessão de BPC-LOAS.

Em relação à data de início do benefício, observo que se trata de questão que restou pacificada no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) nº 5000298-74.2015.4.04.7131/RS, Rel. Juiz Federal Sérgio de Abreu Brito, nos seguintes termos:

4. A discussão cinge-se ao termo inicial dos retroativos do benefício de aposentadoria por invalidez concedido à parte autora.

5. O termo inicial dos benefícios previdenciários e assistenciais por incapacidade/impedimento irá depender, principalmente, das constatações realizadas no laudo médico pericial. Em resumo, da análise jurisprudencial superior: a) se não houve requerimento administrativo e a incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício assistencial) for estabelecida antes da citação, o benefício será devido desde a citação válida (STJ, 1ª. Seção, RESp n. 1.369.165/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 07/03/2014, sob o regime representativo de controvérsia); b) se houve requerimento administrativo e a incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício assistencial) estabelecida no laudo pericial for preexistente àquele, o benefício será devido desde o requerimento administrativo (Súmula n° 22 da TNU: Se a prova pericial realizada em juízo dá conta de que a incapacidade já existia na data do requerimento administrativo, esta é o termo inicial do benefício assistencial); c) se houve requerimento administrativo e se a perícia judicial não precisar a data do início da incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício assistencial) do período do requerimento administrativo até sua realização, desde a data do laudo judicial (STJ, 2ª. Turma, RESp n. 1.411.921/SC, rel. Min. Humberto Martins, DJe 25/10/2013; TNU, PEDILEF 200936007023962, rel. José Antonio Savaris, DOU 13/11/2011); d) se houve requerimento administrativo e o laudo pericial judicial fixar a data de início da incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício assistencial) após o requerimento administrativo (legitimando a recusa do INSS), mas antes do ajuizamento da ação, o benefício será devido desde a citação (STJ, 1ª. Seção, RESp n. 1.369.165/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 07/03/2014, sob o regime representativo de controvérsia; TNU, PEDILEF 200971670022131, rel. Adel Américo de Oliveira, DOU 11/05/2012). Em se tratando de restabelecimento de benefício, quando a perícia judicial não conseguir especificar a data de início da incapacidade (DII), é possível aplicar a presunção de continuidade do estado incapacitante, desde que o postulante atenda cumulativamente aos seguintes requisitos: 1) que a incapacidade laborativa constatada seja derivada da mesma doença que motivou a concessão de benefício por incapacidade anterior; 2) que o laudo pericial não demonstre a recuperação da incapacidade no período que medeia a DCB anterior e o laudo pericial produzido em juízo; 3) que a natureza da patologia não implique a alternância de períodos significativos de melhora e piora; 4) que o decurso de tempo entre a DCB e a perícia judicial não seja significativo a ponto de interromper a presunção do estado incapacitante, o que deverá ser aferido no caso concreto. (PEDILEF 00355861520094013300, JUÍZA FEDERAL ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO, TNU, DOU 31/05/2013 pág. 133/154). Em todos os casos, se privilegia o princípio do livre convencimento motivado que permite ao magistrado a fixação da data de início do benefício mediante a análise do conjunto probatório. (Precedente: PEDILEF 05017231720094058500, JUÍZA FEDERAL SIMONE DOS SANTOS LEMOS FERNANDES, TNU, DOU 23/09/2011).

Considerando o curto período de tempo transcorrido entre a data de entrada do requerimento (25/06/2018) e a data de ajuizamento da ação (17/12/2020), fixo a DIB na DER.

Ademais, observo que não houve mudança substancial da situação socioeconômica da autora, uma vez que permaneceu vivendo no mesmo endereço, com a mesma composição familiar e não há notícia de alteração significativa da renda. Os documentos acostados aos autos não indicam nenhuma outra fonte de renda formal ou recebimento de benefício previdenciário. 

Diante da falta de comprovação de alteração fática desde a DER, esta deve ser a data de deferimento.

O benefício vigorará enquanto subsistirem as condições que justificaram sua concessão neste processo, podendo ser cancelado administrativamente nos termos do art. 21 da Lei 8.742/1993.

O INSS pagará as diferenças acumuladas, corrigidas monetariamente desde o vencimento das prestações até a data do efetivo pagamento, valor a ser apurado pela Contadoria do Juízo.

Sendo a autora menor impúbere, contra ela não corre a prescrição, por força do art. 198, I, do Código Civil.

Considerando o disposto no art. 3º da Lei nº 10.259/01, combinado com art. 292, §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil, a soma do valor das prestações em atraso e doze parcelas vincendas não pode exceder a 60 (sessenta) salários mínimos, considerada a data do ajuizamento da demanda, ficando tal soma, se excedente, limitada a tal valor. Não se limitam, porém, as demais parcelas vencidas no curso da ação. Tratando-se de critério de competência absoluta, não há óbice à aplicação da limitação de ofício.

Sobre os atrasados incidirão juros de mora, desde a citação, bem como correção monetária, nos termos da Resolução n.º 267/2013 do CJF.

Eventuais pagamentos administrativos ou judiciais a mesmo título deverão ser descontados das parcelas devidas.

Ante todo o exposto, dou provimento ao recurso da parte autora, nos termos da fundamentação acima.

Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (ou da causa, na ausência daquela), limitados a 06 (seis) salários mínimos, devidos pela parte recorrente vencida. A parte ré, se recorrente vencida, ficará dispensada desse pagamento se a parte autora não for assistida por advogado ou for assistida pela DPU (Súmula 421 STJ). Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98 do CPC – Lei nº 13.105/15.

Dispensada a elaboração de ementa na forma da lei.

É o voto.

 

 

SÚMULA

 

ESPÉCIE E NÚMERO DO BENEFÍCIO (ESP/NB): 87/ 7039744660

RMI:

RMA:

DER: 25/06/2018

DIB: 25/06/2018

DIP:

DCB:

 

PERÍODO(S) RECONHECIDO(S) EM SENTENÇA:

 

PERÍODO(S) RECONHECIDO(S) EM SEDE RECURSAL:

 

PERÍODO(S) RETIRADO(S) EM SEDE RECURSAL:

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MENOR IMPÚBERE. SÚMULA 80 DA TNU. CONDIÇÃO COMPROVADA. PERÍCIAS MÉDICA E SOCIAL. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. EXIGÊNCIA DE GRANDE DEDICAÇÃO DA MÃE. MISERABILIDADE. RENDA PER CAPITA INFERIOR À METADE DO SALÁRIO MÍNIMO. CASA CEDIDA EM CONDIÇÕES SIMPLES COM MÓVEIS APENAS ESSENCIAIS. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO QUE SE JUSTIFICA. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. DIB NA DER. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quinta Turma Recursal de São Paulo decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto da Relatora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.