APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000410-93.2020.4.03.6129
RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE
APELANTE: LOGIKA DISTRIBUIDORA DE COSMETICOS LTDA
Advogado do(a) APELANTE: MURILO VARASQUIM - PR41918
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000410-93.2020.4.03.6129 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: LOGIKA DISTRIBUIDORA DE COSMETICOS LTDA Advogado do(a) APELANTE: MURILO VARASQUIM - PR41918 PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação, interposto por LOGIKA DISTRIBUIDORA DE COSMÉTICOS LTDA., contra sentença que rejeitou liminarmente os embargos à execução fiscal, em razão da insuficiência da garantia do juízo, nos termos do art. 16, §1º, da Lei nº 6.830/1980, extinguindo o processo sem resolução de mérito, com base no art. 485, inciso IV do Código de Processo Civil. Alega a apelante, em síntese, a desnecessidade de garantia integral do juízo para oposição dos embargos à execução e, subsidiariamente, requer a restituição do prazo para oferecimento de garantia. Com contrarrazões. É o relatório.
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000410-93.2020.4.03.6129 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: LOGIKA DISTRIBUIDORA DE COSMETICOS LTDA Advogado do(a) APELANTE: MURILO VARASQUIM - PR41918 PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Consoante prevê o artigo 16, inciso I e § 1º, da Lei nº 6.830/80, é requisito de admissibilidade para o manejo dos embargos a garantia do Juízo. Com efeito, o entendimento assentado na jurisprudência é no sentido de que, uma vez efetuada a penhora, ainda que insuficiente, encontra-se presente a condição de admissibilidade dos embargos, haja vista a possibilidade de posterior reforço, senão veja: EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA. ABERTURA DE PRAZO PARA NOVOS EMBARGOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. 1. A única matéria prequestionada no acórdão recorrido foi a submissão a novos embargos à execução quando há a substituição da penhora. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido que o prazo para a apresentação dos embargos à execução inicia-se da intimação da primeira penhora, mesmo que seja insuficiente, excessiva ou ilegítima, e não da sua ampliação, redução ou substituição. 2. Precedentes: AgRg no REsp 1.191.304/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17.8.2010, DJe 3.9.2010; REsp 1.112.416/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 27.5.2009, DJe 9.9.2009; REsp 653.621/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 4.10.2005, DJ 24.10.2005. 3. Em se tratando de nova penhora, teoricamente, possível mostra-se a interposição de novos embargos, estando o conhecimento destes circunscritos a questões formais da constrição, não se admitindo, por conseguinte, reacender a discussão acerca da exigibilidade e decadência do crédito tributário. 4. Quanto aos demais dispositivos tidos por violados, verifica-se que o acórdão estadual recente-se de prequestionamento, tornando inviável a análise por esta Corte. Se o recorrente entendesse persistir algum vício no acórdão impugnado, imprescindível a alegação de violação do artigo 535 do CPC. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1364757/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 22/02/2011). Grifo meu. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. GARANTIA DO JUÍZO. REQUISITO PARA APRESENTAÇÃO DE EMBARGOS. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA PRIMEIRA SEÇÃO SOB O REGIME PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. 1. "Efetivada a penhora por oficial de justiça e dela sendo intimado o devedor, atendido estará o requisito de garantia para a oposição de embargos à execução." (REsp 758.266/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, DJ de 22/8/2005). 2. A Primeira Seção, no julgamento do REsp n. 1.127.815/SP, em 24/11/2010, Relator Ministro Luiz Fux, feito submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, reafirmou entendimento no sentido de que uma vez efetuada a penhora, ainda que insuficiente, encontra-se presente a condição de admissibilidade dos embargos à execução, haja vista a possibilidade posterior da integral garantia do juízo, mediante reforço da penhora. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1092523/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 11/02/2011). Grifo meu. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA INSUFICIENTE. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR. 1. Ambas as Turmas que integram a Primeira Seção do STJ firmaram o entendimento de que é possível o recebimento de Embargos do Devedor, ainda que insuficiente a garantia da Execução Fiscal. 2. Agravo Regimental não provido. (AgRg no Ag 1325309/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 03/02/2011). Grifo meu. Como se observa, considera a jurisprudência que não pode a insuficiência da penhora conduzir à extinção dos embargos do devedor nem tampouco impedir sua interposição, sob o fundamento da ausência de garantia, sem prejuízo, por evidente, de que sejam promovidas diligências para o reforço da penhora, em qualquer fase do processo. No caso, o valor penhorado/bloqueado de R$ 77.050,73 (setenta e sete mil, cinquenta reais e setenta e três centavos) é nitidamente inferior ao valor da dívida (R$ 10.200.000,00 – dez milhões e duzentos mil reais), o que equivale à falta de garantia e atrai a incidência da norma expressa no art. 16, §1º, da Lei nº 6.830/1980. Registre-se, ainda, que à vista da oposição dos embargos à execução fiscal, a apelante foi devidamente intimada para reforçar a garantia ou justificar a sua impossibilidade (ID 40446123); o que não restou atendido, conforme fundamentação da r. sentença. Assim, não tendo comprovado a garantia do juízo nos autos principais e sendo tal condição de admissibilidade dos embargos à execução, a r. sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito deve ser mantida. Neste sentido, a jurisprudência da Quarta Turma: PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. GARANTIA DO JUÍZO. VALOR IRRISÓRIO. ARTIGO 16 DA LEI Nº 6.830/80. APLICABILIDADE. EMBARGOS À EXECUÇÃO EXTINTO. JULGAMENTO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. O provimento recorrido encontra-se devidamente fundamentado, tendo dado à lide a solução mais consentânea possível, à vista dos elementos contidos nos autos, sendo certo, ainda, que o recurso apresentado pela apelante não trouxe nada de novo que pudesse infirmar o quanto decidido, motivo pelo qual a sentença recorrida deve ser mantida por seus próprios fundamentos. 2. O valor do débito exequendo corresponde a R$ 3.663.114,38 (três milhões, seiscentos e sessenta e três mil, cento e quatorze reais e trinta e oito centavos), sendo que o valor penhora efetivada nos autos do executivo fiscal corresponde a R$ 7.547,49 (sete mil, quinhentos e quarenta e sete reais e quarenta e nove centavos). Registre-se, ainda, que à vista da oposição dos presentes embargos à execução, a embargante foi devidamente intimada para reforçar a penhora, quedando-se, no entanto, silente. 3. Conforme entendimento jurisprudencial sedimentado, não há a necessidade de que o crédito tributário executado esteja totalmente garantido, para possibilitar a oposição de embargos à execução. No entanto, embora admissível a garantia parcial do débito para oposição dos embargos à execução, tal garantia não pode ser ínfima, irrisória, tal como ocorre na espécie, conforme alhures demonstrado. Precedentes. 4. Registre-se, por oportuno, que a adoção, pelo presente julgado, dos fundamentos externados na sentença recorrida - técnica de julgamento "per relationem" -, encontra amparo em remansosa jurisprudência das Cortes Superiores, mesmo porque não configura ofensa ao artigo 93, IX, da CF/88, que preceitua que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)". Precedentes do E. STF e do C. STJ. 5. Apelação improvida. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0001279-72.2018.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 10/05/2021, Intimação via sistema DATA: 13/05/2021). Grifo meu. Quanto ao pedido subsidiário de restituição do prazo para apresentação de garantia, igualmente improcedente, ante a verificação de preclusão temporal e consumativa para prática do ato. Ante o exposto, nego provimento à apelação, nos termos da fundamentação. É como voto.
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
DECLARAÇÃO DE VOTO
Apelação interposta por LOGIKA DISTRIBUIDORA DE COSMÉTICOS LTDA contra sentença que julgou extintos os embargos à execução fiscal, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, à falta de garantia do juízo. Alega o apelante violação dos princípios previstos no artigo 5º, incisos XXXV e XL, da Constituição Federal. Aduz hipossuficiência para o recolhimento integral da garantia. A eminente Relator desproveu o recurso. Divirjo, com a devida vênia.
I – Da violação à Constituição
Primeiramente, consigno que nada tenho a opor ao posicionamento do STJ de que, à luz do princípio da especialidade, a regra da LEF que impõe a garantia não restou superada pela nova redação do artigo 736 do CPC. Minha objeção à norma da legislação específica é de ordem constitucional.
A Lei de Execuções Fiscais surgiu em meados da década de 80, com o claro objetivo de possibilitar ao fisco uma execução mais fácil e célere de seus créditos. Assim, basicamente transformou o procedimento executório em uma simples sucessão de atos de penhora, arrematação e a adjudicação dos bens do devedor. A defesa do contribuinte - na medida em que implica a cognição acerca da insurgência deduzida - dele foi apartada. O legislador foi além, contudo, e previu a necessidade de que seu exame fosse precedido e estava condicionado à garantia do juízo. Sob esse aspecto é que cabe examinar se legislação especial é compatível com a nossa atual Constituição Federal.
Entendo que exigência de garantia que esbarra nas garantias à ampla defesa e ao contraditório (artigo 5º, LIV), do direito fundamental a propriedade (artigo 5º, XXII), além de colocar o contribuinte numa situação processual extremamente desfavorável que, comumente, quando não dispõe de patrimônio para cumprir a exigência legal, como no caso dos autos, impede, em última análise, o acesso ao Judiciário, em clara violação ao inciso XXXV do artigo 5º. Aliás, a propósito, precisamente por incompatibilidade com essa garantia, em situação análoga prevista no artigo 19, caput, da Lei nº 8.870/1994, que condicionava o ajuizamento de ações judiciais relativas a débitos para com o INSS ao depósito preparatório do valor controvertido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 28 (É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.).
Sobre o tema, destaco excerto do artigo publicado pela advogada Michelle Marie Caldas Cruz Santos:
"(...)
6. A problemática da exigência da segurança do juízo nos embargos a execução fiscal
6.1 Afronta ao patrimônio e a cidadania dos executados
A segurança do juízo é um dos pressupostos indispensáveis à propositura dos embargos à execução fiscal, constituindo um verdadeiro pressuposto para seu exercício (artigo 16, §1º da LEF).
Essa exigência de garantia prévia do juízo claramente não se coaduna com o nosso ordenamento jurídico e, inegavelmente, muitas das vezes até inviabiliza o exercício do direito de ação e de defesa do executado, pois se trata de um gravame extremamente insuportável e desproporcional, principalmente para aqueles que não têm condições financeiras de arcar com tamanho ônus.
Nesse sentido, parece extremamente oportuno refletirmos rapidamente acerca dos princípios da legalidade, do federalismo, da cidadania, além do princípio republicano, já que eles revelam os poderes dos cidadãos, os principais interessados nesse tema de usurpação de direitos constitucionais.
Pois bem. Em decorrência desses princípios pode-se afirmar que o Estado tem a força que o cidadão lhe conferiu, através de seus representantes eleitos, e somente pode regular o exercício dos cidadãos nos casos e nas medidas em que eles mesmos estabeleceram.
Vejamos o brilhantismo com que nosso saudoso mestre Geraldo Ataliba aborda o tema:
"A força desamparada do Direito é mais repugnante no regime republicano que em qualquer outro: o Estado tem a força que os cidadãos lhe conferem. O seu uso contra o cidadão deve ser repelido. O Direito regula o exercício da força sobre o cidadão só nos casos em que, antes, teve seu consentimento patenteado no texto constitucional e traduzido nas manifestações legislativas."
É certo que, a Cidadania no Brasil longe de ser uma expressão que reflete o poder soberano do povo aproxima-se cada vez mais da idéia de mito, ou no melhor das vezes, como assegura J. J. Calmon de Passos, uma realidade de poder tutelada, onde se outorga formalmente a cidadania ao povo.
No entanto, não se pode perder de vista que é assegurado a todos os cidadãos, de forma igualitária pela Constituição Federal o direito pleno ao acesso a justiça, que se traduz no direito à ampla defesa, ao contraditório, ao direito de ação, sem qualquer restrição a seu patrimônio.
É inconcebível que o cidadão, detentor soberano do poder, seja rebaixado a casta de súdito do Estado e admita ser compelido a compor uma lide sem ao menos ter a possibilidade de exercer seu direito de defesa de forma plena, como lhe é assegurado pela Constituição Federal.
Não se pode permitir qualquer afronta aos princípios constitucionais, eles são as pedras basilares de nosso ordenamento jurídico. Desse entendimento, sucede, em voz majoritária, o entendimento de Geraldo Ataliba:
"(...)Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma, a desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio violado, porque representa a insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra."
Como dito anteriormente, sabe-se que o povo investido de seu poder de soberania conferiu autoridade ao órgão público competente para constituir um título executivo contra ele, em caso de inadimplemento, inclusive atribuindo a essa certidão uma presunção relativa.
No entanto, o povo não autorizou o legislador infraconstitucional a promover uma execução forçada sem possibilidade de processo cognitivo independente de constrição patrimonial, já que a Lei Maior de nosso país confere direito a ampla defesa, ao contraditório, a uma igualdade substancial entre todos.
A situação financeira do executado não pode constituir impedimento para o livre exercício do direito de defesa nem muito menos servir de fundamento para transformar o processo de execução em confisco de bens. Não se admite que em prol do princípio da efetividade da tutela jurisdicional, ou do interesse público em aumentar os cofres públicos, possa usurpar do cidadão o seu direito constitucional de ação ou obstar o seu acesso ao Poder Judiciário.
Ademais, inexiste obrigação líquida, certa e exigível para se instaurar uma execução forçada contra o executado, o título que enseja a execução fiscal possui presunção relativa de certeza e liquidez.
Não se pode negar que a Constituição Federal assegura a existência do contraditório em todos os tipos de processos judiciais, sem fazer qualquer restrição; garante, ainda, o princípio do devido processo legal que visa garantir um processo justo às partes, um tratamento jurisdicional igualitário, sem que uma parte prevaleça sobre a outra. Assim, não deve prosperar argumentos que neguem a existência de contraditório no processo de execução sem que seja necessário garantir o juízo.
A segurança do juízo não pode usurpar dos cidadãos as garantias e princípios constitucionais que lhes asseguram uma cidadania plena, nesse contexto."
(A EXIGÊNCIA DA GARANTIA DO JUÍZO NAS EXECUÇÕES FISCAIS; p. em 19/01/2009, MIGALHAS; http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI76425,21048-A+exigencia+da+garantia+do+juizo+nas+execucoes+fiscais)
Na mesma linha, merece menção a seguinte passagem artigo de Rodrigo Fernandes Lobo da Silva:
"...
3. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXGÊNCIA DE GARANTIA DO DÉBITO COMO CONDIÇÃO DE ADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL
A Lei 6.830/1980, em seu art. 16, §1º dispõe que: "não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução". A exigência de garantia do débito para exercício do direito de ação e defesa afronta a Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal de 1988 garante o livre acesso ao judiciário, prevendo em seu art. 5º, inc. XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Trata-se do denominado Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, também chamado de Princípio do Livre Acesso ao Judiciário ou direito de ação ou defesa.
Segundo este princípio todo aquele que tiver sofrido ou for ameaçado de sofrer lesão a seu direito, tem a garantia de socorrer-se ao Poder Judiciário. Nada poderá impedir intervenção do Poder Judiciário, bem como limitar-se ou condicionar-se o seu acesso.
Entretanto, o acesso ao Judiciário não se restringe ao direito de ação, mas implica também na garantia do direito de defesa. José Afonso da Silva assevera que[4]:
O art. 5º, XXXV, consagra o direito de invocar a atividade jurisdicional, como direito público subjetivo. Não se assegura aí apenas o direito de agir, o direito de ação. Invocar a jurisdição para a tutela de direito é também direito daquele contra quem se age, contra quem se propõe a ação. Garante-se a plenitude de defesa, agora mais incisivamente assegurada no inc. LV do mesmo artigo.
Segundo Liebman, em seu Mannuale di diritto processuale civille[5]:
O poder de agir em juízo e o de defender-se de qualquer pretensão de outrem representam a garantia fundamental da pessoa para a defesa de seus direitos e competem a todos indistintamente, pessoa física e jurídica, italianos (brasileiros) e estrangeiros, como atributo imediato da personalidade e pertencem por isso à categoria dos denominados direitos cívicos.
Intrinsicamente ligada a inafastabilidade da Jurisdição estão as garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Proclama a Constituição Federal, art. 5º, inc. LIV: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" e inc. LV: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Os princípios declinados asseguram que somente teremos nossa esfera individual invadida mediante instauração de um processo formal, o qual observará o ordenamento jurídico e garantirá o exercício do direito de defesa.
Dirley da Cunha Junior define devido processo legal como "a exigência da abertura de regular processo como condição para restrição de direitos", contraditório como "garantia que assegura a pessoa sobre a qual pesa uma acusação o direito de ser ouvida antes de qualquer decisão a respeito", e ampla defesa como "garantia que proporciona a pessoa contra quem se imputa uma acusação a possibilidade de defender-se e provar o contrário".[6] Assim, somente pode se falar em respeito a estes princípios quando as partes tiverem asseguradas a possibilidade de influenciaram na decisão judicial, tomando ciência do processo, sendo ouvidas e produzindo provas, mediante regras pré-estabelecidas e em igualdade de condições.
Por sua vez, Celso Ribeiro Bastos lecionando sobre o devido processo legal, diz[7]:
Por ele visa-se a proteger a pessoa contra a ação arbitrária do Estado. Colima-se, portanto, a aplicação da lei. O princípio se caracteriza pela sua excessiva abrangência e quase que se confunde com o Estado de Direito. A partir da instauração deste, todos passaram a se beneficiar da proteção da lei contra o arbítrio do Estado.
Resta claro que os princípios da inafastabilidade da jurisdição, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, estão a garantir ao indivíduo o livre acesso ao Judiciário, sem condições ou limites, para o exercício dos seus direitos. Desta forma, condicionar o ingresso dos embargos à execução fiscal, à prévia garantia do débito, ofende a Constituição Federal.
Destarte, os embargos à Execução fiscal são o meio de defesa do executado, ação em que se poderá alegar qualquer matéria de defesa, uma vez que na execução fiscal em si, somente é cabível exceção de pré-executividade, instrumento que não admite dilação probatória e em que somente se alega matérias conhecíveis de ofício pelo juiz.
Neste contexto, podemos observar que o Supremo Tribunal Federal, já reconheceu a inconstitucionalidade de se exigir à garantia do débito como condição para ingresso de recurso administrativo, editando a Súmula Vinculante nº 21: "é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévio de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo".
Se na esfera administrativa não pode haver limitação ao direito de defesa, condicionando-o a garantia do débito, com mais razão não poderá havê-lo como limite ao exercício do direito de defesa em juízo, uma vez que cabe ao Judiciário a solução final da lide, inclusive fazendo controle dos atos administrativos.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal também já reconheceu a inconstitucionalidade da exigência de depósito prévio como condição para ações judiciais de natureza tributária. Dispõe a Súmula Vinculante nº 28: "é inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário".
A súmula teve como precedente a Adin 1074-3, em que se declarou a inconstitucionalidade do art. 19 caput da Lei 8.870/1994, que exige depósito prévio para ações judiciais que discutem débito com o INSS, por ofensa ao art. 5º, incs. XXXV e LV da Constituição Federal.
O Ministro relator Eros Grau em seu voto destacou que[8]:
Por outro lado, ao dispor de forma genérica que "as ações judiciais, inclusive cautelares, que tenham por objeto a discussão de débito para com o INSS serão, obrigatoriamente, precedidas do depósito preparatório", o artigo 19 da Lei 8.870/94, consubstancia barreira ao acesso ao Poder Judiciário. A mera leitura do texto normativo impugnado dá conta da imposição de condição à propositura das ações cujo objeto seja a discussão de créditos tributários, ainda que não esteja em fase de execução.
O Relator ainda citou parte do voto do Ministro Francisco Resek em medida cautelar na referida Adin[9]:
O que o dispositivo impugnado institui importa cerceamento do direito à tutela jurisdicional. O artigo determina que a admissão de 'ações judiciais' que tenham por objeto a discussão de débito para com o INSS se condiciona - obrigatoriamente - ao depósito preparatório do valor do débito cuja legalidade será discutida. Esta claro que o (sic) a norma cria séria restrição à garantia de acesso aos tribunais (art. 5º - XXXV da CF).
O que se pretende, à primeira vista, é assegurar a eventual execução. Nesta trilha, a norma não representaria grande novidade em nosso ordenamento jurídico. Entretanto, o que a singulariza é a restrição vestibular e ponderável do acesso ao Poder Judiciário. A necessidade do depósito, tal como aqui lançada, limitará o próprio acesso a primeira instância.
Da garantia de proteção judiciária decorrem diversos princípios tutelares do processo - o contraditório, a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, entre outros - e o depósito aqui exigido poderá em muitos casos inviabilizar o direito de ação.
A procedência da Adin 1074 demonstra a inconstitucionalidade da exigência de garantia do débito para ingresso dos embargos à execução fiscal. Os fundamentos expostos pelo STF aplicam-se ao caso em análise. Exigir-se garantia da dívida implica em violação aos princípios expostos.
Aliás, a súmula vinculante 28 deve ser utilizada como fundamento para a inexigibilidade da garantia do débito. Referida súmula refere-se as ações judiciais nas quais se pretenda discutir exigibilidade do crédito tributário e os embargos à execução fiscal tem esta natureza. Os Embargos à Execução Fiscal tem natureza de ação de conhecimento e se discute o crédito tributário.
Outrossim, o extinto Tribunal Federal de Recursos já havia decido a inexigibilidade de depósitos como condição para admissibilidade da ação judicial, editando a súmula 247: "Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o art. 38 da Lei 6.830/80".
Podemos ainda asseverar, que a exigência de garantia do débito ofende ao princípio da igualdade.
O art. 5º, caput da Constituição Federal proclama que todos são iguais perante a lei. Todavia, a moderna doutrina nos ensina que não basta a isonomia meramente formal, mas deve-se buscar a igualdade material das partes. Por igualdade material entende-se tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais, no limite de suas desigualdades, para alcançar-se a isonomia. Pedro Lenza ensina que[10]:
Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isto porque, no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei.
Desta forma, exigir de todos a garantia do débito, sem levar-se em consideração a diversidade da situação econômica dos indivíduos, é privilegiar aqueles que possuem melhor condição financeira. A exigência de garantia acaba por possibilitar o exercício do direito de defesa somente aos que possuem dinheiro para depósito bancário ou fiança, ou bens para oferecer a penhora.
Cumpre observar ainda, que nosso Poder Legislativo já deu o primeiro passo para garantia do direito de defesa dos executados, embora apenas naquelas execuções regidas pelo Código de Processo Civil. A Lei 11.382/2006, que alterou dispositivos do referido código, deixou de exigir a garantia do débito como condição de admissibilidade dos embargos do devedor, in verbis: "o executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos" (Art. 736).
O tratamento diferenciado dos procedimentos executivos, não se justifica face ao princípio da igualdade material, não há razões para exigir-se garantia do débito na execução fiscal e não exigi-lo na execução comum, ambos os executados devem ter a possibilidade de exercer o direito de defesa sem limitações ou condições. Ademais, não bastasse o tratamento diferenciado entre executados, também não se justifica a prerrogativa da Fazenda Pública de somente em suas execuções exigir-se a garantia do débito, mormente se considerarmos que a Fazenda Pública já conta com um procedimento mais célere na cobrança judicial, não se justificando maiores obstáculos a defesa. O tratamento diferenciado fere o princípio da isonomia.
Nosso legislador, ciente da inconstitucionalidade e falta de justificativa para o tratamento dispare, já iniciou o debate para alteração desta realidade. Os Projetos de Lei 2412/2007 e 5080/09, que visam a alteração da disciplina da execução fiscal, não exigem a garantia do débito como condição de admissibilidade dos Embargos. A exposição de motivos do Projeto de Lei 5080/09, expressamente corrobora nosso posicionamento[11]:
18. Para a defesa do executado adota-se o mesmo regime proposto na execução comum de título extrajudicial, onde os embargos podem ser deduzidos independentemente de garantia do juízo, não suspendendo, como regra geral, a execução.
19. Prestigia-se, assim, o princípio da ampla defesa, que fica viabilizado também ao executado que não disponha de bens penhoráveis. Desaparece, por conseguinte, a disciplina da prévia garantia do juízo como requisito indispensável à oposição da ação incidental.
Os projetos de leis evidenciam que a exigência de garantia de débito, não corresponde ao anseio da sociedade e nem se amoldam a Constituição Federal de 1988."
(A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE GARANTIA DO DÉBITO COMO CONDIÇÃO DE ADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL; publicado em 05/2015; Jus Navigandi; https://jus.com.br/artigos/38771/a-inconstitucionalidade-da-exigencia-de-garantia-do-debito-como-condicao-de-admissibilidade-dos-embargos-a-execucao-fiscal)
Em conclusão, ao exigir a garantia do débito como condição de admissibilidade dos embargos à execução fiscal, a Lei de Execução Fiscal não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, à luz dos princípios da inafastabilidade da jurisdição, contraditório e ampla defesa e igualdade, bem como considerada a Súmula Vinculante nº 28 do STF.
II – Da hipossuficiência
O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, assentou a possibilidade de recebimento dos embargos à execução fiscal, independentemente do oferecimento de garantia, quando constatada a hipossuficiência do executado, em atenção aos princípios constitucionais de ampla defesa, contraditório e acesso ao Judiciário. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. HIPOSSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL. GARANTIA DO JUÍZO. DISPENSA. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO A CARGO DO EMBARGANTE. NECESSIDADE.
1. É possível o recebimento dos embargos à execução fiscal sem a apresentação de garantia do juízo, quando efetivamente comprovado o estado de hipossuficiência patrimonial do devedor, não sendo suficiente, para esse mister, a concessão da assistência judiciária gratuita. Precedente: REsp 1.487.772/SE, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 12/06/2019.
2. Hipótese em que o acórdão recorrido destoa, em parte, da aludida orientação jurisprudencial, uma vez que dispensou a apresentação de garantia para a oposição dos embargos à execução fiscal apenas pelo fato de os embargantes estarem assistidos pela gratuidade da justiça e representados pela defensoria pública, razão pela qual os autos devem retornar ao Tribunal de origem para que reexamine o tema mediante a análise da prova produzida pelos embargantes sobre a sua alegada hipossuficiência patrimonial, convertendo o feito em diligência, se necessário for.
3. Agravo interno não provido.(AgInt no REsp 1836609 / TO; Rel. Min. Gurgel de Faria; Primeira Turma; j. 07/06/2021)
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO.
POSSIBILIDADE.
1. "Aos recursos interpostos com fundamento no
CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2 - STJ).
2. Os embargos são o meio de defesa do executado contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda Pública, mas que "não serão admissíveis ... antes de garantida a execução" (art. 16,
§ 1º, da Lei n. 6.830/80).
3. No julgamento do recurso especial n. 1.272.827/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção sedimentou orientação segunda a qual, "em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736 do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal."
4. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal, restando o tema, mutatis mutandis,
também definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.
5. Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.
6. Nada impede que, no curso do processo de embargos à execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.
7. Na hipótese dos autos, o executado é beneficiário da assistência judiciária gratuita e os embargos por ele opostos não foram recebidos, culminando com a extinção do processo sem julgamento de mérito, ao fundamento de inexistência de segurança do juízo.
8. Num raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato do executado ser amparado pela gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição dos embargos sem a garantia do juízo.
9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (do executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, "tal implicaria em garantir o direito de defesa ao "rico", que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao "pobre".
10. Não tendo a hipossuficiência do executado sido enfrentada pelas instâncias ordinárias, premissa fática indispensável para a solução do litígio, é de rigor a devolução dos autos à origem para que defina tal circunstância, mostrando-se necessária a investigação da existência de bens ou direitos penhoráveis, ainda que sejam insuficientes à garantia do débito e, por óbvio, com observância das limitações legais.
11. Recurso especial provido, em parte, para cassar o acórdão recorrido.
(REsp 1487772 / SE; Rel. Ministro GURGEL DE FARIA; PRIMEIRA TURMA; j em 28/05/2019)
No caso dos autos, o executado acostou o demonstrativo de resultado de exercício de 2019, ano em que opôs os embargos, o que justifica o seu recebimento sem o oferecimento de garantia.
Ante o exposto, dou provimento à apelação, a fim de que os embargos à execução sejam recebidos e processados, independentemente de garantia do juízo.
É como voto.
ANDRÉ NABARRETE
Desembargador Federal
mcc
O Exmo. Juiz Federal Convocado Silva Neto
Peço vênia, para divergir da E. Relatora
Cumprimento os eminentes julgadores que já proferiram seus votos e passo a declarar meu voto.
De início, nuclearmente em cena a exigibilidade da garantia do Juízo, para a propositura dos embargos à execução, prevista no § 1º, art. 16 da LEF, não se sustenta sua dedução sem oferta de bens pelo devedor, diante da lex speciallis, pois incidente o devido processo legal, também de estatura constitucional.
Aliás, o tema é alvo de pacificação solene, apreciado sob o rito dos Recursos Representativos da Controvérsia, nos termos do artigo 543-C, Lei Processual Civil de então, REsp 1272827/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/05/2013, DJe 31/05/2013.
Por igual, a questão a respeito da suficiência da constrição também foi apreciada na sistemática do art. 543-C, CPC/1973, sendo permitida a dedução de embargos sem que a garantia seja integral ao débito litigado, REsp n. 1.127.815/SP, em 24/11/2010, Relator Ministro Luiz Fux:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. GARANTIA DO JUÍZO. REQUISITO PARA APRESENTAÇÃO DE EMBARGOS. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA PRIMEIRA SEÇÃO SOB O REGIME PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC.
1. "Efetivada a penhora por oficial de justiça e dela sendo intimado o devedor, atendido estará o requisito de garantia para a oposição de embargos à execução." (REsp 758.266/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, DJ de 22/8/2005).
2. A Primeira Seção, no julgamento do REsp n. 1.127.815/SP, em 24/11/2010, Relator Ministro Luiz Fux, feito submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, reafirmou entendimento no sentido de que uma vez efetuada a penhora, ainda que insuficiente, encontra-se presente a condição de admissibilidade dos embargos à execução, haja vista a possibilidade posterior da integral garantia do juízo, mediante reforço da penhora.
3. Agravo regimental não provido.”
(AgRg no REsp 1092523/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 11/02/2011)
No mesmo REsp n. 1.127.815/SP, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, repita-se, portanto precedente obrigatório, consta a seguinte fundamentação, item 11 da ementa : "Caso o devedor não disponha de patrimônio suficiente para a garantia integral do crédito exequendo, cabe-lhe comprovar inequivocamente tal situação. Neste caso, dever-se-á admitir os embargos, excepcionalmente, sob pena de se violar o princípio da isonomia sem um critério de discrímen sustentável, eis que dar seguimento à execução, realizando os atos de alienação do patrimônio penhorado e que era insuficiente para garantir toda a dívida, negando ao devedor a via dos embargos, implicaria restrição dos seus direitos apenas em razão da sua situação de insuficiência patrimonial. Em palavras simples, poder-se-ia dizer que tal implicaria em garantir o direito de defesa ao "rico", que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao "pobre", cujo patrimônio insuficiente passaria a ser de pronto alienado para a satisfação parcial do crédito. Não trato da hipótese de inexistência de patrimônio penhorável pois, em tal situação, sequer haveria como prosseguir com a execução, que restaria completamente frustrada." (Leandro Paulsen, in Direito Processual Tributário, Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência, Ed. Livraria do Advogado, 5ª ed.; p. 333/334)”.
No caso concreto, existe garantia parcial da execução, sendo desconhecida a situação patrimonial da empresa, portanto presente, “a priori”, atendimento a requisito normativo de processabilidade dos embargos de devedor, conforme apaziguado em precedente obrigatório, lavrado pelo C. STJ.
Aliás, hodiernamente, tomando-se por base a concreta situação de cada executado, a Corte Cidadã, com base nos mesmos preceitos supra, permite a dedução dos embargos, sob pena de afrontar os constitucionais preceitos que garantem o acesso ao Judiciário, a ampla defesa e o contraditório, pois o “rico” teria o direito de se defender e o “pobre”, não, o que inadmissível, ainda mais num País como o Brasil, onde gritante as desigualdades, não podendo o Judiciário compactuar com tal condição.
Assim, se ficar comprovado que o executado não possui nenhuma condição de apresentar garantia integral ou de melhorar a garantia ofertada, investigações a serem realizadas pelo E. Juízo de Primeiro Grau, cabível o processamento dos embargos, REsp 1487772/SE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 28/05/2019, DJe 12/06/2019 :
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO.POSSIBILIDADE.
1. "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2 - STJ).
2. Os embargos são o meio de defesa do executado contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda Pública, mas que "não serão admissíveis ... antes de garantida a execução" (art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80). 3. No julgamento do recurso especial n. 1.272.827/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção sedimentou orientação segunda a qual, "em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736 do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal."
4. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal, restando o tema, mutatis mutandis, também definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.
5. Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.
6. Nada impede que, no curso do processo de embargos à execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.
7. Na hipótese dos autos, o executado é beneficiário da assistência judiciária gratuita e os embargos por ele opostos não
foram recebidos, culminando com a extinção do processo sem julgamento de mérito, ao fundamento de inexistência de segurança do juízo.
8. Num raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato do executado ser amparado pela gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição dos embargos sem a garantia do juízo.
9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (do executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, "tal implicaria em garantir o direito de defesa ao "rico", que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao "pobre".
10. Não tendo a hipossuficiência do executado sido enfrentada pelas instâncias ordinárias, premissa fática indispensável para a solução do litígio, é de rigor a devolução dos autos à origem para que defina tal circunstância, mostrando-se necessária a investigação da existência de bens ou direitos penhoráveis, ainda que sejam insuficientes à garantia do débito e, por óbvio, com observância das limitações legais.
11. Recurso especial provido, em parte, para cassar o acórdão recorrido.”
(REsp 1487772/SE, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/05/2019, DJe 12/06/2019)
Logo, a causa não está madura para julgamento, diante da necessidade de o E. Juízo de Primeiro Grau averiguar se não há nenhuma outra possibilidade de garantir/reforçar o executivo. Assim de rigor o retorno dos autos ao Primeiro Grau, para que implemente diligências, a fim de aferir a condição patrimonial da empresa devedora e, existindo comprovada impossibilidade de melhor garantir o Juízo – de boa-fé, deverá a parte embargante colaborar a respeito – proceda ao exame dos embargos.
Ante o exposto, peço vênia à E. Relatoria para divergir e voto pelo provimento parcial à apelação, reformada a r. sentença, a fim de que a causa à Origem volva, para que implemente o E. Juízo de Primeiro Grau diligências – cooperando a parte embargante – a fim de aferir a condição patrimonial da empresa devedora e, existindo comprovada impossibilidade de melhor garantir o Juízo, proceda ao exame dos embargos, na forma aqui estatuída.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. GARANTIA DO JUÍZO. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. GARANTIA INSUFICIENTE. REJEIÇÃO LIMINAR. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
- Consoante prevê o artigo 16, inciso I e § 1º, da Lei nº 6.830/80, é requisito de admissibilidade para o manejo dos embargos a garantia do Juízo.
- O entendimento jurisprudencial é no sentido de que, uma vez efetuada a penhora, ainda que insuficiente, encontra-se presente a condição de admissibilidade dos embargos, haja vista a possibilidade de posterior reforço.
- Considera a jurisprudência que não pode a insuficiência da penhora conduzir à extinção dos embargos do devedor nem tampouco impedir sua interposição, sob o fundamento da ausência de garantia, sem prejuízo, por evidente, de que sejam promovidas diligências para o reforço da penhora, em qualquer fase do processo.
- O valor penhorado/bloqueado de R$ 77.050,73 (setenta e sete mil, cinquenta reais e setenta e três centavos) é nitidamente inferior ao valor da dívida (R$ 10.200.000,00 – dez milhões e duzentos mil reais), o que equivale à falta de garantia e atrai a incidência da norma expressa no art. 16, §1º, da Lei nº 6.830/1980.
- Registre-se, ainda, que à vista da oposição dos presentes embargos à execução, a embargante foi devidamente intimada para reforçar a penhora, deixando de procedê-la.
- Apelação improvida.