APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5018776-39.2021.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO, DIREITOR/REITOR DA UNIFESP
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: ISABELA FERNANDA MANOEL
Advogados do(a) APELADO: DANIELA APARECIDA RODRIGUEIRO - SP125526-A, GUILHERME FERNANDO CHIARATO - SP441181-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5018776-39.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO, DIREITOR/REITOR DA UNIFESP APELADO: ISABELA FERNANDA MANOEL Advogados do(a) APELADO: DANIELA APARECIDA RODRIGUEIRO - SP125526-A, GUILHERME FERNANDO CHIARATO - SP441181-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação e remessa oficial à sentença que concedeu mandado de segurança para anular inabilitação para concorrer às vagas reservadas ao Grupo 2 do vestibular de medicina da Unifesp, determinando imediato retorno e reinclusão da impetrante como aluna regular do curso de medicina. Alegou-se, em suma, que: (1) o programa de inserção étnico-racial é legal e constitucional, constituindo aplicação efetiva dos princípios constitucionais, tendo sido seguidos critérios legais para aferição das condições econômicas; (2) as instituições de ensino superior possuem autonomia para criação, organização e extinção de cursos e programas de educação superior, inclusive quanto à exigência de observância dos critérios para preenchimento de vagas; (3) a impetrante teve direito a recurso, em que prestou esclarecimento sobre o valor de empréstimo bancário, e da inconsistência entre o declarado pelo genitor e sua declaração de IRPF 2019/2020, mas não houve menção aos demais valores constantes de extratos bancários; (4) foi correta a análise dos rendimentos familiares, sendo constada renda familiar per capita superior a 1,5 salário mínimo, o que gerou cancelamento da matrícula provisória; (5) não pode ser concedido tratamento diferenciado à impetrante, vez que o administrador não possui poder discricionário para facultar a candidato a realização de matrícula sem atender os requisitos exigidos; e (6) subsidiariamente, a decisão judicial deve se limitar ao reelaboração do ato e não à imediata matrícula da impetrante, ou, ainda, que a matrícula seja condicionada ao preenchimento dos demais requisitos da modalidade para a qual a impetrante concorreu. Houve contrarrazões. O parecer ministerial foi pelo desprovimento do recurso e da remessa oficial. É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5018776-39.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO, DIREITOR/REITOR DA UNIFESP APELADO: ISABELA FERNANDA MANOEL Advogados do(a) APELADO: DANIELA APARECIDA RODRIGUEIRO - SP125526-A, GUILHERME FERNANDO CHIARATO - SP441181-A V O T O Senhores Desembargadores, o Supremo Tribunal Federal declarou em diversas ocasiões a constitucionalidade de políticas afirmativas e a possibilidade de reserva de vagas para determinadas categorias no ingresso a instituições de ensino superior. No julgamento da ADPF 186, a Corte Suprema expôs que “o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares”. Na espécie, a impetrante concorreu à vaga no curso de Medicina da UNIFESP, em lista destinada a “candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e que tenham cursado integralmente o ensino médio em escola pública”. A matrícula foi inicialmente indeferida pelas seguintes irregularidades (ID 206607323 e 206607796, f. 2/3): “Recomendado desabilitar a candidata ISABELA FERNANDA MANOEL pelos seguintes motivos: a) Conforme verificado nos extratos bancários, dos meses agosto, setembro e outubro de 2020, do pai da candidata ISABELA FERNANDA MANOEL, Sr. Luiz Otávio Manoel, o mesmo possui movimentação financeira com valores a crédito constantes e altos, principalmente na sua conta do Banco do Brasil. Esses valores somados ao que ele recebe do seu salário como assalariado, valor este depositado todo mês na sua conta do Banco Itaú, conforme extrato bancário, e somado ao salário recebido pela mãe como assalariada, ultrapassam a renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, previsto no Edital Vestibular 2021. b) O pai da candidata ISABELA FERNANDA MANOEL, Sr. Luiz Otávio Manoel, mencionou na Declaração de trabalhador assalariado não possuir a Escrituração Contábil Fiscal - ECF ou Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica entregue pelas empresas tributadas pelo SIMPLES NACIONAL (DEFIS) ou Declaração Anual do Simples Nacional do Microempreendedor Individual (DASNSIMEI porque não possui Pessoa Jurídica. Entretanto, foi verificado na Declaração de IRPF 2019/2020 que o mesmo declarou ser proprietário da empresa LUIZ OTAVIO MANOEL JAU ME - CNPJ nº 00.870.536/0001-68, que se encontra Ativa no Site da Receita Federal, nesta data. Portanto, a informação declarada pelo Sr. Luiz Otávio Manoel de não ter Pessoa Jurídica não é verídica. Não foi apresentado também movimentação financeira da empresa. c) A CTPS da candidata ISABELA FERNANDA MANOEL, anexada no SEAD item 7.1, não consta as páginas de anotações. A candidata anexou apenas a página de dados pessoais, não sendo possível averiguar se a mesma está ou não trabalhando formalmente. Mesmo que não esteja exercendo atividade formal, a candidata deve anexar as páginas de anotações de emprego mesmo que em branco no Sistema SEAD. d) A candidata ISABELA FERNANDA MANOEL menciona na item 7.5 - Declaração para Desempregados, em sua declaração própria, que não possui CTPS. No entanto, no item 7.1 ela anexou a página de dados pessoais da sua CTPS. Portanto, não é verídica essa informação.” Interposto recurso à banca avaliadora (ID 206607326), foi mantido o indeferimento pelos seguintes argumentos: “Os extratos bancários da conta do Sr. Luiz possuem valores que ultrapassam o disposto em Legislação de 1.5 salario mínimo. Esses valores vão além do empréstimo de R$ 20.000 do mês de Outubro: Conta Itaú mês 08/2020 crédito de salário (inserção de valor bruto para cálculo de R$ 3636,48) + depósito de R$ 1000 (28/08) Conta Banco do Brasil mês 08/2020 depósito de R$ 3000,00 (20/08) e R$100 (20/08) que não tem similaridade de retirada da conta itáu Sr. Luiz ou da Sra. Rosangela. Renda média mês 08/2020: R$ 7736,48 Conta Itaú mês 09/2020 crédito de salário (inserção de valor bruto para cálculo de R$ 3636,48) Conta Banco do Brasil mês 09/2020 depósito de R$ 3000,00 (21/09) e R$900 (21/09) que não tem similaridade de retirada da conta itáu Sr. Luiz ou da Sra. Rosangela. Renda média mês 09/2020: R$ 7536,48 Conta Itaú mês 10/2020 crédito de salário (inserção de valr bruto para cálculo de R$ 3636,48) Conta Banco do Brasil mês 10/2020 depósito de R$ 2000,00 (20/10) que não tem similaridade de retirada da conta itáu da Sr. Luiz ou da Sra. Rosangela. Retirado valor relativo a empréstimo. Renda média mês 08/2020: R$ 5636,48 Renda média do Sr. Luiz: R$ 7019,81 Renda média Sra. Rosangela: R$ 1336,88 Total: R$ 8.356,69 Renda per capita/4: R$ 2089,17 Cumpre salientar que era de conhecimento da impetrante que a renda bruta per capita relativa a 1,5 salários-mínimos era de R$ 1567,50 (hum mil quinhentos e sessenta e sete reais e cinquenta centavos). Assim, aplicando a regra descrita no processo de vestibular, foi procedido o cancelamento da matrícula provisória no curso de Medicina em nome da Srta. Isabela Fernanda Manoel” Verifica-se, portanto, que o indeferimento foi mantido em razão da inadequação da renda familiar, face a valores depositados não esclarecidos. Na apelação, a UNIFESP simplesmente reiterou as observações e conclusões acima transcritas para defender que a impetrante não cumpriu o requisito da renda bruta per capita de até 1,5 salários-mínimos para ingresso na cota correspondente ao grupo 2, com total de 10 das 61 vagas para o sistema de acesso reservada. Sucede, contudo, que a sentença fez análise minuciosa da prova dos autos, destacando os fundamentos que lastreiam a conclusão de que os valores apontados pela UNIFESP, para efeito de apuração de renda bruta per capita superior à prevista, não configuram receita auferida a título de salário, remuneração ou contraprestação à atividade profissional, ou rendimento patrimonial próprio e habitual, sem qualquer impugnação específica da apelante que, como registrado, apenas reiterou os apontamentos administrativos. Constou, com efeito, da sentença, não impugnada nas razões adotadas: "A parte impetrante afirma que a sua habilitação no processo seletivo foi indeferida em razão de três depósitos constantes da conta corrente de seu pai, que, considerados pela autoridade impetrada como renda, elevaram a renda per capita familiar para R$2.089,17, em patamar superior ao 1,5 salário mínimo exigido pelo edital. Nesse ponto, observo que, de acordo com as informações trazidas em ID 58440892 e corroborada pelo documento de ID 57796001, a autoridade impetrada indica como motivos para não habilitação da impetrante Isabela: a) renda per capita familiar superior a 1,5 salário mínimo em razão de depósitos constantes na conta corrente do pai da impetrante, referentes aos meses agosto, setembro e outubro de 2020; b) não apresentação de movimentação financeira de empresa (CNPJ 00.870.536/0001-68) em nome de Luis Otávio Manoel, pai da impetrante, que havia declarado "não possuir pessoa jurídica"; c) apresentação de CTPS da impetrante Isabela sem as páginas de anotações, constando apenas a página de dados pessoais; d) não veracidade da indicação, feita pela impetrante Isabela, no sentido de não possuir CTPS, haja vista ter sido anexada a página de dados pessoais do documento. Em relação à renda, a impetrante afirma que a autoridade impetrada considerou valores decorrentes de empréstimo e, em relação às demais irregularidades, sustenta ter sido sanadas e apresentou documentos. 1. Valores recebidos por Luis Otávio Manoel (pai da impetrante) na conta corrente mantida no Banco do Brasil No caso dos autos, de acordo com o que consta em ID 57796001, a autoridade impetrada rejeitou a habilitação da impetrante Isabela no critério de renda em razão de "movimentação financeira [de seu pai, Luiz Otávio] com valores a crédito constantes e altos, principalmente na sua conta do Banco do Brasil". A impetrante sustenta que tais valores decorrem de mobilização familiar para pagamento de dívida com cartão de crédito, não constituindo renda e, assim, não devendo ser contabilizados para cálculo da renda familiar per capita. Nesse ponto, observo que há verossimilhança nas alegações da parte impetrante. Consoante o próprio extrato de movimentação bancária (ID 57795833), é possível verificar que os depósitos ingressaram na conta corrente do pai da impetrante e dela saíram no mesmo dia, em virtude do pagamento de cartão de crédito. Além disso, com a inicial foi apresentada cópia de contrato de empréstimo firmado em outubro de 2020 pelo pai da impetrante com a Caixa Econômica Federal, no valor líquido de R$38.112,00 (ID 57796017). Esse empréstimo explica a origem dos R$20.000,00 recebidos na conta corrente mantida no Banco do Brasil, consoante extrato de ID 57796029, que revela que R$20.000,00 foram transferidos do montante originário do empréstimo. A par disso, observo ainda que a autoridade impetrada considerou como renda o valor efetivamente recebido na conta bancária do pai da impetrante, sem atentar-se, no entanto, à natureza das verbas recebidas. A conduta contraria o próprio edital do processo seletivo, haja vista conter previsão expressa de que "serão computados como renda: salário base, gratificações, hora extra, adicional noturno, entre outros" ao passo que "não serão computados como renda: 13º salário, férias, vale-alimentação e vale transporte" (ID 57795581). De acordo com os holerites juntados a estes autos, o vencimento do pai da impetrante era de R$1.921,77, com recebimento de valores relativos aos adicionais por tempo de serviço e horas extras (fl.01 do ID 57795826). A autoridade impetrada considerou o valor bruto constante do holerite, sem se ater às peculiaridades previstas no próprio regulamento editado pela Unifesp, que considera renda o "salário base, gratificações, hora extra e adicional noturno, entre outros". A propósito, no que concerne ao termo "entre outros", constante do documento de ID 57795581, não pode ele ser utilizado para abranger no conceito de renda qualquer valor recebido pelo indivíduo, haja vista que, por se tratar de limitação a direito, a interpretação deve ser a mais restritiva possível, de modo que deve a autoridade impetrada ao menos justificar os critérios pelos quais considerou referida verba não expressamente prevista como renda no regulamento. In casu, ao negar a habilitação da impetrante Isabela, a autoridade impetrada considerou como renda a totalidade dos vencimentos brutos de seu genitor, inclusive a verba atinente ao "adicional por tempo de serviço" por ele recebida, mas não indicada expressamente no conceito de renda previsto no documento de ID 57795581, lembrando ainda que não houve motivação expressa a respeito. Além disso, foram considerados como renda os depósitos recebidos em conta corrente, que dela saíram no mesmo dia, em pagamento de dívida com cartão de crédito. A autoridade impetrada considerou o seguinte cenário para chegar à renda per capita de R$2.098,17 e determinar a não habilitação da impetrante (ID 58440892, fl. 03): “Os extratos bancários da conta do Sr. Luiz possuem valores que ultrapassam o disposto em Legislação de 1.5 salario mínimo. Esses valores vão além do empréstimo de R$ 20.000 do mês de Outubro: Conta Itaú mês 08/2020 crédito de salário (inserção de valor bruto para cálculo de R$3636,48) + depósito de R$ 1000 (28/08) Conta Banco do Brasil mês 08/2020 depósito de R$ 3000,00 (20/08) e R$100 (20/08) que não tem similaridade de retirada da conta itáu Sr. Luiz ou da Sra. Rosangela. Renda média mês 08/2020: R$ 7736,48 Conta Itaú mês 09/2020 crédito de salário (inserção de valor bruto para cálculo de R$3636,48) Conta Banco do Brasil mês 09/2020 depósito de R$ 3000,00 (21/09) e R$900 (21/09) que não tem similaridade de retirada da conta itáu Sr. Luiz ou da Sra. Rosangela. Renda média mês 09/2020: R$ 7536,48 Conta Itaú mês 10/2020 crédito de salário (inserção de valor bruto para cálculo de R$ 3636,48) Conta Banco do Brasil mês 10/2020 depósito de R$ 2000,00 (20/10) que não tem similaridade de retirada da conta itáu da Sr. Luiz ou da Sra. Rosangela. Retirado valor relativo a empréstimo. Renda média mês 08/2020: R$ 5636,48 Renda média do Sr. Luiz: R$ 7019,81 Renda média Sra. Rosangela: R$ 1336,88 Total: R$ 8356,69 Renda per capita/4: R$ 2089,17”. Consoante já salientado, no mês de agosto o depósito recebido de R$3.000,00 entrou e saiu da conta do pai da impetrante na mesma data, em pagamento de dívida de cartão de crédito no valor de R$2.921,26 (ID 57795833, fl. 01). No mês de setembro ocorreu a mesma situação (ID 57795833, fl. 04), com o recebimento de um depósito de R$3.000,00 e outro de R$900,00, que saíram da conta corrente na mesma data em pagamento de dívida de cartão de crédito no valor de R$3.987,96. Em outubro, igualmente, o depósito recebido, no valor de R$2.000,00, saiu da conta corrente na mesma data em pagamento de dívida de cartão de crédito no valor de R$3.452,38 (ID 57795833, fl. 07). Logo, deve ser subtraído do cálculo da renda média mensal do pai da impetrante o montante relativo a tais depósitos, haja vista a verossimilhança da alegação de que decorrente de esforço familiar para quitar dívida com cartão de crédito, sem esquecer que referidos valores, claramente, não se revelam como remuneração habitual. Assim, a) a renda mensal média de agosto deve passar de R$7736,48 para R$4.736,48, com a desconsideração do deposito de R$3.000,00. b) a renda mensal média de setembro deve passar de R$7536,48 para R$3.636,48, com a desconsideração dos depósitos de R$3.000,00 e R$900,00. c) a renda mensal média de outubro deve passar de R$5636,48 para R$3.636,48, com a desconsideração do depósito de R$2.000,00. A média dos três meses, desconsiderando apenas os depósitos recebidos para pagamento do cartão de crédito, totaliza R$4.003,14. Referido valor somado à média de R$1336,88 de Rosangela Manoel, mãe da impetrante, revela a média mensal familiar de R$5.340,02, a qual, dividida por 4, para gerar a renda familiar per capita, totaliza o montante de R$1.335,00. O salário mínimo de 2020 foi fixado em R$1.045 a partir de fevereiro de 2020 (art. 2º, Lei 14.013/20). A renda média familiar per capita de 1,5 salário mínimo, condição para que a impetrante se enquadre em um dos critérios para reserva de vagas, constitui a quantia de R$1.567,50. A renda familiar per capita da impetrante é de R$1.335,00, dentro, portanto, do limite de R$1.567,50 (1,5 salário mínimo). Assim, ante o equívoco da autoridade impetrada ao formular o cálculo da renda, e tendo em vista que, desconsiderando unicamente os depósitos recebidos para pagamento de dívida com cartão de crédito, a renda familiar per capita do grupo familiar de que a impetrante faz parte se insere no limite de 1,5 salário mínimo, verifico a relevância da impetração neste ponto. (...)" A sentença abordou, ainda, outros aspectos da questão, reforçando a conclusão quanto à liquidez e certeza do direito postulado: "2. Não apresentação de movimentação financeira de empresa de CNPJ 00.870.536/0001-68 A autoridade impetrada também elencou como motivo para afastar a habilitação da impetrante a existência de empresa em nome de Luiz Otavio, seu pai. Sobre a questão, é importante, antes de tudo, fixar a finalidade da apresentação da movimentação financeira da empresa. Os rendimentos provenientes de pessoa jurídica também constituem renda e, assim, interferem no direito da impetrante à vaga reservada a pessoas com renda per capita limitada a 1,5 salário mínimo. No caso dos autos, a parte impetrante apresentou recurso administrativo no qual sustentou que seu pai jamais utilizou a empresa, que se encontra há muitos anos inativa (ID 57796013). Afirmou, ainda, que, por ser leigo na área contábil, equivocou-se ao relatar na declaração não possuir pessoa jurídica e, por isso, não possuir escrituração fiscal contábil ou declaração de imposto de renda. As alegações, novamente, gozam de verossimilhança, considerando os documentos juntados aos autos. Houve apresentação de declaração, firmada por Contador, de que a empresa se encontra em processo de baixa (ID 57796038), sendo certo que há comprovação de que o procedimento foi concluído, já que atualmente o CNPJ 00.870.536/0001-68 possui anotação de baixa "extinção por liquidação voluntária (ID 57796033). A par disso, notoriamente relevante é o documento de ID 57796044, o qual revela que a empresa não possuiu faturamento no período. Assim, considerando a documentação apresentada, a mera existência da pessoa jurídica em determinado período não se revela como fundamento hábil para excluir o direito da impetrante, haja vista que há prova cabal nos autos sobre a inexistência de faturamento e baixa do CNPJ, sem nenhum reflexo, portanto, na renda per capita do núcleo familiar. 3. CTPS da impetrante Outro motivo para a não habilitação da impetrante Isabela foi a apresentação de apenas parte de sua CTPS, ao mesmo tempo em que houve a declaração de que ela não possuía o documento. A apresentação do documento, no entanto, não é um fim em si mesmo, constituindo-se apenas como critério para demonstrar que a renda da impetrante se enquadra no limite de 1,5 salário mínimo per capita. Analisando os autos, verifica-se que a impetrante teve a CTPS digital emitida em 08.04.2021 (ID 57795822). Além disso, os documentos juntados pela própria autoridade impetrada indicam que a impetrante forneceu os dados relativos a sua CTPS digital, inclusive constando campo que revela a ausência de contratos de trabalho (ID 58440892, fl. 96). Assim, é também distante da razoabilidade exigir que a impetrante apresente “as páginas de anotações” de sua CTPS se esta foi emitida na modalidade digital e é possível verificar a ausência de contratos de trabalho (ID 58440892, fl. 96). Em movimento derradeiro, salientando que a apresentação da CTPS se destina a comprovar que a impetrante se enquadra no critério de renda per capita limitado a 1,5 salário mínimo, observo que o extrato de sua conta poupança (ID 58440892, fl. 56), aliado à ausência de contratos de trabalho (ID 58440892, fl. 96), revela que ela não aufere renda própria. O extrato da conta poupança indica movimentação bancária modesta, compatível com a idade da impetrante Isabela e as condições financeiras de sua família, mencionadas na petição inicial e comprovadas por meio dos inúmeros documentos juntados nestes autos e apresentados à autoridade impetrada na esfera administrativa." Como visto, os motivos determinantes da inaptidão foram expostos pela autoridade e, submetidos ao crivo judicial, a conclusão extraída da prova documental revela que não procedem as razões adotadas pela UNIFESP, pelos equívocos destacados na avaliação da renda bruta per capita, a partir da inclusão no cálculo de valores que não correspondem a salários, vencimentos, remuneração ou equivalentes na descrição normativa da legislação aplicada. O reconhecimento do direito líquido e certo não perpetrou violação dos ditames legais, nem quebra da isonomia ou autonomia universitária, pois a sentença demonstrou, motivadamente, que a impetrante não superou o limite de renda bruta per capita para ser admitida na cota a que concorreu para acesso à vaga destinada ao curso de Medicina. Logo, não respaldam a pretensão de reforma as normas invocadas como aplicáveis e violadas pela concessão da ordem (artigos 37, caput, 206, I, e 207, CF; 3º, I, 44, II e § 1º, 51, 53 e 54 da Lei 9.394/1996; 1º da Lei 12.711/2012; 2º, caput, da Lei 9.784/1999; 2º do Decreto 7.824/2012; 6º e 7º da Portaria Normativa MEC 18/2012). Reconhecida a ilegalidade do motivo determinante da inaptidão da impetrante, de que resultou o cancelamento da matrícula com violação a direito líquido e certo, não pode subsistir a decisão administrativa, cuja validade foi apreciada, nos limites da impugnação e da análise que o caso suscitou no âmbito universitário. Ante o exposto, nego provimento à apelação e a remessa oficial. É como voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. COTAS SOCIAIS/RACIAIS. VESTIBULAR. CRITÉRIO DE RENDA FAMILIAR. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. QUESTÃO DE LEGALIDADE. EXAME DA PROVA DOS AUTOS. RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. IMPUGNAÇÃO GENÉRICA SEM ENFRENTAMENTO DAS RAZÕES DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.
1. O Supremo Tribunal Federal declarou em diversas ocasiões a constitucionalidade de políticas afirmativas e a possibilidade de reserva de vagas para determinadas categorias no ingresso a instituições de ensino superior. No julgamento da ADPF 186, a Corte Suprema expôs que “o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares”.
2. Na espécie, a impetrante concorreu a uma vaga no curso de Medicina da UNIFESP, em lista destinada a “candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e que tenham cursado integralmente o ensino médio em escola pública”. A matrícula foi inicialmente indeferida por descumprimento da regra de limite de renda bruta per capita para admissão na cota a que concorreu a impetrante, e confirmada pela banca avaliadora no julgamento de recurso administrativo.
3. Na apelação, a UNIFESP simplesmente reiterou as observações e conclusões administrativas, reiterando que a impetrante não cumpriu o requisito da renda bruta per capita de até 1,5 salários-mínimos para ingresso na cota correspondente ao grupo 2, com total de 10 das 61 vagas para o sistema de acesso reservada. Sucede, contudo, que a sentença fez análise minuciosa da prova dos autos, destacando os fundamentos que lastreiam a conclusão de que os valores apontados pela UNIFESP, para efeito de apuração de renda bruta per capita superior à prevista, não configuram receita auferida a título de salário, remuneração ou contraprestação à atividade profissional, ou rendimento patrimonial próprio e habitual, sem qualquer impugnação específica da apelante que, como registrado, apenas reiterou os apontamentos administrativos.
4. Os motivos determinantes da inaptidão foram expostos pela autoridade e, submetidos ao crivo judicial, a conclusão extraída da prova documental revela que não procedem as razões adotadas pela UNIFESP, pelos equívocos destacados na avaliação da renda bruta per capita, a partir da inclusão no cálculo de valores que não correspondem a salários, vencimentos, remuneração ou equivalentes na descrição normativa da legislação aplicada.
5. O reconhecimento do direito líquido e certo não perpetrou violação dos ditames legais, nem quebra da isonomia ou autonomia universitária, pois a sentença demonstrou, motivadamente, que a impetrante não superou o limite de renda bruta per capita para ser admitida na cota a que concorreu para acesso à vaga destinada ao curso de Medicina. Logo, não respaldam a pretensão de reforma as normas invocadas como aplicáveis e violadas pela concessão da ordem (artigos 37, caput, 206, I, e 207, CF; 3º, I, 44, II e § 1º, 51, 53 e 54 da Lei 9.394/1996; 1º da Lei 12.711/2012; 2º, caput, da Lei 9.784/1999; 2º do Decreto 7.824/2012; 6º e 7º da Portaria Normativa MEC 18/2012).
6. Reconhecida a ilegalidade do motivo determinante da inaptidão da impetrante, de que resultou o cancelamento da matrícula com violação a direito líquido e certo, não pode subsistir a decisão administrativa, cuja validade foi apreciada, nos limites da impugnação e da análise que o caso suscitou no âmbito universitário.
7. Apelação e remessa oficial desprovidas.