Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001049-61.1998.4.03.6100

RELATOR: Gab. Vice Presidência

APELANTE: FUNDACAO CASPER LIBERO, RADIO E TELEVISAO RECORD S.A, T V I COMUNICACAO INTERATIVA LTDA - EPP, TECPLAN TELEINFORMATICA LTDA., GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A, ABBA PRODUCOES E PARTICIPACOES LTDA - ME, TVSBT CANAL 4 DE SAO PAULO S/A, TELESISAN - TELECOMUNICACOES, TELEVENDAS, COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: PAULO ROBERTO VIGNA - SP173477-A
Advogado do(a) APELANTE: CLITO FORNACIARI JUNIOR - SP40564-A
Advogados do(a) APELANTE: ALAN GUSTAVO DE OLIVEIRA - SP237936-A, RIOLANDO DE FARIA GIAO JUNIOR - SP169494-A
Advogados do(a) APELANTE: ALAN GUSTAVO DE OLIVEIRA - SP237936-A, RIOLANDO DE FARIA GIAO JUNIOR - SP169494-A
Advogados do(a) APELANTE: GUILHERME PIZZOTTI MENDES COLETTO DOS SANTOS - SP375475-A, MARCELO FERNANDES HABIS - SP183153-A, MARCELO LAMEGO CARPENTER FERREIRA - RJ092518, SERGIO BERMUDES - SP33031-A, LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO - SP44789-A
Advogado do(a) APELANTE: WALMIR ARAUJO LOPES JUNIOR - SP193225-A
Advogados do(a) APELANTE: MARIA ISABEL KARAKHANIAN DEI SANTI - SP173987, DANIEL DE CAMARGO JUREMA - SP127778-A, RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA - SP15919-A
Advogados do(a) APELANTE: MARIA ISABEL KARAKHANIAN DEI SANTI - SP173987, DANIEL DE CAMARGO JUREMA - SP127778-A, RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA - SP15919-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, MAXLASER CLINIC LTDA., MH TELEPROCESSAMENTOS LTDA, RADIO E TELEVISAO OM LTDA, TV MANCHETE LTDA

Advogado do(a) APELADO: MARCELO BRAZ FABIANO - SP79543
Advogados do(a) APELADO: FLAVIA MARTIN FABRI - PR67650, RODRIGO DA ROCHA LEITE - PR42170-A, LUIZ CARLOS DA ROCHA - PR13832-A
Advogado do(a) APELADO: RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA - SP15919-A

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: TV GLOBO LTDA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO - SP44789-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001049-61.1998.4.03.6100

RELATOR: Gab. Vice Presidência

APELANTE: FUNDACAO CASPER LIBERO, RADIO E TELEVISAO RECORD S.A, T V I COMUNICACAO INTERATIVA LTDA - EPP, TECPLAN TELEINFORMATICA LTDA., GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A, ABBA PRODUCOES E PARTICIPACOES LTDA - ME, TVSBT CANAL 4 DE SAO PAULO S/A, TELESISAN - TELECOMUNICACOES, TELEVENDAS, COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: PAULO ROBERTO VIGNA - SP173477-A
Advogado do(a) APELANTE: CLITO FORNACIARI JUNIOR - SP40564-A
Advogados do(a) APELANTE: ALAN GUSTAVO DE OLIVEIRA - SP237936-A, RIOLANDO DE FARIA GIAO JUNIOR - SP169494
Advogados do(a) APELANTE: ALAN GUSTAVO DE OLIVEIRA - SP237936-A, RIOLANDO DE FARIA GIAO JUNIOR - SP169494
Advogados do(a) APELANTE: GUILHERME PIZZOTTI MENDES COLETTO DOS SANTOS - SP375475-A, MARCELO FERNANDES HABIS - SP183153-A, MARCELO LAMEGO CARPENTER FERREIRA - RJ092518, SERGIO BERMUDES - SP33031-A, LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO - SP44789-A
Advogado do(a) APELANTE: WALMIR ARAUJO LOPES JUNIOR - SP193225-A
Advogados do(a) APELANTE: MARIA ISABEL KARAKHANIAN DEI SANTI - SP173987, DANIEL DE CAMARGO JUREMA - SP127778-A, RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA - SP15919-A
Advogados do(a) APELANTE: MARIA ISABEL KARAKHANIAN DEI SANTI - SP173987, DANIEL DE CAMARGO JUREMA - SP127778-A, RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA - SP15919-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, MAXLASER CLINIC LTDA., MH TELEPROCESSAMENTOS LTDA, RADIO E TELEVISAO OM LTDA, TV MANCHETE LTDA

Advogado do(a) APELADO: MARCELO BRAZ FABIANO - SP79543
Advogados do(a) APELADO: FLAVIA MARTIN FABRI - PR67650, RODRIGO DA ROCHA LEITE - PR42170-A, LUIZ CARLOS DA ROCHA - PR13832-A
Advogado do(a) APELADO: RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA - SP15919-A

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: TV GLOBO LTDA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO - SP44789-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de agravo interno interposto com fundamento no art. 1030, I, “b”, do CPC, em face de decisão desta Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso extraordinário.

A decisão agravada tem os seguintes termos:

Trata-se de recurso extraordinário GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A contra acórdão proferido por órgão fracionário deste Tribunal Regional Federal, em sede de ação civil pública, assim ementado:

DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SORTEIOS TELEVISIVOS - 0900. ENTIDADES FILANTRÓPICAS. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES. LEI 5.768/71. PORTARIAS MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Nº 413/97 E 1285/97. PRÁTICA ABUSIVA. DANOS MATERIAIS ADEQUAÇÃO. REPARAÇÃO DEVIDA. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES. REMESSA OFICIAL. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA.

1 - A questão fulcral da presente Ação Civil Pública é aferir a compatibilidade das Portarias nºs 413/97 e nº 1285/97, editadas pelo Ministro da Fazenda com a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, que dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, estabelecendo normas de proteção à poupança popular, em razão de sorteios televisivos pelo sistema "0900", consideradas ilegais pelo Ministério Público Federal, consoante apurado em Inquérito Civil. Alega o Parquet Federal que as corrés atuaram de forma lesiva aos interesses dos consumidores, sendo a entidade filantrópica "mera despesa", pois o benefício e proveito econômico arrecadado pelo sistema de concursos voltavam-se para os organizadores dos sorteios.

2 - Afastada a arguição de inépcia da inicial, uma vez que não se discute a constitucionalidade de lei em tese. Rejeitadas as preliminares de ilegitimidade passiva e carência da ação por ausência de ilegalidade e lesividade, pois confundem-se com o mérito da demanda. A questão da legitimidade do Ministério Público Federal se encontra superada pela coisa julgada, visto que a matéria foi objeto de recurso ao Superior Tribunal de Justiça que analisou o tema, mantendo-o no polo ativo, com trânsito em julgado em 03 de fevereiro de 2011. O cerceamento ao direito de defesa não ocorreu. O Inquérito Civil Público foi instruído com provas fornecidas pelas corrés e pela Telesp e integraram os autos na sua instrução, sendo suficientes ao julgamento da lide. Foi oportunizada às partes a manifestação sobre todos os documentos para contraditá-los, o que não ocorreu, eis que não produzidas provas em sentido contrário em face da apuração original. Vale lembrar que o inquérito civil possui natureza de produção antecipada de provas, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o que reforça o entendimento no sentido da inexistência de cerceamento do direito de defesa. (REsp 448023/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 09/06/2003; REsp 644994/MG, Rel. Min. João Otávio DJe de 21/03/2005)

3 - Após o marco constitucional de 1988, por meio da Medida Provisória nº 1.302, de 9 de fevereiro de 1996 e reeditada sob o nº 1.549-29, de 15 de abril de 1997, o Ministério da Justiça dispôs sobre a autorização para a realização de sorteios por entidades filantrópicas, por meio das Portarias nºs 413/97 e 1285/97, regulamentando a emissão de autorização para realização de sorteios por entidades filantrópicas. A referida Medida Provisória, e suas reedições, foi convertida na Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1988, e ao dispor sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios foi silente quanto à competência do Ministério da Justiça sobre a disciplina infralegal da matéria objeto da Lei nº 5.768, entretanto, à época em que editadas tais Portarias o Ministério da Justiça tinha atribuições para fazê-lo.

4 - Segundo apurado pelo Ministério Público Federal, as empresas que patrocinavam os sorteios procuravam as entidades filantrópicas e, como procuradoras de tais entidades, intermediavam junto aos órgãos administrativos competentes, todos os documentos e atos indispensáveis à execução dessa finalidade e, mais, convenciam-nas e ofereciam o produto, realizando de forma unilateral e com o desconhecimento das entidades filantrópicas os mecanismos empregados para tal realização.

5 - O procedimento adotado para a realização dos sorteios, em prol das entidades filantrópicas, era pelo sistema telefônico 0900. Os fatos apresentados colocam o consumidor como o destinatário de determinado bem, o qual por meio da chamada pelo sistema 0900, disponibilizada para todo o território nacional, era convencido a participar dos sorteios, concorrendo a esses prêmios, sem qualquer ônus. Para concorrer bastava o consumidor responder as mais diversas perguntas veiculadas pela emissora de televisão, como, por exemplo, o resultado de uma partida de futebol, ou respostas dentro de um determinado contexto que poderia ser um "sim" ou um "não", ou, ainda, tendo por base o resultado da Loteria Federal. Uma vez sorteado, na entrega do prêmio, os ganhadores deveriam comprovar, por meio da conta telefônica quitada, o registro da ligação feita.

6 - Embora o "0900" se afigure como um serviço de valor adicionado, não é a modalidade e conceito desse serviço que se discute na análise do procedimento em julgamento, mas a forma como esse serviço foi colocado à disposição do usuário do sistema de telefonia, ou seja, o propósito de contribuir com doações a entidades filantrópicas e, ainda, com isso ser possível ganhar um prêmio. Estimulavam as corrés a prática do jogo, por meio de comunicação de massa, com atrativos, via de regra sorteio de veículos, aos telespectadores. Eram os usuários cativados por profissionais com representatividade pública inquestionável, como são os artistas de TV de renome e por programas de grande audiência, como são os campeonatos de futebol.

7- No que tange à relação havida entre as Entidades Beneficentes e as prestadoras de serviços, pelos contratos celebrados podemos concluir que as prestadoras de tais serviços, a pretexto de isentar as instituições filantrópicas, estabeleceram regras comuns, praticadas entre todas as corrés, tidas como "quase de adesão", com poucas variações, supostamente em conformidade com as Portarias do Ministério da Justiça n° 413/97 ou Portaria n° 1.258/97.

8 - Se um contrato viola direitos coletivos em sentido amplo dos consumidores, como os que protegem contra a formação de cartéis, obtenção de monopólio ou desestabilização da concorrência sobre determinado bem ou serviço, estará sob evidente contrariedade à função social prestigiada constitucionalmente, pois as partes atingidas não serão as contratantes, mas terceiros alheios à avença, porém prejudicados por ela. A questão é tormentosa por falta de qualquer sanção legal expressa nesse sentido, ficando a cargo da jurisprudência e dos doutrinadores a árdua tarefa de analisar, nas hipóteses apresentadas, quando o contrato violou a função social, com consequências danosas.

9 - Necessário, pois, analisar se a atividade triangularizada entre as corrés, as Entidades Filantrópicas e os usuários do sistema 0900, com base em ato administrativo expedido para disciplinar a forma de atuação de todos os envolvidos, teve como foco o desvirtuamento do ordenamento, possibilitando que, com o acordo de vontades, fossem arrecadadas quantias astronômicas com diminuta distribuição aos beneficiários, para que se possa, ao final, constatar se esses atos foram ilícitos, por desconformidade com a lei e a seu espírito ou foram executados dentro de parâmetros para a sua exequibilidade, bem como aferir a razoabilidade na sua execução. Essa análise triangularizada é fundamental em se tratando de ação civil pública, dada a natureza coletiva da demanda e os fins que ela protege, por gerar consequências para terceiros, ainda que não incluídos na lide, devido ao seu efeito erga omnes. Por meio dessa ação é possível identificar eventuais lesados e atribuir a responsabilidade dessas práticas, conforme estabelece o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor.

10 - Os fatos apurados denotam que a lei 5768/71 foi descumprida sob várias formas, o artigo 2° foi descumprido quando pessoas jurídicas participaram do resultado financeiro da promoção publicitária; foi descumprido, ainda, o art. 4° da lei, pela realização de vários sorteios no mesmo ano, para a mesma beneficiária, não tendo sido justificado o motivo de força maior que lhes davam causa; descumpriu-se, ainda, esse artigo por ter sido desvirtuada a aplicação dos recursos oriundos dos sorteios, sob a justificativa de ter havido prestação de serviços à intermediadora contratada pela Entidade Assistencial, ou seja, outros contratos foram feitos utilizando-se os valores arrecadados para pagamentos de cachês e despesas diversas, alegadamente indispensáveis à sua execução; houve infringência, igualmente, ao artigo 7°, considerando que foi colocado em sorteio bem de produção estrangeira, não considerado como gênero de primeira necessidade ou de uso geral. O Poder Público infringiu a lei, omitindo-se ao dar autorização para a realização de eventos, sem a prova da capacidade financeira, econômica e gerencial das entidades interessadas, além dos estudos de viabilidade econômica dos planos e das formas e condições de emprego das importâncias a receber.

11 - Nem se diga que as Portarias do Ministro da Justiça legitimaram os atos praticados, considerando que, nesse aspecto, ou reproduziram o ordenamento mencionado, ou desbordaram dos seus termos, permitindo e concedendo, conforme exemplos citados, a autorização para a realização de mais de um sorteio por ano, por instituição, sem a prova do motivo de força maior comprovadamente justificado; legislando sobre ponto não previsto no ordenamento, como a permissão do pagamento de despesas administrativas vinculadas aos sorteios, relativas à publicidade, mídia e produção, com operação e administração do sorteio pela pessoa jurídica contratada ou conveniada para essa tarefa, custos de telefonia e taxas correspondentes. Em poder regulamentar o Ministério da Justiça desbordou do ordenamento que regulamentava e criou uma verdadeira estrutura destinada a propagação de sorteios, sem qualquer controle do Poder Público, possibilitando lucros exagerados e em desconformidade com o espírito da lei, àqueles que não seriam os reais beneficiários, ou seja, as Entidades Filantrópicas. Não sem razão, esta prática foi objeto de uma CPI no âmbito legislativo do Estado de São Paulo, pois visivelmente prejudicial aos desvalidos e necessitados.

12 - Nem se afirme que as Portarias editadas quando estabeleceram o recolhimento de tributos beneficiou a população por gerar renda ao poder público. Embora esse não seja o cerne da discussão travada, é consabido que o concurso de prognóstico, tal como concebido pela Constituição Federal para o financiamento da seguridade social, estabelecendo ser a receita dele proveniente passível de tributação, conceituada isoladamente, não confere a qualquer concurso de prognóstico a legitimidade que pretende seja reconhecida nesta ação, tão somente pelo fato de sobre os recursos arrecadados incidirem contribuições devidas à Previdência. Os concursos são apenas fontes de receitas tributáveis pelos exploradores desse tipo de atividade, sejam elas pessoas de direito público ou da iniciativa privada. A validade de tributação do concurso de prognósticos é assente na jurisprudência de nossa Corte Constitucional: RE 502.271 AgRg, voto da rel. Min. Ellen Gracie, j. 10-6-2008, 2ª T, DJ de 27-6-2008. Ademais, a atividade praticada é de todo perniciosa que levou o Supremo Tribunal Federal a reconhecer em Súmula Vinculante, sob o verbete de nº 2, a inviabilidade de se legislar sobre consórcios e sorteios, tendo como questão de fundo o jogo de bingo.

13 - Não prospera a alegação de que as entidades eram convencidas a participarem dos sorteios e foram lesadas por eles. Em uma análise conjunta dos contratos celebrados com as prestadoras de serviços e diversas manifestações das entidades juntadas pelas corrés, destaca-se que: 1) no contrato celebrado com as prestadoras de serviços, as entidades não tinham qualquer expectativa dos valores a receber relativamente às receitas auferidas e o resultados final nos sorteios praticados; 2) ao contrário, autorizavam essas empresas intermediadoras a representá-las em todo o procedimento, desde a emissão do Certificado de Autorização junto ao Poder Público, até a emissão dos documentos necessários à sua execução; 3) não tinham, igualmente, qualquer custo com a assinatura desses contratos, pois conforme salientado elas contratavam as prestadoras de serviços com bens já doados, por ela ou por terceiros interessados, tendo apenas aquiescido com a divulgação de sua imagem nos sorteios levado a efeito; 4) as correspondências juntadas por algumas corrés revelam a satisfação das entidades com os recursos financeiros recebidos para a consecução de seus objetivos, seja porque não tinham ciência do valor a receber, seja porque não dispenderam quaisquer esforços para a prática dos sorteios, aguardando apenas o resultado financeiro, qualquer que fosse o valor. Isso não significa abonar as práticas do Poder Público, como a edição de Portarias de duvidosa legalidade, ou das prestadoras de serviços, pela abusiva forma de apuração e desconto de despesas sobre a receita dos concursos de prêmios, mas apenas delimitar o prejuízo ou a suposta lesividade dessas entidades, que não ocorreu, considerando a forma como participou do evento e manifestou a sua vontade, por meio do contrato celebrado, tendo recebido parcela dos valores apurados ainda que de pequeno montante.

14 - Nem se diga que as emissoras de TV, nesse contexto, foram meras transmissoras dos sorteios realizados e que somente cederam o espaço publicitário para esse fim, como fazem cotidianamente com outros clientes e, por isso, não estaria configurada a ilicitude alegada nos autos. As emissoras de TV se adequam à figura de fornecedora de serviços, na forma preconizada pelo Código de Defesa do Consumidor, pois prestam serviços de telecomunicações, nos termos do artigo 6º, alínea "d" do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62), na modalidade de radiodifusão, consoante regulamenta o artigo 4º, item 1º, alínea "b" do Decreto nº 52.795/63, não se concebendo que na era da informação essa se faça de forma indiscriminada e irresponsável, especialmente tratando-se de expediente que levaria a população ao estímulo do jogo de azar. (REsp 436.135/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 12/08/2003, p. 231)

15 - Ao investigarmos os interesses no plano individual e transindividual, esse relativamente aos consumidores, podemos afirmar que as entidades interessadas, aquiesceram e foram coniventes com todo o procedimento ilegal, também pretendiam obter ganho fácil e sem qualquer esforço, para tanto contrataram empresas com o fim especifico de massificar o sistema de sorteios, pelo sistema de ligação 0900, abrangendo um número ilimitado de consumidores em todo o território nacional, que conscientemente agiam motivados com o fim exposto publicamente, que era o de contribuir com entidades filantrópicas, tendo como contrapartida a participação em sorteio de prêmios.

16 - A questão, inclusive, desafia a posição Estatal quanto à proteção da pessoa do consumidor, pois na era da informação não se concebe que o Poder Estatal desassista aquele para o qual se dirige a propaganda enganosa. Estamos na era da democracia da informação e a liberdade de informar não poderá ser de tal modo a permitir que a sociedade seja atingida de forma indiscriminada e predatória, formando uma cultura de desinformação por meio de uma arquitetura regulatória de duvidosa proteção aos interesses sociais e de políticas públicas. Essa afirmação é feita com a convicção de que os telespectadores, consumidores em potencial, nem sempre têm a perfeita noção das consequências e atos praticados em função de uma informação incorreta veiculada pelos meios de comunicação, sendo essa a grande preocupação nos dias atuais, em que "fake news" rondam todos os meios de comunicação, iludindo aqueles que de boa-fé acreditam na divulgação incorreta.

17 - Podemos afirmar que os direitos coletivos, considerados direitos fundamentais pela Constituição Federal, não podem ser subtraídos da tutela jurídica do Estado, vinculando tanto os governantes como os operadores do direito, pois interagem com todos os ramos do direito, especialmente quanto à regulamentação da distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, por meio de propaganda indiscriminada em todo o território nacional, de responsabilidade exclusiva da União Federal. Afinal, a divulgação em massa no território nacional colhe a todos, independentemente de instrução escolar, status social ou idade, devendo ser reprimidas todas as formas e tentativas de iludir o consumidor ou o interessado no assunto.

18 - As entidades de filantropia não possuíam suporte financeiro, estrutural ou know how, tampouco publicitário, para suportar e operacionalizar o sistema de sorteios tal como produzido e na magnitude alcançada em todo o território nacional. Tampouco era esse o escopo da lei ao autorizar a realização de sorteios em prol das entidades. Disso conclui-se que, ao delegarem poderes aos atravessadores para supostamente realizarem sorteios mais vantajosos, sem qualquer despesa ou trabalho, pactuaram com a ilegalidade, recebendo para isso as migalhas que lhes foram atribuídas, tolerando que outrem, às suas custas, arrecadasse valores em descompasso com o ordenamento. Descarta-se, igualmente, o argumento de que o procedimento possibilitou a arrecadação tributária e com esta o pagamento de impostos em prol de toda a sociedade, pois destinados a Fundos específicos, porquanto a arrecadação e pagamento dos tributos é inerente a qualquer forma de sorteio de prognóstico, conforme prevê expressamente a Constituição Federal.

19 - A prática abusiva das corrés, abonadas pelas autorizações e contratos firmados pelas Entidades Assistenciais, na indiscriminada propagação de concursos com sorteio de bens, sem a necessária observância do poder de polícia do Estado, responsável pela coibição de práticas lesivas aos consumidores, infringiram não só o ordenamento que lhes davam respaldo - lei n° 5.768/71, como as relações de consumo protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor (lei nº 8.078/90).

20 - De tudo que se apurou nos autos e considerando a participação das Entidades Assistenciais no sistema ilegal de sorteios, depreende-se da análise triangularizada do procedimento que de fato houve dano, porém este dano não se dá em favor das Entidades Assistenciais, mas aos consumidores que com os sorteios contribuiu.

21 - Constatada a lesão, a reparação dos danos materiais é devida na forma narrada na inicial. Entretanto, não da forma como descrita na sentença, considerando que o envolvimento das Entidades Assistenciais em todo o procedimento assim o justifica, aliás, não fossem os contratos firmados, sequer teríamos as autorizações contestáveis deferidas e os sorteios realizados.

22 - Aferimos que houve lesão ao direito dos consumidores. Sob esse enfoque, é assente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à possibilidade de uma tutela híbrida na análise de ações coletivas, dentro de semelhante cenário fático, considerando a proteção dos interesses ou direitos coletivos em sentido amplo, dentro de um microssistema ou minissistema em que as normas se comunicam, em um diálogo de fontes, propiciando uma adequada e efetiva tutela coletiva. (REsp 1209633/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/04/2015, DJe 04/05/2015; REsp 695.396/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 27/04/2011)

23 - Por isso a tutela repressiva reparatória encontra eco no direito violado. Em cognição exauriente, consoante provas trazidas e no contexto em que se deram, com atos praticados que não estão legitimados, porquanto os ordenamentos questionados são aqui reconhecidos como ilegítimos, verifica-se que os interesses transindividuais (art. 81,§ único, da Lei n.8.078/90) foram violados. Não se pode, outrossim, a pretexto de salvaguardar interesses privados, como é o financeiro, deixar de sancionar as condutas praticadas, por ser a coletividade a titular do direito lesado.

24 - Essa cognição há de ser feita segundo a dicção do artigo 322, do Novo Código de Processo, que estabelece em seus § 2º que a interpretação deverá ocorrer, considerando o conjunto da postulação e das provas carreadas aos autos (AgRg no Ag 1.038.295-RS, DJe 3/12/2008, e REsp 971.285-PR, DJe 3/8/2009. REsp 967.375-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 2/9/2010).

25 - Ajustando as condutas às normas, não podemos deixar de analisar a questão sob a teoria do diálogo das fontes normativas, considerando o microssistema e a integratividade das normas em que se inserem os direitos coletivos, e diante do que prescrevem os artigos 90 do Código de Defesa do Consumidor, o artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública e, por fim, ao que nos remete o artigo 11 e 19 da Ação Popular (Resp 1.108.542/SC, Dje 29.5.2009, Rel. Ministro Castro Meira; AgRg no REsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamim , 2ª T., DJe 25/04/2011, Resp nº 1257587, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Dje 16/11/2011, RMS nº 33.932, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Dje 21/11/11). Ressalte-se, ainda, que a reparação pretendida deve ser de tal forma a compatibilizar as novas diretrizes apontadas no artigo 20 da Lei 13.655/18, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

26 - Atenta a tudo quanto foi alegado e aos atos praticados, e considerando que a tutela pretendida não pode ser desprezada, por ter a Lei da Ação Civil Pública, de modo aberto, disposto que se tutelará "qualquer outro interesse difuso ou coletivo", também constitucionalmente assegurado pelo artigo 129, II da Constituição Federal de 1988 e pelo art. 83 do Código de Defesa do Consumidor, e, por fim, diante da máxima amplitude da ação coletiva e das normas de reenvio, medindo o impacto dessa decisão, com efeitos que podem causar danos ainda maiores, caso não seja delimitada sua extensão pelo Poder Judiciário, como o alegado enriquecimento sem causa, e entendendo pela ilegalidade das Portarias n° 413/97 e n° 1285/97, por terem, conforme exposto, desbordado da Lei 5768/71, a qual pretendeu disciplinar, bem como pela irregularidade dos sorteios praticados, que deveriam ocorrer em prol da coletividade e para a proteção do bem difuso tutelado, reconheço como devida a reparação material requerida na inicial, em remessa oficial, em prol do consumidor, a ser destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, art. 13 da Lei n. 7.347/85.

27 - Sobre os valores arrecadados pelo serviço de telefonia, pelos sorteios praticados no período da vigência das Portarias n° 413/97 e n° 1285/97, serão excluídos os custos dos serviços prestados pela EMBRATEL, os impostos e contribuições devidos e os valores pagos às Entidades Assistenciais. Apurado esse montante e com essas exclusões, o resultado obtido deverá ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, art. 13 da Lei n. 7.347/85.

28 - Saliento que a execução se fará de acordo com os documentos que instruíram toda a ação, sendo defeso às corrés inovarem com a juntada de novos documentos para a apuração desse montante, porquanto tiveram tempo hábil a fazer a prova de seus direitos, com a prestação de contas e a juntada de todos os documentos necessários ao deslinde da causa. Ademais, essa diretriz é dada para que não se alongue a execução do julgado de forma indevida e desnecessária, diante da natureza da lide.

29 - Nesse contexto, vislumbra-se, ainda, a existência de um dano moral coletivo, em face da população brasileira, a única vulnerável nessa relação, por ter sido lesada por um refinamento do procedimento de divulgação de concursos de prognósticos, cuja finalidade não era a filantrópica, pois as empresas prestadoras de serviços em concurso de prêmios, conforme declarado abertamente, sobreviveram dos recursos recebidos nesse processo oneroso, em flagrante descompasso com a lógica da filantropia.

30 - A avaliação desse dano moral deve ser compatível com os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo como objetivo o desestímulo da prática de procedimentos abusivos, em torno dos concursos de prognósticos com fins lucrativos, levando-se em consideração a culpa dos seus executores, ponderando o desvio de finalidade praticado e o bem jurídico protegido. Restou amplamente provado e evidente o atentado aos princípios éticos e morais da sociedade, bem como "os valores coletivos atingidos injustificadamente do ponto de vista jurídico", devendo ser mantidos os valores fixados a título de dano moral coletivo correspondente a R$200.000,00 (duzentos mil reais), devidos por cada corré e pela União Federal, e revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, art. 13 da Lei n. 7.347/85 (APELREEX 00156730820044036100, Rel. Des. Fed. JOHONSOM DI SALVO, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 21/03/2014).

31 - A compensação moral aqui desenhada mostra-se suficiente para a reparação dos danos ocorridos em face dos sorteios autorizados pelo Poder Público, não se cogitando de sua redução. Para que não restem dúvidas, declaro, outrossim, a nulidade das Portarias editadas por reconhecê-las contrária Lei 5768/71, embora tenham seus efeitos exauridos no tempo, porquanto a determinação judicial, para que não se promovessem sorteios de prêmios, na forma estabelecida pelas Portarias, debelou a prática extorsiva de concursos de prêmios.

32 - Entendo ser indevida a liberação dos depósitos efetuados nos autos, pois decorrente de bloqueio deferido. As constrições judiciais são necessárias para a garantia do processo e da parte a quem favorece. Com o julgamento de mérito desta demanda, houve reconhecimento da pertinência das alegações, portanto, eventual recurso a partir de então não terá efeito suspensivo, possibilitando que a corré ABBA dê início à execução do julgado, para eventual liberação do valor excedente. De sorte que, caso fosse deferida a liberação pretendida, tais verbas não seriam revertidas para a reparação dos danos sofridos, considerando que a corré reconhece nos autos e na tribuna sua deficiente situação econômica.

33 - Os juros de mora e a correção monetária, devidos sobre os valores arbitrados a título de dano moral coletivo e danos materiais, incidirão nos moldes das Súmulas n°s 54 e 362 do Superior Tribunal de justiça, ou seja, os juros de mora a partir do evento danoso e a correção monetária a partir desta decisão, na forma do Manual de Cálculos vigente à época da execução do julgado.

34 - Nega-se provimento à apelação da União Federal e às apelações das demais corrés, e dá-se parcial provimento à remessa oficial, para, rejeitando as preliminares arguidas, reformar a r. sentença de primeiro grau, reconhecendo a ilegalidade das Portarias nºs 413/97 e 1285/97 e os atos dela emanados, por serem contrárias a Lei 5768/71. Reconheço a existência de danos materiais e morais sofridos pela coletividade. Os danos materiais serão apurados em liquidação de sentença, tendo como base o número de ligações feitas pelo sistema 0900, sendo, do montante apurado, excluídos os valores devidos à EMBRATEL, os impostos e contribuições sociais efetivamente recolhidos, assim como os valores pagos às Entidades Assistenciais, e o valor remanescente revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, art. 13 da Lei n. 7.347/85 e não às Entidades Assistenciais, como disposto na sentença de primeiro grau. O valor dos danos morais arbitrado pela sentença em R$200.000,00 (duzentos mil reais), fica mantido, sendo devido esse montante de forma individualizada por todas as corrés, inclusive União Federal, não sendo reconhecida a solidariedade entre as corrés Cásper Líbero e OM, diante do Instrumento Particular de Contrato Operacional mantido entre ambas, valor a ser revertido, igualmente, ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, art. 13 da Lei n. 7.347/85. Reforma-se a r. sentença, ainda, para que os juros de mora sejam calculados a partir do evento danoso, qual seja o primeiro sorteio efetivamente realizado, e a correção monetária a partir desta decisão.

Decido.

O recurso não merece admissão.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do ARE nº 748.371/MT, assentou a ausência de repercussão geral da matéria atinente à suposta alegação de violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal, notadamente quando o julgamento da causa é dependente de prévia análise da adequada aplicação de normas infraconstitucionais, tal como se dá in casu.

O precedente retrocitado, transitado em julgado em 06.08.2013, restou assim ementado, verbis:

Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral.

(STF, Plenário Virtual, ARE nº 748.371/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 06.06.2013)

Verifica-se que o recurso extraordinário interposto pelo recorrente veicula tese cuja repercussão geral, repito, foi negada pelo E. STF, circunstância essa que atrai para o caso concreto a regra da inadmissibilidade do recurso.

Quanto ao mais, o Pretório Excelso pronuncia-se que tais situações só podem ser verificadas em cotejo com a legislação infraconstitucional, bem como, a solução da controvérsia no presente recurso extraordinário, pressupõe, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que torna inviável o seu processamento, nos termos da Súmula 279/STF:

Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.

Em face do exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário e, no que sobeja, não o admito.

Intimem-se.

Nas razões do presente agravo, a parte reproduz, em síntese, os argumentos que já houvera formulado quando da interposição do recurso excepcional ao qual fora negado seguimento nos termos da decisão acima transcrita.

A parte agravada apresentou contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001049-61.1998.4.03.6100

RELATOR: Gab. Vice Presidência

APELANTE: FUNDACAO CASPER LIBERO, RADIO E TELEVISAO RECORD S.A, T V I COMUNICACAO INTERATIVA LTDA - EPP, TECPLAN TELEINFORMATICA LTDA., GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A, ABBA PRODUCOES E PARTICIPACOES LTDA - ME, TVSBT CANAL 4 DE SAO PAULO S/A, TELESISAN - TELECOMUNICACOES, TELEVENDAS, COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: PAULO ROBERTO VIGNA - SP173477-A
Advogado do(a) APELANTE: CLITO FORNACIARI JUNIOR - SP40564-A
Advogados do(a) APELANTE: ALAN GUSTAVO DE OLIVEIRA - SP237936-A, RIOLANDO DE FARIA GIAO JUNIOR - SP169494
Advogados do(a) APELANTE: ALAN GUSTAVO DE OLIVEIRA - SP237936-A, RIOLANDO DE FARIA GIAO JUNIOR - SP169494
Advogados do(a) APELANTE: GUILHERME PIZZOTTI MENDES COLETTO DOS SANTOS - SP375475-A, MARCELO FERNANDES HABIS - SP183153-A, MARCELO LAMEGO CARPENTER FERREIRA - RJ092518, SERGIO BERMUDES - SP33031-A, LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO - SP44789-A
Advogado do(a) APELANTE: WALMIR ARAUJO LOPES JUNIOR - SP193225-A
Advogados do(a) APELANTE: MARIA ISABEL KARAKHANIAN DEI SANTI - SP173987, DANIEL DE CAMARGO JUREMA - SP127778-A, RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA - SP15919-A
Advogados do(a) APELANTE: MARIA ISABEL KARAKHANIAN DEI SANTI - SP173987, DANIEL DE CAMARGO JUREMA - SP127778-A, RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA - SP15919-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, MAXLASER CLINIC LTDA., MH TELEPROCESSAMENTOS LTDA, RADIO E TELEVISAO OM LTDA, TV MANCHETE LTDA

Advogado do(a) APELADO: MARCELO BRAZ FABIANO - SP79543
Advogados do(a) APELADO: FLAVIA MARTIN FABRI - PR67650, RODRIGO DA ROCHA LEITE - PR42170-A, LUIZ CARLOS DA ROCHA - PR13832-A
Advogado do(a) APELADO: RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA - SP15919-A

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: TV GLOBO LTDA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO - SP44789-A

 

 

 

V O T O

 

A atuação dos tribunais de segundo grau de jurisdição, no tocante ao exame de admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários, ganhou novos contornos, ainda ao tempo do CPC/73, com a introdução da sistemática dos recursos representativos de controvérsia ou, na terminologia do CPC/15, da sistemática dos recursos repetitivos ou de repercussão geral, decorrente da transformação das decisões das Cortes Superiores de precedentes meramente persuasivos para julgados de observância obrigatória pelas instâncias ordinárias do Poder Judiciário.

Assim, a partir da edição dos arts. 543-A a 543-C do CPC/73, foi atribuída, aos tribunais locais, a competência de julgar, pelo mérito, os recursos dirigidos às instâncias superiores, desde que a questão de direito constitucional ou legal neles veiculada tenha sido, anteriormente, objeto de acórdão de Corte Superior erigido à condição de precedente qualificado pelo procedimento estabelecido para sua formação.

Esse sistema, aperfeiçoado pelo CPC/15, permite à instância a quo negar seguimento, desde logo, a recurso especial ou extraordinário em contrariedade à tese jurídica já estabelecida pelas Cortes Superiores, bem como a autoriza a proceder ao encaminhamento do caso para retratação pelo órgão julgador, sempre que verificado que o acórdão recorrido não aplicou, ou aplicou equivocadamente, tese jurídica firmada nos leading cases.

Além da valorização dos precedentes, a atual sistemática acarreta sensível diminuição dos casos individuais que chegam aos Tribunais Superiores, ocasionando maior racionalidade em seu funcionamento e aperfeiçoamento de seu papel de Cortes de “teses” ou de interpretação do direito constitucional ou legal.

Cabe destacar que a manutenção do tradicional sistema de recorribilidade externa, qual seja, da possibilidade de revisão das decisões da instância a quo mediante interposição do agravo de inadmissão para julgamento pela instância ad quem, tinha enorme potencial para esvaziar a eficácia da novel sistemática de valorização dos precedentes qualificados, pois mantinha as Cortes Superiores facilmente acessíveis a todos os litigantes em todo e qualquer caso.

As leis de reforma do sistema processual que trouxeram à luz os arts. 543-A a 543-C do CPC/73 silenciaram quanto ao ponto em destaque, o que instigou os Tribunais Superiores a avançarem em direção a uma solução jurisprudencial para o impasse: no AI 760.358/RS-QO (j. 19.11.2009), o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu por não mais conhecer dos agravos interpostos de decisões proferidas com fundamento no art. 543-B do CPC/73, estabelecendo que a impugnação de tais decisões ocorreria, dali em diante, por meio de agravos regimentais, a serem decididos pelos próprios tribunais de apelação.

Como não poderia deixar de ser, a iniciativa da Suprema Corte foi secundada pelo Superior Tribunal de Justiça, que, por sua Corte Especial, em 12.05.2011, chegou a solução similar ao julgar a QO-AI 1.154.599/SP.

Dessa forma, restou adequadamente solucionada pela jurisprudência a questão, ao se estabelecer, como regra, a recorribilidade “interna” na instância a quo em caso de negativa de seguimento do recurso excepcional pelo tribunal, por considerá-lo em confronto à tese jurídica assentada pelo STF ou pelo STJ em precedente qualificado.

Essa solução foi totalmente encampada pelo CPC/15, prevendo-se expressamente, desde então, o cabimento de agravo interno das decisões que negam seguimento a recurso excepcional, sempre que o acórdão recorrido tenha aplicado precedente qualificado e o recurso interposto tenha, em seu mérito, a pretensão única de rediscutir a aplicação da tese jurídica firmada no precedente.

Trata-se de recurso de fundamentação vinculada, pois não é dado à parte rediscutir o acerto ou a justiça do acórdão recorrido, sendo cognoscível por essa via recursal, tão somente, a questão relativa à invocação correta, ou não, do precedente no caso concreto.

É lícito ao agravante, portanto, alinhavar razões que evidenciem que o precedente invocado não se aplica ao caso concreto, por nele existir circunstância fática ou jurídica que o diferencia (distinguishing), bem como que demonstrem que a tese assentada no precedente, ainda que aplicável ao caso concreto, encontra-se superada por circunstâncias fáticas ou jurídicas (overruling).

A simples reprodução mecânica, no agravo interno, das razões do recurso excepcional a que negado seguimento, ou ainda, o subterfúgio da inovação recursal, extrapolam o exercício regular do direito de recorrer, fazendo do agravo uma medida manifestamente inadmissível e improcedente, a autorizar a aplicação aos agravos internos interpostos com fundamento no art. 1030, I, do CPC, da penalidade prevista no art. 1021, § 4º, do CPC, por interpretação extensiva.

Assentadas essas premissas, passa-se ao julgamento do agravo interno.

Diferentemente do quanto sustentado pela parte agravante, o exame meticuloso dos autos revela que não há distinção relevante entre o caso concreto e a ratio decidendi do precedente vinculante invocado para fins de negativa de seguimento ao recurso excepcional interposto.

Não há fundamento idôneo, portanto, para que seja conferido trânsito ao recurso excepcional interposto, já que o caso bem se amolda ao quanto decidido pela instância superior no recurso excepcional invocado na decisão agravada, e o acórdão proferido pelo órgão fracionário deste

Tribunal está em total conformidade com o entendimento que emana do mencionado precedente.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECURSO DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA. AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO RELEVANTE. ACÓRDÃO DO ÓRGÃO FRACIONÁRIO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO EMANADO PELO PRECEDENTE. AGRAVO DESPROVIDO.

I. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recurso excepcional.

II. Trata-se o agravo interno de recurso com fundamentação vinculada, sendo cognoscível por essa via recursal, tão somente, a questão relativa à invocação correta, ou não, do precedente no caso concreto.

III. Inexistente distinção relevante entre o caso concreto e a ratio decidendi do precedente vinculante invocado para fins de negativa de seguimento ao recurso excepcional interposto.

IV. O caso amolda-se ao quanto decidido pela instância superior no recurso excepcional invocado na decisão agravada, e o acórdão proferido pelo órgão fracionário deste Tribunal está em total conformidade com o entendimento que emana do mencionado precedente.

V. Agravo interno desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, O Órgão Especial, por unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto da Desembargadora Federal Vice-Presidente CONSUELO YOSHIDA (Relatora). Votaram os Desembargadores Federais SOUZA RIBEIRO, WILSON ZAUHY, MARISA SANTOS, NINO TOLDO, INÊS VIRGÍNIA, VALDECI DOS SANTOS, CARLOS DELGADO, NELTON DOS SANTOS (convocado para compor quórum), ANDRÉ NEKATSCHALOW (convocado para compor quórum), LUIZ STEFANINI (convocado para compor quórum), BAPTISTA PEREIRA, MARLI FERREIRA, NEWTON DE LUCCA, PEIXOTO JÚNIOR, THEREZINHA CAZERTA e CARLOS MUTA. Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Federais ANDRÉ NABARRETE, NERY JÚNIOR e PAULO DOMINGUES. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.