RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007110-08.2021.4.03.6301
RELATOR: 13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: JOSE ROBERTO DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: MARIA ELIZABETH FRANCISCA DE QUEIROZ - SP132539-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007110-08.2021.4.03.6301 RELATOR: 13º Juiz Federal da 5ª TR SP RECORRENTE: JOSE ROBERTO DA SILVA Advogado do(a) RECORRENTE: MARIA ELIZABETH FRANCISCA DE QUEIROZ - SP132539-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A parte autora ajuizou ação objetivando a concessão de benefício por incapacidade. Proferida sentença, o pedido foi julgado improcedente diante da ausência de incapacidade. Desta forma, interpõe a parte autora o presente recurso postulando a ampla reforma da sentença. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0007110-08.2021.4.03.6301 RELATOR: 13º Juiz Federal da 5ª TR SP RECORRENTE: JOSE ROBERTO DA SILVA Advogado do(a) RECORRENTE: MARIA ELIZABETH FRANCISCA DE QUEIROZ - SP132539-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Requisitos Os requisitos exigidos pela lei para a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente ou auxílio por incapacidade temporária são os seguintes: a) a condição de segurado da parte requerente, mediante prova de sua filiação ao sistema da Previdência Social; b) a comprovação de ser a parte requerente incapaz permanente ou temporariamente para o trabalho; c) a manutenção da sua condição de segurado na data do evento que determina a concessão desse benefício, ou seja, da incapacidade; d) o cumprimento da carência. Incapacidade A mera existência de uma doença, por si só, não gera o direito a benefício por incapacidade. Tanto o auxílio por incapacidade temporária quanto a aposentadoria por incapacidade permanente pressupõem a existência de incapacidade laborativa, decorrente da instalação de uma doença ou lesão, sendo que a distinção entre tais benefícios reside na intensidade de risco social que acometeu o segurado, assim como a extensão do tempo pelo qual o benefício poderá ser mantido. O auxílio por incapacidade temporária será concedido quando o segurado ficar incapacitado total e temporariamente para exercer suas atividades profissionais habituais, devendo-se entender como habitual a atividade para a qual o interessado está qualificado e que desenvolvia antes do evento incapacitante. A aposentadoria por incapacidade permanente, por sua vez, é devida quando o segurado ficar incapacitado total e definitivamente de desenvolver qualquer atividade laborativa e for insusceptível de reabilitação para o exercício de outra atividade, adequada a sua escolaridade formal, que lhe garanta a subsistência. Nova perícia ou esclarecimentos. Considerando a condição do magistrado de destinatário da prova (artigo 370, CPC/2015), é importante frisar que “só ao juiz cabe avaliar a necessidade de nova perícia” (JTJ 142/220, 197/90, 238/222). De tal forma, compete apenas ao juiz apreciar a conveniência de realização de nova avaliação, bem como o acolhimento de quesitos complementares (artigo 470, I c/c artigo 480, CPC/2015), sendo certo que “o julgamento antecipado da lide tem total amparo legal, decorrente da aplicação do CPC 330, I, não se configurando afronta aos CPC 425 e 331”.(STJ, 6ª Turma, AI 45.539/MG, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 16/12/1993, decisão monocrática, DJ de 08/02/1994, grifos nossos). É importante registrar que a simples contrariedade entre as conclusões dos laudos trazidos pela parte ou pelo INSS, no processo administrativo, com as conclusões do perito judicial não é suficiente para que seja convertido o julgamento em diligência, para a produção de novo laudo. Novo laudo exige desqualificação do primeiro, seja em face de sua superficialidade ou omissão, seja em face de baixa qualidade técnica. De outra forma, jamais o processo se encerraria, pois sempre a parte descontente poderia requerer uma terceira perícia, para “desempatar”. Qualidade de segurado A qualidade de segurado se adquire com a filiação ao Regime Geral da Previdência Social – RGPS, ou seja, com o exercício de atividade remunerada. Contudo, a lei estabelece um lapso temporal denominado período de graça no qual, ainda que o segurado não esteja exercendo atividade remunerada ou efetivando recolhimentos, não perderá a qualidade de segurado, fazendo jus, portanto, a eventual benefício (artigo 15, Lei n.º 8.213/1991). Importa ressaltar que o ordinário se presume e o extraordinário se prova. Há presunção relativa de incapacidade preexistente, na hipótese de segurado que permaneceu, sem efetivar contribuições, por longos anos e que volta a contribuir pouco antes de pleitear benefício por incapacidade. Nessa hipótese, inclusive, a data indicada pela perícia pouco significa, tendo em vista que a perícia se fundamenta nos documentos trazidos pela parte interessada. Portanto, deverá, nesse caso, o segurado esclarecer a razão pela qual voltou a contribuir, após longos anos. O ônus da prova é do segurado, nesse caso. A aludida regra é decorrente da natureza do sistema previdenciário, que nada mais é que um sistema de seguro social. Caso fosse admitido o pagamento de contribuições posteriores à contingência social contra a qual visa a lei assegurar o trabalhador, como uma doença incapacitante, não haveria mais previdência pois o trabalhador passaria a recolher as contribuições apenas se necessitasse de um benefício. Sob esta ótica, o sistema deixaria de ser mutualista e solidário e passaria a ter caráter estritamente individual, já que o trabalhador deixaria de contribuir para todo o sistema, isto é, para o pagamento de todos os benefícios a serem concedidos pelo regime previdenciário, fraudando a concepção “securitária” do sistema. Carência Em regra, para os benefícios por incapacidade a carência corresponde a 12 (doze) contribuições mensais, salvo se a incapacidade for decorrente de acidente de qualquer natureza e causa; de acidente do trabalho ou doença ocupacional ou ainda se tiver origem em doenças graves, previstas na legislação, que dispensam a carência: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (AIDS), contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada e hepatopatia grave. Referido rol, conforme a jurisprudência majoritária, é meramente exemplificativo. Todavia, a doença deverá ser comprovadamente grave, para que haja a dispensa da carência. Caso concreto No presente caso, o autor nasceu em 27/02/1964, cursou o ensino fundamental incompleto e desempenhou atividade laboral na função de pedreiro. A perícia médica oftalmológica concluiu que a patologia (cegueira legal do olho direito) que acomete o autor não o incapacita para o exercício de suas atividades habituais. Destaco trechos do laudo pericial: “(...) ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Os documentos acostados ao processo não são esclarecedores com relação a origem da cegueira do olho direito. Consta dos arquivos de provas prescrição de óculos de 10/2/17 com acuidade visual do olho D de 20/60 (69% capacidade) (pg. 12 evento 15). Na pg. 7, exame de Ultrassonografia Ocular de 12/12/18 relatando presença de óleo de silicone no olho direito, utilizado em cirurgias de descolamento de retina, porém, nos relatórios médicos não há essa informação ou mesmo a utilização do CID correspondente. O periciando apresenta ao exame atual: 1. Visão normal do olho esquerdo com acuidade visual de 0,8 com a melhor correção. 2. Cegueira legal do olho direito. 3. Suspeita de sequela de descolamento de retina no olho direito. 4. Hipertensão ocular. O periciando foi acometido possivelmente por descolamento de retina no olho direito com prejuízo visual há cerca de três anos segundo relata. Através do exame de biomicroscopia nota-se presença de lente intraocular nesse olho, resultado de cirurgia de facectomia (catarata) com implante de lente intraocular, associada a provável vitrectomia (sem informação nos autos). O descolamento de retina é caracterizado pela separação anatômica entre o epitélio pigmentar da retina e a retina neuro-sensorial, ficando esse espaço preenchido por líquido sub-retiniano. Esta condição pode ser causada por trauma, processo de envelhecimento, tumor ou distúrbio inflamatório, mas muitas vezes ocorre espontaneamente. A miopia pode ser um fator predisponente. O tratamento na maior parte dos casos é cirúrgico. A alteração do nervo óptico D, constatado pelo exame de fundoscopia e confirmado pelas imagens da Retinografia anexada ao laudo pericial (anexo), pode estar relacionada ao aumento da pressão ocular, hoje controlada com a medicação em uso. A lesão está consolidada e é irreversível. O periciando apresenta visão normal no olho esquerdo não sendo encontradas no exame oftalmológico alterações ou patologias que pudessem interferir com a função visual desse olho, além do vício de refração corrigido com o uso dos óculos, obrigatórios por sua idade. A acuidade visual desse olho verificada no exame pericial alcança 0,8 (95%de capacidade visual) com a melhor correção. Em avaliações anteriores a acuidade visual do olho E oscilou entre 20/20 e 20/100 (100%-48% capacidade). Na realizada em 4/2/21 no Hospital Cema (pg. 11) a acuidade visual do olho E alcançou 20/25, valores concordes aos achados na perícia atual. Com a cegueira do olho direito periciando é incapaz de exercer atividades que necessitam da visão binocular. A ausência de visão de um olho traz prejuízos para a função da visão binocular a qual pode acarretar certas dificuldades em manusear objetos, porém estas dificuldades variam de indivíduo para indivíduo e cedem com o tempo. Nessa situação há déficit tanto no campo visual binocular (conjunto de imagens percebidas), como também na estereopsia (noção de profundidade). No caso da estereopsia, embora haja déficit pela falta de visão de um dos olhos, ela não depende, entretanto, exclusivamente da presença de visão dos dois olhos, pois é também composta pelas informações recebidas, por exemplo, pelo tamanho aparente dos objetos (os pequenos situam-se mais distantes, os maiores, mais próximos), pela sobreposição de contornos (os mais próximos se sobrepõem aos mais distantes), etc.Com a ausência de visão de um dos olhos é necessária uma readaptação sensorial, que ocorre com o tempo. Como apresenta visão normal no olho esquerdo o periciando é capaz de exercer atividades profissionais, inclusive sua atividade habitual. Contribuinte individual, declara atividade habitual de pedreiro, atividade que não necessita da visão binocular podendo ser exercida com visão monocular e com a visão atual do periciando. A visão binocular proporciona principalmente a noção de distância, profundidade e perspectiva (estereopsia) sendo importante em profissões que envolvam segurança no trabalho para a própria pessoa e/ou usuários desse trabalho como aviadores, motorista profissionais, ou trabalhadores em área de segurança. Diante desse quadro, de cegueira de um olho e visão normal do outro, não ficou caracterizada incapacidade para sua atividade habitual. COM BASE NOS ELEMENTOS E FATOS EXPOSTOS E ANALISADOS, CONCLUI-SE Não caracterizada situação de incapacidade laborativa atual. O periciando é capaz de exercer atividades profissionais que lhe garanta sua subsistência. (...)”. Em que pese a conclusão do laudo pericial, verifico que o perito afirma que há restrição para o desempenho de atividades que necessitam de noção de distância, profundidade e perspectiva, de modo que resta caracterizada ao menos a incapacidade parcial e permanente para o trabalho. Conforme se depreende da Súmula nº 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.”. Da análise detida dos autos virtuais, observo que o autor conta com 58 (cinquenta e oito) anos de idade, possui baixa escolaridade e limitada experiência profissional (borracheiro e pedreiro – Id. 225771270). Ademais, entendo que as limitações impostas pela visão monocular são incompatíveis com a atividade habitual de pedreiro, uma vez que a perda da noção de distância, profundidade e perspectiva traz riscos à segurança do autor e de terceiros no ambiente de trabalho. Deste modo, considerando as condições pessoais e sociais do segurado, bem como o fato de ser portador de patologia que restringe sua capacidade laboral em caráter permanente, entendo que dificilmente conseguirá ser reabilitado ou retornará ao mercado de trabalho, sendo o caso de conceder o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente. Os dados do CNIS acostados aos autos demonstram que o autor verteu contribuições como segurado facultativo no período de 01/04/2010 a 31/01/2021, restando preenchidos os demais requisitos (Id. 225771395). Tendo em vista que somente após a análise do laudo pericial e das condições pessoais e sociais do segurado restou efetivamente comprovada a incapacidade laboral, fixo a data de início do benefício na data do ajuizamento da presente ação (23/02/2021). Ante o exposto, dou provimento ao recurso da parte autora para conceder o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente desde 23/02/2021. Sem condenação em custas e honorários. Por ocasião da liquidação do julgado, observar-se-á o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal (Resolução n. º 134 do Conselho da Justiça Federal), em sua versão mais recente. Deverão ser descontados os valores eventualmente recebidos na esfera administrativa ou provenientes de benefícios inacumuláveis, incluindo mensalidades de recuperação. Diante do caráter alimentar do benefício, defiro a tutela de urgência e determino que o INSS seja oficiado para implantar o benefício em favor da parte autora, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS E DEMAIS ELEMENTOS NOS AUTOS FAVORÁVEIS A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR INACAPACIDADE PERMANENTE. RECURSO PROVIDO.