Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002980-52.2019.4.03.6108

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: DIOGENES JOAO GOMES

Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO ANGELO VERDIANI - SP178729-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002980-52.2019.4.03.6108

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: DIOGENES JOAO GOMES

Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO ANGELO VERDIANI - SP178729-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de tutela cautelar requerida por DIOGENES JOÃO GOMES contra CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, postulando o cancelamento do leilão do imóvel de matrícula n. 4.062, do 1º CRI de Bauru-SP, designado para 31/10/2019, uma vez que não foi previamente notificado para purgar a mora, em descumprimento ao disposto na Lei n. 9.514/1997 (ID 252121253).

Foi deferida a tutela cautelar (ID 252121256).

Após contestação (ID 252121258) e réplica (ID 252121264), o autor promoveu o aditamento da inicial, postulando a declaração de nulidade da consolidação da propriedade, com fulcro na ausência de notificação pessoal para purgação da mora (ID 252121854).

A CEF contestou o pedido principal (ID 252121860) e, após réplica do autor (ID 252121863), foi proferida sentença nos seguintes termos: “Diante do exposto, mantenho a antecipação dos efeitos da tutela vindicada, e, nos termos do art. 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS para reconhecer o direito do Demandante de purgar a mora referente ao contrato de mútuo do imóvel em questão. Para tanto, a CAIXA deverá informar o saldo atualizado da dívida vencida, tal qual fez em sua contestação e, em seguida, o Autor deverá ser intimado a depositar as parcelas vencidas também no curso do processo mais as despesas decorrentes dos procedimentos administrativos realizados pela CAIXA para a consolidação da propriedade, no prazo de 15 (quinze) dias. Transitada em julgado a decisão final deste processo, sendo confirmada esta sentença e existindo depósito suficiente, fica a CAIXA autorizada a levantar todos os depósitos judiciais, por meio de Alvará ou ofício de transferência, devendo, em consequência, ser expedido ofício ao 1º Ofício de Registro de Imóveis de Bauru/SP, para anular a consolidação da propriedade da matrícula 4.062, ficando restabelecida a relação contratual do mútuo, em todos os seus termos. Caso o Autor não faça os depósitos judiciais das parcelas vencidas, depois de intimado para este fim, nem tampouco das parcelas vincendas, a CAIXA poderá dar continuidade aos procedimentos da lei 9.514/97, ficando sem efeito a antecipação dos efeitos da tutela. Deve o Autor, ainda, arcar com as despesas decorrentes da consolidação da propriedade em favor do fiduciário, inclusive eventuais débitos relativos ao ITBI. Havendo sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários de seus patronos, na forma do art. 86, caput, do Novo Código de Processo Civil.” (ID 252121882).

Embargos declaratórios rejeitados (ID 252121886).

Apela o autor, arguindo que não caberia a intimação por hora certa no caso, pois “os insucessos da comunicação do ato não podem ser presumidos como manobra do Embargante sem a comprovação de qualquer indício de má-fé.” Ainda, alega que não há previsão legal dessa forma de comunicação no procedimento de execução extrajudicial, o que implica na nulidade do ato. Portanto, postula a reforma da sentença para acolher o pedido (ID 252121889).

Contrarrazões da CEF (ID 252121893).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002980-52.2019.4.03.6108

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: DIOGENES JOAO GOMES

Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO ANGELO VERDIANI - SP178729-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

 

 

 

V O T O

 

 

 

De início, rejeito a preliminar de inadmissibilidade do recurso suscitada pela apelada, visto que as razões recursais do apelante são consonantes com os fatos arguidos na origem e apreciados na sentença recorrida, não havendo que se falar em inovação recursal ou prejuízo ao duplo grau de jurisdição.

Igualmente, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir em razão da consolidação da propriedade do imóvel, visto que o autor-apelante busca justamente a declaração de nulidade desse ato, sendo plenamente útil a pretensão e adequada a via eleita para tanto.

Passo, portanto, à análise do recurso.

Pretende o autor, essencialmente, o reconhecimento da nulidade da intimação para purgação da mora e, consequentemente, o desfazimento da consolidação da propriedade do bem.

Da leitura dos autos, tem-se que as partes celebraram, em 17/10/2014, a Cédula de Crédito Bancário n. 734-4078.003.00000277-2 e correspondente Termo de Constituição de Garantia – Empréstimo/Financiamento, nos quais o autor figura como avalista a fiduciante da empresa MSU INDÚSTRIA DE PEÇAS E EQUIPAMENTOS METALÚRGICOS LTDA – EPP e a ré como credora e fiduciária do imóvel dado em garantia (ID 252121253, R. 13). Ante o inadimplemento do contrato, que é incontroverso, houve a averbação da consolidação da propriedade do imóvel em nome da instituição financeira em 26/09/2018 (Av. 17).

O contrato de alienação fiduciária, como este que se discute nos presentes autos, foi celebrado segundo as regras da Lei n. 9.514/97, que assim dispõe:

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

(...)

 Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

 (...)

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

Nos contratos dessa natureza, o devedor fiduciante transfere a propriedade do bem imóvel à instituição financeira (credora fiduciária) até que se implemente a condição resolutiva, que é o pagamento total da dívida. Liquidado o financiamento, o devedor retoma a propriedade plena do bem, ao passo que, havendo inadimplemento do contrato, e desde que obedecidos os procedimentos legais, a CEF tem o direito de requerer ao Cartório a consolidação da propriedade do imóvel em seu nome, passando a exercer sua propriedade plena.

Registro, por necessário, que o procedimento previsto pela Lei n. 9.514/1997 não se reveste de qualquer nódoa de ilegalidade ou de inconstitucionalidade. Neste sentido, transcrevo recente julgado proferido por esta Corte Regional:

DIREITO CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LEI 9.514/97. CONSTITUCIONALIDADE. RETIDÃO DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. PURGAÇÃO DA MORA. DIREITO DE PREFERÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ABUSO DE DIREITO. APELO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica sobre a constitucionalidade do procedimento adotado pela Caixa Econômica Federal na forma do Decreto-Lei n.º 70/66, não ferindo qualquer direito ou garantia fundamental do devedor, uma vez que além de prever uma fase de controle judicial antes da perda da posse do imóvel pelo devedor, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento da venda do imóvel seja reprimida pelos meios processuais próprios. 2. O procedimento previsto pela Lei nº 9.514/97 não se reveste de qualquer nódoa de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, como pretende a parte recorrente, conforme entendimento consolidado por esta Eg. Corte. 3. O vencimento antecipado da dívida e a consequente consolidação da propriedade em nome da instituição financeira, nos termos do acordado na cláusula trigésima do contrato de financiamento, nada mais são que consectários da impontualidade e inadimplência no pagamento das prestações. 4. A alienação fiduciária compreende espécie de propriedade resolúvel, em que, inadimplida a obrigação a que se refere, consolida-se em favor do credor fiduciário. Para que a consolidação da propriedade em nome da instituição financeira mutuante ocorra de maneira válida, é imperioso que esta observe um procedimento cuidadosamente especificado pela normativa aplicável. Com efeito, conforme se depreende do art. 26, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.514/97, os mutuários devem ser notificados para purgarem a mora no prazo de quinze dias, o que ocorreu na espécie. 5. No tocante ao leilão do imóvel promovido após a consolidação da propriedade, a Lei nº 9.514/97, do mesmo modo, é clara ao dispor acerca da necessidade de comunicação ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico. 6. É certo que a inclusão do § 2º-A, que determina a notificação do devedor acerca das datas, horários e locais dos leilões, no art. 27 da Lei nº 9.514/97, somente se deu por ocasião da edição da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. 7. O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que "nos contratos de alienação fiduciária regidos pela Lei nº 9.514/97, ainda que realizada a regular notificação do devedor para a purgação da mora, é indispensável a sua renovação por ocasião da alienação em hasta extrajudicial" (in AREsp nº 1.032.835-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, publicado no DJ 22.03.2017). 8. No caso dos autos, inexiste prova firme e segura de que o procedimento de execução extrajudicial do imóvel levado a efeito pela Caixa Econômica Federal contém vícios formais. 9. Ausentes quaisquer outros elementos que possam efetivamente elidir a validade da referida notificação, bem como, a legalidade do procedimento extrajudicial, a manutenção da consolidação da propriedade em favor da EMGEA é medida que se impõe. 10. O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de admitir a purgação da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel, mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel dado em garantia ao credor fiduciário, desde que ocorra até a assinatura do auto de arrematação. 11. Contudo, na hipótese, a presente ação foi ajuizada em 17 de agosto de 2018, quase um ano e meio após a arrematação do imóvel pela EMGEA, registrada na matrícula do imóvel em 05 de abril de 2017, e alguns meses antes da venda do imóvel à terceiro de boa-fé, formalizada em 16 de novembro de 2018, conforme demonstra a Proposta de Compra e Venda acostada aos autos. 12. Não se vislumbra mais a possibilidade de retomada do contrato, para a purgação da mora pelas apelantes nos termos da Lei nº 9.514/97, sob pena de configuração de abuso de direito por parte do mutuário. 13. Recurso de apelação a que se nega provimento. (TRF3 – ApCiv n. 5020686-09.2018.4.03.6100, Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY FILHO, 1ª Turma, J. 01/12/2020, e-DJF3 10/12/2020)

Para que a consolidação da propriedade em nome da credora ocorra validamente, é imperioso que esta observe o procedimento cuidadosamente especificado pela norma aplicável. Com efeito, conforme se depreende do art. 26, §§ 1º e 3º, da Lei n. 9.514/1997, os devedores devem ser notificados pessoalmente para purgarem a mora no prazo de 15 dias, in verbis:

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

(...)

§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.

Não sendo localizado o devedor, o diploma autoriza o Oficial de Registro de Imóveis a intimá-lo por hora certa ou edital, nos termos dos §§ 3º-A e 4º do artigo retro citado:

§ 3o-A.  Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 4o  Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)

Na espécie, após 11 diligências infrutíferas, nos dias 21 e 29/06/2018, 02, 07 e 11/07/2018 (ID 252121875, f. 7-9), 08, 17, 21, 23 (manha e tarde) e 24/08/2018 (f. 31), sendo informado pelo filho do autor e por funcionários da empresa MSU que ele não se encontrava no local, o Oficial intimou a sra. Juliana Teramoto, funcionária, informando que retornaria no dia 27/08/2018, às 16h, para notificar o devedor. Comparecendo no endereço na data marcada, novamente lhe foi dito que o autor não se encontrava, pelo que procedeu à intimação por hora certa (f. 23 e 30-36). Veja-se o relato do ocorrido na data designada (f. 32):

No dia 27/08/2018, às 16h03min, em diligência na rua Armando Lambertini, 2-150, dando seguimento ao processo de intimação por hora certa, fui atendido pelo Sr. Lucas Gomes, que me atendeu através de interfone, pois não autorizou minha entrada na recepção da empresa. Questionei sobre a presença do Sr. Diogenes João Gomes, o mesmo afirmou que iria verificar, e me pediu par aguardar. Retornou e disse que o notificado não estava no local, questionei o motivo de sua ausência, e o Sr. Lucas não soube informar, e novamente me pediu para aguardar, pois iria perguntar ao seu superior. Retornou e disse simplesmente que o notificado não se encontrava. Solicitei ao Sr. Lucas algum responsável que me atendesse, e ele novamente me pediu para aguardar. Após alguns minutos, surgiu no portão de entrada da empresa a Sra. Juliana Teramoto, funcionária da empresa, questionei sobre o notificado, e ela se limitou a dizer que ele não estava, e que não possuía nenhuma informação do mesmo, se limitando a dizer que não sabia de nada sobre o Sr. Diogenes João Gomes. Questionei sobre o aviso deixado na diligência anterior sobre a intimação por hora certa, e ela disse que repassou o aviso ao Sr. Claudemir Moreira, seu duperior hierárquico, e que ele não lhe passou nenhuma informação. Questionei o motivo da ausência do Sr. Diogenes João Gomes no local, e a Sr.ª Juliana Teramoto não soube responder e se limitou a dizer que não sabe de nada sobre o paradeiro do notificado.

Diante da ausência do Sr. Diogenes João Gomes, e não comparecimento no local até as 16h05min, nos termos do item 253.3, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, entreguei uma via da notificação a Sr.ª Juliana Teramoto, funcionária da empresa MSU Indústria de Peças e Equipamentos Metalúrgicos Ltda – EPP, que por sua vez, recebeu a contrafé, e se recursou a assinar no recibo de entrega.

Não obstante a negativa do apelante, os fatos narrados pelo Oficial de Registro de Imóveis, no dia 27 e nas diligências anteriores, evidenciam que a suspeita de ocultação do devedor não foi infundada, cumprindo-se o rito da notificação por hora certa somente após diversas tentativas infrutíferas de intimação pessoal no mesmo endereço em que funciona a MSU e no qual já havia informação de que ele permanecia durante o dia inteiro (f. 31 – diligência em 23/08/2018).

Há que se ressaltar que a certidão do Oficial goza de fé pública, e, portanto, de presunção de veracidade, que somente pode ser ilidida por prova inequívoca em contrário, o que não ocorreu no caso. Nesse sentido, precedentes desta Eg. Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. INTIMAÇÃO. PURGAÇÃO DA MORA. POSSIBILIDADE. CITAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE. CERTIDÃO. FÉ-PÚBLICA. NULIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Trata-se de recurso de Apelação interposta contra sentença que, nos autos de Ação Ordinária julgou improcedente o pedido suscitado pela autora. Alega o autor, em síntese: I) nulidade da consolidação da propriedade por ausência de intimação para purgação da mora uma vez que ao não ser encontrado em seu endereço, foi citado por edital; II) Clama pelo direito de purgar a mora. No contrato de financiamento com garantia por alienação fiduciária, o devedor/fiduciante transfere a propriedade do imóvel à Caixa Econômica Federal (credora/fiduciária) até que se implemente a condição resolutiva, que é o pagamento total da dívida. Liquidado o financiamento, o devedor retoma a propriedade plena do imóvel, ao passo que, havendo inadimplemento dos termos contratuais, a Caixa Econômica Federal, desde que obedecidos os procedimentos previstos na lei, tem o direito de requerer ao Cartório a consolidação da propriedade do imóvel em seu nome, passando a exercer a propriedade plena do bem.Para que a consolidação da propriedade em nome da instituição financeira ocorra de maneira válida, é imperioso que esta observe um procedimento cuidadosamente especificado pela normativa aplicável. Com efeito, conforme se depreende do art. 26, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.514/97, os mutuários devem ser notificados pessoalmente para purgarem a mora no prazo de quinze dias. Há que se ressaltar que a certidão lavrada pelo Oficial de Registro de Imóveis goza de fé-pública, portanto, goza de presunção de veracidade, somente podendo ser ilidida mediante prova inequívoca em sentido contrário, o que não ocorreu na hipótese. Quando a propriedade foi consolidada em nome do agente fiduciário após a publicação da Lei nº 13.465/2017 (12/7/2017), não mais se discute a possibilidade de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, mas, diferentemente, o direito de preferência para a aquisição do mesmo imóvel mediante o pagamento de preço correspondente ao valor da dívida somado aos encargos previstos no § 2º-B do artigo 27 da Lei nº 9.514/97. Recurso a que se nega provimento. (TRF3 – ApCiv n. 5002053-32.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY FILHO, 1ª Turma, j. 14/06/2021, e-DJEN 24/06/2021)

Portanto, não havendo nos autos elementos que infirmem a veracidade dos fatos certificados pelo Oficial, tem-se que a intimação por hora certa ocorreu nos termos autorizados pela Lei n. 9.514/1997, oportunizando ao devedor a purgação da mora. E, não tendo ele quitado o débito no prazo legal, é legítima a consolidação da propriedade do imóvel em nome da CEF, não havendo ilegalidade procedimental.

Ante todo o exposto, CONHEÇO E NEGO PROVIMENTO à apelação, mantendo integralmente a sentença de primeiro grau.

Sem honorários, não fixados na sentença.

É como voto.



E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL. NULIDADE DE CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INTIMAÇÃO POR HORA CERTA. ART. 26, § 3º-A DA LEI N. 9.514/1997. FUNDADAS SUSPEITAS DE OCULTAÇÃO. INTIMAÇÃO NOS TERMOS DA LEI. PURGAÇÃO DA MORA OPORTUNIZADA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE LEGÍTIMA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Recurso em que se pretende o reconhecimento da nulidade da intimação para purgação da mora e, consequentemente, o desfazimento da consolidação da propriedade do bem. 2. A alienação fiduciária de imóvel constitui espécie de propriedade resolúvel, que se consolida em favor do credor fiduciário se inadimplida, pelo devedor, a obrigação por ela garantida. O procedimento de execução previsto pela Lei n. 9.514/1997 não se reveste de ilegalidade ou inconstitucionalidade, contudo, para que a consolidação da propriedade ocorra de forma válida, a credora deve observar o procedimento especificado pela referida lei. 3. Com efeito, nos termos do art. 26, §§ 1º e 3º, da Lei 9.514/1997, o devedor deve ser previamente notificado para purgar a mora no prazo de quinze dias, sendo autorizadas as intimações por hora certa ou edital, caso não localizado pessoalmente (§§ 3º-A e 4º). 4. Os fatos narrados pelo Oficial de Registro de Imóveis evidenciam que a suspeita de ocultação do devedor não foi infundada, cumprindo-se o rito da notificação por hora certa somente após onze tentativas infrutíferas de intimação pessoal no mesmo endereço em que funciona a empresa representa pelos fiduciantes e no qual já havia informação de que ele permanecia durante o dia inteiro. 5. A certidão lavrada pelo Oficial de Registro de Imóveis goza de fé pública, e, portanto, de presunção de veracidade, somente podendo ser ilidida mediante prova inequívoca em sentido contrário. Precedente desta Corte. 6. Não havendo elementos que infirmem a veracidade dos fatos certificados pelo Oficial, tem-se que a intimação por hora certa ocorreu nos termos autorizados pela Lei n. 9.514/1997, oportunizando ao devedor a purgação da mora. E, não tendo ele quitado o débito no prazo legal, é legítima a consolidação da propriedade do imóvel em nome da CEF, não havendo ilegalidade procedimental. 7. Apelação não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, conheceu e negou provimento à apelação, mantendo integralmente a sentença de primeiro grau, sem honorários, não fixados na sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.