APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0017803-48.2016.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: ITAU CORRETORA DE SEGUROS S.A.
Advogados do(a) APELANTE: SIDNEY KAWAMURA LONGO - SP221483-A, LUIS EDUARDO PEREIRA ALMADA NEDER - SP234718-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0017803-48.2016.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: ITAU CORRETORA DE SEGUROS S.A. Advogados do(a) APELANTE: SIDNEY KAWAMURA LONGO - SP221483-A, LUIS EDUARDO PEREIRA ALMADA NEDER - SP234718-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação à sentença de improcedência de ação ajuizada para anular o PA 16327.001652/2004-51, relativo à cobrança de IRPJ/CSL e PIS/COFINS sobre usufruto oneroso de cotas societárias e ações, fixada verba honorária de R$ 16.578,92. Alegou-se que: (1) a autuação é ilegal, pois utilizou de analogia para instituir exigência tributária, na medida em que considerou contratos firmados como cessão de usufruto e, a partir, daí, concluiu que o preço auferido deveria receber tratamento de rendimento de aluguel, em patente violação ao artigo 108 do CTN; (2) há custo, relativo aos juros sobre capital próprio e dividendos não percebidos, a ser confrontado com o valor recebido pela concessão do direito, pelo que descabido o trato da hipótese como aluguel; (3) o Fisco deveria aguardar o término da vigência do contrato, para realizar tal confronto e, a partir daí, aferir se houve, efetivamente, fato gerador, referente ao eventual acréscimo patrimonial; (4) conforme parecer técnico encartado aos autos, quando da celebração dos negócios, não havia valor líquido e certo de ganho ou perda, resultado que apenas foi conhecido ao termo dos contratos; (5) a analogia utilizada na autuação fiscal gerou tributação sobre o que não configura acréscimo patrimonial, violando o artigo 43, CTN, e ainda com adoção do regime de caixa, em ofensa à Lei 6.404/1976, que prevê regime de competência; (6) usufruto e locação são institutos diversos e em situação análoga o CARF cancelou lançamento precisamente pelo trato indistinto de seus efeitos pelo Fisco; (7) o ato praticado foi de constituição de usufruto, e não cessão, como apontado na autuação, pois apenas o usufrutuário detém prerrogativa de ceder exercício de usufruto (artigo 1.393, CC), que, obviamente, necessitaria ser constituído, de antemão; (8) o Parecer Normativo Cosit 04/1995 aponta que são considerados alugueres valores recebidos a título de cessão do exercício de usufruto; (9) o caso retrata situação típica de investimento, devidamente contabilizada pelo método de equivalência patrimonial, conforme prevê o artigo 248 da Lei 6.404/1976; (10) a exigência de PIS/COFINS sobre contrato de usufruto é indevida, vez que tais contribuições incidem apenas sobre receitas advindas da atividade típica da empresa, e não sobre qualquer entrada financeira; (11) não é facultado ao CARF refazer lançamento, como houve, pois a retificação do lançamento cabe à autoridade competente e dentro do prazo decadencial, conforme artigos 142 e 149, CTN; e (12) a aplicação do regime de caixa pela autuação configura vício material de correção inviável pela autoridade julgadora, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Houve contrarrazões. Foi concedido efeito suspensivo à apelação pela relatora originária (SuspApel 5010164-50.2019.4.03.0000). É o relatório.
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0017803-48.2016.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: ITAU CORRETORA DE SEGUROS S.A. Advogados do(a) APELANTE: SIDNEY KAWAMURA LONGO - SP221483-A, LUIS EDUARDO PEREIRA ALMADA NEDER - SP234718-A V O T O Senhores Desembargadores, esta Turma concedeu, no AI 0015881-36.2016.4.03.0000, antecipação de tutela para suspensão de exigibilidade do crédito, considerando que houve lançamento segundo regime de caixa em detrimento do regime de competência, conforme acórdão assim ementado: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. USUFRUTO DE AÇÕES. TRIBUTAÇÃO. RECEITA OPERACIONAL. AUTO DE INFRAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DE REGIME CONTÁBIL. LUCRO REAL. APROPRIAÇÃO POR COMPETÊNCIA. 1. Identificados como receita operacional os valores recebidos pela agravante, em contraprestação à constituição de usufruto oneroso de quotas societárias, sua apropriação e oferecimento à tributação - em se tratando de pessoa sujeita à apuração de lucro real - deveria ocorrer segundo o regime de competência. 2. A autoridade fiscal lançou os débitos identificados pelo regime de caixa, tomando por base o ano de assinatura dos contratos de usufruto e o recebimento em antemão dos valores. Ao que se conclui, em cognição proemial, própria do recurso em exame, da causa de pedir e acervo probatório, houve erro na identificação do momento da ocorrência dos fatos geradores da exação, o que, naturalmente, refletiu na base de cálculo pertinente. Nesta linha, tem-se por relevante, neste momento, para fim suspensão de exigibilidade dos créditos tributários em discussão, a alegação de ilegalidade do auto de infração. 3. Presente, de outra parte, o periculum in mora - ante à magnitude do valor atualizado da dívida, da qual notificado o contribuinte, já em julho, para pagamento, sob pena de inscrição dos valores em dívida ativa e inclusão da empresa no CADIN-, revela-se cabível, por ora, a título de cautelaridade e para preservação da eficácia de eventual provimento do feito de origem, a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários objeto da lide de origem. 4. Agravo de instrumento provido." Ressaltou-se no julgamento que à empresa Corcon Part. Administração e Participações Ltda. (incorporada pelo Itaú), tributada pelo lucro real, aplica-se, por disposição legal (artigo 177 da Lei 6.404/1976; artigo 7º do Decreto-Lei 1.598/1977; artigo 41 da Lei 8.981/1995; e artigo 251 do Decreto 3.000/1999), o regime de competência, segundo o qual há “fato gerador quando da apropriação contábil da receita (neste momento configurando renda, para fins do artigo 43 do CTN), o que ocorre no período a que se refere a transação, independentemente de seu efetivo pagamento. Deste modo, tem-se que, a princípio, tidos por receitas operacionais os valores recebidos quando firmados os instrumentos de constituição de usufruto oneroso, sua apropriação ocorreria mensalmente, durante a vigência dos negócios jurídicos (já que os direitos e deveres contrapostos estendem-se no tempo), e em valor proporcional. Nesta linha, tem-se por relevante, neste momento, para fim de suspensão de exigibilidade dos créditos tributários em discussão, a alegação de que a autoridade fiscal incorreu em ilegalidade, ao efetuar os lançamentos tomando o momento de ocorrência do fato gerador pela assinatura dos contratos e recebimento do pagamento, em regime de caixa”. No caso, houve tributação por cessão contratual de usufruto oneroso de cotas e ações, conforme artigos 40 e 205 da Lei 6.404/1976, passando o usufrutuário a receber os dividendos e juros sobre capital próprio. Em contrapartida, o cedente perceberia remuneração pelo período de vigência do contrato. A autoridade fiscal, rejeitando tese de ganho e perda de capital, pressupondo alienação de bem ou ativo permanente, tributou a remuneração percebida pelo nu-proprietário (IRPJ/CSL e PIS/COFINS), apontando sujeição do caso ao tratamento aplicável ao aluguel de ativos (receitas operacionais do contribuinte), sem adoção da analogia, mas a partir de fundamentação per relationem. Concluiu o Fisco que, para efeitos tributários, ambas as modalidades contratuais caracterizam-se pela remuneração em contrapartida ao fato de ser transmitido, por determinado período, certo direito e, assim, a tributação dos valores percebidos a título de usufruto, que não podem ser confundidos com investimentos (pois inexistente relação de investidor e investida entre as partes, como previsto na Lei 6.404/1976, mas mera relação contratual eventual), acaba por seguir o mesmo regramento daquela referente a aluguéis. Interposto recurso voluntário à Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF (ID 81351420, f. 13850), acolheu-se a tese de erro na adoção do regime de caixa, procedendo-se à revisão do lançamento segundo o regime de competência, com o que se manteve, pelas seguintes razões, o auto de infração (ID 81351420, f. 165): “[...] Desta feita, verifica-se que os valores recebidos a título de cessão do usufruto oneroso são caracterizados como receitas auferidas pela Contribuinte e, portanto, passível de tributação. Contudo, deve-se observar no caso, a apropriação da receita auferida de acordo com o regime de competência, ou seja, com a observância do regime "pro rata", levando-se em conta a fluência do prazo contratual do usufruto. Isto porque o regime de competência é aquele que prevê que os resultados (receitas, custos e despesas) devem ser reconhecidos por ocasião de sua realização, independentemente de sua efetiva realização em moeda (regime de caixa). Essa é a forma que a ciência contábil escolheu para que as empresas apurem os seus resultados, dando o norte para que sejam registradas as receitas quando efetivamente ocorrerem os fatos suficientes e capazes de considerá-las como "ganho". Em conseqüência, deve-se também proceder ao reconhecimento dos custos e despesas correspondentes às receitas. Diante do exposto, acolho a preliminar no tocante a ocorrência da decadência e no mérito "dou parcial provimento ao recurso, para excluir da exigência os rendimentos auferidos pelo usufruto das ações relativos ao item em que houve rateio de despesas, considerando para tanto, a aplicação do regime de competência no sistema 'pro rata' [...]” O recurso especial interposto na via administrativa foi desprovido. A sentença, apesar de bem fixar, no caso, as premissas da incidência tributária, diferenciando usufruto de locação, e respectivos efeitos tributários, contrariou jurisprudência da Turma quanto à possibilidade de revisão do lançamento pelo órgão recursal administrativo. De fato, o colegiado já enfrentou a questão, quando assentou entendimento de que o usufruto oneroso de cotas e ações assemelha-se à locação de ativos, podendo ser tributada a remuneração auferida pelo cedente, pois as circunstâncias jurídicas reclamam idêntico tratamento tributário. Reconheceu, porém, a impossibilidade do CARF proceder à revisão do lançamento, uma vez constatado erro de direito na adoção dos critérios jurídicos relativos ao regime de tributação aplicável ao contribuinte. Pela clareza dos fundamentos jurídicos, reproduz-se a ementa do acórdão (grifos nossos): Ap 0008421-70.2012.4.03.6100, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, e-DJF3 15/12/2017: “DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO DE APELAÇÃO. CONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DE USUFRUTO ONEROSO DE AÇÕES. TRIBUTAÇÃO. REGIME FISCAL DE GANHO DE CAPITAL. IMPOSSIBILIDADE. AUTUAÇÃO. EQUIPARÁVEL AO REGIME DE LOCAÇÃO DE AÇÕES. POSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA. REGIME DE CAIXA E REGIME DE COMPETÊNCIA. ANULAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO. ERRO DE DIREITO. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. 1 - Os princípios da livre admissibilidade da prova e da persuasão racional, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil/1973, autorizam o julgador a determinar as provas que entende necessárias à solução da controvérsia, bem assim a indeferir aquelas que considerar desnecessárias ou meramente protelatórias. 2 - É certo que o Método da Equivalência Patrimonial, previsto no artigo 248 da Lei nº 6.404/1976 e aceito pelo Fisco conforme os artigos 384 a 391 do RIR/99, cuja aplicação é defendida pelo apelante, acompanha o fato econômico, que é a geração dos resultados, baseando-se, em suma, no conceito de que os resultados e quaisquer variações patrimoniais de uma controlada ou coligada devem ser reconhecidos no momento de sua geração e que a adoção de tal método eliminaria distorções. No entanto, a discussão dos autos não se refere aos critérios contábeis adotados para a avaliação de investimentos, nem trata da aplicação ou não do método da equivalência patrimonial, tampouco se discute seus reflexos e diferenças provocadas no cálculo dos lucros, do patrimônio ou no valor de ações e reservas para distribuição. 3 - O mérito da lide consiste, em síntese, na discussão quanto a natureza jurídica da remuneração recebida, pelo proprietário, a título de instituição contratual de usufruto oneroso de ações e cotas, se tais valores recebidos do usufrutuário seriam equivalentes a ganho de capital ou a aluguel de ativos, para fins de tributação, e a consequência se a autuação incorresse em erro no regime dessa tributação, sendo que tais matérias são exclusivamente de direito, não demandando, portanto, perícia técnica. 4 - Inicialmente, convém destacar que, em suma, a propriedade é composta pelos direitos de usar (jus utendi), gozar ou fruir (jus fruendi), dispor (jus abutendi ou disponendi) e reaver (rei vindicato), nos termos do artigo 1.228, do Código Civil. 5 - Para se identificar a natureza jurídica das situações ora discutidas, cabe analisar seus conceitos à época dos fatos, disciplinados, portanto, pelo Código Civil/1916: Art. 713. Constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade; Art. 714. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades; (...) Art. 717. O usufruto só se pode transferir, por alienação ao proprietário da coisa; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso; Art. 718. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos. 6 - Cabe esclarecer que o caso dos autos não importa em exigir tributo não previsto em lei, pois o proprietário das ações auferiu receita/renda que deve ser tributada, conforme prevê a legislação. O usufruto oneroso, tal como a cessão onerosa temporária, assemelha-se ao instituto da locação, previsto no art. 1.188, do Código Civil de 1916, vigente à época.(...) 8 - Ao se compulsar os autos, constata-se que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, proferiu o entendimento segundo o qual, em operações de constituição de usufruto de ações, o valor recebido pela constituição do usufruto deve ser considerado como receita operacional para fins de incidência de Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas ("IRPJ"), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ("CSLL"), contribuição ao Programa de Integração Social ("PIS"), e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social ("Cofins"), sendo apropriada pelo regime de competência e considerando como despesas os frutos que seriam gerados pelas ações no período do contrato. Dessa forma, o Contribuinte não teria reconhecido receitas com a constituição do usufruto, e, consequentemente deixou de oferecer esse ganho à tributação. Os valores recebidos pelo contribuinte teriam sido creditados em seu ativo, e não em seu resultado. 9 - O próprio CARF, quando proferiu sua decisão (acórdão administrativo nº 9101-01.140) reconheceu que se deveria aplicar o regime de competência no reconhecimento das receitas decorrentes do usufruto instituído, conforme artigos 177 e 187, §1º, da Lei nº 6.404/1976 e art. 9º da Resolução CFC nº 750/1993 e autorizou a revisão do lançamento. Todavia, a revisão do lançamento tributário por erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos) revela-se impossível, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no art. 146 do CTN, segundo o qual "a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução". No mesmo sentido, a Súmula 227/TFR consolidou o entendimento de que "a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento ". 10 - Em recente decisão, a Segunda Turma do STJ proferiu o seguinte entendimento: "A revisão do lançamento tributário, como consectário do poder-dever de autotutela da Administração, somente pode ser exercido nas hipóteses do art. 149 do CTN, observado o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário. Assim, a revisão do lançamento tributário por erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos) revela-se impossível, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no art. 146 do CTN". (AgRg no REsp 1506189/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 01/10/2015, DJe 09/10/2015). 11 - Quanto ao assunto, convém também destacar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no regime dos recursos repetitivos, verbis: "PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO E PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. IPTU. RETIFICAÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS DO IMÓVEL. FATO NÃO CONHECIDO POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO ANTERIOR (DIFERENÇA DA METRAGEM DO IMÓVEL CONSTANTE DO CADASTRO). RECADASTRAMENTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REVISÃO DO LANÇAMENTO. POSSIBILIDADE. ERRO DE FATO. CARACTERIZAÇÃO.1. A retificação de dados cadastrais do imóvel, após a constituição do crédito tributário, autoriza a revisão do lançamento pela autoridade administrativa (desde que não extinto o direito potestativo da Fazenda Pública pelo decurso do prazo decadencial), quando decorrer da apreciação de fato não conhecido por ocasião do lançamento anterior, ex vi do disposto no artigo 149, inciso VIII, do CTN. 2. O ato administrativo do lançamento tributário, devidamente notificado ao contribuinte, somente pode ser revisto nas hipóteses enumeradas no artigo 145, do CTN, verbis: "Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I - impugnação do sujeito passivo; II - recurso de ofício; III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149." 3. O artigo 149, do Codex Tributário, elenca os casos em que se revela possível a revisão de ofício do lançamento tributário, quais sejam: "Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública." 4. Destarte, a revisão do lançamento tributário, como consectário do poder-dever de autotutela da Administração Tributária, somente pode ser exercido nas hipóteses do artigo 149, do CTN, observado o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário. 5. Assim é que a revisão do lançamento tributário por erro de fato (artigo 149, inciso VIII, do CTN) reclama o desconhecimento de sua existência ou a impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito tributário. 6. Ao revés, nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no artigo 146, do CTN, segundo o qual "a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução". 7. Nesse segmento, é que a Súmula 227/TFR consolidou o entendimento de que "a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento". 8. A distinção entre o "erro de fato" (que autoriza a revisão do lançamento) e o "erro de direito" (hipótese que inviabiliza a revisão) é enfrentada pela doutrina, verbis: "Enquanto o 'erro de fato' é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o 'erro de direito' é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta. Assim constitui 'erro de fato', por exemplo, a contingência de o evento ter ocorrido no território do Município 'X', mas estar consignado como tendo acontecido no Município 'Y' (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda, quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo). 'Erro de direito', por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda, quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é sutil, mas incisiva." (Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário - Linguagem e Método", 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, págs. 445/446) "O erro de fato ou erro sobre o fato dar-se-ia no plano dos acontecimentos: dar por ocorrido o que não ocorreu. Valorar fato diverso daquele implicado na controvérsia ou no tema sob inspeção. O erro de direito seria, à sua vez, decorrente da escolha equivocada de um módulo normativo inservível ou não mais aplicável à regência da questão que estivesse sendo juridicamente considerada. Entre nós, os critérios jurídicos (art. 146, do CTN) reiteradamente aplicados pela Administração na feitura de lançamentos têm conteúdo de precedente obrigatório. Significa que tais critérios podem ser alterados em razão de decisão judicial ou administrativa, mas a aplicação dos novos critérios somente pode dar-se em relação aos fatos geradores posteriores à alteração." (Sacha Calmon Navarro Coêlho, in "Curso de Direito Tributário Brasileiro", 10ª Ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2009, pág. 708) "O comando dispõe sobre a apreciação de fato não conhecido ou não provado à época do lançamento anterior. Diz-se que este lançamento teria sido perpetrado com erro de fato, ou seja, defeito que não depende de interpretação normativa para sua verificação. Frise-se que não se trata de qualquer 'fato', mas aquele que não foi considerado por puro desconhecimento de sua existência. Não é, portanto, aquele fato, já de conhecimento do Fisco, em sua inteireza, e, por reputá-lo despido de relevância, tenha-o deixado de lado, no momento do lançamento. Se o Fisco passa, em momento ulterior, a dar a um fato conhecido uma 'relevância jurídica', a qual não lhe havia dado, em momento pretérito, não será caso de apreciação de fato novo, mas de pura modificação do critério jurídico adotado no lançamento anterior, com fulcro no artigo 146, do CTN, (...). Neste art. 146, do CTN, prevê-se um 'erro' de valoração jurídica do fato (o tal 'erro de direito'), que impõe a modificação quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua ocorrência. Não perca de vista, aliás, que inexiste previsão de erro de direito, entre as hipóteses do art. 149, como causa permissiva de revisão de lançamento anterior." (Eduardo Sabbag, in "Manual de Direito Tributário", 1ª ed., Ed. Saraiva, pág. 707). (...) 10. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do artigo543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (STJ. REsp 1130545/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 09/08/2010, DJe 22/02/2011). 12 - No caso vertente, verifica-se que o lançamento original, ao apurar a renda tributável, observou o "regime de caixa", o que ensejou a posterior retificação, pela própria Câmara Superior de Recursos Fiscais, posto se tratar da hipótese de se aplicar o "regime de competência" nos termos do artigo 177, da Lei nº 6.404/1976, hipótese que não se enquadra nos incisos do artigo 149, do Codex Tributário, razão pela qual se impõe a reforma da decisão, ante a impossibilidade da revisão do lançamento tributário nos casos de erro no critério jurídico, em homenagem aos princípios da legalidade e da segurança jurídica. 13 - Recurso de Apelação parcialmente acolhido.” Assim, o lançamento tributário, que utiliza regime de caixa para apurar IRPJ/CSL e PIS/COFINS sobre rendimento operacional de pessoa tributada pelo lucro real, incorre em evidente equívoco na interpretação e aplicação de regras jurídicas que tratam da contabilidade e constituição do fato gerador, o que influi decisivamente na regra-matriz de incidência dos tributos exigidos. Não há, pois, subsunção da espécie à previsão legal do artigo 149, VIII, CTN, que diz com a possibilidade de lançamento ou revisão de ofício, por erro de fato, nas hipóteses específicas de fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior. Neste sentido, aliás, a jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça: AgInt no REsp 1.919.181, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 18/08/2021: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. ITCMD. REVISÃO DE LANÇAMENTO. PRESENÇA DE ERRO DE FATO. JUÍZO FIRMADO NOS FATOS E PROVAS DOS AUTOS. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. Não há falar em violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, quando o órgão julgador se manifesta expressamente sobre a questão, de forma fundamentada, apenas firmando conclusão diversa da tese defendida pela parte. No caso, a Corte de origem prestou a tutela jurisdicional por meio de fundamentação jurídica clara, específica e condizente para a resolução do conflito de interesses apresentado pelas partes, havendo pertinência entre os fundamentos e a conclusão do que decidido. A aplicação do direito ao caso, ainda que por solução jurídica diversa da pretendida por um dos litigantes, não induz negativa ou ausência de prestação jurisdicional. 2. O firme entendimento desta Corte Superior é no sentido de que erro de direito ou a alteração de critério jurídico não autoriza a revisão do lançamento, mantendo-se o vigor do enunciado sumular n. 227, do extinto TFR, que assim dispõe: "A mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento". Ocorre, contudo, que a Corte de origem firmou o cabimento da revisão do lançamento, por configurado erro de fato. 3. Inviável, no âmbito do recurso especial, a revisão da conclusão do Tribunal de origem (cabimento da revisão do lançamento, por erro de fato) no sentido da tese recursal (o caso se trataria de hipótese de alteração de critério jurídico), uma vez que, com lastro nos elementos fáticos do autos, o órgão julgador firmou que a contribuinte declarou valor defasado das quotas sociais doadas para o recolhimento do ITCMD, o qual não refletia, de forma condizente, o valor real de mercado, considerando o porte da empresa posteriormente verificado. Aplicação da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido.” (g.n.) Como observado, o entendimento tem lastro na vetusta Súmula 227/TFR, que assentava que "a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento". Registre-se que as alegações veiculadas pela Fazenda Nacional em memoriais e sustentação oral não infirmam o entendimento acima. Com efeito, a previsão do artigo 145, I, CTN ("O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:(...)I - impugnação do sujeito passivo") não pode ser interpretada em deliberada colisão com o que prevê o artigo imediatamente seguinte, no que veda a aplicação retroativa de modificação introduzida por decisão administrativa nos critérios jurídicos das autoridade administrativa para efetivação do lançamento. Dito de outro modo: o inciso I do artigo 145 do CTN refere-se a decotes do crédito tributário sem alteração de critérios jurídicos, o que não se coaduna com o expediente que adapta o lançamento para, em vez de anular a autuação, preservar parte da dívida. De outra parte, a ilação de que o CARF poderia corrigir defeitos do lançamento, sob a arguição de que “quem pode o mais (anular), pode o menos (rever)" é desprovida de base jurídica expressa e apta a determinar a subsunção do caso à tese invocada. Perceba-se que, na espécie, a relação é inversa: adentrar à competência do lançamento para modificar seus parâmetros, de modo retroativo, para manter a dívida tributária é mais do que meramente decidir se a autoridade administrativa atendeu ou não à legislação aplicável ao fato gerador identificado. Nem se diga que não se trata de erro de direito, dado que o precedente repetitivo do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema é esclarecedor sobre o ponto: REsp 1.130.545, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 22/02/2011: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO E PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. IPTU. RETIFICAÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS DO IMÓVEL. FATO NÃO CONHECIDO POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO ANTERIOR (DIFERENÇA DA METRAGEM DO IMÓVEL CONSTANTE DO CADASTRO).RECADASTRAMENTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REVISÃO DO LANÇAMENTO. POSSIBILIDADE. ERRO DE FATO. CARACTERIZAÇÃO. (...) 5. Assim é que a revisão do lançamento tributário por erro de fato (artigo 149, inciso VIII, do CTN) reclama o desconhecimento de sua existência ou a impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito tributário. 6. Ao revés, nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no artigo 146, do CTN, segundo o qual "a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução". 7. Nesse segmento, é que a Súmula 227/TFR consolidou o entendimento de que "a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento". 8. A distinção entre o "erro de fato" (que autoriza a revisão do lançamento) e o "erro de direito" (hipótese que inviabiliza a revisão) é enfrentada pela doutrina, verbis: "Enquanto o 'erro de fato' é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o 'erro de direito' é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta. Assim constitui 'erro de fato', por exemplo, a contingência de o evento ter ocorrido no território do Município 'X', mas estar consignado como tendo acontecido no Município 'Y' (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda, quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo). 'Erro de direito', por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda, quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é sutil, mas incisiva." (Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário - Linguagem e Método", 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, págs. 445/446) "O erro de fato ou erro sobre o fato dar-se-ia no plano dos acontecimentos: dar por ocorrido o que não ocorreu. Valorar fato diverso daquele implicado na controvérsia ou no tema sob inspeção. O erro de direito seria, à sua vez, decorrente da escolha equivocada de um módulo normativo inservível ou não mais aplicável à regência da questão que estivesse sendo juridicamente considerada. Entre nós, os critérios jurídicos (art. 146, do CTN) reiteradamente aplicados pela Administração na feitura de lançamentos têm conteúdo de precedente obrigatório. Significa que tais critérios podem ser alterados em razão de decisão judicial ou administrativa, mas a aplicação dos novos critérios somente pode dar-se em relação aos fatos geradores posteriores à alteração." (Sacha Calmon Navarro Coêlho, in "Curso de Direito Tributário Brasileiro", 10ª Ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2009, pág. 708) "O comando dispõe sobre a apreciação de fato não conhecido ou não provado à época do lançamento anterior. Diz-se que este lançamento teria sido perpetrado com erro de fato, ou seja, defeito que não depende de interpretação normativa para sua verificação. Frise-se que não se trata de qualquer 'fato', mas aquele que não foi considerado por puro desconhecimento de sua existência. Não é, portanto, aquele fato, já de conhecimento do Fisco, em sua inteireza, e, por reputá-lo despido de relevância, tenha-o deixado de lado, no momento do lançamento. Se o Fisco passa, em momento ulterior, a dar a um fato conhecido uma 'relevância jurídica', a qual não lhe havia dado, em momento pretérito, não será caso de apreciação de fato novo, mas de pura modificação do critério jurídico adotado no lançamento anterior, com fulcro no artigo 146, do CTN, (...). Neste art. 146, do CTN, prevê-se um 'erro' de valoração jurídica do fato (o tal 'erro de direito'), que impõe a modificação quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua ocorrência. Não perca de vista, aliás, que inexiste previsão de erro de direito, entre as hipóteses do art. 149, como causa permissiva de revisão de lançamento anterior." (Eduardo Sabbag, in "Manual de Direito Tributário", 1ª ed., Ed. Saraiva, pág. 707)(...) 10. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. Nesta linha, o precedente de minha lavra citado pelo órgão fazendário (AC 0020813-81.2008.4.03.6100) versava sobre caso de lançamento de IRPJ que havia desconsiderado estimativas pagas, típico erro de fato, pois, como salientado à ocasião, "a qualificação jurídica do fato essencial ao lançamento é que não pode ser modificada". Perceba-se, no cotejo das hipóteses, a diferença entre erro no cálculo do critério quantitativo da hipótese de incidência, de um lado, e equívoco na definição da norma jurídica determinante de base de cálculo, quanto à respectiva aplicação e conteúdo prescritivo, de outro lado. Em esclarecimento a este ponto, o artigo 41 do Decreto 7.574/2011, que regulamenta o lançamento complementar mencionado no artigo 18 do Decreto 70.235/1972, prevê: "Art. 41. Quando, em exames posteriores, diligências ou perícias realizados no curso do processo, forem verificadas incorreções, omissões ou inexatidões, de que resultem agravamento da exigência inicial, inovação ou alteração da fundamentação legal da exigência, será efetuado lançamento complementar por meio da lavratura de auto de infração complementar ou de emissão de notificação de lançamento complementar, específicos em relação à matéria modificada. § 1º O lançamento complementar será formalizado nos casos: I - em que seja aferível, a partir da descrição dos fatos e dos demais documentos produzidos na ação fiscal, que o autuante, no momento da formalização da exigência: a) apurou incorretamente a base de cálculo do crédito tributário; ou b) não incluiu na determinação do crédito tributário matéria devidamente identificada; ou II - em que forem constatados fatos novos, subtraídos ao conhecimento da autoridade lançadora quando da ação fiscal e relacionados aos fatos geradores objeto da autuação, que impliquem agravamento da exigência inicial. § 2º O auto de infração ou a notificação de lançamento de que trata o caput terá o objetivo de: I - complementar o lançamento original; ou II - substituir, total ou parcialmente, o lançamento original nos casos em que a apuração do quantum devido, em face da legislação tributária aplicável, não puder ser efetuada sem a inclusão da matéria anteriormente lançada. § 3º Será concedido prazo de trinta dias, contados da data da ciência da intimação da exigência complementar, para a apresentação de impugnação apenas no concernente à matéria modificada. § 4º O auto de infração ou a notificação de lançamento de que trata o caput devem ser objeto do mesmo processo em que for tratado o auto de infração ou a notificação de lançamento complementados. § 5º O julgamento dos litígios instaurados no âmbito do processo referido no § 4º será objeto de um único acórdão." Note-se que, ainda que se arguisse, por elucubração, que o caso de equívoco sobre regime de tributação poderia ser enquadrado no § 1º, I, a, acima (em que pese descrever casos como o tratado na AC 0020813-81.2008.4.03.6100), não se concluiria pela possibilidade do CARF modificar o lançamento, e sim pela necessidade de formalização de lançamento complementar pela autoridade fiscal, inclusive com devolução de prazo, como, de resto, prevê expressamente o próprio artigo 18 do Decreto 70.235/1972. Finalmente, improcede, no caso, a arguição de que a modificação do lançamento deveria ser tolerada porque motivou benefício ao contribuinte. Registre-se que o artigo 146 do CTN não faz tal distinção, de modo que a tese ventilada pelo órgão fazendário veio apoiada em doutrina que entende o comando como garantidor de interesse do contribuinte. De todo o modo, a interpretação harmoniza-se com o disposto no artigo 59, § 3º, do Decreto 70.235/1972: "Art. 59. São nulos: I - os atos e termos lavrados por pessoa incompetente; II - os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa. § 2º Na declaração de nulidade, a autoridade dirá os atos alcançados, e determinará as providências necessárias ao prosseguimento ou solução do processo. § 3º Quando puder decidir do mérito a favor do sujeito passivo a quem aproveitaria a declaração de nulidade, a autoridade julgadora não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta." Observe-se que o § 2º detém afinidade com a estrutura do lançamento complementar, já abordada. O § 3º, por sua vez, de fato releva nulidade se o mérito pode ser resolvido a favor do contribuinte. Ora, sucede que este não foi o caso dos autos. Houvesse o CARF reconhecido nulidade do lançamento, por erro no regime de tributação aplicado, a íntegra da cobrança restaria infirmada, cenário em que caberia à autoridade fiscal promover nova autuação, respeitando prazos decadenciais próprios, reiniciando-se todo o contencioso administrativo. Ao modificar o lançamento para preservar-lhe, o CARF, ao revés, manteve dívida exigível e apta a ser cobrada de pronto. Não há sentido em cotejar valor do débito equivocadamente apurado (e indevido, de forma indiscutível) com remanescente após correção do lançamento, para arguir que houve benefício ao contribuinte em simplesmente manter, integralmente, a dívida que deveria haver sido apurada ab initio, quando a nulidade em questão, uma vez acolhida, provoca a extinção, in totum, da exigência fiscal. Trata-se, em verdade, de benefício ao Fisco, ao permitir-lhe exigir débito a despeito de causa apta a obstar, em absoluto, qualquer cobrança. Deste modo, não há como a autoridade julgadora convalidar ou retificar a ilegalidade, considerando a apuração de erro de direito, sob pena de flagrante transgressão ao devido processo tributário. Não há, pois, como subsistir o lançamento com a revisão promovida de ofício, pois incompatível com a natureza do erro constatado, resultando, assim, na nulidade do auto de infração lavrado no PA 16327.001652/2004-51 (ID 81351420, f. 89/111), anos-calendário de 1999 a 2001, por inobservância do regime legal aplicável à espécie. Reforma-se, portanto, a sentença, com a inversão dos ônus sucumbenciais nos mesmos patamares fixados na origem. Ante o exposto, dou provimento à apelação. É como voto.
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. USUFRUTO DE AÇÕES. TRIBUTAÇÃO. LOCAÇÃO. EQUIPARAÇÃO. RECEITA OPERACIONAL. AUTO DE INFRAÇÃO. REGIME DE TRIBUTAÇÃO. LUCRO REAL. APROPRIAÇÃO POR COMPETÊNCIA. ERRO DE DIREITO. REVISÃO DO LANÇAMENTO VEDADA. ARTIGO 146, CTN. NULIDADE.
1. Impugnou o contribuinte a tributação de cessão contratual de usufruto oneroso de cotas e ações, conforme artigos 40 e 205 da Lei 6.404/1976, em que passou o usufrutuário a receber dividendos e juros sobre capital próprio, e o cedente a perceber remuneração pelo período de vigência do contrato. O Fisco, rejeitando alegação de ganho e perda de capital, o que pressupõe alienação de bem ou ativo permanente, tributou remuneração percebida pelo nu-proprietário (IRPJ/CSL e PIS/COFINS), sustentando que o tratamento é idêntico ao de aluguel de ativos (receitas operacionais do contribuinte), sem aplicação analógica, mas com adoção de fundamentação per relationem. Concluiu o Fisco que, para efeitos tributários, ambas as modalidades contratuais caracterizam-se pela remuneração em contrapartida ao fato de ser transmitido, por determinado período, certo direito e, assim, a tributação dos valores percebidos a título de usufruto, que não podem ser confundidos com investimentos (pois inexistente relação de investidor e investida entre as partes, como previsto na Lei 6.404/1976, mas mera relação contratual eventual), acaba por seguir o mesmo regramento daquela referente a aluguéis.
2. Na via administrativa, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF acolheu o recurso voluntário para reconhecer erro na autuação por adoção do regime de caixa, procedendo à revisão do lançamento para adotar o regime de competência, ficando mantido, assim, o auto de infração.
3. Embora a orientação da Turma tenha sido firmada, em caso análogo, no sentido de que usufruto oneroso de cotas e ações assemelha-se à locação de ativos, cabendo incidência fiscal sobre a remuneração auferida pelo cedente, pois a identidade de circunstâncias jurídicas reclama idêntico tratamento fiscal, é certo, por igual, que se adotou entendimento de que não pode o CARF, em grau recursal, promover revisão do lançamento, uma vez constatado erro de direito na adoção do regime fiscal de incidência, quando aplicado regime de caixa em detrimento do regime de competência na tributação do sujeito passivo.
4. O lançamento tributário, que utiliza regime de caixa para apurar IRPJ/CSL e PIS/COFINS sobre rendimento operacional de pessoa tributada pelo lucro real, incorre em evidente equívoco na interpretação e aplicação de regras jurídicas que tratam da contabilidade e constituição do fato gerador, o que influi decisivamente na regra-matriz de incidência dos tributos exigidos. Não há, pois, subsunção da espécie à previsão legal do artigo 149, VIII, CTN, que diz com a possibilidade de lançamento ou revisão de ofício, por erro de fato, nas hipóteses específicas de fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior. É vetusta a jurisprudência consolidada na Súmula 227/TFR: "a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento".
5. Ainda que se entendesse que o caso seria de erro de fato, haveria que se proceder a lançamento complementar, com devolução de prazo para impugnação, reiniciando-se o contencioso administrativo (artigo 18, § 2º do Decreto 70.235/1972 e 41 do Decreto 7.574/2011), o que não ocorreu. Não há, tampouco, como arguir que o vício deveria ser tolerado porque a modificação do regime de tributação haveria motivado benefício ao contribuinte (artigo 146, CTN e 59, § 3º, do Decreto 70.235/1972) ao reduzir o valor exigido, dado que o reconhecimento da nulidade gera a insubsistência integral da cobrança no caso, de modo que a adaptação do lançamento, em verdade, beneficiou o Fisco, porém sem respaldo legal.
6. Apelação provida.