Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004993-12.2019.4.03.6112

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: RAUL ADRIANO FRAGOSO MARTINS

Advogados do(a) APELADO: ROBERLEI CANDIDO DE ARAUJO - SP214880-N, DANILO AUGUSTO DE PAULA SOUZA - SP200592-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004993-12.2019.4.03.6112

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: RAUL ADRIANO FRAGOSO MARTINS

Advogados do(a) APELADO: ROBERLEI CANDIDO DE ARAUJO - SP214880-N, DANILO AUGUSTO DE PAULA SOUZA - SP200592-A

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 3ª Vara de Presidente Prudente/SP, que absolveu RAUL ADRIANO FRAGOSO MARTINS da prática do crime previsto no artigo 334, §1º, II e IV, c/c 29, caput, todos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Narra a denúncia (ID 210318954, p. 50/56):

"1. No dia 23 de janeiro de 2019, nos municípios de Presidente Bernardes e Teodoro Sampaio, nesta subseção judiciária de Presidente Prudente/SP, constatou-se que os imputados JANDERSON TOMAS DA SILVA, GABRIEL FELIPE LEMES GALDINO e RAUL ADRIANO FRAGOSO, agindo em concurso, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, adquiriram, receberam e transportaram em proveito próprio e alheio, grande quantidade de mercadorias estrangeiras, notadamente, 39.840 (trinta e nove mil, oitocentos e quarenta) unidades de essência de narguilé 50g, das marcas Zomo e Nay, sabores diversos, tudo desacompanhado de documentação e legal e proveniente do Paraguai, previamente internado por eles de modo clandestino e ilícito em território nacional, não se submetendo a despacho aduaneiro de importação, em contrariedade ao Decreto nº 6.759/2009 e Instrução Normativa SRF nº 680/2006, iludindo no todo, o pagamento dos impostos devidos pela entrada das mercadorias, conforme autos de infração e termos de apreensão e guarda-fiscal nºs 0810500/00017/19 e 0810500/00019/19, colacionado aos autos às fls. 67/79.

2. No dia dos fatos, por volta das 20h00min, na Rodovia Olímpio Ferreira da Silva SP 272, altura do km 16, no município de Presidente Bernardes, a Polícia Militar abordou o veículo caminhão Iveco/Ectector, placas HJI- 3416, conduzido por JANDERSON TOMAS DA SILVA, procedendo vistoria à carroceria do veículo, constatando que o mesmo estava carregado de diversas caixas contendo folhas de papel para reciclagem, tendo sido localizadas, ocultas embaixo destas caixas, grande quantidade de essência para narguile da marca “NAY” e “ZOMO”, de origem estrangeira, desacompanhada de documentação comprobatória de sua entrada regular no país.

3. JANDERSON TOMAS DA SILVA relatou que trabalha como motorista para RAUL ADRIANO FRANÇOSO MARTINS, proprietário do veículo, e que seguindo determinação de RAUL ADRIANO, carregou o papel para reciclagem na cidade de Campo Grande-MS e que no retorno, ainda seguindo as orientações de RAUL, parou em um posto de combustível na cidade de Nova Alvorada do SUL-MS, onde um terceiro apanhou o veículo e o levou para um local desconhecido para que fosse carregado com as essências para narguilé, tendo JANDERSON recebido a carga descaminhada, prosseguindo com seu transporte com destino a cidade de São Paulo, ciente da origem ilícita dos produtos.

4. Apurou-se ainda que um outro motorista também estava viajando no mesmo trajeto com outro caminhão de propriedade de RAUL ADRIANO, tendo uma equipe da polícia militar se deslocado para a Rodovia SP-613, na saída do município de Teodoro Sampaio-SP, onde localizaram e abordaram o caminhão M. Bens 1933, placas EFV-6388, reboque CAR/S, placas BWP 6974, conduzido por GABRIEL FELIPE LEMES GALDINO. Ao procederam a fiscalização no veículo, localizou-se grande quantidade de material plástico, bem como diversas caixas contendo essência para narguile da marca “NAY”, de origem estrangeira, desacompanhadas de documentação comprobatória de sua entrada regular no país.

5. GABRIEL FELIPE LEMES GALDINO confirmou que trabalha para RAUL ADRIANO FRANÇOSO MARTINS, proprietário do caminhão, e que seguindo orientação de RAUL deslocou-se até a cidade de Ponta Porã- MS, onde carregou a carga plástica, seguindo até a cidade de Dourados-MS, onde, ainda seguindo as orientações da Raul, permitiu que a carga de narguilé fosse carregada no veículo, recebendo-a e prosseguiu viagem com destino a cidade de São Paulo-SP, ciente da origem ilícita dos produtos.

6. RAUL ADRIANO FRANÇOSO MARTINS é proprietário da empresa INTERTECH TECHNOLOGY IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, bem como dos caminhões apreendidos, sendo o responsável pela aquisição das caixas contendo essência para narguile e também pela contratação de JANDERSON TOMAS DA SILVA e GABRIEL FELIPE LEMES GALDINO para que estes efetuassem o recebimento e o transporte da mercadoria estrangeira, adquirida por ele e introduzida clandestinamente no território nacional.

7. De acordo com o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0810500/00017/19 (fls. 68-73), foram apreendidos 19.800 unidades de essência para narguilé 50g, das marcas Zomo e Nay, no caminhão Iveco/Ectector, placas HJI-3416, conduzido por JANDERSON TOMAS DA SILVA, avaliadas em R$ 111.672,00 (cento e onze mil, seiscentos e setenta e dois reais), sendo que os tributos iludidos totalizaram R$ 68.957,45 (sessenta e oito mil, novecentos e cinquenta e sete reais e quarenta e cinco centavos).

8. De acordo com o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0810500/00019/19 (fls. 74-79), foram apreendidos 20.040 unidades de essência para narguilé 50g, das marcas Zomo e Nay, no caminhão M. Bens 1933, placas EFV-6388, reboque CAR/S, placas BWP- 6974, conduzido por GABRIEL FELIPE LEMES GALDINO, avaliadas em R$ 113.025,60 (cento e treze mil e vinte e cinco reais), sendo que os tributos iludidos totalizaram R$ 69.793,30 (sessenta e nove mil, setecentos e noventa e três reais e trinta centavos).

9. Resta evidenciado que JANDERSON TOMAS DA SILVA, GABRIEL FELIPE LEMES GALDINO e RAUL ADRIANO FRAGOSO, agindo em concurso, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, adquiriram e receberam a carga de produtos estrangeiros, provenientes do Paraguai, sem qualquer documentação legal, com ilusão dos tributos devidos, tendo como destino a cidade de São Paulo/SP, em proveito próprio e com finalidade comercial.

10. Ao adquirir, receber, importar e transportar tais mercadorias estrangeiras, ilicitamente introduzidas em território nacional e desprovidas de documentação comprobatória de sua regular importação, os denunciandos iludiram os impostos devidos e causaram dano ao Erário, por força dos artigos 94, 95, 96, inciso II, do Decreto Lei n.º 37/66 e art. 23, 25 e 27 do Decreto-Lei n.º 1455/76, regulamentado pelos arts. 673, 674, 675, inciso II, 686, 687, 701 e 774 do Decreto 6.756/09."

Por fim, o Ministério Público Federal denunciou JANDERSON TOMAS DA SILVA, GABRIEL FELIPE LEMES GALDINO e RAUL ADRIANO FRAGOSO como incursos no artigo 334, §1º, II e IV, c/c 29, caput, todos do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 09/08/2019 (ID 210320332, p. 25/26).

Houve o desmembramento do feito em relação a JANDERSON e GABRIEL FELIPE (ID 210318954, p. 02; ID 210320515).

Após regular instrução criminal, sobreveio a sentença de ID 210320578, pela qual o magistrado de primeiro grau julgou improcedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, para absolver RAUL ADRIANO FRAGOSO da prática do crime de descaminho, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

A sentença foi publicada em 04 de outubro de 2021.

O Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação, sustentando que restou evidenciado, pelas declarações de JANDERSON e GABRIEL, assim como pelos depoimentos dos policiais prestados em juízo, que RAUL ADRIANO não era só proprietário dos caminhões apreendidos, mas também das caixas de essência de narguilé, tendo orientado seus funcionários a fazer o carregamento da carga, mantendo, inclusive, contato telefônico com JANDERSON, quando da abordagem policial, a respeito de seu outro veículo conduzido por GABRIEL, fazendo crer que tinha total ciência do transporte de carga estrangeira, proveniente do Paraguai, tendo como destino a cidade de São Paulo, sem qualquer documentação legal, não pagando os tributos devidos, em proveito próprio e com finalidade comercial. Pleiteia pela reforma da sentença, para que RAUL ADRIANO seja condenado por infração ao artigo 334, §1º, incisos II e IV, combinado com o artigo 29, caput, todos do Código Penal. O denunciado apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção da r. sentença (ID 210320580).

Contrarrazões defensivas pelo desprovimento do recurso (ID 210320636).

Parecer da Procuradoria Regional da República pelo provimento do apelo ministerial (ID 243221602).

É o relatório.

À revisão.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004993-12.2019.4.03.6112

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: RAUL ADRIANO FRAGOSO MARTINS

Advogados do(a) APELADO: ROBERLEI CANDIDO DE ARAUJO - SP214880-N, DANILO AUGUSTO DE PAULA SOUZA - SP200592-A

 

 

V O T O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Cuida-se de apelação penal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão que julgou improcedente a denúncia, para absolver o réu da imputação pela prática do crime previsto no art. 334, §1º, II e IV, c/c 29, caput, todos do Código Penal, que dispõe:

"Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1o  Incorre na mesma pena quem:  

II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho;  

IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. "

Da materialidade

A materialidade restou comprovada pelos Autos de Infração e Termos de Apreensão e Guarda Fiscal de nº 0810500/00017/19 e de nº 0810500/00019/19 (ID 210318955, pp. 53/58 e ID 210318956, pp. 01/06), e pelos registros fotográficos de ID 210318954, pp. 72/73. 

Referidos documentos demonstram a apreensão de 19.800 (dezenove mil e oitocentas) essências de narguile, 50g, Zomo e Nay, sabores diversos, que totalizavam R$ 111.672,00, localizados no caminhão conduzido por Janderson, e 20.040 (vinte mil e quarenta) essências de narguile, 50g, Zomo e Nay, sabores diversos, que totalizavam R$ 113.025,60, encontradas no caminhão conduzido por Gabriel.  Tais mercadorias estavam desacompanhadas de nota fiscal e os autos de infração emitidos pela Receita Federal atestam que se trata de mercadoria de origem estrangeira, de procedência paraguaia, pelo que resta comprovada a materialidade delitiva. 

Da autoria e do dolo

Não vislumbro a existência de provas capazes de demonstrar, com a certeza necessária, a autoria delitiva.

Extrai-se do depoimento do policial militar Cláudio Lino da Silva em sede investigativa que, em 23/01/2019, realizava fiscalização de rotina na Rodovia SP-272, km 16, no município de Presidente Bernardes/SP, quando visualizaram o caminhão Iveco/Ectector, placas HJI-3416, parado no acostamento. Em vistoria à carroceria do veículo, conduzido por Janderson, foram localizadas diversas caixas contendo folhas de papel, e, ocultas embaixo das caixas de papel, havia grande quantidade de caixas contendo essência de narguilé da marca "Nay". Janderson afirmou que havia carregado o papel para reciclagem na cidade de Campo Grande/MS, e apresentou a nota fiscal respectiva, e disse que as essências de narguile foram carregadas na cidade de Nova Alvorada do Sul/MS. Relatou que o motorista disse que as mercadorias tinham como destino a cidade de São Paulo/SP, e que trabalhava para RAUL ADRIANO MARTINS, proprietário do veículo. Janderson não sabia informar a quantidade de caixas de essência que estava transportando. As caixas de narguilé apresentavam em sua embalagem um selo com a inscrição PY junto ao número do lote. Janderson informou que outro caminhão de propriedade de RAUL também viajava no mesmo trajeto, sendo que outra equipe policial conseguiu abordar o veículo nas proximidades da cidade de Teodoro Sampaio/SP, e este veículo também estaria carregado com essência de narguilé similar à apreendida com Janderson (ID 210318954, p. 59).

A testemunha reiterou suas alegações quando ouvida em juízo (ID 210320565).

O policial militar Celso Eduardo Nunes Brito, em fase policial, narrou o mesmo em relação à abordagem de Janderson, e acrescentou que, com a informação de que outro caminhão viajava na mesma rota, a equipe policial abordou o caminhão M. Benz 1933, placas EFV-6388, reboque de placas BWP-6974, conduzido por Gabriel Felipe Lemes Galdino. Em vistoria ao veículo, localizaram grande quantidade de material plástico, bem como várias caixas contendo essência de narguile. Gabriel confirmou que trabalhava para RAUL, proprietário do caminhão, e que os produtos tinham como destino a cidade de São Paulo/SP. Relatou que Gabriel disse que carregou a carga plástica em Ponta Porã/MS, e a essência de narguile na cidade de Dourados/MS (ID 210318954, p. 60).

Em juízo, a testemunha reiterou suas alegações (ID 210320564).

Janderson, interrogado pela autoridade policial, respondeu trabalhar como motorista para a transportadora INTERTEC, localizada na cidade de São Paulo/SP, de propriedade de RAUL. Narrou que viajou com o caminhão Iveco/Ectector para Campo Grande/MS, onde carregou o veículo com uma carga de papel para reciclagem. No retorno, parou em um posto de combustível na cidade de Nova Alvorada do Sul/MS, onde terceiro que não conhecia apanhou o veículo e o levou para local que desconhece pra carregar o veículo com caixas de essência para narguile. Disse que todo o procedimento realizado durante a viagem foi determinado por seu empregador RAUL. Todos os produtos tinham como destino a cidade de São Paulo/SP. Estava na posse das notas fiscais referentes aos papeis para reciclagem. Não possuía a nota fiscal para a essência de narguile, prém seu patrão lhe afirmou que possuía o documento fiscal do produto. Não sabe a origem do produto, seu valor ou mesmo a quantidade que havia no cainhão. Tinha ciência que outro motorista de nome Gabriel também viajava com outro caminhão de RAUL para Mato Grosso do Sul. Não viajaram juntos. Não sabe quais produtos Gabriel transportava. Essa foi a primeira vez que transportou essência para narguile. Já realizou diversas viagens para Mato Grosso do Sul, transportando os mais variados produtos (ID 210318954, p. 61). 

Gabriel, por sua vez, também declarou ser motorista contratado por RAUL. DIsse que viajou para Ponta Porã/MS com o caminhão M. Benz 1933, para realizar o carregamento de "preforma", produtos plásticos para a produção de garrafas pet. Na sequência, passou em Dourados/MS e carregou o veículo com caixas e essência para narguile, em uma casa, não sabendo indicar o endereço. Todo o procedimento foi determinado por seu empregador RAUL. Todos os produtos tinham como destino a cidade de São Paulo/SP. Estava na posse de nota fiscal referente às embalagens plásticas, as quais foram carregadas em uma fábrica em Ponta Porã/MS. Não possuía a nota fiscal para a essência de narguile. Não sabe a origem das mesmas, ou seu valor. Não sabia o qe Janderson carregava. Disse que em outras oportunidades já transportou essências de narguilé para RAUL. Disse que em 2018 teve uma carga de essência de narguile apreendida quando transportava em um caminhão de sua propriedade. O carregamento, naquela ocasião, não pertencia a RAUL  (ID 210318954, p. 63).

RAUL, interrogado pela autoridade policial, assumiu ser proprietário dos veículos indicados, e sócio-proprietário da empresa ITERTECH TECHNOLOGY IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO. Disse que, no dia 23/01/2019, Janderson e Gabriel prestavam serviço para a sua empresa como motoristas daqueles caminhões. Alegou desconhecer o transporte de essência para narguile de origem estrangeira. Disse que as mercadorias transportadas na época estavam devidamente documentadas. Não soube dizer onde ou de que forma os motoristas obtiveram a essência para narguile, e afirmou que não os autorizou a transportar referida essência (ID 210318956, p. 13).

Interrogado em juízo, RAUL novamente admitiu ser proprietário dos caminhões, e asseverou que sempre prestaram os serviços de transporte com a devida documentação. Declarou que, na época dos fatos, tinha cinco caminhões ativos. Afirmou que Janderson e Gabriel tinham carteira assinada em sua empresa, sendo que primeiro contratou Gabriel, e este sugeriu a contratação de Janderson. Respondeu que não sabia que Gabriel já havia tido passagem por descaminho/contrabando. Disse que, há cerca de dois anos, Janderson pegou seu carro particular e fugiu, pelo que o interrogando elaborou boletim de ocorrência contra Janderson. Afirmou nunca ter transportado essência de narguilé. Disse que ficou sabendo do que havia acontecido quando os motoristas estavam na Polícia Federal de Presidente Prudente e lhe telefonaram, sendo que providenciou advogado para ambos. Em relação a estas viagens em particular, detalhou que Janderson carregou o caminhão em Campo Grande/MS, com resíduos de papeis, e Gabriel carregou o caminhão na fronteira de Ponta Porã/MS, com plásticos que, quando expandidos, fazem garrafas de refrigerantes. Disse que os caminhões não ultrapassavam a fronteira do Brasil, sendo o carregamento feito em Ponta Porã. Afirmou que fizeram vários carregamentos na divisa, e nunca tiveram problemas. Negou ter qualquer relação com narguilé. Alegou ter sofrido prejuízos de cerca de R$ 250.000,00 em decorrência da apreensão. Questionado por seu advogado acerca da razão de não ter aceitado o acordo de não persecução penal, respondeu que sempre trabalhou dentro da lei, e nunca teve passagem pela polícia. Disse que está no Brasil há muito anos, e que tentou criar condições para os funcionários e colaboradores trabalharem de forma correta, porém eles acabam fazendo coisas erradas, e os donos arcam com o prejuízo. Disse que não acompanha o carregamento e descarregamento das cargas, sendo que os motoristas têm autonomia. Acredita que as pessoas sejam profissionais e ajam de boa-fé. Soube somente depois do ocorrido que Gabriel tinha passagem anterior pelo mesmo fato (IDs 210320567 e 210320568).

A testemunha de defesa Eduardo Rodrigues Junior disse conhecer o acusado há cerca de dois ou três anos. Como caminhoneiro, realizou o transporte de diversos tipos de cargas, e ainda presta serviços para o réu. Nunca transportou narguilé para RAUL. Os transportes eram sempre realizados com os documentos fiscais respectivos. A testemunha não utiliza mais serviços de terceiros, porque teve problemas com motoristas que transportaram cargas sem o seu conhecimento. Explicou que o “complemento de carga” é uma carga extra que o motorista coloca para transportar, normalmente sem o conhecimento do patrão (ID 210320566).

Pesa em desfavor do réu o fato de os caminhões serem de sua propriedade, e que Gabriel e Janderson, seus funcionários, tenham afirmado na esfera policial que as caixas de essência de narguile pertenciam a RAUL. 

Entretanto, partilho do entendimento do magistrado a quo, no sentido de que não há provas suficientes nos autos que permitam concluir que o réu tenha determinado o transporte das mercadorias descaminhadas.

Deveras, no contexto do caso concreto, o frágil conjunto probatório amealhado não estabeleceu o juízo de certeza indispensável para sustentar um veredicto condenatório.

Há dúvida razoável quanto à ciência do réu sobre o transporte das essências de narguile, ou que fosse proprietários das mesmas.

É verossímil que os motoristas tenham acrescentado à carga regular, acerca da qual o réu possuía ciência, carga ilícita, esta sem o conhecimento de RAUL, sobretudo considerando-se que Gabriel confessou já ter sofrido apreensão no ano de 2018, quanto transportava essência de narguile em caminhão de sua propriedade, em situação fática completamente desvinculada de RAUL.

Tal informação se coaduna com o fato de RAUL ter contratado primeiro Gabriel, sendo que este sugeriu a contratação de Janderson. Assim, havendo vínculo de amizade anterior entre os corréus Gabriel e Janderson, e envolvimento prévio de Gabriel com o transporte ilegal de essências de narguile, é possível que eles tenham atuado juntamente, sem que RAUL tivesse participação ou conhecimento acerca da empreitada criminosa. 

Além disso, as declarações prestadas por Janderson e Gabriel em sede investigativa são parcialmente contraditórias, uma vez que este afirmou que recebeu as mercadorias irregulares em uma casa em Dourados/MS, cujo endereço disse não saber indicar. Janderson, por sua vez, disse ter parado em um posto de combustível na cidade de Nova Alvorada do Sul/MS, onde terceiro que não conhecia apanhou o veículo e o levou para local que alegou desconhecer para carregar o veículo com caixas de essência para narguile. 

Em que pesem os argumentos ministeriais, deveras é relevante o fato de o réu não possuir antecedentes criminais (ID 210318954, pp. 15/16, e 20). Já o não aceite da proposta de suspensão condicional do processo (ID 210320479), embora possa ser uma estratégia defensiva, como apontado pela Procuradoria, pode igualmente ser uma legítima recusa em assumir a culpa por ato não praticado. 

Destaco que o ônus da prova, para fins de condenação na seara penal, é incumbência do órgão acusatório, devendo se operar a absolvição quando não houver, entre outros, prova suficiente de que o réu perpetrou os fatos elencados na denúncia - como no caso em apreço - especialmente em respeito à presunção de inocência.

A existência de meros indícios, portanto, não autoriza o embasamento do édito condenatório, incidindo-se o princípio in dubio pro reo.

Assim, embora tenha restado cabalmente demonstrada a materialidade delitiva, o mesmo não ocorreu em relação à autoria, cuja prova revela-se demasiadamente frágil para embasar uma condenação. Assim, impõe-se a manutenção da absolvição, em respeito ao princípio do in dubio pro reo, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, nego provimento à apelação interposta pelo Ministério Público Federal, mantendo a absolvição do réu, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP.

É o voto.



 

E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. MATERIALIDADE DELITIVA DEMONSTRADA. AUTORIA NÃO DEMONSTRADA SATISFATORIAMENTE. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. ART. 386, INCISO VII, DO CPP.  RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.

1. Cuida-se de apelação penal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão que julgou improcedente a denúncia, para absolver o réu da imputação pela prática do crime previsto no art. 334, §1º, II e IV, c/c 29, caput, todos do Código Penal.

2. A materialidade restou comprovada pelos Autos de Infração e Termos de Apreensão e Guarda Fiscal  e pelos registros fotográficos de ID 210318954, pp. 72/73, os quais demonstram a apreensão de 39.840 (trinta e nove mil, oitocentas e quarenta) essências de narguile, 50g, Zomo e Nay, sabores diversos, que totalizavam R$ 224.697,60.  Tais mercadorias estavam desacompanhadas de nota fiscal e os autos de infração emitidos pela Receita Federal atestam que se trata de mercadoria de origem estrangeira, de procedência paraguaia, pelo que resta comprovada a materialidade delitiva. 

3. Não vislumbro a existência de provas capazes de demonstrar, com a certeza necessária, a autoria delitiva. Há dúvida razoável quanto à ciência do réu sobre o transporte das essências de narguile, ou que fosse proprietários das mesmas. A versão dos fatos apresentada pelo réu é verossímil. 

4. O ônus da prova, para fins de condenação na seara penal, é incumbência do órgão acusatório, devendo se operar a absolvição quando não houver, entre outros, prova suficiente de que o réu perpetrou os fatos elencados na denúncia - como no caso em apreço - especialmente em respeito à presunção de inocência. A existência de meros indícios, portanto, não autoriza o embasamento do édito condenatório, incidindo-se o princípio in dubio pro reo.

5. Assim, embora tenha restado cabalmente demonstrada a materialidade delitiva, o mesmo não ocorreu em relação à autoria, cuja prova revela-se demasiadamente frágil para embasar uma condenação. Assim, impõe-se a manutenção da absolvição, em respeito ao princípio do in dubio pro reo, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

6. Recurso ministerial a que se nega provimento. 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação interposta pelo Ministério Público Federal, mantendo a absolvição do réu, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.