HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5006589-29.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
PACIENTE: ROBSON SANT ANNA
IMPETRANTE: LEONARDO DE ALMEIDA MAXIMO, MATHEUS BUENO DE SOUZA, GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARO
Advogados do(a) PACIENTE: GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARO - SP124445-A, MATHEUS BUENO DE SOUZA - SP444616-A, LEONARDO DE ALMEIDA MAXIMO - SP230231-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CARAGUATATUBA/SP - 1ª VARA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5006589-29.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI PACIENTE: ROBSON SANT ANNA Advogados do(a) PACIENTE: GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARO - SP124445-A, MATHEUS BUENO DE SOUZA - SP444616-A, LEONARDO DE ALMEIDA MAXIMO - SP230231-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CARAGUATATUBA/SP - 1ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de ROBSON SANT’ANNA, contra ato do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Caraguatatuba/SP, objetivando o trancamento da ação penal nº 0000401-72.2018.4.03.6135. Os impetrantes narram que o paciente foi denunciado juntamente com Ernane Bilotte Primazzi, Roberto Alves dos Santos, Ricardo Rubson Santos Mattos e João Paulo dos Santos Chagas como incurso nas sanções dos art. 92, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93 e no art. 1º, I, §§ 1º e 2º, do Decreto Lei nº 201/ 67, c.c. arts. 29 e 30 do Código Penal. A denúncia foi recebida pela autoridade impetrada. Sustentam, em síntese, a inépcia material da inicial acusatória por ausência de justa causa, “haja vista ter sido denunciado tão-somente por ser o sócio-administrador da empresa IDEAL TERRAPLENAGEM LTDA”. Argumentam que “a denúncia é manifestamente inepta em relação a ROBSON SANT ANNA, pois, a uma, não descreve nenhuma conduta concreta praticada pelo Paciente, valendo-se de reprovável responsabilidade penal objetiva; a duas, não descreve a circunstância volitiva específica, exigível para os delitos que lhe foram imputados”. Prosseguem, afirmando, que a denúncia “carece também de justa causa, já que não se apoia em provas que atestem que qualquer conduta criminosa foi sequer praticada pelo Paciente”. Em sede liminar, postulam seja suspensa a ação penal e, no mérito, requerem a concessão definitiva da ordem para reconhecer a inépcia da denúncia e, consequentemente, determinar o trancamento da Ação Penal nº 0000401-72.2018.4.03.6135. O pedido liminar foi indeferido (ID 254511807). As informações foram prestadas pela autoridade coatora (ID 254900302). Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem (ID 254995560). É o relatório. Em mesa.
IMPETRANTE: LEONARDO DE ALMEIDA MAXIMO, MATHEUS BUENO DE SOUZA, GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARO
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5006589-29.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI PACIENTE: ROBSON SANT ANNA Advogados do(a) PACIENTE: GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARO - SP124445-A, MATHEUS BUENO DE SOUZA - SP444616-A, LEONARDO DE ALMEIDA MAXIMO - SP230231-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CARAGUATATUBA/SP - 1ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Consta dos autos que o paciente Robson Sant’Anna foi denunciado juntamente com Ernane Bilotte Primazzi, Roberto Alves dos Santos, Ricardo Rubson Santos Mattos e João Paulo dos Santos Chagas como incurso nas sanções dos art. 92, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93 e no art. 1º, I, §§ 1º e 2º, do Decreto Lei nº 201/ 67, c.c. arts. 29 e 30 do Código Penal. Extrai-se da denúncia (ID 254436605): “[...] Os elementos constantes nos autos demonstram, cabalmente, que o ex-Prefeito, Ernane Bilotte Primazzi, o ex-Secretário de Habitação e Planejamento, Roberto Alves dos Santos, o engenheiro e Diretor do Departamento de Obras Públicas da Prefeitura Municipal de São Sebastião, Ricardo Rubson Santos Mattos, o sócio-administrador da empresa Ideal Terraplenagem, Robson Sant Anna, e o engenheiro e Gerente de Contratos e Obras da empresa Ideal Terraplenagem João Paulo dos Santos Chagas, ora denunciados, uniram-se para malversar e desviar recursos públicos municipais e federais decorrentes do Contrato de Repasse nº 0310946 - 82/2009, processo nº 2578.0310946-82/2009, firmado entre a União, através do Ministério das Cidades, representado pela Caixa Econômica Federal, e a Prefeitura de São Sebastião (fls. 07/17 do Apenso I, Volume I). O referido contrato de repasse tinha como objeto a "Infraestrutura do Sistema Viário para Promover a Redução de Acidentes de Trânsito - implantação de rotatórias" e previu a transferência, pela União, do montante de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) e contrapartida pela Prefeitura no valor inicial de R$51.540,87 (cinquenta e um mil quinhentos e quarenta reais e oitenta e sete centavos), com posterior aumento para R$ 85.126,19 (oitenta e cinco mil cento e vinte seis reais e dezenove centavos), conforme fls. 225/227. Tais recursos visavam à implantação de rotatórias nos bairros de Baraqueçaba e Boigucanga, em São Sebastião. Diante das suspeitas de prática de crimes, envolvendo vultosos recursos públicos federais, o presente inquérito policial passou a apurar o caso por meio de diversas diligências investigatórias: pitivas do representante (fl. 67 e 99) e dos principais envolvidos na suposta prática delitiva (fls. 102/103, 112/113, 156, 181/182, 214/215, 257, 266, 363, 371/372, 389/390, 394/395 e 469), realização de laudos periciais criminais pela área de engenharia do Núcleo de Criminalística da Polícia Federal (fls. 125/151 e 451/461), além da instrução dos autos com documentos relacionados à licitação, contrato e respectiva execução contratual, os quais foram analisados tanto pela Polícia Federal como pelo Núcleo de Combate à Corrupção desta Procuradoria da República. Encerrada a investigação, concluiu-se que entre 18/02/2010 e 28/01/2014 um esquema de corrupção no município de São Sebastião/SP foi ajustado entre o ex-Prefeito, ERNANE BILOTTE PRIMAZZI, o ex-Secretário de Habitação e Planejamento, ROBERTO ALVES DOS SANTOS, o engenheiro e Diretor do Departamento de Obras Públicas da Prefeitura Municipal de São Sebastião, RICARDO RUBSON SANTOS MATTOS, o sócio- administrador da empresa Ideal Terraplenagem, ROBSON SANT ANNA, e o engenheiro e Gerente de Contratos e Obras da empresa Ideal Terraplenagem JOÃO PAULO DOS SANTOS CHAGAS. Há evidências concretas de que houve desvios de recursos públicos (federais e municipais) durante toda a vigência do contrato/obra, mediante pagamento de serviços com prévia elaboração de medições de engenharia que não condiziam com a realidade, já que não houve a entrega/execução total de itens elencados como realizados, além de pagamento de itens com valores superfaturados, tudo isso em beneficio de agentes públicos e de particulares que atuavam em conluio. Os elementos constantes nos autos demonstram, cabalmente, que os ora denunciados uniram-se para malversar e desviar recursos públicos municipais e federais, que deveriam ter sido devida e adequadamente aplicados na infraestrutura da malha viária do município de São Sebastião, conforme se demonstrará mais detalhadamente a seguir. 2. Dos fatos típicos e suas evidências Em 31.12.09, o denunciado ERNANE BILOTTE PRIMAzzi, na condição de Prefeito do Município de São Sebastião, firmou com a União, por intermédio do Ministério das Cidades, representado pela Caixa Econômica Federal, o Contrato de Repasse no 0310946-82/2009 (Processo n° 2578.0310946-82/2009), em que se estipulou o repasse federal no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) destinados à aplicação na infraestrutura viária da cidade com a implantação de rotatórias, cuja contrapartida estimada pela Prefeitura, inicialmente, seria de R$ 51.540,87 (cinquenta e um mil quinhentos e quarenta reais e oitenta e sete centavos), conforme fls. 07/17 do Apenso I. A fim de assegurar a aparência de regularidade do procedimento licitatório que se pretendia realizar para a empreitada criminosa, com uso dos recursos federais que adviriam do referido contrato de repasse, então Secretário de Habitação e Planejamento, o denunciado Roberto Alves dos Santos, em 30.05.2011, apresentou requisição de contratação de empresa para a realização das obras, com as supostas justificativas da relevância dos investimentos (fl. 02/05 do Apenso I). Com a assinatura do Termo de Autorização e Compromisso do Departamento de Estradas e Rodagem, datado de 14.04.11, e apresentados o Memorial Descritivo da obra (fls. 22/27), a Planilha Orçamentária Estimativa (fls. 28/32), o Cronograma Orçamentário Estimativo (fl. 33) e o Quadro de Relevâncias (fls. 34), todos subscritos pelo denunciado RICARDO RUBSON SANTOS MATTOS, foi feita a reserva orçamentária e autorizada a abertura de processo licitatório (fls. 35/37), que se iniciou através do edital de Tomada de Preço n. 005/11 (fIs. 104/161), assinado em 27.07.11 e publicado em 28.07.2011 (fl. 162/166). Tal edital do Processo Licitatório n. 60.901/11 - Tomada de Preços n. 005/11 teve por objeto a "Contratação de empresa para obra de implantação de rotatórias na Rua Vereador Antonio Borges - Baraqueçaba e Estrada do Cascalho/Walkir Vergani - Boiçucanga, com fornecimento de material e mão de obra", com despesa estimada em R$ 635.986,59 (seiscentos e trinta e cinco mil novecentos e oitenta e seis reais e cinquenta e nove centavos), sendo R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) com recursos federais e R$ 135.986,59 (cento e trinta e cinco mil novecentos e oitenta e seis reais e cinquenta e nove centavos) com recursos municipais. No mesmo dia da publicação do edital, cópia deste foi adquirida pelas empresas Ideal Terraplenagem Ltda. e Palacio Construções Ltda. (fls. 168/169), sendo seguidas por outras dez pessoas jurídicas. Três delas participaram da fase de habilitação do certame: Solovia Engenharia e Construções Ltda. (fIs. 270/335): Gama Construções Civis Eng. Incorporações e Com. Ltda (fls. 209/269); e Ideal Terraplenagem Ltda. (fIs. 336/432), mas apenas as duas últimas foram habilitadas a apresentar propostas comerciais, tendo se consagrado vencedora a Ideal Terraplenagem Ltda., empresa de propriedade e administrada por RossoN SANT ANNA, uma vez que apresentou o preço mais baixo, de R$ 596.906,28 (quinhentos e noventa seis mil novecentos e seis reais e vinte e oito centavos), contra o valor de R$ 624.924,15 (seiscentos e vinte e quatro mil novecentos e vinte e quatro reais e quinze centavos) proposto pela empresa que ficou segundo lugar. Ao final do procedimento licitatório, cujos atos foram acompanhados/executados também pelo ex-Prefeito, ERNANE BILOTTE PRIMAzzI (assinatura do contrato, termo de ciência de notificação, ART, aditamentos - vide Vol. III do Apenso I), em 21.09.11, o denunciado ERNANE, na condição de Prefeito do Município de São Sebastião, celebrou contrato com a empresa Ideal Terraplenagem Ltda. de propriedade do denunciado ROBSON SANT ANNA, representada, no ato, pelo seu engenheiro e Gerente de Contratos e Obras da empresa Ideal Terraplenagem, JoÃo PAULO DOS SANTOS CHAGAS, (fIs. 520/535 do Vol. III do Apenso I). [...] Nota-se dos autos que os crimes praticados pelos denunciados se deram tanto por meio da própria elaboração do projeto, como (e sobretudo) pela execução da obra, onde foram apuradas irregularidades na quantidade dos itens de serviço contratado e no preço unitário de cada item. Primeiramente, quanto à elaboração do projeto, tem-se que este foi elaborado (vide Memorial Descritivo - fIs. 24/33 do Apenso I) pelo engenheiro da Prefeitura, o denunciado RICARDO RUBSON SANTOS MATTOs, que foi contratado diretamente pelo então Prefeito de São Sebastião ERNANE por meio de cargo em comissão. Conforme apurado, tal projeto de obra de engenharia continha a previsão de quantidade de itens de serviço superdimensionados e com valores superfaturados, sendo este o documento usado para instruir a proposta de trabalho enviada ao Ministério das Cidades por ERNANE BILOTTE PRIMAzzI, com o objetivo de conseguir os repasses da União, os quais foram, posteriormente, objeto de malversação. Aprovado o projeto e contratada a empresa acima referida, os denunciados passaram a promover, num segundo momento, os atos que propiciaram, efetivamente, os desvio de recursos públicos. Esses atos se deram por meio de fraudes na execução do objeto contratado. De acordo com a representação formulada pelo ex-diretor de Obras Públicas do Município de São Sebastião, Sr. Manuel J. da Fonseca Corte (fIs. 03/37), que deu origem ao inquérito policial que instrui a presente denúncia, tanto na obra de Baraqueçaba como na de Boiçucanga houve serviços pagos, porém, não realizados. Conforme o documento, "fingiram executar um trabalho que efetivamente não foi executado" Em relação ao item 2.1.1 da planilha de ambas as obras, o ex-diretor apontou que a empresa contratada efetuou demolição asfáltica em metragem aquém do previsto no contrato, o que automaticamente reduziu a quantidade dos serviços previstos nos itens 2.1.2 e 2.1.3, de carga mecanizada e manual de remoção e transporte do entulho decorrente da demolição, apresentando imagens que demonstram faixas de recortes do asfalto antigo para a implantação das rotatórias, o que foi possível porquanto o asfalto existente se encontrava em bom estado. Ademais, segundo a mesma representação trazida pelo Sr. Manuel, teriam sido pagos pela Administração serviços não executados previstos nos itens 3.2.1 e 3.2.2, consistentes nos serviços de compactação do subleito, execução base de pavimentação com macadame hidráulico e compactação, entre outros. Vale frisar, ainda, que o representante Manuel Joaquim da Fonseca foi ouvido em duas ocasiões que perante a autoridade policial, tendo em ambas ratificado os termos de sua representação. À fl. 67, esclareceu que trabalhou na Prefeitura de São Sebastião entre 14.01.09 a 30.10.09, pedindo sua exoneração "por discordar de algumas práticas ali encontradas"; também afirmou que "a planilha foi superdimensionada e sub-executada na gestão ERNANE" e que a tática utilizada nos últimos anos, é optar "pela licitação com valor unitário, o que dificulta sobremaneira a fiscalização, dando azo a possíveis desvios de recursos públicos". Em sua reinquirição à fl. 99, acrescentou que foram cobradas quantidades superiores de postes e placas de sinalização e que a "má-fé já veio desde o edital, pois houve um superdimensionamento e faturamento do serviço necessário". O Laudo de Perícia Criminal elaborado pelo Núcleo de Criminalística da Policia Federal corrobora alguns dos pontos destacados pelo ex-diretor Manuel Joaquim. De acordo o documento pericial, quanto aos aspectos quantitativos*, e apenas a título de exemplo, constatou-se que na obra da rotatória de Baraqueçaba houve uma maior diferença em relação ao item 5.2.8, que se refere ao "fornecimento e instalação de coluna de 2 1/2"x 3,60m x 2,65mm em aço galvanizado com fechamento de ponta com tampão plástico", tendo em vista que no contrato constava uma quantidade de 43 unidades e, conforme apurado na perícia, foram observados em campo apenas 18 unidades. (fls. 121/151) Já na obra da rotatória de Boicucanga, constatou-se uma diferença significativa tanto no item 5.2.15, que trata do "fornecimento e instalação de coluna de 2 1/2" x 3,60m x 2,65mm em aço galvanizado com fechamento de ponta com tampão plástico", como nos itens de serviço de pavimentação, o qual, conforme observado, foi executado "em apenas parte da área prevista no projeto" (fl. 138). O Laudo de fIs. 121/151 ainda traz fotografias dos locais das obras, com apontamentos demonstrando regiões com juntas, trincas e pinturas no asfalto do entorno da rotatória, fato que sugere que a pavimentação nova foi executada em apenas parte da área prevista no projeto. [...] Em suma, OS denunciados, de maneira voluntária consciente, concorreram para a consumação da ilegalidade, beneficiando-se da contratação, sendo evidente no contexto fático ora narrado que houve claro intuito de causar dano ao erário com a obtenção de benefícios particulares, através do ajuste escuso do projeto inicial da obra (superdimensionamento dos itens) da proposta da empresa contratada (superfaturamento dos itens). Patente, portanto, que tais fatos revelam a vontade consciente de todos os denunciados, que agiram em unidade de desígnios, com o fim de causar dano ao erário. Em síntese, ficou evidenciado que, entre 2010 e 2014, ERNANE BILOTTE PRIMAZZI, ROBERTO ALVES DOS SANTOS, RICARDO RUBSON SANTOS MATTOS, ROBSON SANT ANNA e JOÃO PAULO DOS SANTOS CHAGAS, previamente ajustados e atuando de forma voluntária e consciente, cada um contribuindo com suas respectivas funções profissionais, com unidade de desígnios, desviaram em proveito próprio, por meio do contrato acima referido, recursos federais repassados ao município de São Sebastião/SP, causando um dano ao erário de aproximadamente R$116.656,39 (valor apurado pela perícia da Polícia Federal, conforme Laudos Periciais de fls. 121/151 e 451/461). As condutas praticadas pelos denunciados, portanto, indicam de maneira inequívoca que o propósito para a contratação era possibilitar os desvios de recursos públicos e consequente dano ao erário. Cabe registrar que em face dos agentes públicos citados, deve incidir a causa de aumento de pena constante no § 20 do artigo 327 do Código Penal. 3. Conclusão e tipificação penal Por todos os fatos acima narrados, somados também a todos aqueles constantes dos autos, notadamente daqueles registrados nos termos de Termos de Depoimentos/Declarações e demais elementos presentes no inquérito policial que instrui a recente denúncia restaram sobeiamente comprovadas a materialidade e autoria delitivas, cometido em prejuizo ao erario federal e municipal. Por terem os ex-agentes públicos ERNANE BILOTTE PRIMAZZI, ROBERTO ALVES DOS SANTOS e RICARDO RUBSON SANTOS MATTOS e os particulares ROBSON SANT ANNA e JOÃO PAULO DOS SANTOS CHAGAS, ora denunciados, promovido alterações em quantidades e valores no memorial descritivo/planilha orçamentária da obra e, como consequência, garantido o auferimento de vantagem indevida em detrimento dos cofres públicos municipal e federal, estão incursos no crime licitatório, previsto no artigo 92, parágrafo único, da Lei n° 8.666/1996, combinado com os arts. 29 e 30, todos do Código Penal. Por terem apropriado e/ou desviado recursos públicos, em benefício próprio e/ou alheio (peculato-desvio), em razão de pagamentos por serviços não prestados, e por serviços efetivamente prestados a preços superfaturados, os ex-agentes públicos ERNANE BILOTTE PRIMAZZI, ROBERTO ALVES DOS SANTOS e RICARDO RUBSON SANTOS MATTOS e os particulares ROBSON SANT ANNA e JOÃO PAULO DOS SANTOS CHAGAS também estão incursos no crime previsto pelo artigo 1º, inciso I e 5§ 1° e 29, do Decreto-Lei no 201/1967, combinado com os arts. 29 e 30, todos do Código Penal. Registre-se que as incidências no artigo 1º, I e g§ 10 e 29, do Dec-Lei n° 201/1967, c/c artigos 29 e 30 do Código Penal, em razão das condições de tempo, lugar e maneira de execução, atraem a aplicação da regra contida no artigo 71 do Código Penal – crime continuado. Além disse, frise-se que são perfeitamente cabiveis a coautoria e a participação de terceiros nos crimes de responsabilidade de prefeitos contidos no Decreto-Lei n° 201/1967, assim como a consequente aplicação da pena de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública por cinco anos (STF, RHC 63.403/SC; STJ, AgRg no AREsp 128.599/PR, RHC 18.501/MS e RHC 8.927/RS), [...]” A denúncia foi recebida com a dada fundamentação (ID254436606): "Segundo consta dos autos, houve a contratação da empresa Ideal Terraplanagem Ltda. para a construção de rotatórias nos bairros de Boiçucanga e Barequeçaba, pela Prefeitura da Estância Balneária de São Sebastião, pelo valores contratados de R$ 635.986,59 (seiscentos e trinta e cinco mil, novecentos e oitenta e seis reais e cinquenta e nove centavos), sendo R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) com recursos federais, por intermédio do contrato de repasse nº 0310496-82/2009 SICONVI nº 719646/CT 2578.0310946-82/2009, firmado entre a União Federal (Ministério das Cidades), representada pela Caixa Econômica Federal, e a Prefeitura Municipal de São Sebastião/SP, firmado em 31/12/2009 (fls. 07/17 - apenso I, volume I). O valor remanescente de R$ 135.986,59 (cento e trinta e cinco mil, novecentos e oitenta e seis reais e cinquenta e nove centavos) foi de contrapartida de verbas municipais do Município de São Sebastião/SP (fl. 46 e 479/486 verso). Conforme apontado pelo órgão ministerial "(...) Nota-se dos autos que os crimes praticados pelos denunciados se deram por meio da própria elaboração do projeto, como (e sobretudo) pela execução da obra, onde foram apuradas irregularidades na quantidade dos itens de serviço contratado e no preço unitário de cada item"; bem como que houve serviços pagos que não foram realizados (fls. 03/37).Acrescenta, ainda, o MPF que os então denunciados promoveram alterações em quantidades e valores do memorial descritivo/planilha orçamentária das obras a serem realizadas, o que restou no auferimento de vantagem indevida em detrimento dos cofres públicos municipal e federal, constituindo-se, em tese, crimes previstos na Lei de Licitações (8.666/93), e também teriam se apropriado e/ou desviado recursos públicos, em benefício próprio e/ou alheio (peculato-desvio), em razão dos pagamentos por serviços não prestados, e por serviços efetivamente prestados a preços superfaturados, o que caracteriza a eventual prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, e 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 201/1967, combinado com os artigos 29,30 e 71, todos do Código Penal. Consta ainda da denúncia que os acusados teriam, em tese, constituído e integrado associação criminosa para a prática de crime licitatório consistente em admitir, possibilitar ou dar causa a vantagem indevida e, após, desviar e/ou apropriar-se de recursos públicos federais e municipais, adequando-se, assim, a conduta tipificada no artigo 288, c.c 29 e 30, todos do Código Penal. Laudos periciais juntados às fls. 121/151 e 451/461 onde se constatou dano ao erário de aproximadamente R$ 116.656,39 (cento e dezesseis mil, seiscentos cinquenta e seis reais e trinta e nove centavos), por meio do contrato acima mencionado. As verbas originárias de convênio entre a União Federal e a Municipalidade (São Sebastião/SP) constituem verbas de natureza federal, que se submetem, portanto, à fiscalização pelos órgãos internos e externo da União, sobretudo pelo Tribunal de Contas da União.Sobre essa matéria, já houve decisão nos autos nº 988-31.2017.403.6135, em trâmite perante este Juízo Federal, em que se fez remissão ao acórdão nº 3238/2014 - Plenário - Tribunal de Contas da União - TCU acerca dos limites da fiscalização pelo TCU sobre transferências Fundo a Fundo, em que se sedimentou o entendimento do TCU, inclusive, para se "afastar a competência do TCU para apreciar todas as despesas pagas pelos estados e municípios que não constituam contraprestação de algum recurso de natureza federal.... " (item 20.2 - Fl. 1039), constando da íntegra os seguintes termos:"16. No entanto, é incontroverso o entendimento de que só entram na esfera de competência do TCU as despesas do fundo municipal de saúde cujo objeto constitua contraprestação para o repasse de recursos de natureza federal. Logo, só têm sentido lógico e jurídico a análise pelo TCU do nexo causal dessa espécie de despesa, que constitua uma contraprestação, sob pena de violação da autonomia constitucional do ente federativo.19.2. Afinal, a natureza jurídica de um repasse é fixada por meio do instrumento jurídico que o suporta (contrato, convênio, legislação etc.), ao estabelecer, dentre vários aspectos, qual a contraprestação cabível da parte do recebedor, instrumento esse aceito por ambos, ainda que por mera adesão do recebedor. Tal natureza jurídica jamais é fixada unilateralmente pelo recebedor. Com efeito, o art. 6º, inciso I, alínea "a", do Decreto 1.651/1995, que regulamenta o art. 6º da Lei nº 8.689/1993, dispõe sobre a necessidade de comprovação ao TCU da aplicação de recursos transferidos aos Municípios, mediante respectiva "prestação de contas", somente em casos de "convênio, acordo, ajuste ou outro instrumento congênere, celebrados para a execução de programas e projetos específicos":"Art. 6º A comprovação da aplicação de recursos transferidos aos Estados e aos Municípios far-se-á:I - para o Ministério da Saúde, mediante:a) prestação de contas e relatório de gestão, se vinculados a convênio, acordo, ajuste ou outro instrumento congênere, celebrados para a execução de programas e projetos específicos; b) relatório de gestão, aprovado pelo respectivo Conselho de Saúde, se repassados diretamente do Fundo Nacional de Saúde para os fundos estaduais e municipais de saúde; II - para o Tribunal de Contas. a que estiver jurisdicionado o órgão executor, no caso da alínea b do inciso anterior, ou se destinados a pagamento contra a apresentação de fatura pela execução, em unidades próprias ou em instituições privadas, de ações e serviços de saúde. remunerados de acordo com os valores de procedimentos fixados em tabela aprovada pela respectiva direção do SUS, de acordo com as normas estabelecidas." Ademais, conforme já também constou da decisão nos autos nº 988-31.2017.403.6135, "só há prestação de contas ao Ministério da Saúde, e, consequentemente sujeito a análise do TCU, os repasses vinculados a convênio, ajuste ou outro instrumento, celebrados para execução de programas e projetos específicos. É também o que dispõe o art. 41, IV, da Lei n. 8.443/92 (Lei Orgânica do TCU). E, em definitivo, conforme constou do Acórdão nº 2.610/2010 - TCU - Plenário, do Tribunal de Contas da União - TCU, anexado a estes autos (fl. 1710/1714), que define a matéria de competência objeto desta decisão:"(...) Deve se ter em vista que, com base no Decreto n. 1.615/1995, que regulamente o Sistema Nacional de Auditoria - SNA no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS, a comprovação da aplicação de recursos federais transferidos a Estados e Municípios se dará mediante prestação de contas ao Ministério da Saúde apenas nos casos de convênios, acordos, ajustes ou outro instrumento congênere, segundos as orientações da IN/STN 01/97 e D4ecreto 6.170/2007." Cumpre à Justiça Federal decidir sobre o âmbito de sua jurisdição, conforme Súmula nº 150 do STJ ("Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas."). Diante do exposto, sobretudo ante a presença dos indícios de autoria e materialidade dos delitos imputados aos denunciados, o que preenche os requisitos de admissibilidade da ação penal elencados no artigo 41 do Código de Processo Penal, RECEBO a denúncia oferecida, uma vez que se encontram descritos fatos penalmente relevantes, atribuindo-se aos denunciados as autorias delitivas, com base em elementos colhidos nestes autos e que, em exame preliminar, estão ausentes as hipóteses de rejeição previstas no artigo 395 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008.Citem-se e intimem-se os réus, para os termos dos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal” O recebimento foi ratificado através da decisão de ID 254436611, sob os seguintes fundamentos: “A preliminar de inépcia da denúncia (art. 41 do CPP c/c art. 395, I, CPP) e respectiva nulidade do processo (art. 564, IV, CPP) alegada pela defesa deve ser afastada porque carece de substrato jurídico. A suposta conduta delituosa de cada um dos corréus está individualizada na denúncia, descrita com suas circunstâncias e tipificada, com vasta instrução de documentos colhidos pela Polícia Federal, além de elementos de prova colhidos na fase de inquérito. Em juízo de admissibilidade, foram reconhecidos como presentes os indícios de materialidade e autoria e demais requisitos do artigo 41, do Código de Processo Penal, a justificar a tramitação da ação penal e respectiva instrução penal, inclusiva como forma de se oportunizar a ampla defesa aos corréus, não se vislumbrando nenhuma hipótese de eventual rejeição da denúncia conforme previsto no artigo 395, CPP.” Neste writ, os impetrantes suscitam, em resumo, a inépcia da denúncia por ausência de justa causa e, em decorrência, postulam o trancamento da ação penal. Argumentam que “a denúncia é manifestamente inepta em relação a ROBSON SANT ANNA, pois, a uma, não descreve nenhuma conduta concreta praticada pelo Paciente, valendo-se de reprovável responsabilidade penal objetiva; a duas, não descreve a circunstância volitiva específica, exigível para os delitos que lhe foram imputados”. Prosseguem, afirmando, que a denúncia “carece também de justa causa, já que não se apoia em provas que atestem que qualquer conduta criminosa foi sequer praticada pelo Paciente”. Postulam seja suspensa a ação penal e requerem a concessão definitiva da ordem para reconhecer a inépcia da denúncia e, consequentemente, determinar o trancamento da Ação Penal nº 0000401-72.2018.4.03.6135. Não vislumbro constrangimento ilegal a ser sanado nessa etapa processual. Insurgem-se os impetrantes contra a suposta falta de justa causa para a ação penal diante da inépcia da denúncia, a qual não descreveu o comportamento delitivo engendrado pelo paciente, caracterizador dos crimes previstos nos art. 92, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93 e no art. 1º, I, §§ 1º e 2º, do Decreto Lei nº 201/ 67, c.c. arts. 29 e 30 do Código Penal. O trancamento da ação penal através do habeas corpus é medida excepcional, que apenas se justifica quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inexistência de indícios de autoria ou materialidade, circunstâncias não evidenciadas nestes autos. Nesse diapasão, o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL GRAVE. INDICIAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Por se tratar de medida excepcional, somente se admite o trancamento prematuro de persecução penal, sobretudo na fase do inquérito policial e via habeas corpus, na hipótese de absoluta ausência de justa causa, atipicidade da conduta, extinção da punibilidade ou, ainda, inépcia formal da denúncia. Precedentes. 2. No caso, modificar a conclusão de que não seria possível se aferir, de imediato, ilegalidade capaz de trancar as investigações, demandaria necessário reexame das provas dos autos, o que não se admite na via do recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ. 3. Ausente a apontada negativa de prestação jurisdicional, na medida em que o acórdão apreciou, fundamentadamente, todas as questões necessárias à solução da controvérsia, não havendo falar em violação do art. 619 do CPP. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl no AREsp 1411691/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019) (grifo nosso) Verifica-se que a exordial descreve a conduta tida como criminosa, em consonância com o artigo 41 do Código de Processo Penal, narrando fatos objetivos e concretos, de modo a permitir o pleno exercício do direito de defesa. A leitura da denúncia revela que o órgão acusatório narra o contexto fático em que as condutas ilícitas teriam sido praticadas, bem como a participação de cada um dos corréus, ainda que não o tenha feito de forma exauriente. Há menção, ainda, aos documentos angariados no inquérito policial que dão suporte às acusações formuladas, de forma que estariam presentes elementos a indicar a materialidade e a autoria dos crimes imputados. A análise detida dos autos revela descrição clara na inicial acusatória do envolvimento do paciente nas supostas condutas ilícitas ainda que ele, pessoalmente, não tenha assinado o documento colacionado na inicial acusatória. Como sócio administrador da empresa Ideal Terraplanagem Ltda. se fez representar, no momento da assinatura, pelo engenheiro João Paulo dos Santos Chagas, por ele contratado. No entanto, esse fato isoladamente considerado não tem o condão de afastar os indícios de autoria que recaem sobre o paciente. Saliento que durante a instrução processual haverá oportunidade para o exercício do contraditório e da ampla defesa de forma exauriente pela defesa do paciente. Nesse sentido, colaciono trechos do bem lançado parecer do Ministério Público Federal (ID 254995560): “Diferentemente do que foi aduzido pela defesa, o paciente não compõe o polo passivo somente por ser o sócio-administrador e proprietário da empresa IDEAL TERRAPLENAGEM LTDA. (ID 254436604, p. 15), mas, antes, pela prova da materialidade e de indícios de autoria dos crimes imputados, os quais foram praticados em conluio com corréus “tanto por meio elaboração do projeto, como (e sobretudo) pela execução da obra, onde foram apuradas irregularidades na quantidade dos itens de serviço contratado e no preço unitário de cada item” (ID 254436605, p. 6), no contexto da indigitada associação criminosa (ID 254436605, p. 14-15). Outrossim, o mero fato de o paciente não ter assinado nenhum documento referente à licitação ou às medições (ID 254436604, p. 18) não têm a injunção de afastar os indícios de autoria, na medida em que se fez representar pelo engenheiro e Gerente de Contratos e Obras da empresa IDEAL TERRAPLANAGEM LTDA., JOÃO PAULO DOS SANTOS CHAGAS (ID 254436605, p. 6), na celebração do contrato com o ente municipal”. – Sem grifos no original Conforme se observa – inclusive do recebimento da denúncia pela autoridade impetrada – há indícios suficientes de autoria e prova da materialidade delitiva, estando a peça inaugural baseada em elementos probatórios mínimos. Não bastasse, é firme na jurisprudência o entendimento de que nos crimes praticados no âmbito de empresas em que não seja possível, desde logo, individualizar as condutas, é válida a atenuação dos rigores do artigo 41 do Código de Processo Penal. Disso resulta que, embora as condutas dos agentes não estejam descritas pormenorizadamente, esse fato não obsta o oferecimento de defesa, eis que o órgão acusatório somente delineará a participação de cada um ao cabo da instrução criminal. Nesse sentido: DENÚNCIA – VALIA – CRIME TRIBUTÁRIO.Constando da denúncia a narração dos fatos, revelando-se opapel dos acusados na administração da empresa, presentescrimes tributários, descabe cogitar de inépcia. (STF, HC 103.104, Primeira Turma, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 14.02.12) PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. NULIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. INADMISSIBILIDADE. CRIME SOCIETÁRIO. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL. ART. 41 DO CPP. ORDEM DENEGADA. JURISPRUDÊNCIA DO STF. I - Não se considera inepta a denúncia que descreve os fatos típicos imputados ao denunciado, com indícios de materialidade e autoria, além de evidenciar seu vínculo com a ação da sociedade comercial envolvida. Precedentes. II - O exame da conduta do acusado deve ser realizado, no curso da ação penal, pelo juiz natural da causa. III - Ordem denegada. (STF. HC 97259. Primeira Turma. Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI. 15/12/2009) (grifo nosso) Saliento que a exigência de individualização material, espacial e temporal das condutas deve ser entendida sempre tendo-se em vista a complexidade de cada delito e suas circunstâncias específicas. Não se pode conceber que a individualização da conduta em crimes complexos tenha a mesma exatidão que a de crimes comezinhos como o furto simples e o roubo em condições comuns. Sublinhe-se, ainda, que nessa fase processual prepondera o princípio do in dubio pro societate, cabendo a rejeição da denúncia apenas nas hipóteses de inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. Trago à colação os seguintes julgados: PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO MAJORADO, QUADRILHA OU BANDO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E PREVARICAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO WRIT. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE DOLO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO ESTELIONATO. TEMA NÃO DEBATIDO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. [...] 2. A rejeição da denúncia e a absolvição sumária do agente, por colocarem termo à persecução penal antes mesmo da formação da culpa, exigem que o julgador tenha convicção absoluta acerca da inexistência de justa causa para a ação penal. 3. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 4. A denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do Código de Processo Penal e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu. [...] (STJ, RHC 40.260/AM, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 22/09/2017) (grifo nosso) PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ORDEM DENEGADA. 1. Para não ser considerada inepta, a denúncia deve descrever de forma clara e suficiente a conduta delituosa, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do delito, a materialidade delitiva e os indícios de autoria, viabilizando ao acusado o exercício da ampla defesa, propiciando-lhe o conhecimento da acusação que sobre ele recai, bem como, qual a medida de sua participação na prática criminosa, atendendo ao disposto no art. 41, do Código de Processo Penal (STF, HC n. 90.479, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.08.07; STF, HC n. 89.433, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 26.09.06 e STJ, 5a Turma - HC n. 55.770, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17.11.05). 2. O juízo realizado no recebimento da denúncia é de cognição sumária e requer a verificação da existência de suporte probatório mínimo da materialidade do crime e de indícios suficientes da autoria. A denúncia deve atender aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e não incidir em nenhuma das hipóteses do art. 395 do Código de Processo Penal. Atenderá aos requisitos legais a denúncia que contiver a exposição do fato criminoso com todas as circunstâncias necessárias à configuração do delito, os indícios de autoria, a classificação jurídica do delito e, se necessário, o rol de testemunhas, possibilitando ao acusado compreender a acusação que sobre ele recai e sua atuação na prática delitiva para assegurar o exercício do contraditório e da ampla defesa. A rejeição da denúncia ocorrerá apenas quando, de plano, não se verificarem os requisitos formais a evidenciar sua inépcia, faltar pressuposto processual para seu exercício ou não houver justa causa, incidindo, em casos duvidosos, o princípio in dubio pro societate, a determinar a instauração da ação penal para esclarecimento dos fatos durante a instrução processual penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF, Inq n. 2589, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.09.14; Inq n. 3537, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09.09.14 e HC n. 100908, Rel. Min. Carlos Britto, j. 24.11.09). 3. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade (STJ, 5ª Turma, HC n. 89.119-PE, Rel. Jane Silva, unânime, j. 25.10.07, DJ 25.10.07, DJ 12.11.07, p. 271; HC n. 56.104-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, unânime, 13.12.07, DJ 11.02.08, p. 1; TRF da 3ª Região, HC n. 2003.03.019644-6, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, unânime, j. 24.11.03, DJU 16.12.03, p. 647). O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o trancamento da ação penal por falta de justa causa reveste-se do caráter da excepcionalidade (STF, HC n. 94.752-RS, Rel. Min. Eros Grau, j. 26.08.08). [...] 7. Ordem de habeas corpus denegada. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 73507 - 0003484-50.2017.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 19/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/03/2018) (grifo nosso) Há de se enfatizar, uma vez mais, que os elementos probatórios mínimos que serviram de base para o oferecimento da denúncia serão submetidos ao contraditório e à ampla defesa, no curso da instrução criminal. Ademais, as alegações ora fomentadas não foram constatadas de plano, através da prova pré-constituída, não sendo possível concluir a não participação do paciente nos crimes a ele imputados apenas com base no elementos trazidos pela defesa neste writ, sem que se proceda a análise aprofundada dos elementos de prova juntados aos autos, ressaltando-se que o exame aprofundado de provas, como é o caso dos autos, é inviável em sede de habeas corpus, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores: E M E N T A: RECURSO ORDINÁRIO EM “HABEAS CORPUS” – ALEGADA NULIDADE DO ATO DECISÓRIO QUE SUPOSTAMENTE TERIA DETERMINADO A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COM APOIO EXCLUSIVO EM DELAÇÃO ANÔNIMA – INOCORRÊNCIA – EXISTÊNCIA DE FARTA DOCUMENTAÇÃO REVELADORA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA DE CRIMES – INSTAURAÇÃO PRÉVIA DE INQUÉRITO POLICIAL PARA EFEITO DA VÁLIDA DECRETAÇÃO DE QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO – DESNECESSIDADE – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – SITUAÇÃO DE ILIQUIDEZ QUANTO AOS FATOS SUBJACENTES AO PROCESSO PENAL – CONTROVÉRSIA QUE IMPLICA EXAME APROFUNDADO DE FATOS E CONFRONTO ANALÍTICO DE MATÉRIA PROBATÓRIA – INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO PROCESSO DE “HABEAS CORPUS” – PARECER DA DOUTA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELO NÃO PROVIMENTO DO AGRAVO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (STF, RHC 126420 AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe-049 15-03-2017) AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. ART. 258 DO RISTJ. ESTELIONATO MAJORADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. ANÁLISE APROFUNDADA DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE NA VIA ESTREITA DO RECURSO EM HABEAS CORPUS. AGRAVO DESPROVIDO. I - O reconhecimento da ausência de justa causa para a ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade. II - A liquidez dos fatos, cumpre ressaltar, constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus ou de seu recurso ordinário, uma vez que seu manejo pressupõe ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante a ponto de ser demonstrada de plano. III - No caso, o eg. Tribunal de origem assentou que estariam presentes os indícios mínimos necessários para a persecução penal, fazendo análise do acervo probatório até então coligido. Modificar o entendimento do eg. Tribunal demandaria aprofundado exame do acervo probatório da ação penal, o que é inviável em sede de recurso ordinário em habeas corpus. [...] Agravo regimental desprovido. (STJ, AgInt no RHC 93.950/PI, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 28/06/2018) (grifo nosso) Dessa forma, na presente hipótese, existe lastro probatório mínimo a autorizar a instauração e prosseguimento da ação penal quanto aos delitos imputados ao paciente. Por todo o exposto, denego a ordem de habeas corpus. É o voto.
IMPETRANTE: LEONARDO DE ALMEIDA MAXIMO, MATHEUS BUENO DE SOUZA, GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARO
E M E N T A
HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ALEGADA AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DA CONDUTA DO PACIENTE NÃO VERIFICADA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NÃO DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA.
1. Insurgem-se os impetrantes contra a suposta falta de justa causa para a ação penal diante da inépcia da denúncia, a qual não descreveu o comportamento delitivo engendrado pelo paciente, caracterizador dos art. 1º, I, da Lei 8137/90 e art. 337-A, III, do Código Penal.
2. O trancamento da ação penal através do habeas corpus é medida excepcional, que apenas se justifica quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inexistência de indícios de autoria ou materialidade, circunstâncias não evidenciadas nestes autos.
3. Verifica-se que a exordial descreve a conduta tida como criminosa, em consonância com o artigo 41 do Código de Processo Penal, narrando fatos objetivos e concretos, de modo a permitir o pleno exercício do direito de defesa. A análise detida dos autos revela que a denúncia faz descrição clara do envolvimento do paciente nas supostas condutas ilícitas ainda que ele, pessoalmente, não tenha assinado o documento colacionado na inicial acusatória. Como sócio administrador da empresa se fez representar, no momento da assinatura, pelo engenheiro por ele contratado. No entanto, esse fato considerado isoladamente não tem o condão de afastar os indícios de autoria que recaem sobre o paciente.
4. Saliento que a exigência de individualização material, espacial e temporal das condutas deve ser entendida sempre tendo-se em vista a complexidade de cada delito e suas circunstâncias específicas. Não se pode conceber que a individualização da conduta em crimes complexos tenha a mesma exatidão que a de crimes comezinhos como o furto simples e o roubo em condições comuns. Há de se enfatizar também que os elementos probatórios mínimos que serviram de base para o oferecimento da denúncia serão submetidos ao contraditório e à ampla defesa, no curso da instrução criminal.
5. Nessa fase processual prepondera o princípio do in dubio pro societate, cabendo a rejeição da denúncia apenas nas hipóteses de inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.
6. Ademais, as alegações ora fomentadas não foram constatadas de plano, através da prova pré-constituída, ressaltando-se que o exame aprofundado de provas é inviável em sede de habeas corpus.
7. Ordem denegada.