APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008897-13.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: MAURICIO CESCHIN
Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008897-13.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: MAURICIO CESCHIN Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A APELADO: DELEGADA DA DELEGACIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE PESSOAS FÍSICAS EM SÃO PAULO, DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE PESSOAS FÍSICAS EM SÃO PAULO/SP - DERPF/SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: [jgbarbos] R E L A T Ó R I O Apelação interposta por Mauricio Ceschin contra sentença que denegou a segurança pleiteada para obter ordem de abstenção da autoridade impetrada quanto à exigência de imposto de renda em função do exercício das opções de compra de ações no contexto do Plano de Outorga de Opções de Compra de Ações, instituído pela Qualicorp S/A, em 03.03.2011. Custas na forma da lei. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos da Lei nº 12.016/2009. Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição. (ID 210364593). Sustenta, em síntese (ID 210364597), que: a) o stock option plan é autêntico contrato mercantil firmado entre as partes, porquanto tem as características inerentes ao instituto, quais sejam, onerosidade, voluntariedade e risco, cuja natureza em nada se confunde com a remuneração decorrente do trabalho; b) não há caráter de contraprestação, nos moldes do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), porquanto dispõe que a remuneração é decorrente de trabalho prestado, de maneira que o plano de outorga de opções não tem natureza salarial; c) o ganho é eventual, aleatório e atrelado ao risco da variação do mercado acionário, de forma que não se amolda ao conceito de remuneração; d) o exercício das opções exige que haja dispêndio de valores pela parte optante para adquirir as ações que lhes são transferidas, de forma que não pode ser tributada no momento em que retira valores de seu patrimônio; e) há posicionamento jurisprudencial dominante no sentido de que eventuais ganhos obtidos no âmbito de contratos de opção de compra de ações têm natureza mercantil e não remuneratória, o que afasta a possibilidade do imposto sobre a renda no momento do exercício das opções de compra com base na alíquota progressiva de até 27,5%; f) por fim, requer, em caráter subsidiário, o provimento parcial do recurso para estabelecer que a remuneração se dá quando da outorga da opção (e não no seu exercício), observado o valor econômico (valor justo), de modo que a tributação ocorra mensalmente até a data em que possível o exercício da opção (fim do vesting period), o reconhecimento da suficiência do depósito realizado pelo apelante com o abatimento do montante correspondente ao imposto exigido (e já recolhido), bem como do direito de crédito correspondente ao imposto de renda pago em função do ganho de capital quando da alienação das ações a terceiros. Mantida a improcedência, postula seja reconhecida a suficiência do depósito realizado com o abatimento do montante correspondente ao imposto exigido e já recolhido ou o direito de crédito correspondente ao imposto de renda pago em função do ganho de capital quando da alienação das ações a terceiros. Contrarrazões da União (ID 210364604): a) afirma que as employee stock options constituem ferramenta usada pelas companhias abertas para remunerar seus colaboradores por meio da participação societária, nas quais é comum que o exercício de compra das ações seja subsidiado pela empregadora, uma vez que os outorgados não pagam o valor do prêmio nem adquirem as ações pelo preço justo de mercado; b) as employee stock options detêm nítido caráter de gratificação e de acréscimo remuneratório vinculado aos atributos profissionais e em complemento ao salário, notadamente à vista de que a promessa de alienação de ações por parte da empresa configura a contraprestação ao trabalho que os beneficiários prestam e prestarão para a companhia e que as ações são outorgadas gratuitamente (sem o pagamento de prêmio); c) a oferta é restrita aos empregados do mais alto escalão da companhia, o que demonstra o caráter de remuneração variável, bem como a habitualidade revelada nas sucessivas aquisições de ações e as diversas e graves restrições à faculdade de disposição das ações, como é o caso dos períodos de carência; d) o risco efetivamente assumido pelo impetrante por força das stock options foi apenas o de nada receber, mas não há perda do dinheiro investido; e) a ausência de risco distancia o pacto do mundo dos investimentos e aproxima a avença dos meios indiretos de remuneração, de maneira que as employee stock options configuram retribuição econômica em decorrência do trabalho prestado e, assim, atraem os efeitos fiscais previstos na legislação tributária; f) eventual ganho por parte do beneficiário na revenda das ações no mercado dará origem a outro evento jurídico tributário, que será a existência de um ganho de capital pela pessoa física também passível de tributação, mas que em nada interfere no fato prévio de que a companhia remunerou seus diretores por meio das stock options, de forma que não há falar-se em bis in idem, na medida em que configurada a ocorrência de dois fatos geradores distintos: o primeiro é o acréscimo patrimonial decorrente do exercício da opção de compra subsidiada da ação (renda do trabalho) e o segundo, o ganho de capital decorrente da posterior alienação da ação, razões pelas quais pugna seja desprovido o recurso e mantida integralmente a sentença recorrida. Parecer do Ministério Público Federal no sentido do desprovimento do recurso (ID 227647809). Apelação recebida apenas no efeito devolutivo (ID 235841824). É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008897-13.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: MAURICIO CESCHIN Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A APELADO: DELEGADA DA DELEGACIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE PESSOAS FÍSICAS EM SÃO PAULO, DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE PESSOAS FÍSICAS EM SÃO PAULO/SP - DERPF/SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O I - DOS FATOS O autor, ex-executivo do Grupo Qualicorp, adquiriu ações da referida empresa no contexto do Stock Option Plan aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 03/03/2011, ratificado pelas Assembleias Gerais Extraordinárias de 30/05/2011, 22/08/2013 e 13/06/2014. Impetrou este writ preventivo, em 17.04.2018, para obter a concessão da segurança a fim de que a autoridade coatora se abstivesse de lhe exigir imposto de renda sobre eventuais rendimentos decorrentes do referido contrato de opção de ações, com o reconhecimento de que os ganhos oriundos de stock options não são rendimentos do trabalho. A liminar foi indeferida (ID 210364483). Interposto agravo de instrumento pela parte impetrante (5013135-42.2018.4.03.0000) tanto contra o indeferimento da liminar quanto o da realização do depósito judicial do valor controvertido, foi declarado prejudicado em razão da reconsideração relativa ao destino dos depósitos judiciais (ID 210364515) e da prolação da sentença denegatória da ordem contra a qual foi apresentado o apelo que ora se examina. II – DO MÉRITO II. a) Dos Planos de Opção de Compra de Ações (Stock Option Plans) A par dos diversos tipos de opção de compra de ações originados no sistema americano, o caso concreto traz a discussão sobre as denominadas employee stock options, prática sedimentada no exterior que ainda se desenvolve em âmbito nacional, com fundamento de validade no artigo 168, §3º, da Lei nº 6.404/76: Art. 168. O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária. (...) § 3º O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembleia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle. Trata-se, de acordo com Sérgio Amad Costa, de “um incentivo de longo prazo, para atrair ou reter talentos, que possibilita aos profissionais adquirirem ações da empresa onde trabalham, por um preço abaixo do mercado. É uma forma de alinhar os interesses dos acionistas com os dos administradores e dos empregados em geral”. (COSTA, Sérgio Amad. 'Stock option' é ou não é remuneração? - 2013. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,stock-option-e-ou-nao-e-remuneracao-imp-,1063752. Acesso em: 07 ago. 2020). No mesmo sentido, outro artigo sobre o tema dispõe que: “Em linhas gerais, entende-se como plano de opção de compra de ações o contrato firmado entre a empresa e seus empregados com o objetivo de conceder a estes o direito de adquirir ações emitidas pela empresa, nos termos contratados. Trata-se, portanto, de ferramenta utilizada pelo empregador de incentivo e retenção de empregados, dando-lhes a oportunidade de, ao se tornarem acionistas, participarem dos interesses da empresa”. (BARBOSA, Luiz Roberto Peroba; GAGO, Cristiane I. Matsumoto; ALVARENGA, Christiane Alves. A natureza jurídica dos planos de opção de compra de ações (stock option plans) e os impactos previdenciários. Revista de Previdência Social, São Paulo, Ano XXXVIII, n. 404, p. 648-651, jul. 2014). Ainda de acordo com o mencionado artigo, quanto à operacionalização, inicia-se com a outorga aos beneficiários do direito de optar pela compra de ações em uma data pré-determinada e um valor previamente fixado. Após, o outorgado decide se exercitará a opção que lhe foi facultada e se realmente tornar-se-á o proprietário das ações, de forma a poder vendê-las no mercado, se assim desejar, observada eventual condição relativa a período mínimo de manutenção antes da alienação. Assim, as stock options têm como requisitos essenciais o preço de exercício (valor pelo qual o empregado eventualmente exercerá a sua opção de compra), o prazo de carência (a partir do qual se consideram presentes as condições para o exercício da compra) e o termo da opção, que é o prazo máximo para a efetiva aquisição das ações. Cumpre destacar, como bem explicita a professora Adriana Calvo, que: “No ato da assinatura do plano de “stock option”, o empregado não possui automaticamente o direito de comprar ações da sua empregadora ou da controladora da sua empregadora. Na verdade, o empregado possui somente uma mera expectativa de direito, que só poderá se materializar em direito subjetivo após o final do prazo de carência fixado pelo plano. O plano de “stock option” nada mais representa que a concessão futura do direito de opção de compra de ações a determinados sujeitos de direito (empregados da companhia ou de suas subsidiárias), que adquirem o direito de exercer a compra de ações, mediante o pagamento de um preço prefixado. É importante ressaltar que é somente uma expectativa de direito, já que as variações do mercado podem afetar o valor das ações no momento da negociação.” (grifo nosso) (CALVO, Adriana. 2020. Disponível em: https://calvo.pro.br/a-natureza-juridica-dos-planos-de-opcoes-de-compra-de-acoes-no-direito-do-trabalho-employee-stock-option-plans/ Acesso em: 07.08.2020). A partir de suas características, discute-se se o instituto detém natureza de remuneração ou de contrato mercantil. Luciano Martins Ogawa e Caio César Meirelles Casiraghi o percebem “como um contrato mercantil, tendo em vista a sua natureza de contrato oneroso para o beneficiário, na medida em que há o pagamento de prêmio e risco consubstanciado pela variação do preço das ações no mercado de capitais (caso haja uma desvalorização, o beneficiário não exercerá a opção, e absorverá o prejuízo)”. (in Considerações acerca da natureza jurídica e das regras de dedutibilidade dos Planos de Stock Option no caso de pagamento a dirigentes estatutários. Revista Dialética de Direito Tributário: (RDDT), São Paulo, n. 237, p. 72-81, jun. 2015). Para os tribunais trabalhistas, aos quais a questão tem se apresentado há mais tempo que na esfera tributária, os eventuais ganhos auferidos pelo empregado não têm natureza de remuneração, porquanto presentes nos respectivos contratos a facultatividade, relativa ao exercício da opção de compra e da adesão voluntária ao plano, bem como a onerosidade, verificada pelo pagamento das ações no momento da opção, e o risco típico do acionista, à vista da incerteza do ganho futuro. Nesse sentido, confira-se: “PLANO DE OPÇÃO DE AÇÕES (STOCK OPTION) – NATUREZA JURÍDICA – O plano “Stock Option” consiste na concessão futura, ao empregado, do direito de optar pela compra de ações, a quem se garante a prerrogativa de exercer ou não tal direito, tudo a depender das variações do mercado acionário. Referida vantagem não ostenta natureza salarial, tratando-se de típico contrato mercantil de caráter oneroso. (TRT3 –0010058-86.2015.5.03.0112, Relator: Convocado Danilo Siqueira de C. Faria, 3ª Turma). " (...) 5. PLANO DE AÇÕES. STOCK OPTIONS. INTEGRAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. Em que pese a possibilidade da compra e venda de ações decorrer do contrato de trabalho, o trabalhador não possui garantia de obtenção de lucro, podendo este ocorrer ou não, por consequência das variações do mercado acionário, consubstanciando-se em vantagem eminentemente mercantil. Dessa forma, o referido direito não se encontra atrelado à força laboral, pois não possui natureza de contraprestação, não havendo se falar, assim, em natureza salarial. Precedente. Recurso de revista de que não se conhece. (...) (TST, 5ª Turma, RR-201000-02.2008.5.15.0140, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 27/02/2015). II.b) Do imposto de renda A regra matriz de incidência dos tributos está prevista na Constituição Federal e, quanto ao imposto de renda, seu contorno é delimitado pelo artigo 153, inciso III, o qual prevê a competência da União para instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza. O artigo 43 do Código Tributário Nacional, por sua vez, define como fato gerador da exação a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos (inciso I) e de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior (inciso II). É possível afirmar, portanto, que o pagamento de montante que não seja produto do capital ou do trabalho ou que não implique acréscimo patrimonial afasta a incidência do imposto de renda e, por esse fundamento, não deve ser cobrado o tributo sobre as indenizações que visam a recompor a perda patrimonial. De outro lado, tem-se que, do ponto de vista do trabalhador/aposentado, todos os rendimentos (sejam os decorrentes da atividade ou da inatividade) estão sujeitos à incidência dessa exação, salvo previsão de índole constitucional (imunidade) ou legal (isenção). O cerne da questão discutida nos autos é saber se a operação relativa ao plano de opção de compras de ação ou stock options ofertado ao recorrente configura remuneração. A União alega em sua apelação que os ganhos eventualmente obtidos no âmbito do stock option plan teriam natureza remuneratória e não mercantil, de forma a atrair a incidência do imposto de renda no momento da efetiva compra das ações (exercício da opção). Nos termos do artigo 110 do CTN, a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal. Reconhece-se que há inúmeros debates quanto à conceituação da palavra "renda", a qual não está expressa na Constituição Federal. Acerca do tema, registre-se trecho do voto do Ministro Joaquim Barbosa proferido no RE nº 582.525/SP: [...] Em uma série de precedentes, o Supremo Tribunal Federal examinou o alcance semântico dos vocábulos empregados pela Constituição, para examinar se a legislação infraconstitucional que instituía tributos se adequava ou não aos parâmetros postos pela competência tributária. Registro, por exemplo, as discussões acerca dos conceitos de serviços e locação de bens móveis (ISS e locação - RE 201.465), indenização e renda (RE 188.684, rel. min. Moreira Alves, DJ de 07.06.2002), e faturamento e receita bruta (Cofins). Em mais de uma ocasião a Corte afirmou que a estipulação dos conceitos em matéria tributária não está à livre disposição do legislador infraconstitucional. Todos os precedentes mencionados denotam que o Supremo Tribunal Federal considera pertencer ao contencioso constitucional a investigação acerca do alcance semântico das palavras utilizadas pela Constituição para demarcar a competência tributária. Em sentido semelhante ao que sustentou Umberto Eco (Os Limites da Interpretação, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004), a jurisprudência da Corte aponta, em termos gerais, à existência de uma espécie de direito do texto Constitucional à interpretação. Quer dizer, embora uma mesma palavra utilizada na Carta Magna possa significar várias coisas, não pode ela significar qualquer coisa ao alvedrio do legislador infraconstitucional. Por maior que seja a ambiguidade da expressão "renda e proventos de qualquer natureza", a respectiva definição não fica ao exclusivo arbítrio do legislador complementar ou ordinário. Passo ao exame de mérito e enfrento a alegada violação do conceito constitucional de renda (art. 153, III da Constituição). A Constituição de 1988 permite a tributação da "renda e proventos de qualquer natureza" (art. 153, III) sem estipular, expressamente, um conceito para renda ou para proventos, que são as bases de cálculo constitucionais do tributo. Por outro lado, não há um conceito ontológico para renda, de dimensões absolutas, caráter imutável e existente independentemente da linguagem, que possa ser violado pelo legislador complementar ou pelo legislador ordinário, dado que se está diante de um objeto cultural. A inexistência de um conceito ontológico para lucro ou renda já foi examinada pela Corte, por ocasião do julgamento do RE 201.465 (red. p/ acórdão min. Nelson Jobim, DJ de 17.10.2003), precedente que versa sobre efeito da inflação sobre as demonstrações financeiras e sobre a fixação da base de cálculo do IRPJ, na modalidade lucro real (Leis 8.200/1991 e 8.682/1993). Assim, nos quadrantes do sistema constitucional tributário, o conceito de renda somente pode ser estipulado a partir de uma série de influxos provenientes do sistema jurídico, como a proteção ao mínimo existencial, o direito ao amplo acesso à saúde, a capacidade contributiva, a proteção à livre iniciativa e à atividade econômica, e de outros sistemas com os quais o Direito mantém acoplamentos, como o sistema econômico e o contábil. Não há consenso, na doutrina ou na jurisprudência, acerca do alcance da expressão renda. O cerne das discrepâncias, como já alertava Bulhões Pedreira em 1971 (Impôsto de Renda. Rio de Janeiro: Justec, 1971, p. 2-10), tem por origem a circunstância de a maioria dos autores "ao procurarem definir renda, não se preocupar em saber o que é renda, e sim o que, no seu entender deve ser considerado renda pessoal como base da incidência do imposto". [...] Sobre o conceito de remuneração tem-se na legislação trabalhista: Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. § 1o Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) § 2o As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) § 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados. (Redação dada pela Lei nº 13.419, de 2017) § 4o Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) § 5º O fornecimento de alimentação, seja in natura ou seja por meio de documentos de legitimação, tais como tíquetes, vales, cupons, cheques, cartões eletrônicos destinados à aquisição de refeições ou de gêneros alimentícios, não possui natureza salarial e nem é tributável para efeito da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários e tampouco integra a base de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa física. (Redação dada pela Medida Provisória nº 905, de 2019) Denota-se que eventuais ganhos decorrentes do exercício da opção de compra não guardam semelhanças com as situações descritas no mencionado dispositivo, pois não decorrem da aferição direta dos resultados apresentados pelo beneficiário nem de contraprestação ao trabalho. Podem ocorrer, ou não, a partir da valorização da empresa em razão de diversos fatores que não estão necessariamente atrelados à atuação daqueles que se tornaram acionistas. Nesse sentido, confira-se precedente do Tribunal Superior do Trabalho: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. COMPRA DE AÇÕES VINCULADA AO CONTRATO DE TRABALHO. -STOCK OPTIONS-. NATUREZA NÃO SALARIAL. EXAME DE MATÉRIA FÁTICA PARA COMPREENSÃO DAS REGRAS DE AQUISIÇÃO. LIMITES DA SÚMULA 126/TST. As -stock options-, regra geral, são parcelas econômicas vinculadas ao risco empresarial e aos lucros e resultados do empreendimento. Nesta medida, melhor se enquadram na categoria não remuneratória da participação em lucros e resultados (art. 7º, XI, da CF) do que no conceito, ainda que amplo, de salário ou remuneração. De par com isso, a circunstância de serem fortemente suportadas pelo próprio empregado, ainda que com preço diferenciado fornecido pela empresa, mais ainda afasta a novel figura da natureza salarial prevista na CLT e na Constituição. De todo modo, torna-se inviável o reconhecimento de natureza salarial decorrente da possibilidade de compra de ações a preço reduzido pelos empregados para posterior revenda, ou a própria validade e extensão do direito de compra, se a admissibilidade do recurso de revista pressupõe o exame de prova documental - o que encontra óbice na Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido." (AIRR- 85740-33.2009.5.03.0023, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 15/12/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/02/2011) Assim, sob tal ótica, descabido considerar que o empregado é remunerado pelo trabalho prestado com as mesmas ações que paga para adquirir nos termos da outorga anteriormente acordada. Em tais casos, caberá a tributação sobre o ganho de capital, como já entendeu a Receita Federal do Brasil no âmbito da Solução de Consulta nº 164/2019, em situação similar, ao tratar da incidência do IRPF sobre os valores auferidos com a alienação das ações, ainda que sob a cláusula da "retrovenda", prevista em contrato com cláusula de não competição. II.b) Caso concreto O autor e a empresa firmaram contrato individual de outorga de opções de compra da participação societária da empresa (ID 210364434), com as respectivas adições, a partir do Plano de Opção de Ações da QC Holding I Participações S.A. (ID 210364446), aprovado em assembleia geral (ID 210364443, 210364444 e 210364445), cuja condição da outorga foi definida no Anexo II ao contrato de opção de compra de ações (ID 210364435, p. 03): Quantidade total de ações sujeitas à opção: 6.680.000 (seis milhões, seiscentos e oitenta mil) ações ordinárias Data de concessão: 13 de junho de 2014 Tipo de opção: Opção de compras de ações não qualificada Data de expiração final: 13 de junho de 2019 Prazo de carência: 4 (quatro) anos, sendo 25% das opções ao final de cada período de 12 meses a contar da concessão Preço de Exercício por ação: R$ 17,51 (dezessete reais e cinquenta e um centavos) Forma de pagamento: À vista. No mesmo sentido, o aditamento ao contrato de opção de compra de ações, concedido em 18.01.2017 (ID 210364436, p. 03), e a opção de compra 1, com preço de exercício por ação de R$ 16,84 (ID 210364437, p. 03). Cumpridos os prazos de carência, o autor manifestou, em 23.08.2016, 25.04.2017, 10.05.2017, 06.07.2017 e 04.12.2017 (ID 210364438), a intenção de adquirir as ações, nos termos em que lhe foram outorgadas. Após, promoveu a venda dos ativos no mercado de capitais (ID 210364439) e recolheu os tributos decorrentes sobre o ganho de capital auferido, conforme as DARF carreadas aos autos, nas quais consta a utilização do código receita 6015, referente ao recolhimento de imposto de renda pessoa física sobre os ganhos líquidos auferidos em operações em bolsa de valores (ID 210364440). Presente a facultatividade, consoante se constata da leitura das cláusulas do artigo V do plano, que trata do exercício de opções e nas quais consta a expressão “o optante poderá exercer opção” em diversas passagens, observadas as condições porventura impostas pelo administrador (cláusula 5.3, alínea “a”) e por meio do pagamento integral do preço de opção total referente às opções efetivamente exercidas (alínea “b”), bem como o caráter oneroso e o risco decorrente da venda das ações adquiridas no mercado de capitais, patente o caráter mercantil da negociação, ainda que os prazos de carência para os fins da opção de exercício sejam vencidos a cada ano e que, ao menos inicialmente, não possam ser exercidos após eventual rescisão de contrato de trabalho, conforme a cláusula 4.2. (Exercício e Atribuição de Opções), cuja alínea “b” dispõe: (b) Salvo disposição em contrário do Contrato de Outorga aplicável ou conforme determinado pelo Administrador, nenhuma parcela de Opção que possa ser exercida na data na qual a Optante incorrer em rescisão de contrato de trabalho como Prestador de Serviços poderá ser exercida posteriormente. Verifica-se, assim, o interesse da empresa em outorgar a possibilidade de opção a seus empregados para fomentar o alinhamento com os objetivos empresariais e com a expectativa de que o executivo permaneça em seus quadros a fim de trabalhar pela valorização dos ativos. Não se trata, como se vê, de remuneração pelo trabalho prestado, mas de um incentivo para que todos os acionistas possam auferir resultados positivos a médio ou longo prazos. Por fim, examina-se a Lei nº 12.973/2014 (que altera a legislação tributária federal relativa ao IRPJ, CSLL, Contribuição para o PIS/Pasep e COFINS, e dá outras providências), em especial o artigo 33, a seguir reproduzido: Art. 33. O valor da remuneração dos serviços prestados por empregados ou similares, efetuada por meio de acordo com pagamento baseado em ações, deve ser adicionado ao lucro líquido para fins de apuração do lucro real no período de apuração em que o custo ou a despesa forem apropriados. § 1º A remuneração de que trata o caput será dedutível somente depois do pagamento, quando liquidados em caixa ou outro ativo, ou depois da transferência da propriedade definitiva das ações ou opções, quando liquidados com instrumentos patrimoniais. § 2º Para efeito do disposto no § 1º, o valor a ser excluído será: I - o efetivamente pago, quando a liquidação baseada em ação for efetuada em caixa ou outro ativo financeiro; ou II - o reconhecido no patrimônio líquido nos termos da legislação comercial, quando a liquidação for efetuada em instrumentos patrimoniais. Vê-se que a previsão legal não se aplica à situação dos autos, na medida em que não trata de regras relativas ao IRPF do empregado, mas sim do regime de dedutibilidade, para o IRPJ, do custo ou despesa em que tenha incorrido a empresa no pagamento com base em ações, desde que reconhecido o caráter remuneratório aos beneficiários, o que não se verifica no caso sub judice. Apenas nas hipóteses referidas é que o custo deve ser adicionado ao lucro líquido para fins de apuração do lucro real no período respectivo, providência meramente fiscal que faz referência às regras contábeis emitidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (Resolução nº 1.055/05 do Conselho Federal de Contabilidade) e respectivo Pronunciamento Técnico CPC 10, aprovado pela Deliberação da Comissão de Valores Mobiliários nº 650/2010, que revogou a anterior (nº562/2008). Conclui-se, portanto, incompatível a incidência do tributo nos termos em que pretendida pela União, de forma que a sentença deve ser reformada a fim de que seja concedida a segurança pleiteada para que a autoridade coatora não considere os ganhos oriundos de stock option como rendimento de trabalho e, em consequência, se abstenha de exigir sobre eles o imposto de renda, bem como de praticar atos tendentes à exigência de tais valores. À vista do provimento do pedido principal, prejudicada a análise dos pleitos subsidiários. Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença e conceder ao impetrante a segurança pleiteada. Custas ex lege. Sem honorários advocatícios, na forma da Lei nº 12.016/2009. É como voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
E M E N T A
DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. "STOCK OPTION PLAN". EX-EXECUTIVO DO CORPO DIRETIVO DO GRUPO. PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL ACIONÁRIO. OUTORGA DE OPÇÕES DE COMPRA DE AÇÕES. REMUNERAÇÃO NÃO CONFIGURADA. CONTRATO DE NATUREZA MERCANTIL. TRIBUTAÇÃO. GANHO DE CAPITAL. ALÍQUOTA DE 15%. REFORMA DA SENTENÇA DENEGATÓRIA.
- O autor, ex-executivo do Grupo Qualicorp, adquiriu ações da referida empresa no contexto do Stock Option Plan e impetrou writ preventivo para obter a concessão da segurança a fim de que a autoridade coatora se abstivesse de lhe exigir imposto de renda sobre eventuais rendimentos decorrentes do referido contrato de opção de ações, com o reconhecimento de que os ganhos oriundos de stock options não são rendimentos do trabalho.
- As employee stock options, prática sedimentada no exterior que ainda se desenvolve em âmbito nacional, com fundamento de validade no artigo 168, §3º, da Lei nº 6.404/76, trata de incentivo de longo prazo, por meio de contrato firmado entre a empresa e seus empregados, com o objetivo de conceder a estes o direito de adquirir ações emitidas pela empresa, nos termos contratados.
- A partir de suas características, discute-se se o instituto detém natureza de remuneração ou de contrato mercantil, o que determinará a forma de tributação a ser aplicada. Para os tribunais trabalhistas, aos quais a questão tem se apresentado há mais tempo que na esfera tributária, os eventuais ganhos auferidos pelo empregado não têm natureza de remuneração, porquanto presentes nos respectivos contratos a facultatividade, relativa ao exercício da opção de compra e da adesão voluntária ao plano, bem como a onerosidade, verificada pelo pagamento das ações no momento da opção, e o risco típico do acionista, à vista da incerteza do ganho futuro. Precedentes do TST.
- Eventuais ganhos decorrentes do exercício da opção de compra não guardam semelhanças com as situações descritas no artigo 457 da CLT, pois não decorrem da aferição direta dos resultados apresentados pelo beneficiário nem de contraprestação ao trabalho. Podem ocorrer, ou não, a partir da valorização da empresa em razão de diversos fatores que não estão necessariamente atrelados à atuação daqueles que se tornaram acionistas. Assim, sob tal ótica, descabido considerar que o empregado é remunerado pelo trabalho prestado com as mesmas ações que paga para adquirir nos termos da outorga anteriormente acordada. Em tais casos, caberá apenas a tributação sobre o ganho de capital. Precedente da 4ª Turma desta corte.
- Sentença reformada. Custas ex lege. Sem honorários advocatícios, na forma da Lei nº 12.016/2009.
- Apelação do impetrante provida para concessão da segurança pleiteada.