APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002497-74.2014.4.03.6111
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: JOSE MARCIO RAMIREZ, CLAUDECIR BESSA CARDOSO
Advogado do(a) APELADO: TELEMACO LUIZ FERNANDES JUNIOR - SP154157-A
Advogado do(a) APELADO: TELEMACO LUIZ FERNANDES JUNIOR - SP154157-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002497-74.2014.4.03.6111 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: JOSE MARCIO RAMIREZ, CLAUDECIR BESSA CARDOSO Advogado do(a) APELADO: TELEMACO LUIZ FERNANDES JUNIOR - SP154157-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBAGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença proferida pela 2ª Vara Federal de Marília/SP que, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal, absolveu JOSÉ MÁRCIO RAMIREZ e CLAUDECIR BESSA CARDOSO da imputação da prática do crime previsto no art. 2º, II, c.c. o art. 12, II, ambos da Lei nº 8.137/90, nos termos do art. 71 do Código Penal (ID 251660373, pp. 74/94). A denúncia (ID 251660385, pp. 3/5), recebida em 25.06.2014 (idem, pp. 6/7), narra que: Consta dos Autos em epígrafe que os denunciandos, na qualidade de sócios e administradores da empresa "GME — Garça Motores Elétricos Ltda.", deixaram de recolher, no prazo legal, os valores do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI recebidos dos adquirentes de mercadorias, quando da realização de operações no período de janeiro a dezembro de 2008 (fls. 03/04 e 33/41). Apurou-se que ao realizarem compensação (IPI gerado pelas vendas com o de aquisição de insumos), os denunciandos deixaram de recolher aos cofres públicos o saldo devedor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI devido. Houve constituição definitiva do crédito tributário no valor de R$ 1.311.146,05 (um milhão, trezentos e onze mil, cento e quarenta e seis reais e cinco centavos), não constando pagamento, ou parcelamento, conforme se vê pelo Processo Administrativo Fiscal n.° 13830.722719/2012-16 (fls. 03/04, 86/88 e 186/187). A sobredita sonegação causou grave dano à coletividade, que não teve vultosos recursos financeiros para manutenção de serviços públicos essenciais, incidindo, destarte, a causa de aumento de pena prevista no art. 12, I, da Lei n.° 8.137/90. A sentença foi publicada em 17.03.2017 (ID 251660373, p. 95). Em seu recurso (ID 251660373, pp. 99/114), o MPF pleiteia, preliminarmente, a “nulidade da sentença por ofensa aos princípios do contraditório e da isonomia processual”. Aduz que a sentença absolutória apoiou-se em documentos juntados pela defesa, juntamente com memoriais, e sobre os quais não teve a oportunidade de se manifestar. Também argumenta: “[a]quela omissão procedimental também violou o princípio da isonomia processual: após as alegações finais dos réus — e sem ter vista dos autos — o MPF requereu a juntada de documento que recebera da Secretaria da Receita Federal do Brasil. O Juízo a quo então oportunizou à defesa manifestar-se sobre esse documento. Por que não deu ao MPF o mesmo tratamento, relativamente aos documentos juntados com as alegações finais?” Subsidiariamente, postula a reforma da sentença, sustentando que: a) “nos crimes de apropriação indébita tributária dificuldades financeiras não excluem a culpabilidade”; b) “os réus não comprovaram que dificuldades financeiras foram a causa da omissão no recolhimento do IPI”. Foram apresentadas contrarrazões (ID 251660373, pp. 134/154). A Procuradoria Regional da República opinou pela declaração de nulidade da sentença ou, então, pelo provimento da apelação (ID 251660373, pp. 158/169). É o relatório. Dispensada a revisão.
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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002497-74.2014.4.03.6111 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: JOSE MARCIO RAMIREZ, CLAUDECIR BESSA CARDOSO Advogado do(a) APELADO: TELEMACO LUIZ FERNANDES JUNIOR - SP154157-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença que absolveu JOSÉ MÁRCIO RAMIREZ e CLAUDECIR BESSA CARDOSO da imputação da prática do crime previsto no art. 2º, II, c.c. o art. 12, II, da Lei nº 8.137/90, em continuidade delitiva. O MPF alega, preliminarmente, a nulidade da sentença por violação aos princípios do contraditório e da isonomia processual. Alega que, diferentemente da defesa, não teve oportunidade de se manifestar sobre documentos anexados aos autos na fase de memoriais e sobre os quais pautou-se o juízo de origem ao proferir a sentença absolutória. Com efeito, o acolhimento da tese relativa à inexigibilidade de conduta diversa teve por substrato o depoimento da testemunha Camila Martins da Silva Guimarães e os documentos apresentados pela defesa com suas alegações finais (ID 2551660373, pp. 3/56). Extrai-se dos autos que, diversamente da defesa, que teve garantida vista dos autos por cinco dias para analisar os documentos apresentados pela acusação após a fase de memoriais (ID 2551660373, pp. 61/66), o MPF não teve acesso - sequer ciência - da documentação trazida aos autos pela defesa após a conclusão da instrução processual. Ocorre que a possibilidade de as partes apresentarem documentos em qualquer fase do processo (CPP, art. 231) não dispensa o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, o que, sob a ótica da acusação, não foi observado. Todavia, embora exista inequívoco prejuízo ao MPF nesse procedimento, deixo de declarar a nulidade do ato processual, valendo-me, por analogia, do disposto no art. 282, § 2º, do Código de Processo Civil, na medida em que, no mérito, impõe-se a reforma da sentença como também pretende a acusação. Com efeito, analisando o mérito da imputação, verifico que a materialidade e a autoria do crime imputado aos réus estão devidamente comprovadas. Da representação fiscal para fins penais (ID 251660374, pp. 11/12), destaco o seguinte trecho: III - DESCRIÇÃO DOS FATOS CARACTERIZADORES DO ILÍCITO Na execução do procedimento fiscal determinado pelo MPF n° 0811800- 2010-02298, constatou-se que a representada realizou operações sujeitas ao Imposto sobre Produtos Industrializados — IN, com o destaque do valor do imposto nas Notas Fiscais de saídas (vendas), no período de 01/01/2008 a 31/12/2008, sendo que na qualidade de sujeito passivo da obrigação principal, arrecadou dos adquirentes dos produtos comercializados o valor do IPI incidente em cada operação. Ao final de cada período de apuração efetuou a compensação dos débitos gerados pelas saídas de produtos tributados pelo IPI com os créditos de IPI destacados nas Notas Fiscais de aquisição de insumos, restando saldo devedor de IPI a recolher aos cofres públicos. No entanto a representada deixou de recolher os saldos devedores de 1P1, no prazo previsto no art. 52, inciso I, alínea "c", da Lei n° 8.383/91, saldos estes constituídos de valores arrecadados dos adquirentes de seus produtos, cujo crédito tributário foi objeto de lançamento fiscal. Em razão disso, foi lavrado auto de infração no valor originário de R$ 602.727,59 (seiscentos e dois mil setecentos e vinte e sete reais e cinquenta e nove centavos), sem juros e multa. Em juízo, Rubens Audi, auditor fiscal da Receita Federal do Brasil que atuou nos trabalhos de fiscalização da empresa, confirmou a ocorrência dos fatos (ID 251660373, pp. 68/70). Quanto à autoria, os apelados eram os únicos sócios e responsáveis pela administração da empresa. Apesar de não terem tido interesse em apresentar diretamente suas versões, pedindo a dispensa de seus interrogatórios (ID 251660385, p. 209), suas defesas atribuem os fatos às dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa na ocasião. Segundo o juízo, na sentença, a tese de inexigibilidade de conduta diversa foi devidamente delineada pelos documentos apresentados com as alegações finais e corroborados pelo depoimento da testemunha da defesa. Sobre isso, transcrevo a fundamentação utilizada (ID 251660373, pp. 74/94): No caso dos autos, como prova das graves dificuldades financeiras pelas quais a empresa passava, os réus colacionaram aos autos o Edital que decretou o processamento da recuperação judicial [da] empresa "GME Garça Motores Elétricos Ltda.", feito n° 0006277- 89.2015.8.26.0201, que tramitou perante a 2ª Vara da Comarca de Garça/SP (fls. 469/474), lista de processos judiciais, tais como busca e apreensão, execuções de títulos extrajudiciais, execuções fiscais, etc. (fls. 475/478). A testemunha Camila Martins da Silva Guimarães afirmou o seguinte (fls. 492/493): VOZ 1: Senhora Camila, [incompreensível] aqui de uma denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal em face do senhor José Márcio Ramirez e Claudecir Dessa Cardoso, ambos sócios da empresa GME Garça Motores Elétricos Limitado, é, por supostamente terem deixado de recolher nos no prazo legal os valores de imposto sobre produto industrializado.., é, referentes a operações realizadas no período de janeiro a dezembro de dois mil e oito. É, a senhora sabe me dizer alguma coisa a respeito desses fatos, senhora Camila? VOZ 2: Eu sou o financeiro da empresa, havia um escritório de contabilidade que enviava essas guias pro departamento financeiro, só que alguns casos a gente não conseguia recolher mesmo, devido o fluxo de caixa. VOZ 1: Então por falta de dinheiro de fato não foi recolhido? VOZ 2: Sim. VOZ 1: É, consta aqui da denúncia, senhora Camila, que a... houve uma constituição de crédito tributário no valor de um milhão, trezentos e onze mil, cento e quarenta e seis reais e cinco centavos. É, a senhora se recorda se o valor era era aproximadamente esse que consta na aqui na denúncia ou se a ou a senhora se recorda de algum outro valor? VOZ 2: Não me recordo na verdade. VOZ 1: Ta, então devido a falta de dinheiro não foi recolhido IPI, é isso? VOZ 2: Sim, isso. VOZ 1: Doutor? VOZ 3: Excelência, a testemunha sabe, é, se a empresa tentou parcelar esse débito? VOZ 1: A senhora sabe responder, senhora Camila? VOZ 2: Sim, tentou. Tentou parcelar. Mesmo assim não conseguiu pagar. VOZ 1: Mas o... foi deferido o parcelamento? VOZ 2: Foi. VOZ 1: Foi? VOZ 3: Se [incompreensível] se começou a pagar algumas parcelas e atrasou, o que que aconteceu? VOZ 2: Sim, foram paga pagas algumas. VOZ 1: Do parcelamento? VOZ 2: Do parcelamento, do Refis, e depois não conseguiu mais pagar. VOZ 1: A senhora se lembrar quantas foram pagas, aproximadamente? VOZ 2: Me recordo de quatro, cinco. VOZ 1: E o número de parcelas, a senhora se recorda? VOZ 2: Em torno de sessenta, geralmente. VOZ 3: Excelência, a a testemunha pode dizer como é que tá a situação financeira da empresa hoje? VOZ 2: Bom, a empresa GME entrou com uma RJ no mês passado e no momento o dinheiro que entra na empresa a gente faz a compra de matéria prima pra empresa não parar o giro e pagamento de funcionário. Realmente impostos a gente não tá conseguindo pagar. VOZ 3: É, a testemunha sabe se além de impostos tem outros credores que não estão sendo pagos? VOZ 2: Sim, bancos, financiamentos, até próprios fornecedores. LEGENDA: VOZ 1: Juíza de Direito. VOZ 2: Testemunha. VOZ 3: Advogado de Defesa. VOZ 4: Ministério Público Estadual. Concluo que o quadro probatório é suficiente e no sentido de que a empresa passou por dificuldades financeiras severas. Sentiram-se os gestores forçados a optar pelo menos ruim, e decidiram deixar de recolher os tributos, sem causar prejuízo aos empregados, como forma de não quebrar a empresa da qual tiravam seu sustento e que sustentava os próprios empregados. As provas produzidas, no entanto, não correspondem ao período destacado na denúncia (janeiro a dezembro de 2008). Com efeito, os documentos anexados não guardam contemporaneidade aos fatos indicados na denúncia, merecendo destaque que o próprio pedido de recuperação judicial distribuído em 2015 menciona expressamente que a situação financeira da empresa agravou-se a partir de 2012 (ID 251660373, pp. 22/41). Além disso, as ações judiciais envolvendo a empresa iniciaram-se, em significativa maioria, a partir de 2014. Desse modo, não foi suficientemente demonstrado que, ao tempo dos fatos indicados na denúncia, as circunstâncias em que se encontravam os apelados tornavam inevitáveis suas condutas. Acerca do tema, assim se pronunciou a Procuradoria Regional da República (ID 251660373, pp. 158/169): Em que pese tenha ocorrido problemas financeiros vivenciados pela empresa "GME — Garça Motores Elétricos", esta não é contemporânea a omissão dos tributos perante as autoridades fazendárias, pois o pedido de recuperação judicial foi firmado em julho de 2015, sendo certo que a supressão dos tributos devidos teve início cerca de 05 (cinco) anos antes, em janeiro de 2008. A defesa não trouxe nenhuma documentação comprobatória de esgotamento de meios lícitos anteriores ao cometimento do delito, tais como disposição de bens particulares dos sócios em favor da sociedade empresária ou realização de empréstimos, como lhe competia, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal, de modo a justificar a inexigibilidade de conduta diversa. A defesa também argumenta que não houve omissão típica, mas mero inadimplemento. Sem razão, porém. Para a consumação do crime, basta que o agente voluntariamente deixe de recolher aos cofres públicos, no prazo legal, o valor do tributo descontado ou cobrado de terceiros, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, sendo prescindível a constituição definitiva do crédito. A ausência de fraude na execução do delito reflete, por exemplo, no preceito secundário abstratamente previsto e na possibilidade de aplicação da excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, diferentemente do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90. De qualquer forma, a conduta praticada pelos apelados é tipificada criminalmente, não se tratando, como alega a defesa, de mero inadimplemento de obrigação tributária. Nesse sentido, aliás, veja-se o seguinte precedente deste Tribunal, que, embora faça referência ao art. 168-A do Código Penal, aplica-se perfeitamente ao caso em exame: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 337-A, CP. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 168-A, §1º, I, CP. PRESCRIÇÃO. NATUREZA FORMAL DO CRIME DO ART. 168-A. TERMO INICIAL. DATA DA OMISSÃO DO REPASSE DAS CONTRIBUIÇÕES AO INSS. CRIME DO ART. 337-A. NATUREZA MATERIAL. SÚMULA VINCULANTE Nº 24. [...] 2- A constitucionalidade do art. 168-A, do Código Penal, há muito restou assentada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo C. Superior Tribunal de Justiça, inexistindo violação ao art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, que veda a prisão civil por dívida (à exceção do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar), o que, obviamente, não se confunde com a imposição de pena criminal privativa de liberdade, como se dá na espécie. 3- O tipo do art. 168-A do Código Penal se consuma com a ausência do repasse, à Previdência Social, das contribuições descontadas dos segurados empregados, no prazo legalmente assinalado, prescindindo da constituição definitiva do crédito ou da retenção física das importâncias previdenciárias pelo agente, para sua configuração. Portanto, para fins de contagem do prazo prescricional, é irrelevante a data da constituição do crédito. Precedente desta Seção. [...] 6- Apelo defensivo parcialmente provido. (ACr 0004640-47.2011.4.03.6109, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 11.12.2018, e-DJF3 Judicial 1 07.01.2019) O elemento subjetivo do crime tipificado no art. 2º da Lei nº 8.137/90 é o dolo genérico, sendo dispensável qualquer especial fim de agir, ou seja, a intenção de fraudar o órgão tributante e o animus rem sibi habendi não são elementos essenciais ao perfazimento do tipo penal. Nesse sentido: Basta, para configurar o dolo inerente ao crime capitulado no art. 2º, II, da Lei nº 8.137-90, a vontade livre e consciente de não recolher, aos cofres públicos, o produto dos valores descontados, a título de imposto sobre a renda, dos salários da empresa de que são os pacientes diretores. Impossibilidade financeira não demonstrada. Não impede a instauração da ação penal, a pendência de procedimento fiscal administrativo acerca das importâncias não recolhidas. (HC 76.044/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 31.10.1997, DJ 19.12.1997, p. 44) Assim, para a caracterização do crime, é irrelevante a retenção física das importâncias não repassadas ou a efetiva apropriação dessas quantias por parte do agente, pois o núcleo do tipo consiste em "deixar de recolher" valor de tributo ou de contribuição social, e não "apropriar-se". Portanto, o dolo ficou caracterizado na conduta dos réus. Por todo o exposto, provejo o recurso para, reformando a sentença, condenar JOSÉ MÁRCIO RAMIREZ e CLAUDECIR BESSA CARDOSO pela prática do crime previsto no art. 2º, II, c.c. o art. 12, II, da Lei nº 8.137/90. Passo à dosimetria das penas e o faço de forma conjunta para ambos os réus porque são similares as condições pessoais e os demais vetores a serem considerados. Na primeira fase, fixo a pena-base em 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, mínimo legal, para cada réu, porque as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não são negativas. Na segunda fase, não reconheço circunstâncias agravantes nem atenuantes, mantendo inalterada a pena intermediária. Na terceira fase, não verifico nenhuma causa de diminuição e aplico a causa de aumento da pena prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, na fração de 1/3 (um terço), bem como a continuidade delitiva, na fração de 1/6 (um sexto), ambas no mínimo permitido. O não recolhimento do tributo superou R$ 500 mil à época da fiscalização, ocasionando grave dano à coletividade, pois o montante deixou de ser aplicado pelo Estado no desempenho de suas atividades essenciais, o que atinge a sociedade como um todo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de que a gravidade do prejuízo ao erário deve ser considerada para se aplicar a causa de aumento do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MAJORANTE PREVISTA NO ART. 12, I, DA LEI 8.137/90. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. PREJUÍZO ELEVADO. POSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. INADMISSIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. FRAÇÃO DE AUMENTO. PRÁTICA DE MAIS DE 7 CRIMES. PATAMAR MÁXIMO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 83/STJ. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PARCELAMENTO APÓS O RECEBIMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o não recolhimento de expressiva quantia de tributo atrai a incidência da causa de aumento prevista no art. 12, inc. I, da Lei 8.137/90, pois configura grave dano à coletividade (AgRg nos EDcl no AREsp 465.222/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 29/8/2016). [...] 7. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no AREsp 1.377.172/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.10.2019, DJe 24.10.2019) A Décima Primeira Turma tem decidido nessa linha: ApCrim 0002620-95.2010.4.03.6181, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 23.07.2020, e-DJF3 Judicial 1 27.08.2020; ApCrim 0012034-78.2014.4.03.6181, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Fausto De Sanctis, j. 23.04.2020, e-DJF3 Judicial 1 04.06.2020; ApCrim 0004567-48.2014.4.03.6181, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 20.09.2016, e-DJF3 Judicial 1 03.10.2016. Quanto ao art. 71 do Código Penal, a fração do aumento da pena deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e este Tribunal tem decidido que, "para uma melhor individualização das penas, este colegiado adotou os seguintes parâmetros: de dois meses a um ano de omissões de recolhimentos, 1/6 (um sexto) de acréscimo; acima de um ano e até dois anos, 1/5 (um quinto); acima de dois anos e até três anos, 1/4 (um quarto); acima de três anos e até quatro anos, 1/3 (um terço); acima de quatro anos e até cinco anos, 1/2 (um meio); e acima de cinco anos, 2/3 (dois terços) de aumento" (ApCrim 0000040-45.2005.4.03.6124/SP, Segunda Turma, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 15.05.2012, e-DJF3 Judicial 1 24.05.2012). No caso, a prática delitiva estendeu-se pelo período de janeiro a dezembro de 2008, o que implica o aumento da pena em 1/6 (um sexto). Assim, feitos os devidos cálculos, estabeleço a pena definitiva em 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção e 15 (quinze) dias-multa para cada réu, sendo o valor unitário do dia-multa fixado no mínimo legal, diante da ausência de dados acerca da situação econômica dos apelados. Fixo o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 33, § 2º, "c", do Código Penal. Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade dos réus por uma pena restritivas de direitos para cada um, consistente em prestação pecuniária, no valor de 10 (dez) salários mínimos, em favor de entidade pública ou privada com destinação social também a ser indicada pelo juízo da execução penal. Posto isso, DOU PROVIMENTO à apelação, para condenar JOSÉ MÁRCIO RAMIREZ e CLAUDECIR BESSA CARDOSO à pena de 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção, em regime inicial aberto, e 15 (quinze) dias-multa cada um, sendo suas penas privativas de liberdade substituídas por uma pena restritiva de direitos, nos termos da fundamentação supra. Transitado em julgado este acórdão, lancem-se os nomes dos réus no rol dos culpados e façam-se as anotações e comunicações devidas. É o voto.
Advogado do(a) APELADO: TELEMACO LUIZ FERNANDES JUNIOR - SP154157-A
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TESE DE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA AFASTADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS.
1. A possibilidade de as partes apresentarem documentos em qualquer fase do processo (CPP, art. 231) não dispensa o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, o que, sob a ótica da acusação, não foi observado. Embora exista prejuízo ao MPF no procedimento, deixa-se de declarar a nulidade do ato processual, valendo-me, por analogia, do disposto no art. 282, § 2º, do Código de Processo Civil, na medida em que, no mérito, impõe-se a reforma da sentença como também pretende a acusação.
2. Materialidade e autoria devidamente comprovadas. As provas produzidas para comprovar a inexigibilidade de conduta diversa não correspondem ao período destacado na denúncia (janeiro a dezembro de 2008), merecendo destaque que o próprio pedido de recuperação judicial distribuído em 2015 menciona expressamente que a situação financeira da empresa agravou-se a partir de 2012. Além disso, as ações judiciais envolvendo a empresa iniciaram-se, em significativa maioria, a partir de 2014.
3. A ausência de fraude na execução do delito reflete, por exemplo, no preceito secundário abstratamente previsto e na possibilidade de aplicação da excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, diferentemente do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90. De qualquer forma, a conduta praticada pelos apelados é tipificada criminalmente, não se tratando, como alega a defesa, de mero inadimplemento de obrigação tributária.
4. O elemento subjetivo do crime tipificado no art. 2º da Lei nº 8.137/90 é o dolo genérico, sendo dispensável qualquer especial fim de agir, ou seja, a intenção de fraudar o órgão tributante e o animus rem sibi habendi não são elementos essenciais ao perfazimento do tipo penal.
5. Pena-base fixada no mínimo legal. Inexistência de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Aplicada a causa de aumento da pena prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, na fração de 1/3 (um terço), bem como o aumento decorrente da continuidade delitiva, na fração de 1/6 (um sexto), tendo em vista a gravidade do dano causado à coletividade e a quantidade de ações perpetradas. Precedentes.
6. Fixado o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, que é substituída por uma pena restritiva de direitos.
7. Apelação provida.