Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002028-02.2003.4.03.6115

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERREIRA - SP346619-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: ANDRE FERREIRA - SP346619-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002028-02.2003.4.03.6115

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: LETICIA MULLER - SP262685

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: LETICIA MULLER - SP262685

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de São Carlos (SP) que condenou o réu à pena de 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 36 (trinta e seis) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática dos crimes previstos nos arts. 149 e 297, § 4º, do Código Penal, e nos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89, em concurso material (CP, art. 69).

A denúncia (ID 165712282, pp. 3/15), recebida em 29.03.2010, narra:

Em outubro de 2003, no Sítio Estância Santa Mônica, localizado na cidade de Tambaú/SP, o denunciado deu destilação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos em descumprimento às exigências estabelecidas no artigo 6°, §§ 2° e 4°, da Lei 7802/89, no Decreto n° 4.074/2002, artigo 53, caput e seus parágrafos 2° e 5°c Portaria do Ministério do Trabalho n° 3.067/88 — Norma Regulamentadora Rural n° 05, item 5.7.

Ademais, CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA, na qualidade de empregador dos trabalhadores rurais do Sítio Estância Santa Mônica, deixou de promover as medidas necessárias de proteção à saúde de seus empregados e ao meio ambiente.

O denunciado, ainda, reduziu os rurícolas [...] que trabalhavam em suas plantações, a condição análoga à de escravo, bem como deixou de anotar em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de trinta e nove desses empregados período de trabalho que legalmente estaria obrigado a fazê-lo.

Em fiscalização realizada por auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, em 8 de outubro de 2003, no Sítio Estância Santa Mônica, arrendado por CLODOALDO, verificou-se que havia 48 (quarenta e oito) trabalhadores exercendo atividades em colheita de tomate, sem o recebimento de salário, alguns até mesmo sem registro em carteira, aplicando agrotóxicos sem o uso de equipamentos de proteção individual e que estavam instalados em moradias sem condições sanitárias adequadas.

Em virtude das irregularidades constatadas lavrou-se os autos de infração cujas cópias estão acostadas às fls. 19/29.

Posteriormente, em cumprimento a mandado de busca e apreensão expedido em 10 de novembro de 2003, a Polícia Federal, acompanhada de auditores fiscais do Ministério do Trabalho, esteve no sítio arrendado pelo denunciado, onde logrou apreender embalagens plásticas dos produtos químicos "Klorpan", "Fusilade", "Permetrina", "Sevin 480SC" e "Pirate" (auto circunstanciado de busca e apreensão de fls. 67/68). Também se apreendeu embalagens de agrotóxicos, conforme auto de fl. 101, cujos produtos foram usados na lavoura pelos empregados de CLODOALDO e a mando dele. Note-se que as embalagens deveriam ser entregues ao fabricante ou encaminhadas às autoridades ambientais e não dispersadas levianamente no meio ambiente.

Segundo consta do auto de infração de número 6197779, a empresa de CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA mantinha apenas 9 (nove) dos 48 (quarenta e oito) empregados que trabalhavam na lavoura de tomate com contrato de trabalho anotado em CTPS. Os fiscais constataram que os outros 39 (trinta e nove) trabalhadores estavam em pleno exercício de suas atividades, porém não haviam sido registrados.

Frise-se que os trabalhadores encontravam-se desempenhando atividade laborativa, de maneira não eventual, com subordinação e tendo como promessa o pagamento de salário.

De outro turno, o denunciado, assumindo os riscos da atividade econômica (plantação de tomates), admitiu, dirigia e coordenava os mencionados trabalhadores (estabelecendo o horário de trabalho, as tarefas a serem realizadas, bem como supervisionando as atividades que os empregados deveriam realizar).

Assim, os fiscais do trabalho, reconhecendo a relação de emprego sem as formalidades legais, efetuaram os respectivos autos de infração.

[...]

No auto de infração de número 8370770, se vislumbra que durante a fiscalização foram encontradas várias embalagens de agrotóxicos com resíduo que eram descartadas, no terreno onde os trabalhadores se dedicavam à lavoura, com risco de contaminação do solo e dos trabalhadores. O denunciado foi autuado também por não manter edificações destinadas ao armazenamento de produtos químicos em condições de possibilitar sua limpeza e descontaminação, conforme determina a Norma Regulamentadora Rural n° 05, item 5.7.2, alínea f— Portaria do Ministério do Trabalho n° 3.067/88.

Desse modo, CLODOALDO descumprira as exigências estabelecidas na legislação relativa à destinação de resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos.

Ademais, as irregularidades constatadas no armazenamento dos agrotóxicos e no descarte das embalagens vazias constituem risco à saúde dos trabalhadores e ao meio ambiente.

Com relação à saúde dos trabalhadores rurais, aliás, o denunciado deixou de promover várias medidas necessárias à sua proteção, estabelecidas na Portaria 3.067/88 — Norma Regulamentadora n° 04, itens 4.3 e 4.4, que regulamentou o artigo 13 da Lei 5.889/73.

Com efeito, a fiscalização empreendida pelo Ministério do Trabalho apurou que os trabalhadores aplicavam os agrotóxicos descalços, sem luvas, chapéus, máscaras e óculos de proteção, ou seja, sem nenhum equipamento de proteção individual e não haviam sido treinados para a utilização com segurança destes produtos. Além disso, alguns equipamentos de proteção encontrados na propriedade estavam em péssimo estado de conservação e sem a higienização necessária (autos de infração de fls. 19,25 e 27).

Parte das embalagens dos mencionados agrotóxicos foi apreendida o que vale dizer a elas não foi dada a destinação legal, constituindo, desse modo, a materialidade do crime.

Note-se que o denunciado na qualidade de produtor e empregador possuía o dever jurídico de promover as medidas necessárias de proteção à saúde dos empregados, bem como deveria ter dado destinação específica às embalagens de agrotóxicos apreendidas.

Quanto ao crime de redução a condição análoga à de escravo, verificou-se que os trabalhadores foram aliciados pelo denunciado que lhes ofereceu promessas como o pagamento de salários e outros benefícios com o propósito de atrai-los ao local de trabalho. Com o escopo de manter as vítimas sob sua vigilância, instalou-as em alojamentos nas cercanias da plantação, longe da área urbana, bem como deixou de pagar-lhe os salários devidos. Ademais, o denunciado oferecia às vítimas vales para desconto em um supermercado localizado na cidade de Mococa, chamado "Supermercado São Braz", o que caracteriza situação de vínculo obrigatório com o local do trabalho, uma vez que tal prática constitui artifício utilizado pelo empregador para transformar o trabalhador em eterno devedor. Todas essas práticas são artifícios eficientes para manter os trabalhadores vinculados eternamente ao local de trabalho, cerceando, de fato, a liberdade de ir e vir.

Elas não possuíam registro em sua carteira de trabalho da relação de emprego e, portanto, não tinham assegurados os direitos decorrentes daquela relação. Assim agindo, o denunciado servia-se dos trabalhadores, sem lhes reconhecer os direitos correspondentes às suas prestações. Ademais, constatou-se que as condições de trabalho existentes no Sítio Estância Santa Mônica eram degradantes, tendo em vista a existência de habitações de madeira com chão de terra batida, sem água encanada, nem banheiro, as péssimas condições de higiene e o risco a que era submetida à saúde dos trabalhadores em razão do emprego de agrotóxicos sem qualquer treinamento e sem equipamentos de proteção adequados, bem como pelo descarte das embalagens em descumprimento à legislação pertinente.

De outro vértice, as vítimas tinham baixa instrução e pouco conhecimento da região, foram induzidas pelas promessas trabalhistas jamais cumpridas, bem como mantinham dívidas no mencionado armazém. Todos esses fatores reduziram a esfera de liberdade dos trabalhadores a ponto de impedi-los de deixarem o cativeiro.

Destarte, o cenário humilhante de trabalho encontrado claramente não é condizente com a condição de ser humano livre e digno, consistindo verdadeira afronta ao princípio da dignidade humana.

A sentença (ID 165711281, pp. 150/183) foi publicada em 17.05.2016 (idem, p. 184).

Em seu recurso (ID 165711281, pp. 190/209), o MPF requer a reforma parcial da sentença para que sejam majoradas as penas-base de todos os crimes, tendo em vista a culpabilidade intensa do acusado e a sua personalidade, bem como pelos motivos, circunstâncias e consequências dos crimes.

A defesa, por sua vez (ID 165711281, pp. 290/293), requer a absolvição do acusado por insuficiência de provas, ao argumento de que as pessoas ouvidas não eram seus funcionários, mas diaristas, e porque não houve processo administrativo acerca das supostas infrações, sendo o réu um simples rurícola que ajudava as pessoas que precisavam de emprego. Quanto ao descarte das embalagens de agrotóxicos, afirma que não era do seu conhecimento que ocorresse de forma inadequada ou em local indevido. Ressalta que os diaristas não moravam na fazenda, permanecendo no local por mera liberalidade, jamais em condição análoga à de escravos. Argumenta, ainda, que os fatos se deram no ano de 2003, razão pela qual deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva. Requer, ainda, a aplicação do princípio in dubio pro reo ou, caso mantida a condenação, que sejam consideradas circunstâncias atenuantes e a concessão de sursis.

Foram apresentadas contrarrazões (ID 165711281, pp. 294/297 e 301/305).

A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento dos recursos (ID 165711281, pp. 310/334).

É o relatório.

À revisão.

 

 


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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002028-02.2003.4.03.6115

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APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: LETICIA MULLER - SP262685

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Advogado do(a) APELADO: LETICIA MULLER - SP262685

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V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela defesa de CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA em face da sentença que condenou o réu pela prática, em concurso material, dos crimes de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149), falsificação de documento público (CP, art. 297, § 4º) e contra a saúde e meio ambiente (Lei nº 7.802/89, arts. 15 e 16).

Após a inclusão do feito em pauta, a defesa ingressou com petição (ID 252517872), na qual sustenta, preliminarmente, (i) a nulidade da citação por edital; (ii) a nulidade da produção antecipada de provas; (iii) a nulidade do interrogatório do réu por falta de advertência quanto ao direito de não se autoincriminar; e (iv) nulidade do processo por deficiência da defesa técnica por parte dos profissionais que antecederam o atual defensor do apelante. Também pede o reconhecimento da inadmissibilidade da utilização de parte do acervo probatório para a condenação do apelante e, no mérito, pede a absolvição da imputação de prática do crime do art. 149 do Código Penal ou, ao menos, a sua desclassificação para crime menos grave, e a aplicação do princípio da consunção quanto aos crimes do art. 297, § 4º, do Código Penal e dos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89 pelo crime do art. 149 do Código Penal, por serem o meio empregado para a alegada conduta de redução a condição análoga à de escravo. Quanto à dosimetria da pena, requer o reconhecimento da atenuante da confissão, da atenuante genérica prevista no art. 66 do Código Penal, e da causa de redução de pena do arrependimento posterior (CP, art. 16).

A Procuradoria Regional da República opinou pela rejeição das teses de nulidade do feito e inadmissibilidade das provas e, quanto ao mérito, reiterou o parecer pelo desprovimento do recurso (ID 252996198).

O julgamento não pôde ser concluído na sessão de 7 de abril de 2022 em razão do ataque cibernético sofrido pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região no dia 29 de março de 2022, que deixou indisponíveis todos os sistemas, inclusive o processo judicial eletrônico (PJe).

Dito isso, passo ao exame das questões trazidas nos autos, iniciando pelas questões preliminares arguidas na "complementação às razões de apelação" apresentada pela defesa (ID 252517872). Conquanto extemporâneas, faço-o para que não se aleguem nulidades futuramente.

Pois bem.

Nulidade da citação por edital. Rejeito essa alegação preliminar, uma vez que a determinação de expedição de edital para citação do réu foi precedida de diversas tentativas frustradas de localização (ID 165712282, p. 71), tendo sido determinada a suspensão do feito e do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal, além de ser nomeado defensor dativo para acompanhar a produção antecipada de provas (idem, p. 84).

Registre-se que, depois de empreendidas diligências em novo endereço, o réu foi localizado e pessoalmente citado (ID 165711281, p. 73), tendo sido garantido o direito de requerer diligências complementares, razão pela qual não se pode falar em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Portanto, a citação por edital não implicou prejuízo à defesa e, consequentemente, não há nulidade a ser declarada (CPP, art. 563).

Nulidade da produção antecipada de provas. Quanto ao acolhimento do pedido do MPF de produção antecipada de provas, também não há que se falar em nulidade.

Tal requerimento encontra fundamento nos arts. 156, I, e 366 do Código de Processo Penal, segundo o qual as provas consideradas urgentes e relevantes poderão ser produzidas antes mesmo de iniciada a ação penal e ainda que suspenso o processo.

No caso, a produção da prova testemunhal tornou-se urgente em razão do longo tempo decorrido entre os fatos e a fase de instrução, o que poderia tornar imprestáveis os depoimentos, especialmente daqueles que presenciaram os acontecimentos, cujos detalhes poderiam se perder na memória.

Não se trata de justificativa genérica pelo mero decurso de tempo, como veda a Súmula nº 455 do Superior Tribunal de Justiça, mas sim de medida necessária para evitar o risco de perecimento da prova, resguardando-se, com isso, a efetividade da prestação jurisdicional.

Saliente-se, por outro lado, que essa antecipação não trouxe qualquer prejuízo à defesa do réu, que, embora não localizado, estava representado por defensor dativo nomeado pelo juízo. Nesse sentido:                                           

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 366, CPP. ANTECIPAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL. MEDIDA EXPECIONAL. URGÊNCIA E NECESSIDADE. COMPROVAÇÃO. AUSENCIA DE PREJUÍZO À DEFESA.

1. A produção antecipada de provas é medida excepcional, visando à máxima efetividade do direito ao devido processo legal, restringindo a sua ocorrência aos casos de comprovada urgência e necessidade.

2. A mera hipótese de que o decurso de tempo poderá acarretar o esquecimento dos fatos pela testemunha não é fundamento legítimo para determinar sua oitiva, é cediço que a memória humana é suscetível de falhas com o decurso do tempo, razão pela qual, por vezes, se faz necessária a antecipação da prova testemunhal nos termos do artigo 366 do Código de Processo Penal, quando se constata que a data dos fatos já se distancia de forma relevante, sob pena de comprometer a busca da verdade dos fatos narrados na denúncia.

3. Na situação presente os supostos fatos criminosos ocorreram entre 2001 e 2005, e mais, a pessoa que os presenciou é médico, lidando em seu dia a dia com uma infinidade de casos similares.

4. À produção de provas é aplicado o princípio do livre convencimento motivado do juiz e a legislação processual penal prevê expressamente que o magistrado pode ordenar a produção se considerá-la urgente e relevante, desde que observe a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medida (artigos 155 e 156, inciso I, do CPP).

5. Ressalta-se que o deferimento da realização da produção antecipada de provas não traz qualquer prejuízo para a defesa, já que, além do ato ser realizado na presença de defensor nomeado, caso o acusado compareça ao processo futuramente, poderá requerer a produção das provas que julgar necessárias para a comprovação da tese defensiva, inclusive, desde que apresente argumentos idôneos, a repetição da prova produzida em antecipação.

6. Ordem denegada.

(TRF-3, HC 0001609-71.2015.4.03.0000, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, j. 23.03.2015, e-DJF3 Judicial 1 30.03.2015)                                       

Nulidade do interrogatório do réu. O art. 5º, LXIII, da Constituição Federal garante ao acusado o direito ao silêncio e à não autoincriminação, garantia constitucional sobre a qual deve ser informado antes do início dos interrogatórios policial e judicial.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é pacífica no sentido de que esse direito constitucional não é absoluto, podendo ser relativizado, e tem como fundamento a preservação do direito do investigado ou réu de não ser compelido a, deliberadamente, produzir manifestação oral que verse sobre o mérito da acusação. Nesse sentido:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE. ARTIGO 305 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL À LUZ DO ART. 5º, LXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA Nº 907. NATUREZA PRINCIPIOLÓGICA DA GARANTIA DO NEMO TENETUR SE DETEGERE. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO. PRESERVAÇÃO DO NÚCLEO ESSENCIAL DA GARANTIA. HARMONIZAÇÃO COM OUTROS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS PREVISTOS CONSTITUCIONALMENTE. POSSIBILIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO PARA AFASTAR A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL ANALISADO.

[...]

3. O direito de não produzir prova contra si mesmo, ao relativizar o dogma da verdade real, garante ao investigado os direitos de nada aduzir quanto ao mérito da pretensão acusatória e de não ser compelido a produzir ou contribuir com a formação de prova contrária ao seu interesse, ambos pilares das garantias fundamentais do direito ao silêncio e do direito à não autoincriminação.

[...]

8. O Supremo Tribunal Federal, a) no HC 68.929, de relatoria do Min. CELSO DE MELLO, julgado em 22.10.1991, decidiu pelo seu Plenário que, do direito ao silêncio, uma das formas de manifestação do princípio da não autoincriminação, decorre, igualmente, o direito do acusado de negar a prática da infração; b) já no HC 78.708, de relatoria do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 09.03.1999, reafirmou-se a jurisprudência do Tribunal no sentido de que a falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova resultante do ato de inquirição; c) a evolução jurisprudencial consolidou-se por esta Corte Constitucional no julgamento, em 22.09.2011, da repercussão geral da questão constitucional debatida no RE 640139, de relatoria do Min. Dias Toffoli, oportunidade em que se reafirmou que o princípio constitucional da vedação à autoincriminação não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intuito de ocultar maus antecedentes, o que torna típica, sem qualquer traço de ofensa ao disposto no art. 5º, LXIII, da CF, a conduta prevista no art. 307 do CP; d) o paradigmático julgamento do RE 640139 adotou a premissa de que a garantia contra a autoincriminação não pode ser interpretada de forma absoluta, admitindo, em consideração a sua natureza principiológica de direito fundamental, a possibilidade de relativização justamente para viabilizar um juízo de harmonização que permita a efetivação, em alguma medida, de outros direitos fundamentais que em face daquela eventualmente colidam.

9. A persecução penal, pela sua natureza, admite a relativização de direitos nas hipóteses de justificável tensão (e aparente colisão) entre o dever do Poder Público de promover uma repressão eficaz às condutas puníveis e as esferas de liberdade e/ou intimidade daquele que se encontre na posição de suspeito ou acusado. É o que ocorre com a garantia do nemo tenetur se detegere, que pode ser eventualmente relativizada pelo legislador.

[...]

11. A garantia do nemo tenetur se detegere se insere no mesmo conjunto de direitos subjetivos e garantias do cidadão brasileiro de que são exemplos os direitos à intimidade, privacidade e honra, o que implica dizer que a relativização da garantia é admissível, embora mediante a observância dos parâmetros constitucionais pertinentes à harmonização de princípios eventualmente colidentes. Diante desse quadro, o direito à não autoincriminação não pode ser interpretado como o direito do suspeito, acusado ou réu a não participar da produção de medidas probatórias (FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 410/411).

[...]

(RE 971.959, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 14.11.2018, publ. 31.07.2020)

No caso, embora não conste da gravação do interrogatório do réu (ID 196266437) que ele tenha sido informado previamente acerca do seu direito de permanecer calado e de não responder a todas as perguntas que lhe fossem formuladas (CPP, art. 186), a ausência dessa advertência não implica automaticamente a nulidade da oitiva, até porque o réu estava acompanhado de advogado na ocasião e suas declarações foram resultado do exercício do seu direito de se defender e de esclarecer os fatos.

Nulidade processual por suposta deficiência na defesa técnica. A defesa atualmente constituída pelo apelante alega que ele foi prejudicado pela defesa técnica anterior (defensores dativos), que não efetuou perguntas às testemunhas nem apresentou provas aptas a levar à absolvição do réu. Sem razão, todavia.

O apelante foi assistido por defensor durante toda a ação penal, não se podendo falar em deficiência da defesa técnica. Foi-lhe devidamente garantido o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório durante todo o processo e a defesa então constituída manifestou-se regularmente nos autos, com ampla possibilidade de requerer o que entendesse necessário. Se agora, por novo defensor constituído, o apelante entende que sua defesa no processo não foi adequada ou suficiente, isso não pode ser alegado como falta de defesa técnica.

Como orienta a Súmula nº 523 do STF, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. Essa orientação vem sendo observada por este Tribunal, conforme se pode verificar, a título exemplificativo, na seguinte ementa:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO EM FACE DO INSS. NULIDADE PROCESSUAL. NULIDADE DA SENTENÇA, PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ESTELIONATO PRIVILEGIADO NÃO CONFIGURADO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA DE MULTA REDUZIDA. REPARAÇÃO DO DANO. NECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO.

1. Não há que se falar em ausência de defesa técnica, uma vez que a mera alegação de deficiência na defesa não tem o condão de, per se, anular o feito. A defesa não demonstrou de forma concreta qualquer prejuízo à recorrente, nos termos do disposto no art. 563 do Código de Processo Penal e do enunciado da Súmula nº 523 do Supremo Tribunal Federal, não sendo a hipótese, portanto, de se declarar nulidade processual. Precedente do STF. Preliminar de nulidade processual rejeitada.

[...]

9. Matéria preliminar rejeitada e, no mérito, apelação da defesa desprovida, bem como, de ofício, pena de multa reduzida e excluída a obrigação de pagamento a título de reparação dos danos causados pela infração.

(ApCrim 0000129-90.2008.4.03.6115, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 30.05.2017, e-DJF3 Judicial 1 06.06.2017)

Ademais, o fato de as teses defensivas não terem sido acolhidas não torna o réu indefeso ou constitui abandono capaz de anular o processo até a sua fase de instrução.

Examinando os autos, verifico que o defensor dativo foi diligente durante todo o trâmite processual, razão pela qual não se pode falar em falha na defesa técnica.

Portanto, não houve prejuízo à defesa no processo e, em razão disso, não há nenhuma nulidade a ser declarada.

Inadmissibilidade da utilização de parte do acervo probatório para a condenação do apelante. A defesa alega que a “ausência de materialização da prova ou sua materialização com falhas, isto é, que não permita a escuta e entendimento dos depoimentos, não permite que a prova seja utilizada para formação da convicção do juízo”. Por isso, argumenta que os depoimentos das testemunhas José Maria Duarte de Lima e Diego Munhoz Rodrigues, que estão inaudíveis ou parcialmente inaudíveis, bem como a mídia em VHS que teria fundamentado a deflagração da investigação criminal e não foi juntada aos autos, deveriam ser julgadas inadmissíveis como prova para a condenação.

Sem razão, no entanto.

A desconformidade na digitalização deve ser manifestada por ambas as partes, conforme prevê a Resolução Pres. nº 362, de 29 de junho de 2020, que autorizou a virtualização dos processos criminais em tramitação em suporte físico no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, bem como a sua inserção no Sistema Processo Judicial Eletrônico - PJe.

Em razão disso, não se pode falar em ônus exclusivo da acusação, que, aliás, se manifestou ciente da digitalização dos autos físicos (ID 198254762). Quanto ao apelante, deixou transcorrer o prazo sem qualquer manifestação acerca de eventual desconformidade na digitalização, embora intimado para tal (ID 196268564).

Além do mais, os depoimentos das testemunhas mencionadas pelo apelante foram transcritos quase integralmente pelo juízo prolator da sentença (ID 165711281, pp. 164/165), cujo teor não colide com o material contido nas mídias, incluídas nos IDs 196262914 e 196264983.

Diante de todo o exposto, não há qualquer nulidade a ser declarada no presente processo, nem as provas produzidas podem ser consideradas inadmissíveis.

Prescrição da pretensão punitiva. O art. 110, caput, do Código Penal dispõe que a prescrição, depois de transitar em julgado a sentença condenatória, regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no seu art. 109, os quais são aumentados de um terço se o condenado é reincidente.

No caso, a sentença condenatória foi objeto de recurso da acusação, buscando a reforma da dosimetria da pena para que esta seja aumentada. Por isso, não é cabível a aplicação do disposto no art. 110 do Código Penal, pois ainda não houve o trânsito em julgado para a condenação.

A adoção da pena concretamente aplicada para fins de cálculo do prazo prescricional antes do trânsito em julgado para a acusação configuraria a chamada prescrição virtual ou em perspectiva, que é vedada, conforme orienta a Súmula nº 438 do Superior Tribunal de Justiça.

Por ora, só é possível analisar a prescrição com base na pena máxima em abstrato, que, no caso, não ocorreu quanto a nenhum dos crimes imputados ao acusado (CP, arts. 149 e 297, § 4º; Lei nº 7.802/89, arts. 15 e 16).

Os crimes previstos nos arts. 297 e 149 do Código Penal têm como penas máximas, respectivamente, 6 (seis) e 8 (oito) anos de reclusão. Segundo o inciso III do art. 109 do Código Penal, a prescrição da pena superior a 4 (quatro) anos e que não excede a 8 (oito) anos ocorre em 12 (doze) anos. Já os crimes previstos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89 têm como pena máxima 4 (quatro) anos de reclusão e, segundo o inciso IV do art. 109 do Código Penal, a prescrição se dá em 8 (oito) anos.

Do exame dos autos verifico que (i) as condutas pelas quais o réu foi condenado ocorreram em outubro de 2003; (ii) o recebimento da denúncia (primeira causa interruptiva da prescrição) ocorreu em 29.03.2010 e (iii) a publicação da sentença condenatória (segunda causa interruptiva da prescrição) se deu em 17.05.2016. Logo, não ocorreu a prescrição da pretensão punitiva estatal pelas penas em abstrato.

Observo, ainda, que o processo e o curso do prazo prescricional ficaram suspensos de 17.07.2012 a 20.10.2014.

Redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149). Cumpre esclarecer, desde logo, que os fatos se deram antes da vigência da Lei nº 10.803, de 11.12.2003, que deu nova redação ao caput do art. 149 do Código Penal e acrescentou os §§ 1º e 2º. Antes dessa alteração, esse tipo penal tinha a seguinte descrição:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

A redação original era extremamente abrangente, a ponto de dificultar a configuração do crime. Apesar disso, a doutrina e a jurisprudência já consideravam que a tipificação não dependia da comprovação da restrição direta à liberdade de locomoção do trabalhador, sendo suficiente a privação de outras liberdades, notadamente aquelas ligadas aos direitos trabalhistas constitucionalmente conferidos, bem como à dignidade da pessoa humana (STJ, CC nº 113.428/MG, 3ª Seção, Rel. Min. Marilza Maynard, j. 28.05.2014; TRF 3ª Região, ACR nº 16.940/SP, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Suzana Camargo, j. 24.04.2006).

Dito isso, registro que a materialidade do crime está evidenciada pelos autos de infração lavrados pelos fiscais do Ministério do Trabalho (ID 165712277, pp. 20/31), que apuraram a submissão dos trabalhadores da propriedade rural localizada no município de Tambaú (SP), na atividade de lavoura de tomates, a condições degradantes de trabalho. Foi constatado pela fiscalização que os empregados recebiam pagamento em forma de “vales” e estavam sujeitos a condições de moradia precária, sem o mínimo de higiene, além de não terem respeitados seus direitos trabalhistas. 

A autoria, está demonstrada pelas declarações prestadas na fase policial (ID 165712277, pp. 108/112) e pela prova oral produzida em contraditório judicial (ID 196261719). A corroborar a constatação da situação degradante de trabalho, foi anexada cópia de reportagem exibida em rede de televisão (ID 165712277, p. 35).

Observo que não foram ouvidos em juízo como testemunhas apenas os fiscais do Ministério do Trabalho, como argumenta a defesa. A situação também foi relatada pelos próprios trabalhadores rurais, em especial Diego Munhoz Rodrigues (ID 196262914), José Maria Duarte de Lima (ID 196264983) e Claudomiro José da Silva (ID 196265018).

Quanto ao elemento subjetivo do tipo penal (dolo), verifico que também se encontra presente diante das circunstâncias narradas, que evidenciam a vontade livre e consciente do apelante em submeter os trabalhadores de sua lavoura a condições degradantes de trabalho, especialmente relacionadas ao não fornecimento de equipamentos de proteção, tampouco de instalações adequadas de moradia, assim como ao descumprimento das normas trabalhistas.

Por isso, não há que se falar em desclassificação da conduta prevista no art. 149 do Código Penal para outro crime menos grave.

A alegação da defesa de que o apelante não teve oportunidade de apresentar defesa ou recurso administrativo em face do auto de infração não procede. Do exame dos autos verifico que o apelante apresentou defesa ao Auto de Infração nº 006198767 (ID 165712277, pp. 179/180), a qual foi indeferida (ID 165712277, pp. 181/183). Além disso, eventual solução da questão em âmbito administrativo não vincula o juízo criminal, especialmente para fins de encerramento da ação penal. A propósito:

HABEAS CORPUS. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 313-A DO CP. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DECISÃO EM JUÍZO CÍVEL. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS CÍVEL, ADMINISTRATIVA E PENAL. ORDEM DENEGADA.

1. O entendimento jurisprudencial das Cortes superiores no sentido da independência e autonomia entre as esferas cível, administrativa e criminal afasta, por si só, a alegação de ausência de justa causa em relação à ação penal, em razão de decisão proferida no juízo cível.

2. Os documentos que instruem o presente feito demonstram que a decisão proferida na ação previdenciária não prejudica a ação penal.

[...]

5. Ordem denegada.

(TRF3, HC 0023863-72.2014.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Helio Nogueira, QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/11/2014)

Por isso, mantenho a condenação de CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA pela prática do crime previsto no art. 149 do Código Penal, conforme a denúncia.

Falsificação de documento público (CP, art. 297, § 4º). Esse tipo penal pune a conduta daquele que, de maneira livre e consciente, omite na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) o "nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços".

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que a ausência de anotação do vínculo trabalhista na CTPS é dotada de tipicidade, configurando a conduta do art. 297, § 4º, do Código Penal:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO EM CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. TIPICIDADE, NA ESPÉCIE. RECURSO IMPROVIDO.

1. Havendo no Estatuto Repressivo um tipo penal que responsabiliza criminalmente quem deixa de anotar na carteira de trabalho o contrato profissional celebrado com o empregado, impossível concluir que a previsão de sanções administrativas na Consolidação das Leis do Trabalho seria suficiente para punir quem assim procede.

2. Na espécie, a denúncia descreveu que o acusado mantinha 6 (seis) trabalhadores em seu carvoeiro, por muito tempo, sem o devido registro, conduta que se subsume ao tipo previsto no § 4º do artigo 297 do Código Penal.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp nº 1.569.987/PA, Reg. nº 2015/0302925-9, Quinta Turma, v.u., Rel. Min. Jorge Mussi, j. 01.09.2016, DJe 09.09.2016; destaquei)
 

Ademais, o perfazimento do crime prescinde da ocorrência de qualquer prejuízo efetivo ao segurado. Aliás, há diversos precedentes do STJ no sentido de que o tipo penal em exame visa preservar o interesse da Previdência Social na arrecadação das contribuições que lhe são devidas, sendo o próprio Estado o principal sujeito passivo do crime: CC nº 97.485 - SP (2008/0160978-0), Terceira Seção, v.u., Rel. Ministro Og Fernandes, j. 08.10.2008; CC nº 58.443 - MG (2006/0022840-0), v.u., Rel. Ministra Laurita Vaz, j. 27.02.2008.

Dito isso, registro que a materialidade está comprovada pela omissão, na CTPS de 37 (trinta e sete) empregados do apelante, cujos nomes estão em livro de registro de empregados (ID 165712370, pp. 19/114) e cuja anotação foi providenciada após a ação fiscal do Ministério do Trabalho, conforme comprovam as atas de mesa de entendimento (ID 165712370, pp. 7/11).

autoria, por sua vez, deflui das provas produzidas sob o crivo do contraditório, em especial a prova oral e o fato de o réu ter admitido em seu interrogatório que havia empregados sem registro em CTPS na colheita de tomates (ID 196266437).

Quanto ao dolo, também foi comprovado, pois basta a intenção de omitir informações em um dos documentos públicos mencionados no § 3º do art. 297 do Código Penal. O apelante, como responsável pela propriedade rural, tinha ciência não apenas da sua obrigação em proceder ao registro de seus empregados, mas também da ilegalidade em não o fazer.

Por isso, mantenho a condenação de CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA pela prática do crime tipificado no art. 297, § 4º, do Código Penal, conforme a denúncia.

Arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89. Os crimes previstos nessa lei têm como bem jurídico protegido a saúde e o meio ambiente, especialmente em relação ao transporte, armazenamento, comercialização e utilização de agrotóxicos e ao destino final dos seus resíduos, embalagens, componentes e afins.

O art. 15 da Lei nº 7.802/89 pune com reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa aquele que, entre outras condutas, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente. O art. 16, por sua vez, prevê que o empregador, profissional responsável ou prestador de serviço que deixar de promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente está sujeito a pena de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão e multa.

Esses dispositivos legais constituem norma penal em branco, tendo sido complementados pelo Decreto nº 4.074/2002, quanto à destinação de embalagens vazias e sobras de agrotóxicos, e pelas Normas Regulamentadoras Rurais (NRR 4 e 5), quanto ao fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI) aos trabalhadores rurais, especialmente quando utilizados produtos químicos (agrotóxicos, fertilizantes e afins).

No caso, a materialidade está comprovada pelos autos de infração lavrados pelos fiscais do Ministério do Trabalho (ID 165712277, pp. 25/28), que constataram a existência de embalagens de agrotóxicos dispensadas em um terreno impróprio para o seu descarte, com risco de contaminação do solo e dos trabalhadores, os quais estavam efetuando aplicação destes produtos na lavoura de tomates sem nenhum equipamento de proteção individual, bem como as péssimas condições de armazenamento dos agrotóxicos; e pelo auto de apreensão (ID 165712277, p. 113), que indica as embalagens vazias dos defensivos apreendidas no local fiscalizado.

A autoria está demonstrada pela prova oral produzida em juízo, que confirmou serem insuficientes os equipamentos de proteção fornecidos para os trabalhadores que trabalhavam com os agrotóxicos, cujas embalagens vazias foram descartadas em local inapropriado e em desacordo com a legislação pertinente.

O dolo também está demonstrado pelas circunstâncias narradas nos autos. Registre-se que, após a fiscalização, o apelante construiu um galpão coberto apropriado para o armazenamento e descarte das embalagens de agrotóxicos, razão pela qual não tem como ser acolhida a tese de que não era do seu conhecimento que tal descarte ocorria de forma inadequada ou em local indevido.

Quanto ao elemento subjetivo do crime previsto no art. 16 da Lei nº 7.802/89, não pode ser afastado pelo simples argumento de que eram fornecidos equipamentos de proteção individual (EPI) aos trabalhadores. Isso porque, ainda que tenham sido fornecidos de modo parcial, não houve orientação para sua utilização ou para o manuseio dos agrotóxicos, tendo sido constatada, ainda, a higienização e armazenamento dos EPI de forma inadequada.

Por isso, mantenho a condenação de CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA pela prática dos crimes previstos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89, conforme a denúncia.

Do princípio da consunção. A defesa pede a absorção das condutas previstas nos crimes do art. 297, § 4º, do Código Penal e dos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89, por serem o meio empregado para a conduta de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149).

Sem razão, por serem autônomos os delitos narrados na denúncia, não havendo que se falar em aplicação do princípio da consunção de delitos de menor gravidade pelo de pena maior.

Isso porque os delitos em questão tutelam bens jurídicos diversos, sendo autônomas as condutas, não se podendo falar em absorção de um crime por outro. Além disso, a utilização de agrotóxicos com descumprimento das exigências estabelecidas na legislação pertinente e a omissão do registro de empregados em CTPS não eram essenciais para o perfazimento da conduta de reduzir os trabalhadores a condição análoga à de escravo, nem exauriram sua potencialidade lesiva naquele. A propósito, trago o seguinte precedente:

PENAL E PROCESSO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. OMITIR INFORMAÇÕES DE SEGURADO EM DOCUMENTO RELACIONADO COM AS OBRIGAÇÕES DA EMPRESA PERANTE A PREVIDÊNCIA SOCIAL.

1. A redação dada ao caput do art. 149 do Código Penal pela Lei 10.803, de 11/12/2003, apenas explicitou os elementos e as circunstâncias já consagradas pela jurisprudência pátria como inerentes ao conteúdo normativo do referido tipo penal. (Precedente da Turma).

2. Em recentes julgados, com suporte em conclusão do Supremo Tribunal Federal, esta Turma afastou a necessidade da prova da coação física ou cerceamento da liberdade de locomoção para a configuração do delito tipificado pelo art. 149 do CP. Bastando que verifique a submissão da vítima a serviços forçados ou jornada exaustiva, ou a condições de degradantes. Condutas, portanto, alternativas. (Precedentes da Turma).

3. O crime do art. 297, § 4º, do CP não exige dolo específico. Para sua configuração, basta que o empregador deixe de fazer as anotações na carteira de trabalho e previdência social (CTPS) do empregado. (Precedentes da Turma).

4. O delito do art. 297, § 4º, do CP não constitui meio para a prática do crime mais grave, e o do art. 149 do CP, pressuposto básico para se falar em absorção de um delito pelo outro. Na hipótese, não há que se falar em aplicação do princípio da consunção. (Precedente deste Tribunal).

5. Na hipótese, não ocorre absorção do crime do art. 297, § 4º, do CP (mais grave) pelo crime do art. 203, também do CP (frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação trabalhista), tendo em conta que tutelam bens jurídicos diversos (o primeiro, a fé pública, e o segundo, as leis trabalhistas). (Precedente deste Tribunal).

6. O sujeito ativo do crime do art. 297, § 4º, do CP é aquele que tem a obrigação legal de fazer inserir os dados do trabalhador em documentos trabalhistas e previdenciários, na hipótese, o proprietário da fazenda.

7. Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida.

(TRF1, ACR 0000449-85.2004.4.01.3901, Rel. Desembargadora Federal Monica Sifuentes, Terceira Turma, e-DJF1 25.04.2016)

Passo ao reexame da dosimetria das penas.

Redução a condição análoga à de escravo

Na primeira fase, o juízo fixou a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão, mínimo legal, porque não considerou negativa nenhuma das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.

O MPF requer a fixação da pena-base acima do mínimo legal, pois reputa “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, argumentando que a culpabilidade é intensa e a personalidade do acusado, além dos motivos, circunstâncias e consequências dos crimes justificam a exasperação da reprimenda. Sem razão, contudo.

Ao ponderar todas as circunstâncias judiciais, o juízo a quo concluiu que não havia razão para fixar a pena-base acima do mínimo legal, o que confirmo. De fato, as circunstâncias, motivos e consequências do crime mencionados pelo MPF são inerentes ao próprio tipo penal e não fogem à normalidade, assim como a culpabilidade do acusado não se revelou acima da média para o caso em exame e não há nos autos elementos suficientes para se avaliar sua personalidade. Além disso, o número de trabalhadores submetidos a condição análoga à de escravo foi avaliado na terceira fase, em decorrência do concurso formal, e as demais circunstâncias relacionadas ao uso de substância agrotóxica foi analisada como imputação autônoma.

Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes nem atenuantes, o que confirmo, não se alterando a pena intermediária.

Rejeito o pedido da defesa de reconhecimento da atenuante da confissão (CP, art. 65, III, "d"), porque o acusado não admitiu em seu interrogatório a prática desse delito, bem como  da atenuante genérica prevista no art. 66 do Código Penal, por não ter sido provada a existência de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, apta a atenuar a pena, valendo ressaltar que a prática de boas ações durante a crise sanitária, embora louvável, não influi na culpabilidade do agente, que deve ser avaliada conforme os elementos probatórios existentes nos autos.  

Na terceira fase, o juízo não aplicou nenhuma causa de diminuição, o que confirmo, e aplicou a causa de aumento relativa ao concurso formal (CP, art. 70), na fração de 1/2 (metade), o que também confirmo, tendo em vista a prática de 40 (quarenta) crimes mediante uma só ação, com vítimas diversas (foram 40 trabalhadores reduzidos a condição análoga à de escravo).

Não procede o pedido do apelante de aplicação da causa de redução de pena do arrependimento posterior, prevista no art. 16 do Código Penal.

Esse dispositivo prevê que, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

No caso, observa-se que, embora o apelante tenha efetuado o registro e acerto das verbas trabalhistas dos empregados e fornecido EPI para o manuseio dos agrotóxicos, tal fato não se deu por ato voluntário do agente, e sim depois da fiscalização do Ministério do Trabalho. Além do mais, a extensão do dano causado pelos crimes praticados pelo apelante é muito superior à regularização efetuada no âmbito trabalhista.  

Por isso, mantenho a pena definitiva em 3 (três) anos de reclusão.

Uso de documento público falso

Na primeira fase, o juízo fixou a pena-base privativa de liberdade em 2 (dois) anos de reclusão, mínimo legal, porque não considerou negativa nenhuma das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.

O MPF requer a fixação da pena-base acima do mínimo legal, pois reputa “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, argumentando que a culpabilidade é intensa e a personalidade do acusado, além dos motivos, circunstâncias e consequências dos crimes justificam a exasperação da reprimenda. Sem razão, contudo.

Ao ponderar todas as circunstâncias judiciais, o juízo a quo concluiu que não havia razão para fixar a pena-base acima do mínimo legal, o que confirmo. De fato, as circunstâncias, motivos e consequências do crime mencionados pelo MPF são inerentes ao próprio tipo penal e não fogem à normalidade, assim como a culpabilidade do acusado não se revelou acima da média para o caso em exame e não há nos autos elementos suficientes para se avaliar sua personalidade. Além disso, o número de trabalhadores submetidos a condição análoga à de escravo foi avaliado na terceira fase, em decorrência do concurso formal, e as demais circunstâncias relacionadas ao uso de substância agrotóxica foi analisada como imputação autônoma.

Em relação à pena de multa, o juízo observou a proporcionalidade com a pena privativa de liberdade e, por isso, mantenho a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes nem atenuantes. Reconheço, todavia, a circunstância atenuante da confissão (CP, art. 65, III, "d"), visto que o apelante admitiu em parte a prática delitiva e essa admissão foi considerada na sentença condenatória. Todavia, a pena intermediária permanece inalterada por força da orientação contida na Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça.

Na terceira fase, o juízo não aplicou nenhuma causa de diminuição, o que confirmo, e aplicou a causa de aumento relativa ao crime continuado (CP, art. 71), na fração de 2/3 (dois terços), o que também confirmo, tendo em vista a prática de crimes mediante mais de uma ação, em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, como disse o juízo, "em diversas oportunidades, nos meses de março, abril, maio, agosto e outubro de 2003 (épocas das admissões), no mesmo local e da mesma maneira", relativamente a 40 (quarenta) trabalhadores.

Assim, a pena definitiva fica mantida em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

Crimes dos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89

Na primeira fase, o juízo fixou a pena-base privativa de liberdade de cada crime em 2 (dois) anos de reclusão, mínimo legal, não considerou negativa nenhuma das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.

O MPF requer a fixação da pena-base acima do mínimo legal, pois reputa “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, argumentando que a culpabilidade é intensa e a personalidade do acusado, além dos motivos, circunstâncias e consequências dos crimes justificam a exasperação da reprimenda. Sem razão, contudo.

Ao ponderar todas as circunstâncias judiciais, o juízo a quo concluiu que não havia razão para fixar a pena-base acima do mínimo legal, o que confirmo. De fato, as circunstâncias, motivos e consequências do crime mencionados pelo MPF são inerentes ao próprio tipo penal e não fogem à normalidade, assim como a culpabilidade do acusado não se revelou acima da média para o caso em exame e não há nos autos elementos suficientes para se avaliar sua personalidade. Além disso, o número de trabalhadores submetidos a condição análoga à de escravo foi avaliado na terceira fase, em decorrência do concurso formal, e as demais circunstâncias relacionadas ao uso de substância agrotóxica foi analisada como imputação autônoma.

Por isso, mantenho no mínimo legal a pena-base para cada crime.

Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes nem atenuantes, o que confirmo, não se alterando a pena intermediária.

Na terceira fase, não foram aplicadas causas de aumento ou de diminuição, o que confirmo, razão pela qual as penas privativas de liberdade para cada crime ficam mantidas em 2 (dois) anos de reclusão.

Em relação às penas de multa, tinham como parâmetro o MVR (maior valor de referência). Todavia, devem ser fixadas conforme previsto no art. 49 do Código Penal, considerando-se a extinção daquele índice, assim como fez o juízo a quo, que observou também a proporcionalidade em relação à pena corporal. Por isso, mantenho em 10 (dez) dias-multa a pena de multa para cada crime, assim como o seu valor unitário no mínimo legal.

Concurso material (CP, art. 69). Reconhecido o concurso material de crimes, as penas devem ser somadas, ficando mantida a pena total definitiva de 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 36 (trinta e seis) dias-multa.

Mantenho o regime fechado para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "a"), que não pode ser substituída por penas restritivas de direitos. Também não é cabível a suspensão condicional da pena, por falta de requisito legal (CP, arts. 44 e 77).

Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação da acusação e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa, apenas para reconhecer a atenuante da confissão quanto ao crime do art. 297, § 4º, do Código Penal, sem alteração da pena, ante a orientação da Súmula nº 231 do STJ, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002028-02.2003.4.03.6115

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: LETICIA MULLER - SP262685

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: LETICIA MULLER - SP262685

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

 

Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de São Carlos (SP) que condenou o réu à pena de 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 36 (trinta e seis) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática dos crimes previstos nos arts. 149 e 297, § 4º, do Código Penal, e nos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89, em concurso material (CP, art. 69).

A denúncia (ID 165712282, pp. 3/15), recebida em 29.03.2010, narra:

“Em outubro de 2003, no Sítio Estância Santa Mônica, localizado na cidade de Tambaú/SP, o denunciado deu destilação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos em descumprimento às exigências estabelecidas no artigo 6°, §§ 2° e 4°, da Lei 7802/89, no Decreto n° 4.074/2002, artigo 53, caput e seus parágrafos 2° e 5°c Portaria do Ministério do Trabalho n° 3.067/88 — Norma Regulamentadora Rural n° 05, item 5.7.

Ademais, CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA, na qualidade de empregador dos trabalhadores rurais do Sítio Estância Santa Mônica, deixou de promover as medidas necessárias de proteção à saúde de seus empregados e ao meio ambiente.

O denunciado, ainda, reduziu os rurícolas [...] que trabalhavam em suas plantações, a condição análoga à de escravo, bem como deixou de anotar em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de trinta e nove desses empregados período de trabalho que legalmente estaria obrigado a fazê-lo.

Em fiscalização realizada por auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, em 8 de outubro de 2003, no Sítio Estância Santa Mônica, arrendado por CLODOALDO, verificou-se que havia 48 (quarenta e oito) trabalhadores exercendo atividades em colheita de tomate, sem o recebimento de salário, alguns até mesmo sem registro em carteira, aplicando agrotóxicos sem o uso de equipamentos de proteção individual e que estavam instalados em moradias sem condições sanitárias adequadas.

Em virtude das irregularidades constatadas lavrou-se os autos de infração cujas cópias estão acostadas às fls. 19/29.

Posteriormente, em cumprimento a mandado de busca e apreensão expedido em 10 de novembro de 2003, a Polícia Federal, acompanhada de auditores fiscais do Ministério do Trabalho, esteve no sítio arrendado pelo denunciado, onde logrou apreender embalagens plásticas dos produtos químicos "Klorpan", "Fusilade", "Permetrina", "Sevin 480SC" e "Pirate" (auto circunstanciado de busca e apreensão de fls. 67/68). Também se apreendeu embalagens de agrotóxicos, conforme auto de fl. 101, cujos produtos foram usados na lavoura pelos empregados de CLODOALDO e a mando dele. Note-se que as embalagens deveriam ser entregues ao fabricante ou encaminhadas às autoridades ambientais e não dispersadas levianamente no meio ambiente.

Segundo consta do auto de infração de número 6197779, a empresa de CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA mantinha apenas 9 (nove) dos 48 (quarenta e oito) empregados que trabalhavam na lavoura de tomate com contrato de trabalho anotado em CTPS. Os fiscais constataram que os outros 39 (trinta e nove) trabalhadores estavam em pleno exercício de suas atividades, porém não haviam sido registrados.

Frise-se que os trabalhadores encontravam-se desempenhando atividade laborativa, de maneira não eventual, com subordinação e tendo como promessa o pagamento de salário.

De outro turno, o denunciado, assumindo os riscos da atividade econômica (plantação de tomates), admitiu, dirigia e coordenava os mencionados trabalhadores (estabelecendo o horário de trabalho, as tarefas a serem realizadas, bem como supervisionando as atividades que os empregados deveriam realizar).

Assim, os fiscais do trabalho, reconhecendo a relação de emprego sem as formalidades legais, efetuaram os respectivos autos de infração.

[...]

No auto de infração de número 8370770, se vislumbra que durante a fiscalização foram encontradas várias embalagens de agrotóxicos com resíduo que eram descartadas, no terreno onde os trabalhadores se dedicavam à lavoura, com risco de contaminação do solo e dos trabalhadores. O denunciado foi autuado também por não manter edificações destinadas ao armazenamento de produtos químicos em condições de possibilitar sua limpeza e descontaminação, conforme determina a Norma Regulamentadora Rural n° 05, item 5.7.2, alínea f— Portaria do Ministério do Trabalho n° 3.067/88.

Desse modo, CLODOALDO descumprira as exigências estabelecidas na legislação relativa à destinação de resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos.

Ademais, as irregularidades constatadas no armazenamento dos agrotóxicos e no descarte das embalagens vazias constituem risco à saúde dos trabalhadores e ao meio ambiente.

Com relação à saúde dos trabalhadores rurais, aliás, o denunciado deixou de promover várias medidas necessárias à sua proteção, estabelecidas na Portaria 3.067/88 — Norma Regulamentadora n° 04, itens 4.3 e 4.4, que regulamentou o artigo 13 da Lei 5.889/73.

Com efeito, a fiscalização empreendida pelo Ministério do Trabalho apurou que os trabalhadores aplicavam os agrotóxicos descalços, sem luvas, chapéus, máscaras e óculos de proteção, ou seja, sem nenhum equipamento de proteção individual e não haviam sido treinados para a utilização com segurança destes produtos. Além disso, alguns equipamentos de proteção encontrados na propriedade estavam em péssimo estado de conservação e sem a higienização necessária (autos de infração de fls. 19,25 e 27).

Parte das embalagens dos mencionados agrotóxicos foi apreendida o que vale dizer a elas não foi dada a destinação legal, constituindo, desse modo, a materialidade do crime.

Note-se que o denunciado na qualidade de produtor e empregador possuía o dever jurídico de promover as medidas necessárias de proteção à saúde dos empregados, bem como deveria ter dado destinação específica às embalagens de agrotóxicos apreendidas.

Quanto ao crime de redução a condição análoga à de escravo, verificou-se que os trabalhadores foram aliciados pelo denunciado que lhes ofereceu promessas como o pagamento de salários e outros benefícios com o propósito de atrai-los ao local de trabalho. Com o escopo de manter as vítimas sob sua vigilância, instalou-as em alojamentos nas cercanias da plantação, longe da área urbana, bem como deixou de pagar-lhe os salários devidos. Ademais, o denunciado oferecia às vítimas vales para desconto em um supermercado localizado na cidade de Mococa, chamado "Supermercado São Braz", o que caracteriza situação de vínculo obrigatório com o local do trabalho, uma vez que tal prática constitui artifício utilizado pelo empregador para transformar o trabalhador em eterno devedor. Todas essas práticas são artifícios eficientes para manter os trabalhadores vinculados eternamente ao local de trabalho, cerceando, de fato, a liberdade de ir e vir.

Elas não possuíam registro em sua carteira de trabalho da relação de emprego e, portanto, não tinham assegurados os direitos decorrentes daquela relação. Assim agindo, o denunciado servia-se dos trabalhadores, sem lhes reconhecer os direitos correspondentes às suas prestações. Ademais, constatou-se que as condições de trabalho existentes no Sítio Estância Santa Mônica eram degradantes, tendo em vista a existência de habitações de madeira com chão de terra batida, sem água encanada, nem banheiro, as péssimas condições de higiene e o risco a que era submetida à saúde dos trabalhadores em razão do emprego de agrotóxicos sem qualquer treinamento e sem equipamentos de proteção adequados, bem como pelo descarte das embalagens em descumprimento à legislação pertinente.

De outro vértice, as vítimas tinham baixa instrução e pouco conhecimento da região, foram induzidas pelas promessas trabalhistas jamais cumpridas, bem como mantinham dívidas no mencionado armazém. Todos esses fatores reduziram a esfera de liberdade dos trabalhadores a ponto de impedi-los de deixarem o cativeiro. (...)” Negritei.

 

Peço vênia ao e. Relator para dele divergir, por entender que existe relação consuntiva entre o crime previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal e o crime previsto no art. 149 do Código Penal. Vejamos.

Aquele empregador que deixa de registrar em CTPS contrato de trabalho pratica conduta que se amolda, em tese, à descrição típica do § 4º do art. 297 do Código Penal: 

 

Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

(...)

§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

 

Ocorre que, no caso dos autos, o quadro fático descrito na exordial acusatória deixa claro que a não formalização regular do vínculo de trabalho, ou pagamento regular de verbas remuneratórias, estava dentro do desdobramento fático de todas as demais condutas que, juntas, configuram o crime de redução à condição análoga à de escravo. Ou seja, a ausência de registro em CTPS, dos contratos de trabalho das vítimas, se constitui como fase de execução do crime previsto no art. 149 do Código Penal.

Portanto, a meu ver, evidente está a relação consuntiva entre os arts. 297, § 4º do Código Penal e o art. 149 do mesmo instituto penal, na compreensão que a omissão de anotação de CTPS é absorvida pelo crime que atenta contra a própria liberdade individual do trabalhador.

 

Sobre o assunto, assim leciona Damásio Evangelista de Jesus:

"(...) Ocorre a relação consuntiva, ou de absorção, quando um fato definido por uma norma incriminadora é meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finalidade prática atinente àquele crime. Nesses casos, a norma incriminadora que descreve o meio necessário, a normal fase de preparação ou execução de outro crime, ou a conduta anterior ou posterior, é excluída pela norma a este relativa. Lex consumens derogat legi consumptae.

O comportamento descrito pela norma consuntiva constitui a fase mais avançada na concretização da lesão ao bem jurídico, aplicando-se, então, o princípio de que major absorbet minorem. Os fatos não se apresentam em relação de espécie e gênero, mas de minus a plus, de conteúdo a continente, de parte a todo, de meio a fim, de fração a inteiro.

A conduta que se contém na norma consuntiva é de natureza complexional, uma vez que subentende, estruturalmente, espécies criminosas independentes, pois são primárias as leis que as descrevem. Nessa relação situam-se as normas em círculos concêntricos, dos quais o maior se refere à norma consuntiva.

Na relação consuntiva não há o liame lógico que existe na da especialidade. A conclusão é alcançada não em decorrência de comparação entre as figuras típicas abstratas, mas sim pela configuração concreta do caso de que se trata.(...)" (Direito Penal, 1º Volume, Parte Geral, Editora Saraiva, 25ª Edição, 2002, p. 114) Negritei.

 

Aplicando o princípio da subsidiariedade entre esses dois tipos penais, tem-se julgado do TRF4 (ACR 5004373-13.2015.4.04.7114, Rel. João Pedro Gebran Neto, 29/01/2020), cuja ementa se descreve abaixo, in verbis:

 

“DIREITO PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDUTAS TIPIFICADAS NOS ARTIGOS 207 E 297, §4º DO CÓDIGO PENAL. RELAÇÃO DE SUBSIDIARIEDADE ENTRE OS CRIMES RELACIONADOS AO ALICIAMENTO DE TRABALHADORES E DE OMISSÃO DE ANOTAÇÃO EM CTPS COM O CRIME DO ART. 149 DO CP. CRIME ÚNICO. PRECEDENTE DA CORTE. ARTIGO 149 DO CP. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. SUBMISSÃO À CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. CRIME CONFIGURADO. CONDENAÇÃO. CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL NO CÁLCULO DA PENA.
1. As condições de trabalho só caracterizam o tipo penal do art. 149 do CP quando sejam, não apenas precárias, mas degradantes, revelando violação inequívoca à dignidade da pessoa humana.
2. No caso concreto, em termos fáticos, processa-se a apuração da responsabilidade criminal do réu relacionada às condições de trabalho e afins de trabalhadores paraguaios a seu serviço na extração de eucaliptos no interior do Município de Doutor Ricardo/RS.
3. O conjunto probatório é farto, restando confirmado e demonstrado por meio dos diversos depoimentos das testemunhas, colhidos durante a instrução probatória, que os trabalhadores foram submetidos a um cenário humilhante de trabalho, que caracteriza a sujeição a condições degradantes de trabalho, pois não dispunham do mínimo necessário para assegurar uma sobrevivência e uma prática laborativa em consonância com a dignidade humana.
4. No caso, a submissão dos trabalhadores a alojamentos sem as mínimas condições de saúde, alimentação adequada e moradia com dignidade configura o tipo penal do artigo 149 do Código.
5. Demonstrado que o acusado sujeitou os trabalhadores a tal situação de forma voluntária e consciente, resta caracterizado o elemento subjetivo do tipo.
6. Comprovada a materialidade e autoria delitivas, não havendo excludente de ilicitude ou culpabilidade, a condenação do réu pela prática do crime tipificado no art. 149, caput, do Código Penal é medida que se impõe.
7. "
Na hipótese os crimes de aliciamento ilegítimo de trabalhadores e de omissão de anotação em CTPS são subsidiários em relação ao art. 149 do Código Penal, sendo inviável condenar de forma autônoma os réus por três condutas. Aplicação do princípio da consunção." Precedente da Corte (ACR 5011429-12.2019.4.04.7000, OITAVA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 01/08/2019).
8. Assim, afasta-se da sentença apelada a condenação autônoma pela prática de aliciamento de trabalhadores (CP, art. 207) e a aplicação do concurso material, remanescendo tão somente a condenação pela prática do crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal).
9. 'A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena'(STF, HC 107.409/PE, 1.ª Turma do STF, Rel. Min. Rosa Weber, un., j. 10.4.2012, DJe-091, 09.5.2012). Contudo, em relação à dosimetria da pena do crime previsto no art. 149 do Código Penal, assiste razão à defesa, no sentido de que o aumento da pena base deve ser de 06 meses e não de 09 meses como calculado pelo juízo a quo. Correção de erro material.
10. Desprovida a apelação da acusação. Parcialmente provida, ainda que por fundamentos diversos, a apelação da defesa para afastar a condenação do réu pela conduta prevista no artigo 207 do Código Penal.”

 

Por tais fundamentos, absolvo o apelante da prática do crime previsto no no 297, § 4º do Código Penal e, quanto ao mais, acompanho integralmente o voto do e. Relator.

 

DOSIMETRIA DAS PENAS

 

As penas aplicadas na sentença apelada e mantidas pelo e. Relator são as seguintes:

Pena definitiva pela prática do crime previsto no art. 149 do Código Penal (com redação anterior à Lei 10.803/03) fixada em 03 anos de reclusão.

Pena definitiva pela prática do art. 15 da Lei 7.802/89 fixada em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Pena definitiva pela prática do art. 16 da Lei 7.802/89 fixada em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Concurso material (CP, art. 69). Reconhecido o concurso material de crimes, as penas devem ser somadas, totalizando 07 (sete) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.

Em razão de a quantidade total da pena privativa de liberdade ser inferior a 08 (oito) anos de reclusão, fixo o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, “b”, do Código Penal.

 

DISPOSITIVO

 

Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação da acusação e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa, em maior extensão, para absolver CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA da prática do crime previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal, ficando sua pena definitiva fixada em 07 (sete) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, pela prática dos crimes previstos nos arts. 149 do Código Penal, e nos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89, em concurso material (CP, art. 69).

É o voto.


E M E N T A

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 10.803/2003. OMISSÃO DE REGISTRO EM CTPS. ART. 297, § 4º, DO CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA A SAÚDE E O MEIO AMBIENTE. ARTS. 15 E 16 DA LEI Nº 7.802/89. MANEJO E DESCARTE DE AGROTÓXICOS. FORNECIMENTO INADEQUADO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL (EPI). PRELIMINARES. NULIDADE PROCESSUAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO.

1. A citação por edital não implicou prejuízo à defesa do réu e, consequentemente, não há nulidade a ser declarada (CPP, art. 563).

2. A produção antecipada da prova testemunhal tornou-se urgente em razão do longo tempo decorrido entre os fatos e a fase de instrução, o que poderia tornar imprestáveis os depoimentos, especialmente daqueles que presenciaram os acontecimentos, cujos detalhes poderiam se perder na memória. Não se trata de justificativa genérica pelo mero decurso de tempo, como veda a Súmula nº 455 do Superior Tribunal de Justiça, mas sim de medida necessária para evitar o risco de perecimento da prova, resguardando-se, com isso, a efetividade da prestação jurisdicional.

3. Embora não conste da gravação do interrogatório do réu que ele tenha sido informado previamente acerca do seu direito de permanecer calado e de não responder a todas as perguntas que lhe fossem formuladas (CPP, art. 186), a ausência dessa advertência não implica automaticamente a nulidade da oitiva, até porque o réu estava acompanhado de advogado na ocasião e suas declarações foram resultado do exercício do seu direito de se defender e de esclarecer os fatos.

4. O apelante foi assistido por defensor durante toda a ação penal, não se podendo falar em deficiência da defesa técnica. Foi-lhe devidamente garantido o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório durante todo o processo e a defesa então constituída manifestou-se regularmente nos autos, com ampla possibilidade de requerer o que entendesse necessário. Se agora, por novo defensor constituído, o apelante entende que sua defesa no processo não foi adequada ou suficiente, isso não pode ser alegado como falta de defesa técnica. Como orienta a Súmula nº 523 do STF, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

5. A desconformidade na digitalização deve ser manifestada por ambas as partes, conforme prevê a Resolução Pres. nº 362, de 29 de junho de 2020, que autorizou a virtualização dos processos criminais em tramitação em suporte físico no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, bem como a sua inserção no Sistema Processo Judicial Eletrônico - PJe. Em razão disso, não se pode falar em ônus exclusivo da acusação. O apelante deixou transcorrer o prazo sem qualquer manifestação acerca de eventual desconformidade na digitalização, embora intimado para tal.

6. A sentença condenatória foi objeto de recurso da acusação, buscando a reforma da dosimetria da pena para que esta seja aumentada. Por isso, não é cabível a aplicação do disposto no art. 110 do Código Penal, pois ainda não houve o trânsito em julgado para a condenação.

7. Materialidade, autoria e dolo comprovados em relação a todas as imputações. O dolo ficou demonstrado pelas circunstâncias narradas nos autos, que evidenciam a vontade livre e consciente do apelante em submeter os trabalhadores de sua lavoura a condições degradantes de trabalho, especialmente relacionadas ao não fornecimento de equipamentos de proteção, tampouco de instalações adequadas de moradia, assim como ao descumprimento das normas trabalhistas e a disposição inadequada de embalagens vazias dos defensivos apreendidas no local fiscalizado.

8. O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a ausência de anotação do vínculo trabalhista na CTPS é dotada de tipicidade, configurando a conduta do art. 297, § 4º, do Código Penal.

9. Os crimes previstos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89 têm como bem jurídico protegido a saúde e o meio ambiente, especialmente em relação ao transporte, armazenamento, comercialização e utilização de agrotóxicos e ao destino final dos seus resíduos, embalagens, componentes e afins.

10. Por serem autônomos os delitos narrados na denúncia, não há que se falar em aplicação do princípio da consunção. Os delitos em questão tutelam bens jurídicos diversos, sendo autônomas as condutas, não se podendo falar em absorção de um crime por outro. Além disso, a utilização de agrotóxicos com descumprimento das exigências estabelecidas na legislação pertinente e a omissão do registro de empregados em CTPS não eram essenciais para o perfazimento da conduta de reduzir os trabalhadores a condição análoga à de escravo, nem exauriram sua potencialidade lesiva naquele.

11. Dosimetria das penas. Reconhecida a circunstância atenuante da confissão (CP, art. 65, III, "d") para o crime previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal. Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça.

12. Rejeitado o pedido de reconhecimento da atenuante genérica prevista no art. 66 do Código Penal, por não ter sido provada a existência de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, apta a atenuar a pena.

13.  Não se aplica a causa de redução de pena do arrependimento posterior (CP, art. 16). Embora o apelante tenha efetuado o registro e acerto das verbas trabalhistas dos empregados e fornecido EPI para o manuseio dos agrotóxicos, tal fato não se deu por ato voluntário do agente, e sim depois da fiscalização do Ministério do Trabalho. Além do mais, a extensão do dano causado pelos crimes praticados pelo apelante é muito superior à regularização efetuada no âmbito trabalhista. 

14. Apelação da acusação não provida. Apelação da defesa parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO à apelação da acusação e, POR MAIORIA, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa, apenas para reconhecer a atenuante da confissão quanto ao crime do art. 297, § 4º, do Código Penal, sem alteração da pena, ante a orientação da Súmula nº 231 do STJ, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS, vencido o DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI que DAVA PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa, em maior extensão, para absolver CLODOALDO RIBEIRO DA SILVA da prática do crime previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal, ficando sua pena definitiva fixada em 07 (sete) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, pela prática dos crimes previstos nos arts. 149 do Código Penal, e nos arts. 15 e 16 da Lei nº 7.802/89, em concurso material (CP, art. 69), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.