APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006393-67.2015.4.03.6119
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SAO PAULO
APELADO: AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC, UNITED AIR LINES INC, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
Advogado do(a) APELADO: ALFREDO ZUCCA NETO - SP154694-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006393-67.2015.4.03.6119 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SAO PAULO APELADO: AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC, UNITED AIR LINES INC, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: ALFREDO ZUCCA NETO - SP154694-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação e remessa oficial, tida por submetida, em ação civil pública ambiental ajuizada, em 26/06/2015, originariamente pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra United Airlines Inc., companhia aérea que atua no Aeroporto Internacional de Guarulhos, objetivando adoção de “medidas mitigadoras dos impactos ambientais decorrentes de suas atividades, em especial no que diz respeito à emissão de dióxido carbônico (CO2) e outros gases que comprovadamente são poluentes, guardam pertinência com o fenômeno climatológico denominado efeito estufa e repercutem negativamente nas mudanças climáticas que já vem sendo observadas no planeta”, requerendo, pois, condenação da requerida (ID 123378951, f. 12/28): “1) em caráter principal, na obrigação de fazer, em prazo a ser fixado em sentença, consistente em adquirir e recuperar um imóvel, preferencialmente no Município de Guarulhos ou na mesma bacia hidrográfica, com área suficiente para que seja efetuado o plantio de espécies vegetacionais em quantidade necessária para absorver integralmente as emissões de gases de efeito estufa e demais poluentes decorrentes de suas atividades no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Cumbica, devendo, neste imóvel, implantar uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), nos termos do art. 21 da Lei Federal 9.985, de 18 de julho de 2000 e respectivos regulamentos; 2) ou, em caráter subsidiário, seja condenada a, em prazo a ser fixado pelo juízo, indenizar, em valor a ser apurado em prova pericial em fase de liquidação de sentença, todos os impactos diretos e indiretos causados ao meio ambiente decorrentes de sua atividade no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Cumbica, cujo valor será revertido ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados de que tratam as Leis Federal 7.347/85, Estaduais 6.536/89 e 13.555/09 e o Decreto Estadual 27.070/87, junto à conta corrente 139656-0, da agência 1897-X, do Banco do Brasil; 3) ao pagamento de multa diária, a ser fixada em valor não inferior a cem mil UFESPs, sujeita à correção pelos índices oficiais, se, por descumprimento de qualquer das obrigações impostas, desde a distribuição da petição inicial até o efetivo adimplemento, destinada a recolhimento ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados de que tratam as Leis Federal 7.347/85, Estaduais 6.536/89 e 13.555/09” Tão logo distribuída a ação, o Município de Guarulhos requereu o ingresso no feito na qualidade de assistente litisconsorcial ativo (ID 123378954, f 88/92). Reconsiderando despacho citatório proferido, o Juízo Estadual - entendendo que “se a responsabilidade civil objetiva prescinde de demonstração de culpa, o mesmo não se pode dizer da ilicitude e do nexo de causalidade, requisitos mínimos e irredutíveis para a imputação do dever de indenizar. Em nenhum momento o representante do Ministério Público descreveu ou caracterizou o ato lícito, supostamente praticado pela empresa-ré [...] Dessas normas pode-se inferir que a ilicitude resultaria da violação dos critérios e padrões de qualidade ambiental. Mas quais são e onde estão previstos esses critérios e padrões ambientais? A inicial a eles não faz nenhuma referência. [...] Assim, muito embora possa parecer louvável a iniciativa do combativo Representante do Ministério Público, não se vê adequação, oportunidade e eficácia na medida postulada. [...] A inicial, portanto, é inepta, por faltar-lhe causa de pedir (narração da conduta em tese ilícita). E carece o autor de interesse processual, por inadequação da medida postulada” – indeferiu a petição inicial, conforme artigo 295, I e III do CPC, extinguindo o processo, sem exame de mérito, nos termos do artigo 267, inciso I do mesmo diploma legal (ID 123378954, f. 102/106). Após manifestação de interesse da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC para intervir no feito (ID 123378955, f. 20/32), o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou a sentença proferida, declinando da competência à Justiça Federal (f. 52/58 de mesmo ID). No Juízo Federal, sobreveio nova extinção do feito, sem exame do mérito, com fundamento no artigo 485, VI, CPC (ID 123378955, f. 75/78). Interposta apelação pelo pelo Ministério Público Estadual e ofertadas contrarrazões, houve parecer ministerial pela nulidade da sentença, por ausência de intimação do parquet federal para manifestar eventual interesse em assumir o polo ativo da demanda, tendo a Turma reconhecido tal nulidade, julgando prejudicado o recurso (ID 123378956, f. 162 a ID 123378957, f. 1). No Juízo de origem, o Ministério Público Federal não ratificou a inicial, requerendo o indeferimento do pedido de ingresso do Município de Guarulhos e a extinção do feito, sem exame de mérito, por ilegitimidade ativa do parquet estadual, inépcia da inicial e ausência de interesse processual (ID 123378957, f. 19/38), manifestando-se ANAC e Ministério Público Estadual (f. 60/73 e 79/82). Foi proferida nova sentença, que reconheceu a ilegitimidade ativa do Ministério Público Estadual e do Município de Guarulhos, além de ser “discutível até mesmo a legitimidade passiva da companhia aérea ré”, bem como a insuficiência da causa de pedir exposta, extinguindo o processo, sem exame de mérito, nos termos do artigo 485, VI do CPC (ID 123378957, f. 88/92). Apelou o Ministério Público Estadual, alegando, em suma, que: (1) “a competência para o processamento da ação civil pública é fixada pelo local em que for verificado o dano”; (2) competência jurisdicional não se confunde com atribuição do Ministério Público, cujo membro estadual presidiu a investigação e ajuizou ação, estando inteirado sobre a controvérsia, sobretudo quando ausente interesse do parquet federal; (3) se o artigo 5º da Lei 7.347/1985 admite a atuação do Ministério Público Estadual em litisconsórcio facultativo com Ministério Público Federal perante Juízo Federal, “por óbvio que [o MPE] poderá também ser parte individualmente”, para “defender interesse difuso de âmbito estritamente local em desfavor da União, autarquias e empresas públicas federais, perante a Justiça Federal”; (4) a atuação do Ministério Público Estadual é mais vantajosa à coletividade e aos direitos defendidos pela instituição; (5) sobre a legitimidade passiva da ré, a própria Municipalidade de Guarulhos representou ao Ministério Público Estadual contra todas as companhias aéreas que atuam no aeroporto internacional da comarca; (6) naturalmente, não se prescinde de dilação probatória para mensurar se a emissão de gases tóxicos pela ré atende ou não os limites legais, não podendo tal questão ser prematuramente decidida nesta fase processual; e (7) ainda que respeitados limites legais, a poluição licenciada pode excluir a responsabilidade administrativa ou criminal do poluidor, mas não a civil, sendo cabíveis medidas mitigadoras, compensatórias, reparatórias e indenizatórias, dado o caráter difuso do interesse ambiental tutelado, cuja responsabilidade civil por dano é solidária e objetiva, bastando, portanto, o nexo de causalidade com a conduta praticada (ID 123378957, 104/17). Houve contrarrazões da empresa aérea, da ANAC e do MPF. O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do recurso ou, subsidiariamente, pela manutenção da sentença. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006393-67.2015.4.03.6119 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SAO PAULO APELADO: AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC, UNITED AIR LINES INC, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: ALFREDO ZUCCA NETO - SP154694-A V O T O
Senhores Desembargadores, a ilegitimidade ativa do Ministério Público Estadual para ajuizar ação civil pública perante a Justiça Federal é questão que envolve complexidade maior do que, a princípio, poderia ser extraído da regra geral de que cada órgão ministerial definiria, por sua exclusiva iniciativa, o órgão jurisdicional competente para apreciação do mérito da lide proposta, bastando ver, neste sentido, que ao menos algum fator de pertinência temática na própria atuação processual haveria de ser identificado para tal efeito. Sendo assim, considerando que por outro vertente pode ser mantida a extinção do processo sem resolução do mérito, até porque, independentemente da apelação, estaria a sentença sujeita ao reexame obrigatório, cumpre apreciar o que devolvido ao exame da Corte. Neste aspecto, cabe observar que instruiu os autos como peça documental relevante à compreensão da controvérsia a cópia do “Memorando 516/2011/PF-ANAC/PGF/AGU - Considerações Técnicas sobre emissões de poluentes atmosféricos por aeronaves”, nos seguintes termos (ID 123378955, f. 33/41): “[...] A preocupação das emissões de poluentes atmosféricos devidos à operação de aeronaves comerciais vem sendo alvo de preocupação de organismos internacionais (ICAO) em português Organização Internacional da Aviação Civil e de órgãos reguladores nacionais já há algum tempo. [...] Importante observar que o CO2 não é considerado poluente primário, caso de qualidade do ar local e, portanto, não há limite de sua emissão definido em lei. [...] Segundo a Lei 11.182/05, é responsabilidade da ANAC: Art. 8º Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade, competindo-lhe: X – regular e fiscalizar os serviços aéreos, os produtos e processos aeronáuticos, a formação e o treinamento de pessoal especializado, os serviços auxiliares, a segurança da aviação civil, a facilitação do transporte aéreo, a habilitação de tripulantes, as emissões de poluentes e o ruído aeronáutico, os sistemas de reservas, a movimentação de passageiros e carga e as demais atividades de aviação civil; Para tanto, o ato normativo vigente é o RBAC 34, que dispõe sobre requisitos para drenagem de combustível e emissões de escapamento de aviões com motores a turbina. O RBAC 34 segue as orientações do 14 CFR Part 34 do FAA, que por sua vez segue com pequenas variações o disposto no Anexo 16, volume II da ICAO. [...] [...] Do exposto, fica claro que a preocupação constante nos requisitos previstos no RBAC 34 é mitigar o problema da LAQ, qualidade do ar local, não se aplicando à questão das emissões de GEE [gases de efeito estufa], conforme já mencionado. [...] O Dióxido de Carbono (CO2) não é considerado como um problema local e sim de nível local, não havendo portando limites para a sua emissão nem na regulação proposta pela ICAO e adotada pela ANAC através do RBAC 34, nem na legislação da Conama. Assim depreende-se que o pedido constante da ação original (... compensação de danos ambientais provocados pela poluição atmosférica decorrente das operações de pouco, taxi e decolagem de aeronaves no Aeroporto Internacional de São Paulo) está mal definido e possivelmente não tenha suporte na legislação regulatória corrente. No Brasil, os assuntos referentes aos Impactos do Aquecimento Global, atrelados à Convenção -Quadro da ONU sobre Mudança do Clima e ao Protocolo de Quito, são de competência da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, estabelecidas nos Decretos Presidenciais de 7 de Julho de 1999 e de 10 de janeiro de 2006. Ao tentar criar uma forma de compensação obrigatória de CO2 no Brasil, a ação proposta pelo MP não só fere a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e do Protocolo de Quioto, que possuem força de lei no ordenamento jurídico brasileiro, mas também contraria a posição oficial do Brasil no âmbito das negociações internacionais sobre mudança do clima, a qual prima pelo princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, conforme orientado pelo Ministério das Relações Exteriores. Portanto a imposição de tal medida, principalmente às companhias áreas estrangeiras, seria ilegal, pois esbarra em decisões de Estado tomadas anteriormente, e se unilateralmente aplicadas somente às companhias brasileiras pode criar uma distorção de mercado maléfica aos interesses nacionais. [...] Por mais que a atividade de transporte aéreo esteja em crescimento, ela contribui com somente 0,3% das emissões de CO2 nacionais e considerar a aviação, pela sua visibilidade, como a ‘galinha dos ovos de ouro’, a qual se podem imputar responsabilidades, mesmo que pobremente lastreadas em fatos é um erro que pode vir a penalizar uma atividade que é geradora de riqueza para o município, para o estado e para o país. [...] A ideia de plantar floresta, difundida por uma visão errônea de neutralização de emissões de combustíveis fósseis, é um conceito obviamente em contradição com a regulamentação internacional do Protocolo de Quioto. Este protocolo considerou o crédito de MDL de florestamento e reflorestamento como temporário, dada a natureza não permanente da fixação de carbono pelas árvores, uma vez que o desmatamento, incêndios ou pestes podem facilmente reverter a fixação de carbono e a ‘neutralização’ redundaria em dupla emissão pela fóssil e pela emissão devido à reversão do carbono fixado nas árvores. Portanto, trata-se de uma medida de efetividade ambiental totalmente questionável. Há outras formas de neutralização de emissões que podem ser perseguidas com investimentos mais modestos, como, por exemplo, os projetos de ‘Waste to Energy’ (Transformação de Lixo em Energia)." (grifamos) A Assessoria Temática de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, da Secretaria de Apoio Pericial, do Ministério Público Federal, por sua vez, após consulta ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, elaborou o Parecer Técnico 114/2016, do qual constaram as seguintes considerações finais (ID 123378957, f. 39/57): “Não há dúvidas de que existe, no Brasil, legislação para o controle de gases de efeito estufa: trata-se da Lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, posteriormente regulamentada pelo Decreto 7.390, de 9 de dezembro de 2010. Todavia, não é possível afirmar que exista, no país, legislação que normatize a contento as emissões – no sentido de estabelecer limites máximos de emissões – de gases de efeito estufa por fontes fixas ou móveis. Em primeiro lugar, porque as medidas propostas nos diplomas anteriormente citados são, em sua maioria, medidas tributárias de incentivo à redução das emissões de GEE ou medidas de estímulo ao investimento em tecnologias que emitam menor quantidade de gases de efeito estufa, sem que haja estabelecimento de limites de emissão de gases de efeito estufa. Em segundo lugar, porque as resoluções CONAMA 08/90, 382/06 e 436/11, apesar de determinarem limites máximos de emissão para fontes fixas, não tratam diretamente dos gases de efeito estufa. [...] Observa-se que, no que diz respeito a instrumentos para o controle de emissão de GEE, o Brasil está ‘atrasado’ em relação às grandes nações; esse atraso é ainda mais notável se considerarmos somente as emissões advindas de fontes móveis. EUA e EU já possuem legislação que estabelece limites de emissão de GEE para suas frotas de veículos leves e estudam formas de aplicar esses limites aos veículos pesados, ao passo que, no Brasil, o projeto de lei análogo encontra-se parado desde 2013. [...]” (grifamos) Ainda no âmbito do setor de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, do Ministério Público Federal, observou-se o seguinte (ID 132474154, f. 7/8): “[...] com a finalidade de apurar a conduta omissiva da ANAC quanto à emissão de GEE no Aeroporto Internacional de Guarulhos ao não exercer a sua competência regulamentar, [...] [...] À ANAC expediu-se ofício solicitando que esclarecesse se havia regulado a emissão de poluentes pelos serviços aéreos, em consonância com as ações da PNMC e a PNAC, conjugados com os esforços do Acordo de Paris. Por fim, solicitou-se que encaminhasse a cópia da regulamentação editada pela Agência para fixação de limites máximos de emissão de GEE e de outros atos normativos sobre o tema. Em resposta, a Agência Nacional de Aviação Civil informou que está em apreciação pela Diretoria da Agência proposta de regulamento para estabelecer novo padrão com limites para a emissão de CO2 de motores aeronáuticos. Tal padrão fora recentemente adotado pela Organização de Aviação Civil Internacional, por meio do Anexo 16, Volume II, à Convenção de Chicago. Se aprovada a nova proposta de RBAC, as aeronaves autorizadas a operar no país deverão cumprir estritamente os requisitos técnicos estabelecidos. Por fim, esclareceu que a OACI havia adotado, em junho de 2018, o Volume IV ao Anexo 16, por meio do qual foi estabelecido o Mecanismo de Compensação das Emissões de Carbono da Aviação Civil Internacional – CORSI. Por meio desse mecanismo, ocorrerá a compensação de emissões de CO2 por meio da compra de créditos de carbono no mercado. Nesse sentido, a ANAC já vem adotando as providências cabíveis para que os operadores aéreos nacionais cumpram os requisitos estabelecidos no referido documento da OACI. [...] A Agência Nacional de Aviação Civil, por meio de manifestação colacionada às fls. 18/18v, asseverou que dispõe de regulamento específico (RBAC 34) para estabelecer limites à emissão de hidrocarbonetos não queimados (HC), monóxido de carbono (CO) e óxidos de nitrogênio (Nox). Além disso, o referido regulamento determina que apenas aeronaves que cumprem os requisitos de emissão de motor podem ser certificadas para voo. [...]” (grifamos) A situação jurídica das companhias aéreas quanto ao problema da emissão de gases de efeito estufa permaneceu inalterada mesmo após o compromisso assumido pelo Brasil, seja no Acordo de Paris, vigente desde o final de 2016, seja na COP26 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021, pois ainda nada foi normativamente estabelecido sobre o assunto especificamente em relação à aviação civil. A propósito, acerca da inexistência de previsão legal a nortear e limitar a emissão de gases de efeito estufa por empresas de companhia aérea para imposição de obrigação compensatória ou reparatória ao meio ambiente por eventuais danos gerados pelo exercício de atividade devidamente autorizada pelo poder concedente, já decidiu esta Turma: ApCiv 0046991-68.2012.4.03.9999, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, e-DJF3 02/06/2017: “PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEDIDAS MITIGADORAS DE DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS POR COMPANHIA AÉREA. PRETENSÃO INFUNDADA. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ. SENTENÇA PROLATADA POR JUIZ ESTADUAL. INTERVENÇÃO DA ANAC SUPERVENIENTE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL PARA JULGAR A APELAÇÃO. IMPROVIMENTO. 1. A ação foi ensejada pelo alegado dano ambiental causado pela ré KLM Royal Dutch Airlines (Companhia Real Holandesa de Aviação), companhia aérea, decorrente de suas atividades comerciais desenvolvidas a partir do Aeroporto Internacional de São Paulo, através de suas aeronaves. Assim, segundo a parte autora, a ré deve adotar medidas mitigadoras dos impactos ambientais, em especial no que diz respeito à emissão de dióxido de carbono e outros gases poluentes, que contribuem para o efeito estufa, repercutindo negativamente nas mudanças climáticas. 2. Considerando que uma das atribuições da ANAC é "conceder, permitir ou autorizar a exploração de serviços aéreos", nos termos do artigo 8°, XIV, da Lei n° 11.182/05, é nítido seu interesse jurídico em intervir neste feito, pois eventual procedência do pedido inicial, no sentido de imposição de medidas mitigadoras de danos ambientais à delegatária do serviço público decorrentes de danos causados pelo exercício de sua atividade-fim, irá repercutir diretamente na relação jurídica existente entre ela, representante da União, e a ré, podendo até mesmo comprometer a viabilidade econômica de operação do transporte aéreo, conforme alega a agência (fl. 672). 3. Ausência de nulidade da r. sentença prolatada pelo Juízo Estadual, pois, naquele momento, era o órgão jurisdicional competente para processar e julgar a presente demanda, já que a ANAC apenas deduziu pedido de intervenção no processo, demonstrando seu interesse jurídico, após o feito ser sentenciado. 4. Não há se falar em extinção do processo por ilegitimidade ativa ad causam do Parquet estadual, pois, embora o artigo 37, I, da LC n° 75/93 imponha ao Ministério Público Federal o exercício de funções nas causas de competência dos Juízes Federais, o §5°, do artigo 5°, da Lei n° 7.347/85 permite o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados nas ações civis públicas. 5. Conquanto tanto a parte autora quanto a ré tenham postulado pela produção de provas, vislumbro que não seriam necessárias para o julgamento do mérito, uma vez que não influenciariam no convencimento do órgão julgador, já que a pretensão ministerial revela-se totalmente descabida, sendo de rigor manter a sentença de improcedência da ação, vejamos: 6. O requerente não alega que a ré estaria degradando o meio ambiente através da emissão de poluentes que extrapolariam o necessário para a consecução das atividades de transporte aéreo, o que poderia ensejar a responsabilização pela prática de ilícitos penais, reclamando a produção de prova pericial para demonstrar o alegado, mas sustenta apenas que o mero exercício de sua atividade-fim causa inevitáveis danos ambientais que merecem ser compensados. 7. A alta relevância social dos serviços prestados pelas companhias aéreas, transportando pessoas e cargas entre vários pontos do território nacional e mundial, contribuindo para o desenvolvimento econômico e o bem-estar social, não pode ser prejudicada pela imposição de obrigações não impostas pela poder concedente, até que o custo delas teria reflexos no valor das passagens aéreas e demais despesas, prejudicando, em última medida, o usuário. 8. Não houve qualquer violação ao princípio da legalidade, segundo o qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5º, II, CF), pois a empresa, uma vez preenchendo os requisitos exigidos pelos órgãos públicos competentes, foi contemplada pela delegação do serviço público. 9. Apelação improvida.” (g.n.) Nestes termos, não merece reparo o entendimento firmado pelo Ministério Público Federal, atuante na lide, e adotado pela sentença (ID 123378957, f. 19/38): "[...] embora o Ministério Público Federal e a IATA [International Air Transport Association] tenham se manifestado, expressamente, ao D. Juízo da CECON que a via conciliatória continuava aberta, o fato é que a pulverização das ações civil públicas entre juízos federais diversos, com a prolação de sentenças de extinção do processo em relação a algumas empresas – sem se adentrar no acerto ou não do fundamento de tais decisões – acabou por frustrar a continuidade da solução consensual, que era a única vislumbrada como possível por esse órgão ministerial, diante dos vícios da inicial. [...] [...], diferentemente do alegado pelo MP/SP, a emissão de GEE [gases de efeito estufa] não se enquadra como poluidora, na acepção técnica e legal do termo, em razão de inexistir no ordenamento jurídico brasileiro norma que estabeleça os limites de emissão de gases de efeito estufa, condição necessária nos termos do art. 3, III, ‘e’ da Lei 6938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente). Com efeito, a Secretaria de Apoio Pericial do Ministério Público Federal, por meio da Assessoria Temática do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, elaborou o Parecer Técnico nº 114/2016 (cópia anexa), no qual concluiu que a legislação para o controle de gases de efeito estufa não estabelece limites máximos de emissões desses gases, seja por fontes fixas ou móveis. [...] [...] [...], embora se admita que a aviação civil, em virtude da emissão de GEE, não é atividade ambiental ou climaticamente neutra, ausência de neutralidade não se confunde com poluição, a não ser na concepção vulgar do termo. É em atenção a essa distinção de regimes jurídicos entre poluição e ausência de neutralidade climática que a Lei 12.187/2009, ao cuidar da matéria e instituir a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), estabelece que esta visará a ‘compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção do sistema climático’. No lugar de encampar o princípio do poluidor-pagador, no seu viés radical, a PNMC consagra o princípio do desenvolvimento sustentável. [...] [...] a meta voluntária nacional de redução não se estende automaticamente aos setores da economia. Deve ser objeto de planos setoriais, os quais devem observar as especificidades de cada setor e inclusive, por força das diretrizes da PNMC, o interesse público no fomento da atividade, como instrumento de promoção do crescimento econômico, da erradicação da pobreza e das desigualdades sociais (art. 4º, parágrafo único). No que diz respeito especificamente à aviação civil, a ANAC ainda não exerceu a competência que lhe foi atribuída pelo artigo 8º, inciso X, Lei 11.182/05, de regular as emissões por esse setor, fixando limites máximos. [...] [...] tanto a PNMC [Política Nacional sobre Mudança do Clima – Lei 12.187/2009] como o PNAC [Política Nacional de Aviação Civil – Decreto 6.781/2009] se valem de medidas de incentivo, de fomento e de promoção, com vistas à redução de emissões e mitigação dos impactos no clima, e não de medidas compensatórias ou sancionatórias. O tratamento normativo conferido às emissões de GEE, inclusive pela aviação civil, não é mesmo de responsabilização civil ambiental por poluição. Nesse esteio, em face do atual regime jurídico a que estão submetidas as emissões de GEE, não é possível extrair, como pretende o MPSP, diretamente dos princípio do poluidor-pagador, da precaução ou da responsabilidade ambiental solidária, força normativa suficiente para obrigar as companhias aéreas a compensar ou indenizar suas emissões. [...] Posto isso, insiste-se que, ainda que se tenha como verdadeira a situação fática narrada na inicial pelo MPSP, dela e dos princípios invocados não decorrem, lógica e juridicamente, a consequência aposta no pedido: dever de compensar ou de indenizar as emissões. [...] [...] por inexistirem limites máximos para a emissão, conforme já alegado, o manejo de ação civil pública de viés compensatório e indenizatório não é a medida adequada (adequação). Pelo mesmo motivo, o Poder Judiciário não pode ser utilizado para compelir a ré a satisfazer a pretensão deduzida na inicial. A bem a verdade, diante da omissão da ANAC em exercer a competência que lhe foi atribuída pelo artigo 8º, inciso X, Lei 11.182/05, a tutela em favor do meio ambiente que seria possível de se exigir, diante de toda a narrativa da inicial e do ordenamento jurídico vigente, seria a de obrigação de fazer, em face da própria Agência Regulamentadora (e não das companhias aéreas), para regular a emissão de poluentes, fixando os limites máximos. [...] [...] Saliente-se que a regulamentação, pela autarquia federal competente, é não somente a medida prevista pelo ordenamento jurídico, como também aquela que melhor atende ao interesse público, já que produziria efeitos isonômicos por todo o território nacional. Já a tutela pleiteada pelo MP/SP, além de não encontrar abrigo na ordem jurídica, é geradora de distorção, pois seu ônus recairá apenas sobre o Aeroporto Internacional de Guarulhos. Não é exagero supor que tal desiquilíbrio em desfavor do maior aeroporto do país gerará a migração em massa de voos para outros aeroportos em que a compensação das emissões não seja exigida e que, portanto, os custos de operação sejam menores, com vários impactos negativos na região daí decorrentes, inclusive sobre os postos de empregos. [...]” (grifamos) Tais fundamentos revelam, pois, que, para além da questão da ilegitimidade ativa, que poderia gerar controvérsia e desfocar o que de relevante igualmente existe para aplicação na espécie, tem-se como suficiente à confirmação da sentença a constatação de falta de causa de pedir e de interesse de agir, na linha destacada pela manifestação do Ministério Público Federal, à luz do ordenamento jurídico. Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial, tida por submetida. É como voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO CONTRA COMPANHIA AÉREA ATUANTE NO AEROPORTO DE GUARULHOS. MEDIDAS MITIGADORAS DOS IMPACTOS AMBIENTAIS POR EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA. INTERESSE DA UNIÃO (ANAC). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM EXAME DE MÉRITO.
1. Ajuizada ação civil pública ambiental, originariamente pelo Ministério Público Estadual contra United Airlines Inc., companhia aérea que atua no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos - objetivando adoção de "medidas mitigadoras dos impactos ambientais decorrentes de suas atividades, em especial no que diz respeito à emissão de dióxido de carbono (CO2) e outros gases que comprovadamente são poluentes, guardam pertinência com o fenômeno climatológico denominado efeito estufa e repercutem nas mudanças climáticas que já vem sendo observadas no planeta", foi reconhecido interesse da União, com o que houve redistribuição do feito à Justiça Federal, não ratificando o Ministério Público Federal os termos na inicial.
2. A ilegitimidade ativa do Ministério Público Estadual para ajuizar ação civil pública perante a Justiça Federal é questão que envolve complexidade maior do que, a princípio, poderia ser extraído da regra geral de que cada órgão ministerial definiria, por sua exclusiva iniciativa, o órgão jurisdicional competente para apreciação do mérito da lide proposta, bastando ver, neste sentido, que ao menos algum fator de pertinência temática na própria atuação processual haveria de ser identificado para tal efeito.
3. De toda sorte, remanescem fundamentos a permitir que se confirme a extinção do processo sem resolução do mérito, tal qual já discutido nos autos, seja por falta de causa de pedir e, sobretudo, por falta de interesse processual, nos termos do que exposto pelo Ministério Público Federal e conforme constou da sentença, sujeita ao reexame obrigatório, no sentido da inexistência de previsão legal a nortear e limitar a emissão de gases de efeito estufa por empresas de companhia aérea para imposição de obrigação compensatória ou reparatória ao meio ambiente por eventuais danos gerados pelo exercício de atividade devidamente autorizada pelo poder concedente, a inviabilizar, pois, o prosseguimento da ação civil pública em direção à condenação pleiteada na inicial.
4. Apelação e remessa oficial, tida por submetida, desprovidas.