Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001345-93.2011.4.03.6111

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, VALDIR ACACIO

Advogados do(a) APELANTE: VALDIR ACACIO - SP74033-A, LUIZ CARLOS CLEMENTE - SP57883

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, VALDIR ACACIO

Advogados do(a) APELADO: VALDIR ACACIO - SP74033-A, LUIZ CARLOS CLEMENTE - SP57883

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001345-93.2011.4.03.6111

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, VALDIR ACACIO

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ CARLOS CLEMENTE - SP57883

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, VALDIR ACACIO

Advogado do(a) APELADO: LUIZ CARLOS CLEMENTE - SP57883

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R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por VALDIR ACÁCIO, contra a r. sentença (fls. 184/202 ID 158870125) proferida pelo Exmo. Juiz Federal Alexandre Sormani (1ª Vara Federal de Marília/SP), que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação penal para ABSOLVER o réu do crime inscrito no artigo 355 do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal), e CONDENAR o réu pelo delito previsto no artigo 168, § 1º, inciso III, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, e à pena de multa de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de (01) um salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos consubstanciadas em: a) prestação de serviços à comunidade, pelo período de 8 (oito) horas semanais, durante o mesmo período da pena privativa de liberdade imposta (um ano e quatro meses), junto a entidade beneficente ou de assistência social, a ser designada pelo Juízo da execução; (b) limitação de fim de semana e feriados, consistente na restrição à frequência em bares e casas noturnas após às 22 horas, durante o tempo de cumprimento da pena. Ainda, nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, foi fixada em desfavor do condenado a obrigação de pagar à ofendida a quantia de R$ 16.215,64 (dezesseis mil, duzentos e quinze reais e sessenta e quatro centavos), devidamente corrigida até a data do pagamento, acrescida de juros moratórios desde o evento ilícito (1% ao mês), ou seja, desde 02.06.2008, como valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia em face de VALDIR ACÁCIO, nascido em 29.09.1955, narrando que (fls. 3/6 ID 158870125):

Consta dos Autos de Inquérito Policial em epígrafe que o denunciando, na qualidade de advogado, conscientemente, traiu o seu dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe foi confiado; e apropriou-se de coisa alheia móvel, de que tinha detenção de que recebeu em razão de profissão.

Apurou-se que em 10/11/2004, o denunciando, na qualidade de advogado (nomeado como dativo - convênio da OAB e Justiça Federal de Marília) de Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, aforou ação ordinária em face do Instituto Nacional do Seguro Social, visando reconhecimento do direito ao benefício de Amparo Social por deficiência (Autos n.º 2004.61.11.004156-8 - 3.ª Vara Federal de Marília). O Tribunal Regional Regional (sic) Federal da 3.ª Região julgou procedente o referido pleito, sendo que o acórdão transitou em julgado (fls. 02/193 do Apenso II).

Após os valores dos ‘atrasados’ do sobredito benefício assistencial e dos honorários advocatícios serem disponibilizados para levantamento junto ao PAB da Caixa Econômica Federal - Justiça Federal, no dia 02 de junho de 2008, além de seus honorários, na condição de advogado de Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, o denunciando também sacou integralmente a citada quantia pertencente à citada constituinte (fls. 182/183 do Apenso II).

Referente ao levantamento da Requisição de Pequeno Valor - RPV em nome de Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, após desconto do imposto de renda, a Caixa Econômica Federal informou que: ‘... foi efetuado pelo advogado Dr. Valdir Acácio que depositou na sua conta poupança n.º 3972.013.00002195-0 o valor de R$ 6.215,64 (Seis Mil, Duzentos e Quinze Reais e Sessenta e Quatro Centavos), e sacou em espécie a quantia de R$ 10.000,00 (Dez Mil Reais)’ - (fls. 126/130 - destaque nosso).

Diante da ‘demora’ no recebimento dos seus valores ‘atrasados’ referentes ao benefício assistencial, em 10 de novembro de 2009, Glória de Fátima Ribeiro Guimarães ofertou ao Ministério Público Federal representação contra o denunciando (fls. 02/03 do Apenso I), o qual em 15 de dezembro de 2009, diferente do acima comprovado documentalmente, alegou que ‘Em julho de 2008, foi por este Signatário efetuado o levantamento referente ao RPV devido nos autos nº 2004.61.11.004156-8 ...’ (primeiro parágrafo da fl. 28 do Apenso I). Ainda, o denunciando sustentou que a quantia referente à citada RPV foi entregue a Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, colacionando, para tanto, uma ‘declaração’ e um recibo datilografo, subscrito por Glória de Fátima Ribeiro Guimarães (fls. 28/29; e fls. 32/33 do Apenso I).

Ocorre que em relação à referida ‘declaração’, apurou-se que o valor nela inserido (RS 16.600,00), as palavras ‘recebido em’ e a data (10/07/08) do suposto recebimento de tal valor foram apostos pelo punho do denunciando (depoimento do denunciando na Polícia Federal - fl. 72; e Laudo Pericial n.º 060/2011 - UTEC/DPF/MII/SP - fl. 49 : ‘... o trecho com os dizeres ‘R$ 16.600,00 (recebido em 10/07/08)’ apresenta características que indicam que NÃO foi produzido pelo punho escritor de GLÓRIA DE FATIMA RIBEIRO GUIMARÃES e sugestivos de que foram produzidos pelo punho de VALDIR ACACIO ... ); a suposta subscritora (Glória de Fátima Ribeiro Guimarães) negou que tenha recebido a citada quantia do denunciando, e a assinatura não partiu de seu punho; e existem várias divergências na assinatura (Laudo Pericial n.º 060/2011 - UTEC/DPF/MII/SP - fl. 46; Laudo Pericial n.º 407/2011 - UTEC/DPF/MII/SP - fls. 98/99). Ainda, no que se refere ao ‘corpo’ da citada declaração, o próprio denunciando asseverou que: ‘... QUE já em relação ao corpo do documento acredita ter partido de seu punho, entretanto não tem condições de afirmar, com certeza se foi responsável por sua confecção (fl. 72 - sublinhado nosso).

Glória de Fátima Ribeiro Guimarães disse que em razão das ‘dificuldades financeiras que atravessava’, solicitou ao denunciando um ‘adiantamento’ para realizar exame médico no valor R$ 400,00 (quatrocentos reais), que foi concedido, oportunidade em que, a pedido daquele, subscreveu o recibo de fl. 29 ‘em branco’ (fl. 18; e fls. 37 e 43 do Apenso I).

A data da aludida ‘declaração’ é quase 02 (dois) meses da constante no recibo de fl. 29, que teria sido emitido em 10/07/2008. Tanto a data do suposto recebimento e os valores informados pelo denunciado (R$ 16.600,00 - 10/07/2008), como os constantes do ‘recibo’ e da ‘declaração’ (R$ 16.600,00 - 10/07/2008) são divergentes da realidade apurada nos presentes autos, já que o valor sacado foi de R$ 16.215,64 (dezesseis mil, duzentos e quinze reais e sessenta e quatro centavos), em 02/06/2008.

Do exposto, o Ministério Público Federal, pelo Procurador da República signatário, denuncia VALDIR ACÁCIO como incurso nos arts. 355, 168, §1.º, III, c/c art. 69, todos do Código Penal, requerendo que, recebida e autuada a presente, seja instaurado o devido processo penal, citando-se o denunciado para a apresentação de defesa preliminar, ouvindo as testemunhas abaixo indicadas, prosseguindo-se nos ulteriores termos.

 

A denúncia foi recebida em 01.02.2013 (fls. 7/8 ID 158870125) e a sentença publicada em 07.07.2014 (fl. 203 ID 158870125).

O Ministério Público Federal interpôs recurso de Apelação (fls. 206/221 ID 158870125), pugnando pela majoração da pena para quantum não inferior a 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, bem como pela condenação do acusado pela prática do crime de patrocínio infiel (art. 355 do Código Penal).

O réu igualmente interpôs recurso de Apelação (fls. 225 ID 158870125 e 5/46 ID 158870126), alegando, preliminarmente, a incompetência absoluta da Justiça Federal para julgar a pretensão condenatória, bem como ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, em virtude do tratamento desigual dado à acusação e à defesa, porquanto em relação a esta o magistrado de primeiro grau determinou que fosse justificada a necessidade de intimação das testemunhas arroladas na resposta à acusação, deliberando, por fim, o comparecimento independentemente de intimação, e, por falta desta, as testemunhas arroladas pela defesa deixaram de comparecer na audiência e a prova foi declarada preclusa. No mérito, aduz a insuficiência de provas para a condenação, e que há de ser afastada a condenação à obrigação de reparar o dano (art. 387, IV, do CPP), porquanto ausente tal pedido na denúncia.

Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões (fls. 51/61 e 64/81 ID 158870126), subiram os autos a esta E. Corte.

Nesta instância, o Parquet Federal ofertou parecer no qual opina pelo desprovimento do recurso interposto pela defesa e pelo provimento do recurso da acusação, a fim de que seja majorada a pena aplicada em relação ao delito previsto no art. 168, § 1°, inciso III, do Código Penal, em patamar não inferior a 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, e condenado o acusado pela prática do delito previsto no art. 355 do Código Penal (fls. 84/98 ID 158870126).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO:

Divirjo do e. Relator, com a devida vênia, somente no que tange à condenação do acusado na reparação dos danos causados pela infração (CPP, art. 387, IV).

Com efeito, a ausência de pedido do Ministério Público Federal, na denúncia, para a aferição desses valores e, consequentemente, manifestação da defesa acerca do tema, impossibilita sua aplicação.

Segundo entendimento recorrente dos Tribunais, a existência de um requerimento expresso de arbitramento do montante civilmente devido é imprescindível, mas não suficiente ao seu acolhimento. A jurisprudência tem exigido, também, que seja concedido ao acusado a oportunidade de, especificamente sobre o tema, se pronunciar e produzir provas, o que não ocorreu no caso concreto.

Posto isso, divirjo do e. Relator para DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa apenas para excluir a fixação de valor mínimo para a reparação do dano (CPP, art. 387, IV), acompanhando-o em todo o mais.

É o voto.

 


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V O T O

 

 

DA PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

Em suas razões de Apelação, a defesa alega a incompetência absoluta da Justiça Federal, em virtude da vítima não se enquadrar nas pessoas do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, tratando-se, portanto, de crime de competência da Justiça Estadual.

Quanto ao tema, a r. sentença assim decidiu:

Os delitos apontados são de competência da Justiça Federal, eis que o crime de patrocínio infiel (art. 355 do CP) é crime tipificado como contrário à Administração da Justiça, estando como primeiro sujeito passivo o Estado. Logo, tendo o suposto delito ocorrido no âmbito da Justiça Federal, supostamente por advogado no exercício de múnus público da Assistência Judiciária Gratuita Federal, há evidente interesse da União, justificando a competência pelos dois delitos (por conexão) à Justiça Federal (art. 109, IV, CF). Mesmo em eventual absolvição, a competência para absolver o réu nesse tipo penal é, no caso, de competência deste Juízo.

O réu foi denunciado pela prática dos delitos estampados nos arts. 355 e 168, § 1º, III, c/c o art. 69, todos do Código Penal, porquanto, na qualidade de advogado (nomeado como dativo - convênio da OAB e Justiça Federal de Marília) de Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, após êxito na ação ajuizada em face do Instituto Nacional do Seguro Social, visando o reconhecimento do direito a benefício assistencial (Autos n. 2004.61.11.004156-8 - 3ª Vara Federal de Marília), teria traído o seu dever funcional, apropriando-se indevidamente de valores devidos a sua cliente, no momento do levantamento da Requisição de Pequeno Valor – RPV junto ao PAB da Caixa Econômica Federal - Justiça Federal, no dia 02 de junho de 2008.

Dispõe o art. 355, caput, do Código Penal:

Patrocínio infiel

Art. 355 - Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.

A doutrina de José Paulo Baltazar Júnior explica o tipo objetivo do delito em questão:

A conduta típica consiste em 'trair' o dever profissional, prejudicando interesse que é confiado ao advogado em juízo. O verbo 'trair' traduz a ideia de ser infiel, atraiçoar, faltar ou não corresponder ao cumprimento dos deveres.

A traição pode dar-se por ação, como no caso da apresentação de alegações contrárias ao interesse da parte, ou provocando nulidades; seja por omissão, perdendo prazos, deixando de recorrer, silenciando sobre fatos alegados pela outra parte, aceitando acordo irrisório quando a causa era favorável, ou deixando de se insurgir sobre a alienação de bem por valor vil.

O interesse lesado pode ser patrimonial ou de outra natureza, desde que esteja sendo discutido em juízo.

Se o ato, ainda que prejudicial ao constituinte, ocorre extrajudicialmente, não se cogita do crime em questão (TRF5, AC 20028300001447-0, 3ª T., u., 1.3.07), podendo ocorrer estelionato ou apropriação indébita (in Crimes Federais, 10ª edição, Editora Saraiva, 2016, p. 445/446).

O crime em análise, portanto, protege a administração da justiça e, secundariamente, o interesse patrimonial da parte lesada, reprimindo a atuação do advogado ou procurador que, em Juízo, dolosamente, atua em prejuízo do interesse que deveria defender.

Tendo em vista que a conduta imputada na inicial acusatória teria ocorrido na Justiça Federal, compete, portanto, à própria Justiça Federal o julgamento do crime de patrocínio infiel (art. 355, CP), assim como o de apropriação indébita (art. 168, CP), por força do art. 76, inciso III do Código de Processo Penal (Art. 76. A competência será determinada pela conexão: (...) III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração), da Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça (Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, 'a', do Código de Processo Penal), bem como do art. 109, inciso IV, da Constituição da República (Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral).

Ademais, embora não suscitada a questão, cumpre esclarecer, ante a sentença absolutória do crime de patrocínio infiel (art. 355, CP), não haver que se falar em incompetência do Juízo Federal para o julgamento do delito subsistente, qual seja, o crime de apropriação indébita (art. 168 do Código Penal), tratando-se de hipótese de aplicação do art. 81, caput, do Código de Processo Penal (Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos).

É o que se extrai dos seguintes julgados:

APELAÇÃO CRIMINAL. PATROCÍNIO INFIEL. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ARTIGO 168, §1º, III, DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PERPETUAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DOSIMETRIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Denúncia que descreve fato caracterizado pelo levantamento e apropriação, por advogado, de valores de benefício previdenciário depositados em nome de seu cliente, em razão de sentença transitada em julgado proferida nos autos de ação previdenciária.

2. Conduta que não se subsume ao tipo do artigo 355 do Código Penal. Mantida a absolvição por este delito, com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.

2. Devidamente demonstradas a materialidade e a autoria do crime tipificado no artigo 168, §1º, III, do Código Penal.

3. Perpetuação da competência da Justiça Federal, nos termos dos artigos 109, IV da Constituição Federal e 81 do Código de Processo Penal, e à luz da Súmula 122 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

4. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor equivalente a um salário mínimo, a ser destinada à União Federal.

6. Apelo parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 56971 - 0001728-37.2012.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 24/06/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/06/2014, grifo nosso)

 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA CRIANÇA OU ADOLESCENTE. ART. 241-B DA LEI Nº 8.069/90. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PERPETUATIO JURISDCIONIS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Mesmo tendo havido a absolvição em relação ao crime previsto no artigo 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, não cessou a competência da Justiça Federal para o julgamento do crime conexo do artigo 241-B da Lei 8.069/1990, conforme comando contido no artigo 81, caput, do Código de Processo Penal e o princípio da perpetuatio jurisdicionis.

2. A materialidade do delito está devidamente demonstrada nos autos por meio do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 05/06 do Apenso), do Auto de Apreensão (fl. 08 do Apenso), do Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão (fls. 16/20 do Apenso), da Informação Técnica nº 012/2014 (fls. 31/35 do Apenso) e dos Laudos de Perícia Criminal Federal de Informática (fls. 54/57 do Apenso e 195/201), nos quais atestam que, nos aparelhos de celular e de computador, o acusado armazenava imagens e vídeos contendo pornografia infantil.

3. Autoria e dolo comprovados. O réu tinha consciência e a intenção de armazenar conteúdo pornográfico infantil.

4. Mantida pena-base acima do mínimo legal em razão das circunstâncias do crime. Grande quantidade de arquivos de imagens e de vídeos contendo cenas de nudez ou sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes.

5. Recurso não provido.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 73026 - 0010258-14.2012.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 09/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/04/2018)

Com efeito, a sentença absolutória equivale, efetivamente, à reafirmação da competência prevista no aludido dispositivo constitucional.

Dessa forma, resta afastada a preliminar arguida.

 

DA PRELIMINAR DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

A defesa aduz ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, em virtude do tratamento desigual dado à acusação e à defesa, porquanto em relação a esta o magistrado de primeiro grau determinou que fosse justificada a necessidade de intimação das testemunhas arroladas na resposta à acusação, deliberando, por fim, o comparecimento independentemente de intimação, e, por falta desta, as testemunhas arroladas pela defesa deixaram de comparecer na audiência e a prova foi declarada preclusa.

No caso, na decisão que recebeu a denúncia, o magistrado a quo determinou a citação do acusado para responder à acusação, nos termos dos artigos 396 e 396-A, do CPP, consignando que, observando-se o disposto na parte final do mencionado dispositivo a defesa deverá justificar a necessidade de intimação da(s) testemunha(s) eventualmente arrolada(s), sendo que, no silêncio, esta(s) deverá(ão) comparecer independentemente de intimação à audiência a ser designada (fls. 7/8 ID 158870125).

Após citado, o réu apresentou o rol de testemunhas na resposta à acusação (fls. 44/46 ID 158870125), requerendo em petição posterior que as testemunhas arroladas fossem intimadas para comparecimento na audiência de instrução, sem oferecer justificativa (fl. 56 ID 158870125).

Ato contínuo, o magistrado a quo designou a audiência de instrução e julgamento e determinou o comparecimento das testemunhas de defesa independentemente de intimação, nos termos a seguir (fls. 58/59 ID 158870125):

(...)

Em prosseguimento, designo a audiência de instrução e julgamento para o dia 14 (quatorze) de agosto de 2013, às 15h00min.

Intimem-se o réu e as testemunhas arroladas pela acusação (fl. 147).

Outrossim, considerando que, embora tenha apresentado a solicitação de fl. 191, a defesa não apresentou justificativa para a intimação das testemunhas arroladas a fl. 182, conforme determinação de fls. 148/149, logo, as mesmas deverão comparecer independentemente de intimação.

Sem embargo das deliberações supra, intime-se a defesa para que declare, sob as penas da Lei, no prazo de 5 (cinco) dias, se as testemunhas Ozéias Cerqueira de França, Luciano dos Santos, Gleidenir Maria de Lima e Gabriel Godoy Monteiro presenciaram os fatos narrados na denúncia ou outros fatos circunstanciais relativos ao delito imputado ao réu, ou se são meramente testemunhas referenciais - com o objetivo de atestar a idoneidade do acusado, sobretudo em razão de residirem em outros municípios.

Fica consignado que, tratando-se de testemunhas referenciais, a defesa poderá carrear aos autos suas declarações escritas, que terá o devido valor no contexto probatório.

(...)

Intimada da decisão (fls. 65 e 80 ID 158870125), transcorreu in albis o prazo para manifestação da defesa (fl. 81 ID 158870125).

Na ata da audiência realizada em 14.08.2013 (fls. 82/83 ID 158870125), consignou-se a ausência das testemunhas da defesa, bem como que, iniciados os trabalhos, a defesa requereu a juntada de declarações de Mário Miguel e Luciano dos Santos, das quais o MPF teve ciência e requereu que se manifestará sobre as declarações no momento propício, após o interrogatório. Ainda, diante da ausência das testemunhas arroladas pela defesa, pelo MM. Juiz foi dito: ‘Considerando o teor do decidido às fls. 193/194, bem como a certidão de fls. 212, declaro preclusa a oportunidade para a oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, que deveriam comparecer independentemente de intimação. Anote-se na capa dos autos a necessidade de intimação da ofendida, nos termos do artigo 201, p. 2° do CPP. Designo interrogatório para o dia 11 de setembro de 2013 às 14h00min, saindo os presentes de tudo cientes e intimados.’ NADA MAIS HAVENDO, foi determinado o encerramento da presente audiência.

Cumpre mencionar que é a lei que impõe, como regra geral, que as testemunhas arroladas pela defesa comparecerão para sua oitiva em juízo independentemente de intimação, sendo esta cabível somente em caso de demonstrada necessidade, conforme preconiza o art. 396-A, “caput”, parte final, do CPP (Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário).

Cite-se precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. 2. PLEITO DE NULIDADE. INTIMAÇÃO PARA APRESENTAR RESPOSTA À ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO QUANTO À NECESSIDADE DE LEVAR AS TESTEMUNHAS ARROLADAS. AUSÊNCIA DE EXIGÊNCIA LEGAL PARA QUE CONSTE DA INTIMAÇÃO. REGRA QUE CONSTA DO ART. 396-A DO CPP. 3. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA. DEFICIÊNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. SÚMULA 523/STF. 4. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

2. Não há norma que exija seja informada na intimação a necessidade de levar testemunhas independentemente de intimação, uma vez que se trata de informação que consta expressamente do art. 396-A do CPP. Dessarte, o fato de a intimação para apresentar resposta à acusação não ter trazido a informação, no sentido de que seria necessário requerer a intimação das testemunhas ou levá-las independentemente de intimação, não revela irregularidade alguma, não se tratando, por certo de nulidade. Ainda que assim não fosse, como é de conhecimento, não se reconhece, no processo penal, nulidade da qual não tenha acarretado prejuízo, conforme disciplina o art. 563 do Código de Processo Penal.

3. Nesse contexto, não há se falar igualmente em nulidade por ausência de defesa, pois eventual deficiência da defesa técnica, em virtude de o causídico não ter atentado para a necessidade de levar as testemunhas até a audiência, demanda demonstração do prejuízo, conforme dispõe o verbete n. 523/STF: "No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu". Dessarte, não se tendo demonstrado de que forma a situação processual do paciente teria sido modificada positivamente, acaso tivessem sido ouvidas as testemunhas, não se verifica prejuízo. Assim, não se observando prejuízo à defesa, não há se falar em nulidade.

4. Habeas corpus não conhecido.

(STJ, HC 389.368/PE, 5ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 21/11/2017, DJe 28/11/2017)

Do processamento do feito, constata-se que a defesa não justificou a necessidade de intimação das testemunhas arroladas, ainda que instada pelo Juízo a fazê-lo, e, determinado seu comparecimento independentemente de intimação, nada mais requereu. Infere-se, ao contrário, que houve acatamento da decisão proferida pelo magistrado a quo, uma vez que na audiência realizada em 14.08.2013 a defesa requereu a juntada das declarações das testemunhas Mário Miguel e Luciano dos Santos, em consonância com a determinação de que, tratando-se de testemunhas referenciais, a defesa poderá carrear aos autos suas declarações escritas.

Frise-se, ademais, que mesmo nas razões recursais a defesa deixou de esclarecer a imprescindibilidade da oitiva das testemunhas arroladas, alegando genericamente cerceamento de defesa, de modo que não demonstrou qual seria o prejuízo sofrido com a não realização da prova, passível de decretação de nulidade. Como preconizado pelo Código de Processo Penal, em seu art. 563, nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, razão pela qual qualquer decretação de nulidade passa pela perquirição da sobrevinda de prejuízo àquele que foi prejudicado pelo ato impugnado sob o pálio do princípio pas de nullité sans grief.

Desse modo, resta rechaçada a preliminar suscitada.

 

DO MÉRITO

DO DELITO DE PATROCÍNIO INFIEL - ATIPICIDADE DA CONDUTA

Podemos conceituar crime como sendo fato típico e antijurídico, consistindo o fato típico, toda conduta descrita em lei como infração penal, e consequentemente, a tipicidade, a relação de subsunção entre um comportamento e o tipo legal de crime.

Dessa forma, se a conduta do agente não se enquadrar na definição legal de um tipo penal, não há que se falar em crime, pois nesse caso o fato não possui todos os elementos legais para se constituir em um delito, devendo o réu ser absolvido, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal (III - não constituir o fato infração penal).

Como exposto acima, o crime tipificado no art. 355, caput, do Código Penal, dispõe que o patrocínio infiel consiste em trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo lhe é confiado, reprimindo a atuação do advogado ou procurador que, em Juízo, dolosamente, atua em prejuízo do interesse que deveria defender.

No caso dos autos, a conduta imputada ao réu na peça acusatória, consistente no levantamento de valores correspondentes ao pagamento do benefício assistencial, devidos à sua cliente, sem o posterior repasse a esta, não se subsome ao delito de patrocínio infiel (art. 355, CP), por não envolver o direito levado a Juízo na ação judicial em que configurou como patrono da vítima. Aliás, o êxito na demanda indica que a atuação profissional do acusado foi favorável à defesa do direito da representada.

Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados:

PENAL. PROCESSO PENAL. NULIDADE. CONEXÃO PROBATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PATROCINIO INFIEL. ATIPICIDADE. APROPRIAÇÃO INDÉBITA E USO DE DOCUMENTO FALSO. NÃO COMPROVAÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA E APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. Em que pese a prevenção do Juízo da 2ª Vara Federal de Franca para julgar todas as ações penais que envolvam fatos semelhantes contra o mesmo acusado e a concentração da oitiva das testemunhas e do interrogatório do réu em um processo piloto (feito n. 0001487-23.2013.403.6113), não ocorreu a unificação dos feitos, de modo que as ações penais estão sendo julgadas individualmente.

2. Os fatos expostos não configuram a responsabilidade criminal do acusado pelo delito de patrocínio infiel, uma vez que a conduta do advogado que retém injustificadamente verba recebida em nome do cliente subsume-se, em tese, ao delito de apropriação indébita previdenciária.

3. Não foram provadas a materialidade e autoria delitiva dos crimes de apropriação indébita e uso de documento falso.

4. Preliminar de nulidade rejeitada e apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 70117 - 0001532-27.2013.4.03.6113, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 07/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/05/2018, grifo nosso)

 

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE. PATROCÍNIO INFIEL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. USO DE DOCUMENTO FALSO. PRELIMINAR REJEITADA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRESENÇA DE DOLO. DOSIMETRIA.

1. Imputado à parte ré a prática de patrocínio infiel, tipificado no artigo 355 do CP; apropriação indébita, tipificada no artigo 168, §1º, III, do CP; e uso de documento falso, tipificado no artigo 304 do CP.

2. Não se pode conhecer de referido agravo, em razão da falta de previsão legal. Contudo, ainda que se pudesse conhecer, no mérito não teria razão o réu.

3. Consignou o Juiz que a apropriação qualificada de valores em desfavor de seu cliente, valendo-se da profissão de advogado já inclui, na sua configuração, o patrocínio infiel, restando este delito absorvido no tipo penal do artigo 168, §1°, III, do CP.

4. Devidamente comprovadas nos autos a materialidade e a autoria dos delitos de apropriação indébita e de uso de documento falso atribuídos à parte ré.

5. Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar os crimes de apropriação indébita e de uso de documento falso, tipificados nos artigos 168, §1º, III, e 304, ambos do CP.

6. Verifica-se suficiente a elevação da pena-base como efetuada na sentença.

7. Reduzidas as multas de ofício bem como o valor do dia-multa.

8. Agravo retido não conhecido. Apelação desprovida. De ofício reduzidos os valores das multas e do dia-multa.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 55847 - 0000639-18.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 24/01/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/02/2017, grifo nosso)

 

APELAÇÃO CRIMINAL. PATROCÍNIO INFIEL. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ARTIGO 168, §1º, III, DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PERPETUAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DOSIMETRIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Denúncia que descreve fato caracterizado pelo levantamento e apropriação, por advogado, de valores de benefício previdenciário depositados em nome de seu cliente, em razão de sentença transitada em julgado proferida nos autos de ação previdenciária.

2. Conduta que não se subsume ao tipo do artigo 355 do Código Penal. Mantida a absolvição por este delito, com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.

2. Devidamente demonstradas a materialidade e a autoria do crime tipificado no artigo 168, §1º, III, do Código Penal.

3. Perpetuação da competência da Justiça Federal, nos termos dos artigos 109, IV da Constituição Federal e 81 do Código de Processo Penal, e à luz da Súmula 122 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

4. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor equivalente a um salário mínimo, a ser destinada à União Federal.

6. Apelo parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 56971 - 0001728-37.2012.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 24/06/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/06/2014, grifo nosso).

Consoante ressaltado na sentença, além do fato da apropriação indébita, não há outro elemento para configurar o delito de patrocínio infiel, impondo-se a sua absolvição, eis que não revelada na conduta do réu qualquer descuido ou traição no trato da causa quando em trâmite judicial. O réu, em que pese o fato ora apurado, obteve êxito na demanda previdenciária e, assim, não agiu em prejuízo do interesse da ofendida demandado na ação judicial. O fato delituoso decorreu de situação posterior; isto é, na apropriação de valores devidos à ofendida.

Assim, diante da atipicidade da conduta, de rigor a manutenção da absolvição do réu em relação ao delito de patrocínio infiel, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal (III - não constituir o fato infração penal).

 

DO DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA

O réu foi condenado em primeiro grau pela prática do crime previsto no artigo 168, § 1º, inciso III, do Código Penal, in verbis:

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

(...)

III - em razão de ofício, emprego ou profissão.

Para a caracterização do crime de apropriação indébita, devem estar presentes três requisitos fundamentais, quais sejam: I) a conduta de se apropriar de coisa alheia móvel; II) a existência de posse ou detenção da coisa por parte do agente; III) o surgimento do dolo (animus rem sibi habendi) após a posse ou a detenção da coisa.

Quanto à consumação, esta ocorre no momento em que o agente, livre e conscientemente, inverte o domínio da coisa que se encontra na sua posse, passando a dela dispor como se proprietário fosse.

DA MATERIALIDADE DELITIVA, AUTORIA E DOLO

Consta nos autos que, aos 10 de novembro de 2009, na Procuradoria da República em Marília (SP), compareceu Glória de Fátima Ribeiro, informando que em 2004 procurou a OAB/Marília para nomeação de advogado dativo para propositura de ação contra o INSS, objetivando o recebimento de benefício assistencial; que foi nomeado o advogado Valdir Acácio; que tal advogado nunca lhe cobrou nada pelos serviços prestados, sendo que a declarante somente assinou a procuração para o ajuizamento do processo; que em abril de 2008 a declarante começou a receber as parcelas do benefício assistencial; que naquela ocasião, a declarante recebeu também as parcelas referentes aos meses de dezembro/2007 a março de 2007; que foi o advogado Valdir que lhe informou que iria começar a receber o benefício postulado; que devido à demora para receber os valores relativos às parcelas atrasadas do benefício, em 27 de outubro de 2009, a declarante dirigiu-se à Justiça Federal em Marília, onde foi informada que o valor já havia sido depositado e levantado em junho de 2008, conforme documentos anexos; que o valor levantado foi R$ 16.215,64 (dezesseis mil, duzentos e quinze reais e sessenta e quatro centavos); que no recibo de levantamento há uma assinatura a qual a declarante afirma ser do advogado Valdir, uma vez que é semelhante à assinatura constante de cópia de recurso de apelação interposto pelo advogado (cópia anexa); que tais cópias foram fornecidas à declarante pelo próprio advogado; que procurou o advogado Valdir e ele negou ter levantado o valor; que mostrou a ele o recibo do levantamento do dinheiro e ele disse que não tinha nada para falar sobre o documento; que a declarante insistiu com o advogado e, após realizar uma ligação telefônica, ele propôs à declarante que depositaria aproximadamente R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em dezembro de 2009 e mais cerca de R$ 3.000,00 (três mil reais) em janeiro de 2010; que a declarante recusou tal proposta, falando para o advogado que queria receber pelo menos R$ 15.000,00 (quinze mil reais); que a declarante não assinou nenhum documento relativo ao pagamento honorários para o advogado Valdir, e solicitou providências no sentido de receber o valor relativo às parcelas atrasadas, que foi indevidamente levantado (fls. 5/6 ID 158870123).

Ante tais alegações, instado a se manifestar no Procedimento Investigatório Criminal n. 1.34.007.000287/2009-11, o réu VALDIR ACÁCIO declarou que (fls. 32/34 ID 158870123):

Em julho de 2008, foi por este Signatário efetuado o levantamento referente ao RPV devido nos autos nº 2004.61.11.004156-8 e referida quantia entregues à Sr. Gloria de Fátima Ribeiro Guimarães, conforme comprova o recibo em anexo.

Em data de 09 de setembro de 2008, a senhora Glória questionou a respeito da quantia que lhe havia sido repassado e lhe fosse fornecido uma cópia do recibo que esta havia assinado, sendo informada de que não poderia ser atendida de imediato, uma vez que, ante a reforma no escritório, alguns documentos haviam se extraviado e dentre eles o recibo em questão, mas que referido valor era de R$ 16.600,00, conforme cálculos do INSS, que já lhe havia sido fornecida.

A Senhora Gloria disse que se lembrava dos valores recebidos e ante o extravio do recibo, fez uma declaração de próprio punho, dando quitação à referida importância, conforme comprova o documento em anexo.

De março do corrente ano para cá, Dona Gloria, efetuou varias ligações para este escritório de advocacia, questionando sobre o dito recibo, até que em meados de outubro deste, se dizendo querer adquirir um imóvel, pediu a este Signatário que afirmasse para uma Senhora que se dizia chamar-se Lilia, possivelmente amiga de dona Glória, que a mesma (Glória) ainda tinha valores a receber, o que foi negado por este Signatário.

Ante tal insistência e na presença de tal Lílian, foi dito por este signatário, que dona Gloria já havia recebido o que de direito, restando à mesma tão somente a pensão mensal no valor equivalente a um salário mínimo a ser pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

Descontrolada, disse que iria tomar providencias contra este signatário.

Em fim (sic), convém registrar que este Signatário, em nenhuma oportunidade ofertou qualquer proposta para pagamento dos valores mencionados na declaração prestada por Gloria de Fátima Ribeiro Guimarães, até porque, nada mais devia à mesma, cuja prestação de contas foi realizada logo após findo o processo conforme recibo de quitação (doc. anexo).

Assim, conforme demonstram os documentos acostados a esta, as afirmações constantes no presente procedimento são inverdades e caluniosas, razão que se requer, seja por esta procuradoria rejeitada referida acusação contra este signatário e instaurado procedimento adequado para processar e condenar a senhora Gloria de Fátima Ribeiro Guimarães, pelo crime de denunciação caluniosa, nos termos e rigores da lei.

Diante da manifestação do acusado, Glória de Fátima Ribeiro ratificou que não recebeu a quantia de R$16.600,00 e que não se lembra de ter elaborado a declaração de fl. 32, e nem de ter assinado o recibo de fl. 33, dizendo que apenas assinou um recibo, mas que este estava em branco, e seria referente a um adiantamento de R$ 400,00 pagos pelo advogado para ela realizar um exame médico (fl. 45 ID 158870123).

Foi juntada nos autos cópia integral do processo n. 2004.61.11.004156-8 (fls. 9/250 ID 158870123), em que se verifica que houve concordância com os cálculos apresentados pelo executado Instituto Nacional do Seguro, quais sejam, R$ 16.471,99 a título de benefício devido, com juros e correção monetária, mais R$ 2.470,80 de honorários advocatícios, totalizando R$ 18.942,79 (fls. 223 e 225 do citado ID), existindo informação da Caixa Econômica Federal de que houve o pagamento dos valores das Requisições de Pequeno Valor – RPV (fls. 237/245 do mesmo ID).

O primeiro Laudo de Perícia Criminal, em relação à declaração e ao recibo de quitação, no valor de R$ 16.600,00, apresentados pelo acusado, concluiu que (fls. 56/67 ID 158870124):

Conforme foi descrito com mais detalhes na Seção III, na declaração descrita na alínea a da Subseção I.1, o título (DECLARAÇÃO), o parágrafo que se inicia com a palavra GLÓRIA e o que se inicia com a palavra MARÍLIA foram produzidos pelo punho escritor de GLÓRIA DE FÁTIMA RIBEIRO GUIMARÃES.

Também na declaração, o trecho com os dizeres ‘R$ 16.600,00 (recebido em 10/07/0/)’ apresenta características que indicam que NÃO foi produzido pelo punho escritor de GLÓRIA DE FÁTIMA RIBEIRO GUIMARÃES e sugestivos de que foram produzidos pelo punho de VALDIR ACACIO.

A assinatura aposta na declaração apresenta características que sugerem que partiram do punho de GLÓRIA DE FÁTIMA RIBEIRO GUIMARÃES. Entretanto os Peritos entendem que essas convergências não se revelam suficientes para vinculá-los de forma inequívoca.

Com relação à assinatura lançada no recibo descrito na alínea b da Subseção I.1, os signatários entendem que há elementos concordantes que o vinculam ao punho escritor de GLÓRIA DE FÁTIMA RIBEIRO GUIMARÃES.

Em segundo Laudo de Perícia Criminal, objetivando apontar a autoria da assinatura constante na declaração supostamente emitida por Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, constatou-se que (fls. 131/138 ID 158870124):

Os exames comparativos entre o material padrão de GLÓRIA DE FÁTIMA RIBEIRO GUIMARÃES e a assinatura questionada restaram inconclusivos porque, embora tenham sido observadas algumas coincidências gráficas, os Peritos acreditam que são em número insuficiente para vinculá-los de forma inequívoca. Além disso, levando em consideração que o material padrão revela uma escrita com elevado grau de variabilidade e que a assinatura questionada não exibe sinais de que foi produzida de forma não espontânea, como traços trêmulos, repasses, retoques, hesitações ou paradas anormais, os signatários entendem que as divergências também presentes não são capazes de afastar a hipótese de que a assinatura questionada tenha sido produzida pelo punho escritor da fornecedora do material padrão.

Com relação aos exames comparativos entre o material padrão de VALDIR ACACIO e a assinatura questionada, foram encontradas divergências gráficas que não permitem vincular a assinatura questionada ao punho do fornecedor do material padrão com base no material padrão fornecido para exame.

A Caixa Econômica Federal, em atendimento a ofício da Justiça Federal de Marília, referente à Requisição de Pequeno Valor - RPV em nome de Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, informou que o levantamento foi efetuado pelo advogado Dr. Valdir Acácio que depositou na sua conta poupança nº 3972.013.00002195-0, o valor de R$ 6.215,64 (Seis Mil, Duzentos e Quinze Reais e Sessenta e Quatro Centavos), e sacou em espécie a quantia de R$ 10.000,00 (Dez Mil Reais), sendo que o Comprovante de Levantamento Judicial indica “valor total levantado R$ 16.717,15” e “valor IRRF R$ 501,51”, resultando com o desconto do imposto de renda a quantia de R$ 16.215,64 (fls. 166/173 ID 158870124).

Na fase judicial, o acusado colacionou um segundo recibo, no valor de R$ 400,00, preenchido somente com a parte numérica e supostamente assinado por Glória de Fátima Ribeiro Guimarães. O MM. Juízo de primeiro grau determinou a realização de exame grafotécnico à Polícia Federal, a fim de se constatar a autenticidade da assinatura ali lançada, tendo a perícia apresentado as seguintes respostas aos quesitos (fls. 157/168 ID 158870125):

l. A assinatura constante no recibo partiu do punho de Glória de Fátima Ribeiro Guimarães?

Sim, conforme consignado na subseção III.1.1, foram constatadas convergências gráficas suficientes para afirmar que a assinatura questionada ora analisada foi produzida pela fornecedora do material padrão em nome de GLORIA DE FATIMA RIBEIRO GUIMARÃES, tratando-se, portanto, de uma assinatura autêntica.

2. O campo '400,00' foi preenchido por Glória de Fátima Ribeiro Guimarães ou por Valdir Acácio?

O valor em algarismos não foi produzido pelo punho de GLORIA DE FATIMA RIBEIRO GUIMARÃES, conforme consignado na subseção III.1.1.

Conforme consta na subseção III.1.2, o exame comparativo entre esse manuscrito questionado e o material padrão de VALDIR ACACIO resultou em uma indicação positiva. Em outras palavras, foram constatadas convergências gráficas que sugerem unicidade de punho, as quais, entretanto, são insuficientes para determinar de forma indubitável que o valor em algarismos foi produzido pelo fornecedor do material padrão em nome de VALDIR ACACIO.

3. Foi utilizada a mesma caneta para escrever o valor ‘400,00’ e a assinatura?

Conforme consignado na subseção III.2, o Perito concluiu que esses manuscritos foram produzidos pelo mesmo instrumento escritor ou por instrumentos diversos com tintas de características semelhantes.

Da prova oral colhida em juízo, tem-se que Glória de Fátima Ribeiro Guimarães foi ouvida como testemunha (ID 178744644), ratificando em parte as declarações prestadas em sede investigatória, porquanto negou que houve proposta de pagamento parcelado e que o valor que pretendia receber seria pelo menos dezesseis mil reais, referente ao trecho da declaração “ele propôs à declarante que depositaria aproximadamente R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em dezembro de 2009 e mais cerca de R$ 3.000,00 (três mil reais) em janeiro de 2010; que a declarante recusou tal proposta, falando para o advogado que queria receber pelo menos R$ 15.000,00 (quinze mil reais)”. Afirmou que o acusado foi seu advogado em processo previdenciário, o qual sempre lhe atendeu de pronto, e, inclusive quando precisou de um valor adiantado, o réu lhe emprestou a quantia de R$ 400,00, tendo a depoente assinado um recibo em branco em relação a essa transação. Aduziu que o acusado nunca lhe cobrou esse valor. Disse que não assinou outro documento além desse recibo ou da procuração “ad judicia”, sequer contrato de honorários advocatícios, tendo-lhe sido informado que seria assistida por advogado gratuito. Relatou não ter queixas sobre o trabalho do acusado, que sempre esclareceu todas as questões do processo e nunca lhe cobrou qualquer valor pelos serviços prestados. Referiu que conhece Lídia Espedita Rodella da igreja. Esclareceu que compareceu à Justiça Federal para verificar se os valores atrasados relativos ao seu benefício estavam disponíveis, e foi informada que estavam depositados na CEF; na CEF foi-lhe dito que já haviam sido sacados; quando foi ao escritório do acusado, este disse que o dinheiro não havia sido liberado, e ela mostrou-lhe o papel entregue pelo banco; então, o réu ligou para alguém e ofereceu à depoente oito mil reais, a qual recusou, porquanto o valor a receber era superior, ao que ela dirigiu-se ao Ministério Público. Reportou que escreveu a declaração de recebimento dos valores de benefício de próprio punho, pensando se referir às parcelas já recebidas do INSS, e que não constava o valor de R$ 16.600,00 no documento; confirmou ser sua a assinatura. No que tange ao recibo de R$ 16.600,00, disse ter assinado o documento em branco, ressaltando que aquela era sua assinatura. Quanto ao recibo de R$ 400,00 colacionado à fl. 54 ID 158870125, afirmou não ser sua a assinatura.

Lídia Espedita Rodella, por sua vez, afirmou ter visto o acusado apenas uma vez quando foi com Glória de Fátima Ribeiro Guimarães ao seu escritório. Disse que conheceu Glória de Fátima Ribeiro Guimarães do grupo de orações da igreja que frequentam. Relatou que Glória de Fátima Ribeiro Guimarães pediu orações para que o processo relativo ao INSS se resolvesse, porque precisava do dinheiro. Confirmou que Dr. Juliano, atual advogado de Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, contou que o acusado pediu ao causídico para falar à ofendida que lhe daria mil reais se retirasse a queixa (ID 178744645).

O acusado, no interrogatório judicial (ID 178744649), explicou que Glória de Fátima Ribeiro Guimarães foi indicada pela OAB, em 2004, para que o causídico atuasse em processo de pedido de amparo social, no qual a autora foi vencedora. Relatou que havia valores atrasados a serem recebidos e teria mostrado os cálculos elaborados pelo INSS a ela; então, no começo de 2008, Glória de Fátima Ribeiro Guimarães pediu-lhe R$ 400,00 adiantados. Disse que, quando o precatório foi disponibilizado, levantou os valores em junho de 2008, porque a autora estava em Curitiba, pagando-lhe em meados de julho de 2008. Afirmou que os R$ 400,00 foram pagos, e que o respectivo recibo do empréstimo foi preenchido somente com o valor numérico e assinado por Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, constando o documento nos autos. Aduziu que pagou à autora todos os valores devidos. Mencionou que nunca houve desentendimentos com a cliente; mas que um dia esta ligou para o depoente pedindo cópia do recibo do pagamento dos valores e o depoente explicou que tinha mudado seus móveis (de arquivos de aço para madeira) e não estava encontrando o recibo; então, Glória de Fátima Ribeiro Guimarães disse que “quem não tem recibo é porque não pagou”. Esclareceu que quando levantou o RPV na Caixa Econômica Federal depositou uma parte na sua conta poupança porque tinha o restante do valor no escritório e não queria ficar andando com dinheiro além do que precisava. Negou que tenha oferecido mil reais ou qualquer outra quantia que não devesse à cliente. Acrescentou que os R$ 16.600,00 foram pagos em dinheiro, em torno de um mês após o levantamento da RPV. Destacou não ter cobrado honorários advocatícios da cliente, porque tratava-se de assistência judiciária.

Do exposto, exsurge que o réu não justificou plausivelmente a necessidade de ter levantado os valores devidos a sua cliente, a ele não pertencentes. A quantia referente aos honorários advocatícios judiciais, cabíveis ao acusado, foi paga em Requisição de Pequeno Valor – RPV diversa, também levantada por ele. No que tange a honorários contratuais, como mesmo reconhecido em juízo pelo increpado, não são devidos, em virtude da assistência judiciária gratuita prestada. Assim, somente se justificaria o levantamento dos valores atrasados de benefício acaso solicitado e autorizado por Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, o que não se demonstrou.

De toda sorte, não se configuraria a apropriação indébita se comprovado que o montante foi repassado à cliente. Para fazer tal prova, o increpado juntou uma declaração, um recibo de R$ 16.600,00 e outro de R$ 400,00, todos em tese emitidos pela vítima. Restou comprovado, conforme perícia criminal e afirmação da ofendida em juízo, que a declaração de recebimento dos atrasados, foi por ela escrita e, embora a perícia tenha sido inconclusiva quanto à assinatura no documento ser dela, esta confirmou que sim. No entanto, o valor recebido e data de recebimento constante do documento (R$ 16.600,00 em 10.07.2008) mostraram-se ter sido apostos pelo acusado, de acordo com a conclusão da perícia, declarações da vítima e também como afirmado pelo réu na Polícia Federal (fl. 99 ID 158870124 – QUE em relação às divergências atestadas no terceiro parágrafo de fls. 49 (Laudo Pericial) esclarece ·o DECLARANTE que o valor preenchido no documento de fls. 28 partiu de seu próprio punho). Outrossim, Glória de Fátima Ribeiro Guimarães esclareceu ter entendido que a declaração se referia às parcelas referentes aos meses de dezembro de 2007 a março de 2008, recebidas quando do início do pagamento do benefício, e não a todos os valores atrasados.

No que tange ao recibo de quitação de R$ 16.600,00, o corpo do documento foi datilografado e a assinatura da cliente, embora comprovadamente sua, conforme perícia criminal e afirmado por ela, esclareceu esta que o recibo foi assinado em branco, quando do pedido de adiantamento dos R$ 400,00.

Realmente, há o recibo de R$ 400,00, apresentado pelo acusado somente em juízo, constando apenas o valor numérico de R$ 400,00, sem corpo preenchido, mas assinado por Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, consoante apurado pela perícia criminal, apesar de a vítima, em juízo, não ter reconhecido sua assinatura no documento.

A ofendida recorda-se de ter assinado apenas um recibo em branco, referente ao adiantamento de R$ 400,00. Apesar de estar comprovado que é legítima sua assinatura em ambos os recibos, tanto no de R$ 400,00, como no de R$ 16.600,00, quanto a esse valor, fato é que tanto a declaração quanto o recibo não são suficientes à prova da quitação, porquanto em nenhum deles o valor lançado partiu do punho da vítima - na declaração, foi aposto pelo acusado e, no recibo, foi datilografado.

Constata-se, assim, dos elementos dos autos, que houve efetivo levantamento pelo réu dos valores pertencentes a Glória de Fátima Ribeiro Guimarães, sem, todavia, demonstração de seu repasse à ofendida. Ao contrário, evidenciou-se que o increpado depositou parte da quantia em conta poupança própria.

Algumas inconsistências, ainda, dos documentos apresentados pelo increpado corroboram a ocorrência de apropriação indébita. Primeiro o valor supostamente pago à cliente, de R$ 16.600,00. Como consta no Comprovante de Levantamento Judicial, com o desconto do imposto de renda a quantia levantada foi R$ 16.215,64. Desse modo, o causídico não pagaria valor superior à cliente, a qual ainda lhe devia os R$ 400,00 já adiantados. Ademais, o saque do RPV deu-se em 02.06.2008, o repasse à ofendida somente teria ocorrido em 10.07.2008, ao passo que a declaração emitida por Glória de Fátima Ribeiro Guimarães seria ainda de 09.09.2008, de modo que os intervalos não se justificam. Não restou explicado o motivo do recibo e da declaração terem sido feitos em datas diferentes, tampouco da transferência dos valores não ter sido imediata, porquanto a ofendida precisava do dinheiro, uma vez que solicitou o adiantamento de R$ 400,00. O fato de eventualmente estar em Curitiba não impossibilitaria, por exemplo, um depósito bancário. Por fim, causa estranheza o fato do recibo de R$ 400,00 não ter sido apresentado em fase policial, juntamente com a declaração e recibo relativos aos R$ 16.600,00, já que Glória de Fátima Ribeiro Guimarães mencionou o fato de ter assinado o recibo de R$ 400,00 em branco no Procedimento Investigatório Criminal.

Desse modo, restou comprovado que o réu, injustificadamente, levantou valores atrasados de benefício de sua cliente, na qualidade de advogado, apropriando-se indevidamente deles.

Assim, devidamente demonstrados a materialidade, a autoria e o dolo, de rigor a manutenção da condenação do acusado pelo delito previsto no artigo 168, § 1º, inciso III, do Código Penal.

DOSIMETRIA

O cálculo da pena deve observar os critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.

Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal.

Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.

Com relação à aplicação da pena de multa, tenho adotado como entendimento que esta deve observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que a pena de multa será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

A aplicação de tal disposição em tela tem como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo e no limite traçado pelo legislador, demonstrando a evidente intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros fixados em lei, distantes do abuso e do arbítrio de quem quer que seja, inclusive e especialmente do juiz, encarregado de aplicá-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª ed. rev., atual. e ampl., Editora Forense, 2015, Rio de Janeiro, pág. 37).

Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impor-se-ia que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção anteriormente, guardasse proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostrar-se-ia imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrario sensu, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deveria ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).

Importante ser dito que, segundo esse entendimento, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deveria guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).

Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente seria fazer letra morta aos princípios constitucionais anteriormente mencionados, desvirtuando, assim, o sistema penal e afastando a eficácia da pena de multa prevista pelo legislador.

Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, ainda mais se se considerar que o valor do dia-multa, na maioria das vezes, é imposto em seu patamar mínimo, vale dizer, 1/30 do salário mínimo. Ou seja, evidenciaria perfeita distorção no quantum pecuniário da pena base, jamais atingindo o esperado pelo legislador ao fixar margens bem distantes entre o mínimo e o máximo da pena de multa.

Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983, elaborada por força da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias estabelecidas na legislação em vigor, adotando-se, por essa razão, o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.

Ressalte-se que o posicionamento ora mencionado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL 56899 (Feito nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22.08.2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.08.2017) e na APELAÇÃO CRIMINAL 62692 (Feito nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11.07.2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 21.07.2017).

Nessa toada, segundo o que aqui se entende, a fixação da pena de multa deve levar em consideração seus limites mínimo e máximo com a adoção da proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal citada anteriormente).

A despeito disso, esta E. 11ª Turma vem decidindo reiteradamente que a sua fixação deve observar o critério trifásico de cálculo da pena de multa, seguindo, por conseguinte, os mesmos parâmetros e frações de majoração e redução adotados na dosimetria da pena corporal.

Cite-se, como exemplo, trecho do voto divergente de Relatoria do Desembargador Federal Nino Toldo, especificando a questão: Divirjo do e. Relator, com a devida vênia, somente quanto à pena de multa imposta ao acusado, pois, conforme precedentes desta Turma, sua fixação deve se dar de forma proporcional à pena privativa de liberdade, seguindo os mesmos parâmetros e frações de majoração e de redução. Assim, seguindo os mesmos parâmetros utilizados pelo e. Relator na dosimetria da pena privativa de liberdade, refaço a dosimetria da pena de multa para fixá-la em 13 (treze) dias-multa. Posto divirjo do e. Relator para DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação de CARLOS ALBERTO DA SILVA FILHO em maior extensão, apenas para fixar a pena de multa em 13 (treze) dias-multa, acompanhando-o em todo o mais (TRF3, ACR n.º 0002213-21.2012.4.03.6181/SP, Rel. Desembargador Federal Fausto De Sanctis, Rel. p/acórdão: Desembargador Federal Nino Toldo, Décima Primeira Turma, D.E 13.11.2020).

Não menos importante mencionar trecho do voto condutor de Relatoria do Desembargador Federal José Lunardelli, testificando que: Acompanho integralmente a e. Relatora quanto ao mérito e dosimetria das penas privativas de liberdade, mas peço vênia para dela divergir, em atenção à estabilidade da jurisprudência já firmada no âmbito desta 11ª Turma, bem como ao princípio da colegialidade, apenas com relação ao 'quantum' da pena de multa, devendo ser fixado de acordo com os mesmos critérios e na mesma proporção da pena privativa de liberdade. Nestes termos, fixo a pena de multa do réu em 11 (onze) dias-multa (cada qual no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos devidamente corrigido). Posto isso, divirjo da e. Relatora apenas para majorar a pena de multa de LUIZ CLAUDIO DE AZEVEDO LIMA em menor extensão, fixando-a em 11 (onze) dias-multa (TRF3, ACR n.º 0011102-85.2013.4.03.6000/MS, Rel. Juíza Federal Convocada Dra. Monica Bonavina, Rel. p/acórdão: Desembargador Federal José Lunardelli, Décima Primeira Turma, D.E 08.05.2020).

Assim, em observância a tal posicionamento, como forma de uniformizar os julgados trazidos a este Colegiado e por constatar ao longo de minha atuação nesta Turma a inação do Ministério Público Federal em levar este tema em específico às Cortes Superiores, faço a ressalva de meu entendimento pessoal, passando a adotar o critério majoritário desta E. 11ª Turma para calcular a pena de multa em conformidade com o critério trifásico da dosimetria da pena.

O r. juízo a quo fixou a pena nos seguintes termos:

As circunstâncias judiciais não são desfavoráveis ao réu. Assim, aplica-se a pena mínima de um ano de reclusão como base. Não visualizo atenuantes ou agravantes. A atenuante da confissão não se aplica, eis que não é possível atenuar a pena aquém do mínimo. Não verifico causas de diminuição de pena, apenas uma de aumento, consistente no §1º do artigo 168, III, do CP.

Em sendo assim, aumento a pena-base em 1/3, consolidando a pena em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto.

Na primeira fase da pena, a acusação requer sua majoração, aos seguintes argumentos:

As condutas do apelado chocaram contra regras de direito vigentes e padrões morais mínimos que deles se poderia esperar, provocando um alto grau de censurabilidade, já que sabia o que fazendo, eis que advogado experiente e há vários anos, é por deveras reprovável, afrontando não apenas o patrimônio do particular (Glória de Fátima Ribeiro Guimarães - hipossuficiente e portadora de Púrpura Trombocitopênica Auto-imune), como também os serviços da União (Justiça Federal).

Ressalta-se que não é a primeira vez que o apelado (advogado experiente e há vários anos) se envolve na prática de crimes contra constituinte (cliente) e serviços da União, já que tem contra si o Inquérito Policial n.º 0003888-98.2013.403.6111 (em trâmite na 2.ª Vara Federal de Marília), no qual se apurar os crimes de patrocínio infiel e estelionato (arts. 171 e 355 do Código Penal - docs. anexos).

O motivo das condutas criminosas do apelado foi a ambição desmedida, pouco importando se haveria prejuízo a terceiros; o comportamento da vítima (Glória de Fátima Ribeiro Guimarães - hipossuficiente e portadora de Púrpura Trombocitopêníca Auto-imune) em nada contribuiu para as práticas criminosas. É irrefutável as danosas consequências dos crimes praticados pelo apelado, pois além violarem o patrimônio privado e os serviços da União, atingiram pessoa deficiente e hipossuficiente (Glória de Fátima Ribeiro Guimarães -- portadora de Púrpura Trombocitopênica Auto-imune).

No entanto, a pena deve ser mantida no mínimo legal. No que tange à culpabilidade do réu, os fatores relacionados à profissão de advogado já são considerados na causa de aumento de pena prevista no inciso III do § 1º do art. 168 do CP. O acusado, tecnicamente, não ostenta antecedentes criminais, porquanto não houve condenação nos autos n. 0003888-98.2013.403.6111. Não há elementos concretos nos autos a embasar a valoração negativa da conduta social e da personalidade do acusado. Os motivos, as circunstâncias e consequências do crime retratado nos autos são próprios dos delitos dessa natureza, cabendo ressaltar que a vítima se mostrou pessoa com bom entendimento dos fatos e sem dificuldades de se comunicar. Quanto ao comportamento, a vítima em nada contribuiu para a prática do crime.

Assim, resta a pena mantida no mínimo legal: 01 (um) ano de reclusão.

Na segunda fase dosimétrica, ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes, mantida a pena em 01 (um) ano de reclusão.

Na terceira fase, presente a causa de aumento de pena prevista no art. 168, § 1º, III, do Código Penal, porquanto o réu praticou o crime na qualidade de advogado da vítima, a r. sentença majorou a pena em 1/3 (um terço), resultando em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, o que resta mantido.

No que tange à pena de multa, a r. sentença fixou-a em 10 (dez) dias-multa, o que resta mantido, ausente recurso da acusação nesse tocante.

O valor unitário do dia-multa estabelecido na sentença foi de 01 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, o que deve ser mantido, à míngua de insurgência recursal.

O regime inicial do cumprimento da pena deve permanecer o ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.

Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade

Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a sentença substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade, pelo período de 8 (oito) horas semanais, durante o mesmo período da pena privativa de liberdade imposta (um ano e quatro meses), junto a entidade beneficente ou de assistência social, a ser designada pelo Juízo da execução; (b) limitação de fim de semana e feriados, consistente na restrição à frequência em bares e casas noturnas após às 22 horas, durante o tempo de cumprimento da pena, o que deve ser mantido à míngua de insurgência recursal nesse tocante.

PENA DEFINITIVA

A pena imposta a VALDIR ACÁCIO, como incurso nas sanções do artigo 168, § 1º, inciso III, do Código Penal, torna-se definitiva em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor unitário de 01 (um) salário mínimo mensal vigente à época dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consubstanciadas em: a) prestação de serviços à comunidade, pelo período de 8 (oito) horas semanais, durante o mesmo período da pena privativa de liberdade imposta (um ano e quatro meses), junto a entidade beneficente ou de assistência social, a ser designada pelo Juízo da execução; (b) limitação de fim de semana e feriados, consistente na restrição à frequência em bares e casas noturnas após às 22 horas, durante o tempo de cumprimento da pena.

DA FIXAÇÃO DA REPARAÇÃO DO DANO SUPORTADO PELA VÍTIMA

Nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, a r. sentença fixou em desfavor do condenado a obrigação de pagar à ofendida a quantia de R$ 16.215,64 (dezesseis mil, duzentos e quinze reais e sessenta e quatro centavos), devidamente corrigida até a data do pagamento, acrescida de juros moratórios desde o evento ilícito (1% ao mês), ou seja, desde 02.06.2008, como valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.

Pleiteia a defesa o afastamento da fixação de valor mínimo de reparação dos danos, por ausência de pedido na denúncia.

Com efeito, não se desconhece a existência de posicionamento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que a aplicação do artigo mencionado exige (a) o cometimento de um crime após a entrada em vigor da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008; (b) a existência de pedido expresso do Ministério Público na denúncia ou nas alegações para fixação do valor mínimo do dano causado pela infração; e (c) a indicação dos valores e a existência de provas suficientes a fundamentar o pedido de condenação na reparação dos danos.

Todavia, cumpre consignar que a exigência de indenização do dano causado pelo crime não constitui inovação da Lei nº 11.719/2008, o que poderia respaldar o posicionamento acima referido. Trata-se, na verdade, de efeito da condenação previsto no art. 91, I, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, segundo o qual são efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, efeito este automático da sentença penal condenatória, cuja eficácia prescinde, inclusive, de pronunciamento judicial expresso do magistrado nesse sentido.

Ressalte-se, também, a desnecessidade de haver pedido expresso do Órgão Acusatório para a fixação do valor mínimo da reparação do dano causado pelo crime. Conforme já dito acima, a disposição prevista no art. 91, I, do Código Penal, constitui efeito automático da sentença condenatória. Ademais, não há que se falar em violação às garantias do contraditório e da ampla defesa, pois o valor a ser imposto é extraído da exordial acusatória, bem como da instrução processual, cabendo destacar que, diante da existência de norma expressa no Código Penal, o réu não pode alegar desconhecimento de que, em caso de condenação, restará assentada a certeza da obrigação de indenização pelo dano do crime.

Desse modo, a fixação do valor mínimo a título de reparação na sentença condenatória, ainda que não haja pedido expresso da acusação, não implica em desrespeito às garantias do devido processo legal.

Por seu turno, a atual redação do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, conforme consignado pela Lei nº 11.719/2008, apenas visa operacionalizar a regra de direito penal no âmbito processual. Além disso, tratando-se de norma de cunho processual, tem aplicação imediata aos processos em tramitação a teor do disposto no art. 2º do Código de Processo Penal. Nesse sentido:

PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA. DESCAMINHO/CONTRABANDO DE CIGARROS. ARTIGO 334 DO CP. CORRUPÇÃO ATIVA. ARTIGO 333 DO CP. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ARTIGO 288 DO CP. CONHECIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELA DEFESA TÉCNICA DO RÉU MARCOS EM CONFRONTO COM A RENÚNCIA DO RÉU AO DIREITO DE RECORRER. INTEMPESTIVIDADE DA APELAÇÃO DO RÉU CLAUCIR. EXCESSO DE PRAZO PARA O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL: INOCORRÊNCIA. RECURSO EM LIBERDADE: NÃO CABIMENTO. NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA: NÃO VERIFICADA. INÉPCIA DA DENUNCIA: NÃO CONFIGURADA. MATERIALIDADES DOS DELITOS DO ARTIGO 334 E 288 DO CP COMPROVADAS. AUTORIAS COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. NÃO CABIMENTO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO DOS RÉUS AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO AO ERÁRIO. (...) 27. Pedido de condenação dos réus ao pagamento de indenização ao erário: nosso ordenamento, antes mesmo da alteração que adveio com a Lei nº 11.719/08, previa que a sentença penal condenatória tornava certa, além da responsabilização criminal, também a responsabilização civil, conforme dispõe o art. 91, inc. I do CP, sendo certo que a novel lei apenas veio a trazer comando no sentido de que a sentença condenatória seja minimamente líquida. Não há necessidade de que o pedido seja expresso na denúncia ou reiterado em memoriais, já que a pretensão acusatória abrange igualmente a condenação de quantia líquida, em seu grau mínimo, em função do ato ilícito praticado. (...) (TRF3, ACR 00014361320114036006; 1ª Turma; Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira; e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/07/2016) - destaque nosso.

Desta feita, a sentença fixou, como o mínimo para a reparação dos danos causados pelo crime, o valor apropriado pelo réu, R$ 16.215,64 (dezesseis mil, duzentos e quinze reais e sessenta e quatro centavos), devidamente corrigido até a data do pagamento, acrescido de juros moratórios desde o evento ilícito (1% ao mês), ou seja, desde 02.06.2008, o que deve ser mantido.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por REJEITAR AS PRELIMINARES e NEGAR PROVIMENTO às Apelações da defesa e da acusação, mantendo a r. sentença recorrida na íntegra.

É o voto.

 


E M E N T A

 

PENAL E PROCESSO PENAL. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA REJEITADAS. PATROCÍNIO INFIEL. ART. 355 DO Código Penal. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ART. 168, § 1º, III, DO Código Penal. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. MANUTENÇÃO DA PENA COMINADA. EXCLUSÃO, de ofício, DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO REPARATÓRIO PELOS DANOS CAUSADOS.

1. O crime de patrocínio infiel (CP, art. 355) protege a administração da justiça e, secundariamente, o interesse patrimonial da parte lesada, reprimindo a atuação do advogado ou procurador que, em Juízo, dolosamente, atua em prejuízo do interesse que deveria defender. Tendo em vista que a conduta imputada na inicial acusatória teria ocorrido na Justiça Federal, compete, portanto, à própria Justiça Federal o julgamento do aludido delito, assim como o de apropriação indébita (CP, art. 168), por força do art. 76, III, do Código de Processo Penal, da Súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça, bem como do art. 109, IV, da Constituição da República. Preliminar de incompetência da Justiça Federal rejeitada.

2. Como prevê o Código de Processo Penal, em seu art. 563, nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, razão pela qual qualquer decretação de nulidade passa pela perquirição da sobrevinda de prejuízo àquele que foi prejudicado pelo ato impugnado sob o pálio do princípio pas de nullité sans grief. Preliminar de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa rejeitada.

3. Do delito de patrocínio infiel. O crime tipificado no art. 355, caput, do Código Penal reprime a atuação do advogado ou procurador que, em juízo, atua dolosamente em prejuízo do interesse que deveria defender. No caso dos autos, a conduta imputada ao réu na peça acusatória, consistente no levantamento de valores correspondentes ao pagamento do benefício assistencial devidos à sua cliente, sem o posterior repasse a esta, não se subsome ao delito de patrocínio infiel, por não envolver o direito levado a juízo na ação judicial em que configurou como patrono da vítima. Aliás, o êxito na demanda indica que a atuação profissional do acusado foi favorável à defesa do direito da representada. Diante da atipicidade da conduta, de rigor a manutenção da absolvição do réu, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.

4. Do delito de apropriação indébita. Para a caracterização do crime de apropriação indébita devem estar presentes três requisitos fundamentais, quais sejam: I) a conduta de se apropriar de coisa alheia móvel; II) a existência de posse ou detenção da coisa por parte do agente; III) o surgimento do dolo (animus rem sibi habendi) após a posse ou a detenção da coisa. Materialidade delitiva, autoria e dolo comprovados. Restou demonstrado que o réu, injustificadamente, levantou valores atrasados de benefício de sua cliente, na qualidade de advogado, sem repassá-los a ela.

5. Dosimetria. As circunstâncias judiciais são favoráveis ao acusado. Pena-base mantida no mínimo legal. Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes. Presente a causa de aumento de pena prevista no art. 168, § 1º, III, do Código Penal, pois o réu praticou o crime na qualidade de advogado da vítima.

6. No que tange à pena de multa, a r. sentença fixou-a em 10 (dez) dias-multa, o que resta mantido, ausente recurso da acusação nesse tocante. Mantido também o valor unitário do dia-multa, estabelecido na sentença em 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, à míngua de insurgência recursal.

7. Mantido o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, que foi substituída por duas penas restritivas de direitos.

8. Exclusão da condenação do acusado à reparação dos danos causados pela infração (CPP, art. 387, IV), antes a ausência de pedido do Ministério Público Federal, na denúncia.

9. Preliminares rejeitadas. Apelação da acusação a que se nega provimento e da defesa a que se dá parcial provimento.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, decidiu REJEITAR AS PRELIMINARES e, por maioria, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa apenas para excluir a fixação de valor mínimo para a reparação do dano (CPP, art. 387, IV), nos termos do voto do DES. FED. NINO TOLDO, acompanhado pelo DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI, vencido o Relator DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS que NEGAVA PROVIMENTO às Apelações da defesa e da acusação, mantendo a r. sentença recorrida na íntegra, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.