Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001618-10.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: SESVESP - SINDICATO DAS EMPRESAS DE SEGURANCA PRIVADA, SEGURANCA ELETRONICA E CURSOS DE FORMACAO DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogado do(a) APELANTE: DIOGO TELLES AKASHI - SP207534-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001618-10.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: SESVESP - SINDICATO DAS EMPRESAS DE SEGURANCA PRIVADA, SEGURANCA ELETRONICA E CURSOS DE FORMACAO DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogado do(a) APELANTE: DIOGO TELLES AKASHI - SP207534-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação à sentença de improcedência da ação civil pública ajuizada para declarar a ilegalidade e sustar permanentemente os efeitos concretos dos artigos 12, V, 48, V, 64, VIII, 70, III, 77, IV, 96, IV, 147, I, da Portaria MJ/DPF 3.233/12, e determinar à União que se abstenha de exigir comprovante de quitação de multas administrativas para deferimento de autorização de funcionamento, revisão deste ou alteração de atos constitutivos de empresas de segurança privada associadas ao sindicato-autor. Não foi fixada verba honorária, nos termos do artigo 19 da Lei 4.717/1965.

Alegou-se, em suma, que: (1) é ilegal a exigência de quitação de multas administrativas para renovação da autorização para funcionamento das empresas de segurança privada, pois configura desvio de finalidade, coação ilegal e abuso de poder, contrariando as Súmulas 70, 323 e 547 do STF e a Súmula 127 do STJ; (2) não há previsão legal da exigência do pagamento de multas administrativas como condição para o deferimento do alvará de funcionamento; e (3) a Administração Pública possui meio adequado para alcançar a satisfação de dívida ativa, sendo inconstitucional a utilização de forma coercitiva de cobrança.

Não houve contrarrazões.

O Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001618-10.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: SESVESP - SINDICATO DAS EMPRESAS DE SEGURANCA PRIVADA, SEGURANCA ELETRONICA E CURSOS DE FORMACAO DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogado do(a) APELANTE: DIOGO TELLES AKASHI - SP207534-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

 

  

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, sustentou o autor ser ilegal a exigência de quitação de multas administrativas para deferimento de autorização para funcionamento, por inovar a Lei 7.102/1983, aduzindo que viola, ainda, os princípios do devido processo legal, razoabilidade, proporcionalidade e liberdade de atividade econômica, constituindo desvio de finalidade, abuso de poder e coação ilegal, por utilização de meio coercitivo indireto para a cobrança de débitos (Súmulas 70, 323 e 547/STF e 127/STJ, RE 527.633 e REsp 414.486).

A Lei 7.102/1983, que “estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores”, dispõe que:

 

“Art. 10. São consideradas como segurança privada as atividades desenvolvidas em prestação de serviços com a finalidade de:

I - proceder à vigilância patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos, públicos ou privados, bem como a segurança de pessoas físicas;

II - realizar o transporte de valores ou garantir o transporte de qualquer outro tipo de carga.  

§ 1º Os serviços de vigilância e de transporte de valores poderão ser executados por uma mesma empresa.

§ 2º As empresas especializadas em prestação de serviços de segurança, vigilância e transporte de valores, constituídas sob a forma de empresas privadas, além das hipóteses previstas nos incisos do caput deste artigo, poderão se prestar ao exercício das atividades de segurança privada a pessoas; a estabelecimentos comerciais, industriais, de prestação de serviços e residências; a entidades sem fins lucrativos; e órgãos e empresas públicas.

§ 3º Serão regidas por esta lei, pelos regulamentos dela decorrentes e pelas disposições da legislação civil, comercial, trabalhista, previdenciária e penal, as empresas definidas no parágrafo anterior.

[...]

Art. 14 - São condições essenciais para que as empresas especializadas operem nos Estados, Territórios e Distrito Federal:

I - autorização de funcionamento concedida conforme o art. 20 desta Lei; e

II - comunicação à Secretaria de Segurança Pública do respectivo Estado, Território ou Distrito Federal.

[...]

Art. 20. Cabe ao Ministério da Justiça, por intermédio do seu órgão competente ou mediante convênio com as Secretarias de Segurança Pública dos Estados e Distrito Federal:

I - conceder autorização para o funcionamento:

a) das empresas especializadas em serviços de vigilância;

b) das empresas especializadas em transporte de valores; e

c) dos cursos de formação de vigilantes;

II - fiscalizar as empresas e os cursos mencionados dos no inciso anterior;

III - aplicar às empresas e aos cursos a que se refere o inciso I deste artigo as penalidades previstas no art. 23 desta Lei;

[...]

X - rever anualmente a autorização de funcionamento das empresas elencadas no inciso I deste artigo.

[...]

Art. 23 - As empresas especializadas e os cursos de formação de vigilantes que infringirem disposições desta Lei ficarão sujeitos às seguintes penalidades, aplicáveis pelo Ministério da Justiça, ou, mediante convênio, pelas Secretarias de Segurança Pública, conforme a gravidade da infração, levando-se em conta a reincidência e a condição econômica do infrator:

I - advertência;

II - multa de quinhentas até cinco mil Ufirs:

[...] (g.n.)

 

Houve regulamentação pelo Decreto 89.056/1983, que assim previu expressamente:

 

“Art. 30. São consideradas como segurança privada as atividades desenvolvidas em prestação de serviços com a finalidade de:

I - proceder à vigilância patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos, públicos ou privados, e à segurança de pessoas físicas;

II - realizar o transporte de valores ou garantir o transporte de qualquer outro tipo de carga.

§ 1º As atividades de segurança privada desenvolvidas por empresas especializadas em prestação de serviços, com a finalidade de proceder à segurança de pessoas físicas e de garantir o transporte de valores ou de qualquer outro tipo de carga, serão consideradas, para os efeitos deste Regulamento, segurança pessoal privada e escolta armada, respectivamente.

§ 2º As empresas especializadas em prestação de serviços de segurança, vigilância e transporte de valores, constituídas sob a forma de empresas privadas, além das hipóteses previstas nos incisos I e II deste artigo, poderão se prestar:

a) ao exercício das atividades de segurança privada a pessoas;

b) a estabelecimentos comerciais, indústrias, de prestação de serviços e residências;

c) a entidades sem fins lucrativos;

d) a órgãos e empresas públicas.

§ 3º Os serviços de vigilância e de transporte de valores poderão ser executados por uma mesma empresa.

§ 4º As empresas de que trata o § 2º deste artigo serão regidas pela Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, por este Regulamento e pelas normas da legislação civil, comercial, trabalhista, previdenciária e penal.

[...]

Art. 32. Cabe ao Ministério da Justiça, por intermédio do Departamento de Polícia Federal, autorizar, controlar e fiscalizar o funcionamento das empresas especializadas, dos cursos de formação de vigilantes e das empresas que exercem serviços orgânicos de segurança.

§ 1º O pedido de autorização para o funcionamento das empresas especializadas será dirigido ao Departamento de Polícia Federal e será instruído com:

a) requerimento assinado pelo titular da empresa;

b) cópia ou certidão dos atos constitutivos devidamente registrados no registro de pessoas jurídicas;

c) comprovante de inscrição nos órgãos administrativos federais competentes;

d) modelo de uniforme especial de seus vigilantes;

e) cópia da Carteira de Identidade, CPF, Título de Eleitor e Certificado de Reservista ou documento equivalente dos sócios-proprietários, diretores e gerentes da empresa;

f) prova de que os sócios-proprietários, diretores e gerentes não tenham antecedentes criminais registrados;

§ 2º Qualquer alteração referente ao estabelecido nas alíneas b e d deste artigo dependerá de prévia autorização do Ministério da Justiça.

[...]

§ 7º A revisão da autorização de funcionamento das empresas de segurança privada e das empresas que executam serviços orgânicos de segurança deverá ser requerida, anualmente, a contar da publicação da autorização no Diário Oficial da União, mediante apresentação de:

a) comprovante de quitação das penas pecuniárias que tenham sido aplicadas à empresa por transgressões às normas que regulamentam a atividade;

b) Certidão Negativa quanto à Dívida Ativa da União, Estado e Município;

c) comprovante de recolhimento previdenciário e do FGTS;

d) Certificado de Segurança atualizado;

e) prova de que os sócios-proprietários, diretores e gerentes da empresa de segurança privada não tenham condenação criminal registrada;

f) prova de que os sócios-proprietários, diretores e gerentes da empresa que executa serviços orgânicos e de que os responsáveis pelo seu setor de segurança não tenham condenação criminal registrada.

[...]

Art 35. Não será autorizado o funcionamento de empresa especializada que não disponha de recursos humanos e financeiros ou de instalações adequadas ao permanente treinamento de seus vigilantes.

[...]

Art. 40. Verificada a existência de infração a dispositivo da Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, e deste Regulamento, as empresas especializadas, as empresas que executam serviços orgânicos de segurança e os cursos de formação de vigilantes ficam sujeitos às seguintes penalidades, aplicáveis pelo Ministério da Justiça, conforme a gravidade da infração, levando-se em conta a reincidência e a condição econômica do infrator:

I - advertência;

II - multa de 500 (quinhentos) até 5.000 (cinco mil) UFIR;

[...] (g.n.)

 

Como se observa, não se cogita, na espécie, de ofensa à legalidade - que não se confunde com a reserva legal, exigindo esta última a edição de lei em sentido estrito para o trato integral e exauriente da matéria (ARE-AgR 887.644, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, d.j. 23.6.2015) -, pois a Lei 7.102/1983 condicionou a atuação das empresas especializadas em serviços de segurança, vigilância, transporte de valores ou garantia de transporte de qualquer outro tipo de carga à autorização de funcionamento e respectiva revisão anual pelo Ministério da Justiça (artigos 14, I c.c 20, I e X) sem prever, expressamente, naquele próprio texto legal, qualquer requisito para tanto.

Daí porque se subentende, de forma lógica, que não apenas tais atribuições foram delegadas ao Poder Executivo, mas também a própria definição dos respectivos requisitos a serem cumpridos por empresas do ramo. Entender de forma contrária implicaria admitir que, por não prever a Lei 7.102/1983 qualquer requisito expresso para autorização ou revisão de funcionamento das empresas de segurança privada nada poderia ser exigido, o que, além de violar a delegação em lei prevista, ainda atentaria contra o princípio da razoabilidade, sobretudo se considerada a natureza e relevância da atividade desenvolvida, de expressiva periculosidade e interesse público.

O Decreto 89.056/1983 cumpriu, portanto, no contexto, tal mister, definindo, nos termos da delegação legal, requisitos para funcionamento inicial (artigo 32, § 1º) e em continuidade das empresas de segurança privada (artigo 32, § 7º), prevendo expressamente neste último caso a comprovação da “quitação das penas pecuniárias que tenham sido aplicadas à empresa por transgressões às normas que regulamentam a atividade” (alínea a).

Não bastasse a previsão expressa de tal requisito, o Decreto 89.056/1983 explicita de forma clara preocupação com a saúde financeira da empresa que desenvolve atividade de tal natureza: “Não será autorizado o funcionamento de empresa especializada que não disponha de recursos [...] financeiros” (artigo 35).

A inadimplência no cumprimento de obrigações básicas coloca em risco a integridade financeira e, portanto, a própria capacidade operacional da empresa, revelando-se, assim, justificável a exigência de comprovação de quitação das penas pecuniárias administrativas, inclusive para a alteração dos respectivos atos constitutivos, também a depender expressamente de prévia autorização do Ministério da Justiça (§ 2º do artigo 32 do Decreto 89.056/1983), justamente para viabilizar o efetivo exercício do controle e fiscalização que a Lei 7.102/1983 lhe atribui (artigo 20, II).

Existindo, portanto, o devido respaldo legal aos artigos 12, V, 48, V, 64, VIII, 70, III, 77, IV, 96, IV, 147, I, da Portaria DG/DPF 3.233/2012, não se cogita de inovação, e assim, de ofensa à legalidade, e tampouco à razoabilidade, pois a finalidade almejada com a exigência impugnada não veicula mera coerção indireta de cobrança de débitos, como afirmado, mas sim o intento de permitir o exame da efetiva capacidade operacional da empresa, com  o que se demonstra inexistirem os vícios de desvio de finalidade, abuso de poder e coação ilegal, em ofensa ao devido processo legal, proporcionalidade e liberdade de atividade econômica.

Não tendo sido fixados honorários advocatícios na origem, não há sucumbência a ser majorada, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

 

 



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMPRESAS DE SEGURANÇA PRIVADA. PORTARIA DG/DPF 3.233/2012. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA QUITAÇÃO DE MULTAS APLICADAS POR INFRINGÊNCIA ÀS NORMAS REGULAMENTADORAS DA ATIVIDADE. LEI 7.102/1983. DECRETO 89.056/1983. LEGALIDADE.

1. Não se cogita de ofensa à legalidade, pois a Lei 7.102/1983 condicionou a atuação das empresas especializadas em serviços de segurança, vigilância, transporte de valores ou garantia de transporte de qualquer outro tipo de carga à autorização de funcionamento e respectiva revisão anual pelo Ministério da Justiça (artigos 14, I c/c 20, I e X) sem prever, expressamente, naquele próprio texto legal, qualquer requisito para tanto, cumprindo tal mister ao Decreto 89.056/1983, que definiu, nos termos da delegação legal, requisitos para funcionamento inicial (artigo 32, § 1º) e em continuidade das empresas de segurança privada (artigo 32, § 7º), prevendo expressamente neste último caso a comprovação da “quitação das penas pecuniárias que tenham sido aplicadas à empresa por transgressões às normas que regulamentam a atividade” (alínea a).

2. Não bastasse a previsão expressa de tal requisito, o Decreto 89.056/1983 explicita de forma clara preocupação com a saúde financeira no setor que desenvolve tal atividade (artigo 35), pois a inadimplência coloca em risco a saúde financeira e a própria capacidade operacional da empresa, o que é relevante ser controlado em razão da peculiaridade da atividade, por sua expressiva periculosidade e interesse público, revelando-se, assim, justificável a exigência de comprovação de quitação das penas pecuniárias administrativas, inclusive para alteração dos respectivos atos constitutivos, também expressamente sujeita à prévia autorização do Ministério da Justiça (§ 2º, artigo 32, Decreto 89.056/1983), justamente para viabilizar o efetivo exercício do controle e fiscalização que a Lei 7.102/1983 lhe atribui (artigo 20, II).

3. Existindo, portanto, o devido respaldo legal aos artigos 12, V, 48, V, 64, VIII, 70, III, 77, IV, 96, IV, 147, I, da Portaria DG/DPF 3.233/2012, não se cogita de inovação, e assim, de ofensa à legalidade, e tampouco à razoabilidade, pois a finalidade almejada com a exigência impugnada não veicula mera coerção indireta de cobrança de débitos, como afirmado, mas sim o intento de permitir o exame da efetiva capacidade operacional da empresa, com  o que se demonstra inexistirem os vícios de desvio de finalidade, abuso de poder e coação ilegal, em ofensa ao devido processo legal, proporcionalidade e liberdade de atividade econômica.

4. Não tendo sido fixados honorários advocatícios na origem, não há sucumbência a ser majorada, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.

5. Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.